Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 70: Voando

Jigolah observava a entrada da caverna em cima de uma torre distante. Minutos atrás, ele se resolveu com Lilith, que por ter interesse no humano, quis primeiramente vê-lo de perto.

O plano era de mandá-la e deixá-la brincar o quanto quisesse com o humano, normalmente eles viravam bonecos desalmados mais tarde e entravam para sua coleção como seres semi-vivos.

O cavaleiro sem corpo não se importava em ser muito metódico, desde que a missão fosse concluída, tudo estaria de acordo com a vontade de seu mestre, independente do que houvesse mais tarde.

“Lilith não é idiota, ela com certeza usará todas as suas magias de encanto para tê-lo na ponta dos dedos, disso eu tenho certeza. Aquela mulher não economiza munição quando vê algo que quer.”

Esse caso poderia ser semelhantemente aplicado ao rei demônio, pois a súcubo era muito vista anotando coisas sobre o líder supremo em um diário. 

Todos sabiam do seu interesse pelo maioral do vulcão, além do mais, quem também não teria esse interesse? Até Jigolah aceitaria ser chamado de rainha desde que ficasse ao lado dele.

O rei possuía beleza, status, fortuna, poder pra caramba, qualquer moça ou moço mataria para viver uma vida sossegada numa casinha com dois filhos tendo este homem como marido.

Com um suspiro imaginário, o cavaleiro escaneou a área ao redor em busca de alguma anomalia, e prontamente encontrou uma que fez seus olhos fantasmagóricos saírem de dentro da armadura.

O tal humano estava vindo na direção da torre com a maldita Lilith nos braços, e pior, aquela mulher safada estava gostando! Até corações flutuavam ao seu redor de tanta paixão.

“O que…? O que diabos aconteceu? Lilith trocou o rei demônio por esse cara?! Não é possível!”

O inacreditável aconteceu, a fã fanática por Igibris, o rei demônio, adquiriu interesse por outro homem! Pior ainda, era pelo próprio inimigo que estavam lidando!

“Eu tenho pena do que ela sofrerá mais tarde por causa dessa traição, mas que anjos passou pela cabeça dessa maluca?! Seria isso uma nova forma de sentir prazer por meio de adrenalina extrema?”

Ele não se deixou levar pela incredulidade, ao invés disso saltou do topo da torre e colidiu suas botas metálicas contra o chão nevado, sacando a alabarda pesada das costas.

— Nictis, venha! — Após chamá-lo, o cachorro demoníaco saiu de sua sombra e mostrou seus caninos afiados. — O inimigo está vindo, prepare-se para enfrentá-lo!

— Au, au! — O cachorro se posicionou e passou a rosnar para a silhueta na distância, mais do que pronto para atacar.

Enquanto isso, já não muito distante da caverna, um Lucas atravessava o campo de cinzas a todo vapor. Sua velocidade era anormal, e tinha um fator o motivando ainda mais: a mulher em seus braços.

Ele não pretendia fazer nada de errado, mas a mãozinha boba daquela maldita estava dando nos seus nervos, já não aguentava mais ser apalpado daquela forma tão indecente.

No entanto, não poderia falar muito por conta do estado dela, logo conteve as palavras para si e focou somente em seguir para o caminho que Lilith indicou.

Antes de saírem da caverna, ela disse que havia um posto de vigilância a metrôs de distância dali. Outros dois colegas se encontravam lá, e também tinha vários quartos aconchegantes para usarem.

— Olhe que com minha autoridade posso liberar qualquer quarto a qualquer hora, o que significa que você pode dividir um comigo se quiser… — provocou, lambendo os beiços enquanto imaginava a cena. — Eu não sei se dormirei bem hoje, Lucas, será que você me deixaria na cama e ficaria um tempo até eu adormecer?

— Já disse, vou pensar…

— Ah, para desse “vou pensar”, eu queria ouvir um “Claro, querida Lilith, eu vou cuidar de você”, entende? Algo romântico, ou sincero escapando da sua boca. Eu também gosto quando comentam coisas safadinhas..

— Me desculpa, mas não sou desses. — Ignorado o pedido, Lucas estreitou os olhos e avistou a tal torre, ao mesmo tempo que encontrou uma armadura em pé e um cachorro fofinho na entrada. — Aqueles ali são seus amigos?

— São eles sim! Uma pena que o rei Igibris mandou a gente pra te impedir ou até te matar… Olha que o Jigolah, o fantasminha de armadura, não gosta de pegar leve com ninguém. Nictis é outro caso, assim que morde, não solta nunca.

— Mandaram um cachorro como inimigo…?

— Sim. Nictis é um cachorro, não percebeu?

Uma veia saltou do pescoço de Lucas. Ele estava puto, mas com muita razão. Como um amante dos animais, ele se recusava a bater em cachorrinhos ou gatinhos domésticos.

Assim, tendo que enfrentar um cachorrinho fofinho e aparentemente muito dócil, um instinto protetor extremamente poderoso emergiu no canto do seu cérebro.

Ele colocou Lilith no chão. Seus olhos injetados de sangue se travaram na armadura, a única coisa que agora tiraria sua raiva explosiva e crescente.

— Lilith, eu vou dar só um aviso ao seu rei demônio… Um aviso bem claro, ok? 

— Ah, ok, amor, faz o que você quiser. Saiba que eu te adoro, admiro e vou apoiar todas as suas ações independente do quão questionáveis forem. — Ela fez um sinalzinho de coração ao terminar de falar.

Lucas acenou positivamente para aquilo e se colocou numa posição de largada. Tudo seria finalizado num movimento só, ele faria questão de gerar um grande arrependimento em mandarem um cachorro.

O sangue circulou com mais rapidez do que nunca pelo corpo do rapaz, sua pele avermelhou e suas veias aumentaram de tamanho, junto de uma quantia de vapor que saia de sua pele.

— Não fique perto… — O chão onde os pés de Lucas estavam apoiados rachou. — Eu não vou saber o que vai acontecer depois disso, então se proteja.

“Ele é tão legal e maravilhoso agindo assim”, pensou Lilith, escondendo-se atrás dos arbustos como pedido. “Nossa, eu queria de novo ser carregada no colo. Esse homem é tudo o que sempre quis, diferente do rei demônio paspalho que nem sequer reparou em mim!”

A respiração de Lucas acelerou, os dois demônios parados na entrada da torre só observaram. O que será que aquele humano estava fazendo parado no meio do nada e numa posição tão frágil?

Jigolah acreditou que talvez estivesse desistindo, mas não tinha sentido agora. Se ele dominou completamente Lilith, então estaria no mesmo nível de poder que o seu.

A resposta veio num piscar de olhos. As cinzas explodiram no lugar que Lucas havia se posicionado, um tsunami escuro foi lançado para trás, de uma hora para a outra aquele garoto reapareceu na frente da armadura viva.

Um chute alto arremessou Jigolah para cima, ao mesmo tempo que Nictis sequer teve como reagir direito, e não parava por aí, porque Lucas ainda saltou e deu uma voadora de dois pés na armadura que a jogou ao infinito e além.

Ela voou tão alto que nem com um segundo salto o rapaz seria capaz de alcançá-la, virando uma estrela viva ascendendo ao céu. O garoto passou a mão no cabelo e então virou a cabeça para o cachorro.

— Pronto, amiguinho, você tá livre daqueles caras maus. — Ele agiu igual a um brasileiro encontrando um caramelo, mas acabou recebendo o mesmo tratamento: uma baita mordida na mão. — Ai, fih de puta! Me larga!

Precisou de alguns balanços para se livrar do cachorro demônio, mas logo quando o tirou de perto, teve que correr para não levar outras mordidas na coxa ou no quadril.

“Por que eu ainda tento ajudar se no final eu só me fodo?!”

 

*****

 

Igibris, sentado no seu trono e tendo convocado os outros três generais do seu domínio, apresentava ainda uma expressão preocupada. 

Sua confiança nos três era imútavel, mas uma coisa o preocupava — pouco tempo atrás, enquanto esperava o último general chegar, ele avistou uma armadura negra voando acima do vulcão pela janela.

Um tempo a tal armadura sumiu, e ele imaginou estar vendo coisas depois do ocorrido com as centopeias. Como a cena não desapareceu de sua mente, não conseguia agir sem se preocupar.

— Hah, eu espero que vocês resolvam essa situação o quanto antes. Jigolah, Lilith e Nictis ainda não voltaram e estou começando a me preocupar que a missão tenha dado errado.

— Bwahahaha, fique tranquilo, Majestade, pois eu lidarei com isso! 

A pessoa responsável pela atitude arrogante era um minotauro ossudo com um machado feito de pedras igneas e com um fio de obsidiana bastante afiado.

Ele era o 3° no ranking dos generais, um acima de Jigolah, e sua atitude petulante era um de seus traços fundamentais para exercer o cargo.

— Não haja como se conhecesse o inimigo, Krevo — respondeu a 2° colocada no ranking. — Você deveria treinar mais seu poder infernal do que falar que consegue lidar com isso. Para o humano derrotar Toper sem esforço algum, significa que ele ainda tem trunfos guardados na manga.

Era uma mulher de cabelo rosado, vestida em um longo manto roxo com vermelho que não destacava os traços sutis de seu corpo, mas ressaltava um rosário preso no pescoço.

A demônio se destacava por seu poder mágico altíssimo, uma general que também gostava bastante de entender os conceitos de estratégia e usá-los para melhor oferecer vitórias e vantagens ao seu rei.

Praticamente, uma pessoa apta para guerrear e que com seu jeito frio e calculista — que na verdade era uma personalidade forçada dela. — resolvia os problemas mais pertinentes relacionados a conflitos.

— Ora ora, parece que a tal general isolada decidiu abrir a boca — respondeu o minotauro, segurando uma risadinha no meio de suas costelas. — Não venha me dar sermão quando não preciso, Aegis.

— Eu lhe mostrarei quem é o fraco dentre nós com um simples duelo, seu monte de ossos inútil…

— Sua…!

— Calem-se! — berrou Igibris, sua lança partiu a mesa em que os três se reuniram em duas. — Por acaso querem morrer, ingratos? Estamos numa crise, essa crise precisa ser resolvida e não agravada por causa de birras inúteis e triviais como as suas! Guardem isso para quando o problema sumir!

Ambas as partes ficaram quietas. A aura pesada do rei era como uma corrente ao redor do pescoço, tirava o ar até dos seres que não podiam respirar por não terem órgãos.

Aconteceu que sobrou para o 1° colocado do ranking dos generais falar alguma coisa, além do mais, melhorar o humor era também um dever seu que ocasionalmente aparecia.

— Escutem o líder e se juntem numa trégua temporária, amigos. Se quiserem, enfrentem o humano um a um como forma de se provarem dignos do que falam.

A tal pessoa abriu um sorriso largo. Seu rosto estava escondido por um manto pesado e seu semblante era indecifrável pelo conjunto de sombras que o escondiam.

— Hah, deveria estar do meu lado, Philomeu — reclamou Aegis, arrumando uma mecha do cabelo. — O plano de enviar nos enviar um por um é inútil, seria a maior idiotice já cometida por qualquer um. O melhor é nós irmos todos juntos de uma vez.

— Também recomendaria fazerem isso — disse Igibris, apoiando a lança em seu ombro e dobrando as pernas sobre a mesa de reunião. — Aquele humano é fora da curva e diferente dos anteriores. Não o subestimem e vão com força total, caso se segurem, sofrerão consequências piores do que uma simples humilhação.

O ar gelou por um momento. A forma como o rei demônio falava não parecia brincadeira, e logo os três concordaram em unir forças para logo terem uma grande chance de ganharem.

No entanto, antes de saírem da sala, um som ecoou do teto. Era como se alguma coisa estivesse caindo, até que uma armadura viva feita de metal negro despencou e destruiu a mesa inteira.

Igibris olhou para Jigolah caído, olhou para o buraco no teto, depois olhou para a armadura de novo e para cima. 

“Por que tudo está voando para cima e para baixo quando o vulcão tem sequer um suporte aéreo…?”

A dúvida permeou a cabeça do rei demônio pelo resto do dia, e agora ele não podia ficar em paz sem de momento em momento ver a janela para ter certeza de que mais nada estava voando.



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