Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 67: Centopeia

A situação da toupeira-quimera era uma das piores que um demônio já se encontrou. 

Muitas espécies de monstros tinham suas próprias formas de sofrimento, então a dor que sentiam variava de acordo com uma série de coisas: capacidades fisiologicas, questões morais, sociais e até resistência mental.

Para os demônios, isso não era diferente. Dada a sua constituição infernal e espiritual, a tortura física não funcionava, nem mesmo a mental, pois todos eram masoquistas e gostavam de um pouquinho de dor.

No entanto, havia uma coisa que temiam bastante, ter a honra ou até integridade manchada por um determinado tipo de ação era a coisa que mais faria um demônio entrar em submissão.

O motivo era bastante simples, já que viveriam uma eternidade de qualquer forma, o reconhecimento que ganhavam dos outros era o que mais importava.

Sendo assim, se um demônio poderoso adquirisse muito poder por meios maléficos e que desgraçassem alguma espécie, esse demônio receberia prestigio aos olhos dos outros.

Da mesma forma que uma criatura demoníaca ser encantada ou domada por outros seres era mal visto, seria considerado um tipo de vergonha a raça inteira de demônios.

Espancado por um humano e mantido vivo como um saco de pancadas para cuspir qualquer informação útil, a toupeira ainda contava com a chance de trair o seu mestre se falasse demais.

Ele já estava fodido e humilhado de qualquer jeito, a única coisa que realmente não se daria ao luxo de fazer era se tornar um traidor. 

Isso seria uma lástima que serviria como um tipo de legado seu até o fim dos tempos, e com certeza ninguém desejaria ter o legado de “ser mais não confiável do mundo” gravado em seu túmulo.

“Urgh, se eu pudesse só escapar agora! Eu não sabia que esse mortal era tão forte assim, teria trago mais alguém comigo, deve até ser por isso que ele passou pela infantaria de diabretes de jeito fácil!”

Aquele garoto não era gente normal. A começar pela forma como se portava, que era diferente dos demais humanos e mortais que cruzaram o vulcão ao longo dos milênios.

Era comum encontrá-los em grupos de no mínimo 4 pessoas, seus tamanhos variavam, alguns usavam muitas poções e relíquias para se resolver, mas o rapaz era o contrário disso.

Não sofreu nenhum dano, seus punhos eram fortes ao ponto de quebrar ossos, a katana em sua mão causava sérios cortes e havia mais um punhado de coisa suspeita nele, como a mochila em suas costas.

O monstro não se importava com os socos, nem com a maneira calma como afiava sua espada contra uma árvore de obsidiana, o que mais temia era a forma como ele de vez em quando se virava e falava:

— Já tá afim de contar? Eu também queria ir embora e você não tá me ajudando.

— Não, não estou. Ainda tme como esperar mais…

— Beleza, eu tenho tempo, só não demora demais. Tenho um treino mais tarde e não tenho o dia todo, quebra esse galho pra mim…

“Esse cara é bizarro. A maioria dos mortais perderia a paciência e me mataria agora mesmo.”

A conversa ficava por isso. Lucas odiava torturar, além do mais, não era nenhum sádico que gostava de destruir a mente das pessoas e assim obter algo em troca.

Sem contar que o monstro tinha consciência. Era um monstro? Sim, mas podia pensar, falar e conversar igual uma pessoa normal. Parecia errado matá-lo.

Ele quase morreu mais cedo por causa das investidas desse ser? Também, só que por pura teimosia preferiu manter as coisas do jeito que estavam e tirar informações.

Por fim, mas não menos importante, outro motivo para não bater na toupeira era tanto porque não achava legal bater em animais e porque toda vez que seu punho atingia aquele monstro fazia uma cara estranha.

Lucas não era um fã desse tipo de coisa, mesmo conhecendo gente que curtia pra caramba ser pisado e dominado. Era arrepiante ver a cara de satisfação do outro por levar um soco na barriga.

Ele não era um desses, e esperava que nunca encontrasse outra pessoa que quisesse tal coisa consigo. 

Se as entidades abençoassem, seu caminho estaria eternamente limpo para apenas pessoas boas e que quisessem seu bem.

Enfim, a melhor opção no momento era só aguardar outro aparecer, ou a paciência da toupeira-quimera acabar e abrir o jogo com informações valiosas. 

No entanto, por esse motivo a toupeira o temia tanto. Era um jogo psicologico diferente, do qual Lucas nem tinha ideia de que estava vencendo de maneira esmagadora.

O joguinho de espera trazia dois problemas cruciais: ou o monstro morreria por falta de energia vital que retirava de outras criaturas que caiam no inferno, ou um de seus colegas o veria assim.

Se a segunda acontecesse, a toupeira cometeria suicídio na mesma hora, para não carregar a vergonha de viver uma eternidade vergonhosa de sofrimento.

Suicídio num lugar infernal era prova de que você sofreu uma humilhação tão grande que nem mesmo aquele plano era capaz de mantê-lo depois de tamanho desaforo.

Ou seja, era uma consideração muito séria, sua vida estava na linha só porque nada acontecia. 

Morrer agora para um ataque comum seria pelo menos aceitável, significava só que os comandantes subestimaram a pessoa que entrou no território.

— O-o que você quer saber? — abriu a boca, tentando achar uma forma de escapar da situação.

— Ah, eu só queria saber como eu chego lá em cima. — Lucas apontou em direção ao topo do vulcão, mas não via exatamente um lugar para qual usaria para subir. — Tem uma pessoa ou monstro que preciso encontrar lá. Rodei e rodei, mas não tem nenhum caminho pra subir.

— Espere… você só queria subir no vulcão…?

— É, ué. Eu não te deixei ir porque preciso de alguém que ou me mostre um caminho, sabe? Era só ter me dito que tu ia embora.

A toupeira se sentiu muito idiota. Subir no vulcão? Era só dar a volta até encontrar uma estrada que levava direto ao topo. 

“Como diabos esse humano não passou pela estrada principal depois de andar tanto ao redor do vulcão?”

Bom, a toupeira-quimera viu isso como chance de matá-lo. Havia um determinado lugar que também levava ao topo, mas era centenas de vezes pior.

— Dê a volta até achar uma entrada para uma caverna larga. Se encontrar uma estrada, evite ela a todo custo. Usam aquilo como uma distração óbvia para pegar gente desavisada.

— Uau, valeu, carinha! Ainda foi humilde de avisar, então valeu aí, porque eu tô com pressa!

Lucas saiu em disparado, enquanto o monstro acenava com uma das garras com um largo sorriso malicioso. 

 

*****

 

Lucas não era um cara com boas habilidades de navegação, ele se perdeu mesmo naquela simples instrução, precisando dar outra volta no vulcão para achar a tal entrada.

Ainda assim, tomar o caminho mais largo ofereceu algumas vantagens. 

 

Você subiu de nível

Você subiu de nível

 

Essas duas notificações, somadas a uma quantia gorda de drops de monstro, compensaram o tempo perdido. O rapaz encarou a entrada da caverna com as mãos na cintura.

O teto era alto, os lados largos e tinha um som de goteira lá dentro. Goteira dentro de um vulcão definitivamente não era uma coisa tão comum assim de se encontrar.

Mesmo com um certo receio de explorar, não faria nenhum mal já que de acordo com o monstrão de antes, era o caminho mais seguro. 

Exceto pelos sons assustadores nas profundezas da caverna e a tal goteira repetitiva que tomava sua atenção, aparentava ter nada demais. 

Ele entrou na escuridão e explodiu uma Essência de Fogo num pedaço de madeira seca.

 

Essência de Fogo

Raridade: Comum

Um ingrediente alquímico altamente explosivo, que lança chamas ao ter sua casca quebrada. Muitos monstros de fogo tem parte dessa essência dentro de si para usufruirem do elemento fogo, mas esse ingrediente é utilizado em outras ferramentas como forma de pesquisar seus efeitos.

 

“Muito conveniente.” Ele balançou sua tocha improvisada para iluminar a escuridão, indo adiante. “Tá tudo calmo, que bom. Se continuar assim, chego lá em dois toques. Não seria nada legal se no caminho eu…”

— Krrieeeehhh!!!

Aquele zunido maldito quase estourou os tímpanos de Lucas. 

— Nossa, é só pensar na parada que o diabo vem e fode minha paciência.

Uma centopeia vermelha gigante emergiu de dentro de um buraco na parede, voando na direção dele, que habilmente se esquivou se agachando, então sacou a varinha do bolso.

Apontando-a para cima, um jato d’água pressurizado perfurou o corpo do monstro, e como ele ainda estava em movimento, a magia quase rasgou o corpo inteiro da criatura em dois.

Ela morreu em questão de segundos, o sangue verde nojento grudou na armadura de Lucas que teve que usar a magia em si mesmo para se limpar.

— Eca… Ele disse que era o melhor caminho, não que era seguro, né?

 

O atributo Magia aumentou

1x Casca de Centopeia de Fogo

2x Essência de Fogo

 

— E mais drop pra coletar, que belezura! Se eu tivesse com meu sabre de pirata, teria como ganhar ainda mais…

Antes de se dar conta, centenas de olhos avermelhados surgiram na escuridão. O som de goteira se tornou dezenas de vezes mais intenso.

Lucas sentiu um arrepio correr pela espinha, e quando olhou para trás, se deparou com a parede de insetos que estavam esperando apenas para comê-lo vivo, junto de uma cachoeira de saliva de centopeia.

Ele engoliu seco, deu um passinho para trás e ergueu a varinha.

— Oh, porra, por que isso só acontece comigo?

Um tsunami de centopeias veio em sua direção, forçando-o a fuzilar a escuridão com uma série de jatos d’água sem fim, ao mesmo tempo que rodava pela escuridão para desviar das mais variadas rotas de ataque.

Um se aproximou mais do que deveria, o garoto não conseguiria atirar uma magia a tempo, e por isso usou sua Pulseira do Monstro do Mar que não teve a chance de testar até ali.

 

Efeito de morfar ativado.

O braço direito do usuário ganhou a forma de leviatã.

 

Uma ardência correu pelo corpo de Lucas, o lado direito aumentou de tamanho e um grande punho azulado deu lugar a sua pequena mão humana.

Garras e escamas desenhavam linhas ao longo do antebraço, enquanto uma sensação de poder e adrenalina corria da cabeça até os seus pés.

Só precisou de um soco no meio da cabeça da centopeia para que todo o seu corpo fosse esmirilhado em questão de segundos, fragmentos de carapaça voaram como estilhaços de vidro em todas as direções.

Lucas parecia bastante com um tipo de Frankstein, um lado seu tinha se tornado o de um monstro humanóide e o outro carregava um poderoso artefato mágico.

As centopeias tremeram diante daquele humano. Era para ser uma presa fácil, mas pelo visto se enganaram brutalmente. 

Com um sorriso no rosto, Lucas conjurou uma magia no arsenal da varinha.

 

Esfriar Clima

Feitiço de nível 3

 

A temperatura ambiente é grandemente reduzida. O atributo velocidade e agilidade de qualquer inimigo é reduzida em 20% enquanto estiverem no alcance da magia.

 

O túnel esfriou de uma hora para a outra, as centopeias tremeram quando o gelo se formou em cristais no teto e no chão. 

— Hora da gente brincar de verdade!

 

A habilidade Predador Natural foi ativada.

Os atributos foram aumentados em 10%.

 

Com um impulso, ele se aproximou da cauda de uma centopeia e a pegou com sua mão morfada, jogando-a de um lado para o outro como um chicote improvisado.

Esse chicote atingiu seus próprios aliados, junto da parede, o que logo matou o pobre monstro que não mereceu ser usado de tal forma.

Mas Lucas não tinha pena, ele foi emboscado, logo, deveria mostrar a esses seres o que nunca se fazer caso se encontrassem novamente.

O chicote centopeia saiu de suas mãos, realizando um strike nos demais companheiros que se enfileiraram para tentarem escapar. 

Lucas não os deixaria fugir tão cedo agora que causaram problema a sua viagem originalmente tranquila, ele pretendia transformar todos em sacos de exp.



Comentários