Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 68: General

No topo da montanha, um grupo de diabretes andava em direção a um castelo construído acima da superfície da lava borbulhante. 

Uma ponte negra levava até o portão, junto de estandartes roxos com o símbolo de uma rodeando uma cruz negra, símbolo do rei daquele domínio.

Rochas negras gigantes montavam uma muralha ao redor da boca do vulcão, de cima parecia muito pequeno, mas ao descer a encosta aquelas paredes se tornavam altas como um prédio numa cidade.

Dezenas de demônios diferentes todos os dias acessavam o castelo, era como um grande centro social em que você poderia conversar com qualquer um e trocar informações.

No entanto, precisava-se de senso para entender seu lugar. Ninguém, em sã consciência, tentaria fazer qualquer tipo de oferta ao rei sem antes ter certeza que seria aceito.

Mesmo demônios hierarquicamente inferiores e com pouquíssimas habilidade sociais, como as diabretes, sentiam um tipo de medo por causa dessa regra implícita.

Existiam os mandamentos comuns, uma lei regulamentando os deveres da maioria dos seres sob influência do rei, assim como que comportamento teriam que adotar enquanto dentro das muralhas.

Os monstros mais burros sem alguma habilidade para se comunicar entendiam que tipo de mensagem os mandamentos entregavam, e também estavam cientes das punições de quem ia contra.

Por isso, terem que atravessar a entrada e reportar relatórios de suas buscas e travessias na terra infernal, era também uma faca de dois gumes, pois se colocavam em risco toda vez que se aproximavam.

Primeiro, se eles desrespeitassem qualquer um que fosse superior, o vexame e a humilhação os obrigariam a cometer suicídio, coisa que seria desastrosa a qualquer família demoníaca.

Segundo, eles sempre passavam por perto desses generais, e como estes eram muito sensíveis, o mero olhar torto custaria a vida, ou até todo seus suprimentos ou ainda pior, sua honra.

Por isso, era comum os monstros andarem em bandos, simulando um tipo de efeito manada e evitando que qualquer general reparasse em uma única criatura em meio a muitos.

Isso trazia outros problemas, os que viviam sozinhos como “lobos solitários” eram desprezados por colocarem seu grupo inteiro em risco, por exemplo. 

Também era normal um tipo de rixa entre as espécies de demônios, a mais prevalente era entre o clã das Centopeias Vermelhas e o Rei Demônio.

As centopeias se recusavam a obedecê-lo e viviam em sua própria anatomia numa região específica do vulcão, muitas vezes sendo agressivas a invasores e forasteiros.

No entanto, naquele dia, as coisas pareciam mais agitadas que o normal, e não por culpa dessa rixa. Um demônio toupeira chamado Toper retornou com o rosto inchado e cortes no corpo. 

Ele anteriormente foi enviado para lidar com um humano que matou muitos diabretes, mas retornou de mãos vazias e gritava com tudo e todos que queriam uma explicação do ocorrido.

Sendo bastante julgado no pátio principal, Toper atravessou os diabretes com sua pança enorme e abriu as portas para o hall do castelo. 

Outros tipos de demônios faziam seus diversos serviços, mas um relatório gordo como o que Toper oferecia merecia uma conversa direta com os figurões do inferno.

Enquanto subia as escadarias espirais, ele se deparou com a pessoa que menos queria encontrar nesse momento, uma mulher de roupas provocativas e que adorava ter um sorriso malicioso na cara.

Suas roupas coladas emitiam sensualidade, provocando a mente de qualquer um que a olhasse, além de que uma tatuagem de coração num cantinho inapropriado instigava a cabeça de baixo de muitos demônios.

Ela era bem conhecida ao redor do vulcão, uma mulher que encantava os outros e comia seu coração, figurativa e literalmente, sem contar que também comia outras coisas

— Ara… Voltou bastante cedo, Toper. Deixe-me adivinhar, falhou na missão do mestre? Hohoho! Como esperado, eu sabia que você não era apto e até concordei em não te mandar! Deveria ter ficado dentro do castelo e esperado, bobinho!

— Cale a boca, sua vadia de cabelo de broca! Se desse, eu te usava como furadeira nas minas de rubi para ver se você calava sua boca logo!

— Uiii, ficou bravinho? Hihihihoho! Fique o quão bravo quiser, você não pôde fazer nada e voltou de uma forma humilhante! Sorte a sua que o mestre ainda vê utilidade em ti, porque se não, você estaria pendurado por uma estaca no meio do pátio para servir de exemplo! 

Toper escalou o restante da escadaria empurrando aquela stripper de quinta categoria. Preferia ignorar tais comentários, porque a espécie dela era costumeiramente assim para qualquer um.

Súcubos tinham personalidades semelhantes independente da natureza ou hierarquia, elas brincariam com você até te tirarem do sério, ainda mais aquela mulher que já era famosa por suas ações questionáveis até para demônios.

A toupeira-quimera empurrou as portas maciças do salão do trono, deparando-se com um homem sentado numa grande cadeira feita de esqueletos, rubis e pedras roxas. 

Ao seu lado, um obediente cãozinho demoníaco com seis olhos e uma boca repleta de dentes afiados estava recebendo um gostoso cafuné na cabeça, tendo até a língua para fora.

Já o homem, era um misterioso demônio com uma coroa na cabeça e chifres entortados para trás, iguais a de um carneiro, com uma capa ilustre caindo sobre os ombros e joias ao redor do pescoço.

Ele se trajava com elegância, preferindo um lindo paletó que não combinava nem um pouco sua coroa e bijuterias, mas quem era Toper para questionar o desastre de moda que o rei era?

“Se ele usasse uma roupa de nobreza, ou quem sabe fosse mais modesto, teria como levá-lo mais seriamente… Hah, o que estou pensando? Não posso ter tais ideias contra ele, pelo amor.”

O sujeito se levantou do trono apoiado no cabo lança pesada e de lâmina vermelha brilhante. Seus olhos recaíram na toupeira-quimera, que estremeceu ao se deparar com o par de cruzes naquelas pupilas.

— Retornou vivo… Eu esperava que morresse. — Ele desceu lentamente as escadarias, o som de seus passos aceleraram o coração de Toper. — O que você tem a relatar? 

— Ma-majestade… — O monstro se ajoelhou com a cabeça encostada no chão. — Mil desculpas! Me puna da maneira que quiser, eu não pude pará-lo! Me perdoe, por favor, me per…!

A ponta da lança se cravou no piso, rachaduras emergiram ao redor do local em que ficou fincada. O rei elevou o queixo, respirando o mais profundamente possível e respondendo: — Eu quero saber o que você tem a relatar, não as suas desculpas para ter falhado.

— Si-si-sim, meu senhor! Eu direi tudo o que Vossa Majestade quiser!

O olhar de superioridade estremeceu a alma da toupeira-quimera, que não soube onde se esconder perante àquela ordem. Uma risadinha baixa ecoou na sombra ao seu lado.

Toper descreveu em detalhes os acontecimentos após ter sido despachado para lidar com o tal humano, e suas poucas palavras foram o suficiente para surpreender o rei por um breve momento.

A parte em que fora derrotado por mãos nuas era um mal sinal, aquele humano aparentemente seria um desafio diferente dos demais humanos, especialmente dos que entravam em grupos.

Era normal despachar um general ou outro para lidar com tais pessoas, Toper era o de mais baixa categoria entre os generais e por isso foi enviado.

Conforme o monstro contava a história, o rei andou em direção a janela e conferiu os arredores, sem nenhum sinal da tal pessoa causando estrago maior. 

Algumas casas muito distantes permaneceram intactas, enquanto seu território limitado pelo vulcão e uma curta faixa de terra, que era bloqueada por uma parede invisível e névoa.

Uma gama de coisas estranhas aconteceram para que seu reino fosse implantado, e originalmente ele não era o homem mais forte do inferno, na verdade era uma pessoa não muito diferente das demais.

Por causa de seu poder e astúcia que obteve o prestígio e a posição de agora, mas essa posição estava sendo ameaçada logo quando poderia sentir o que era viver de verdade.

— E eu o enviei para a caverna das centopeias para tentar matá-lo… — terminou Toper, levantando a cabeça para observar o rosto apreensivo de seu mestre. 

— Fez uma boa escolha, teremos menos problema assim. Aquelas malditas não me obedecem, então que morram nas garras do inimigo.

— Obrigado, meu lorde.

— Ele se cansou quando lutou contra você?

“Se eu disser que sim, serei mais humilhado ainda… Bem, não tem como aquele garoto sobreviver ao ninho das centopeias.” Toper acenou positivamente com a cabeça. — Sim, se cansou. Acho que deve estar sendo comido neste exato momento. 

— Ótimo. Você pode não ter vencido, mas jogou de forma segura e esperta. Eu não gosto de perder nenhum general, então… — Um tremor tirou parte do equilíbrio do rei, que se segurou na janela. — O que é…

Um BOOM estourou da encosta da montanha, um objeto voador não-identificado voava no horizonte. Era um largo corpo vermelho e cheio de perninhas, com um par de presas afiadas na cabeça.

No entanto, outros detalhes chamavam a atenção do homem, havia manchas escuras na carapaça e os olhos eram azuis ao invés de carmesim, sinais de uma versão superior daquela espécie.

— Uma centopeia vermelha evoluída?! — berrou o rei, arregalando os olhos. 

 

*****

 

Lucas estava com seu braço ainda transformado. O bônus de atributo era realmente de outro mundo, e quando aplicado com outros aumentos, como o anel de abatedor, tornavam-no invencível.

— Uau, isso que eu ainda nem usei tudo o que tenho… — Lucas colocou a mão na testa e observou o buraco que abriu no teto depois de ter jogado uma centopeia sem querer. 

 

Você subiu de nível.

 

— Tá aumentando de nível ainda, vamos continuar. — Ele deu de ombros e sem querer arremessou outra centopeia pela saída improvisada ali em cima.

 

*****

 

— Agora tem outra!! — O rei apontou para os dois pontos escurecidos na janela. — Você não disse que isso lidaria com aquele humano, maldito?!

— Ma-mas senhor, eu-eu não tenho plena consciência do poder total daquela pessoa!

— Grr! Que seja! Invoque todos os meus generais aqui e agora, precisamos de uma reunião de emergência para lidar com esse problema!

Diversos sinos tocaram ao redor do castelo ao gritar em plenos pulmões aquelas palavras. A maioria dos demônios se assustou, além do mais, eram extremamente raras as vezes em que os sinos eram usados.

Ou seja, isso significava que ocorreu algo muito sério. Os generais se encaminharam ao castelo com toda velocidade, o primeiro a chegar foi uma grande armadura negra que derrubou uma das paredes para entrar no salão.

A tal armadura não possuía corpo, um espírito verde rastejava por suas estranhas e controlava seus movimentos. Uma grande alabarda pendia em suas costas, e seus passos pesados balançavam a sala do trono.

— Eu saúdo Vossa Majestade, Igibris! — A armadura se ajoelhou em pleno respeito.

— Não fique aí por muito tempo, estou com muita pressa, Jigolah. — Ele coçou o queixo, extremamente pensativo. — Certo, eu tive um plano, isso retardará o avanço do inimigo e também tem a chance de facilmente matá-lo. Lilith! 

— Sim, meu lorde? — respondeu a mesma súcubo de antes, materializando seu corpo sensual das sombras e também se ajoelhando em respeito.

— Vá com Jigolah e Nictis a caverna das centopeias. Vocês três precisam encontrar um humano que está matando todos os monstros pelo caminho e arrancar sua cabeça. Falhas não serão toleradas.

— Sim, meu senhor! — disseram Jigolah e Lilith em unissono, apenas para Nictis, o cachorro demoníaco, fechar a conversa com um “Au!”. 

Os três saíram pela conveniente parede quebrada que o cavaleiro fantasma deixou, partindo em direção ao epicentro do caos, enquanto o rei ficava para trás junto de Toper.

O monstro toupeira estava com certeza atônito, nem sabia direito se deveria ir embora ou continuar ali, mas saiu de fininho antes que o pior acontecesse.

No final, foi a melhor escolha. Gritos e um estressado rei demônio trouxe mais ordens aos demais generais, três deles, os mais fortes de seu império inteiro.

Agora, com toda certeza do mundo, aquele humano ingrato morreria. Se tivesse morrido antes, não teria que passar por uma situação tão brutal assim. Toper começou a sentir pena do tal humano.



Comentários