Volume 1
Capítulo 17.1: Novos dias, mesmos problemas
31 de Dezembro de 4817 - Continente de Origoras, Cidade-Estado de Palas, Academia de Palas
— Por qual razão exatamente estamos trabalhando em plena véspera de ano novo?
— Já te dissemos, Shino… — Impaciência exalava da voz de Koushi. — estamos precisando cobrir os turnos da senhorita Nekoren e da senhora Rikage.
— Mas por quê? — choramingou Shino, frustrada. — Tem tantos outros Guardiões melhores e já formados! Ainda somos só estudantes do quinto ano!
— E isso que é a melhor parte, Shinonon!
Shino Einatsu revirou os olhos com a energia positiva que a garota atrás de si irradiou. O trio caminhava sob o pôr do sol enquanto rondavam o perímetro da Academia de Palas, conforme ordenado no dia anterior pela Líder Suprema. Patrulhar a área da instituição, ao contrário do que Shino implicava em suas palavras, não era uma tarefa capaz de ser feita por uma equipe enxuta.
500 largas torres quadradas de dez andares, dispostas também em forma de um quadrado e uniformemente espaçadas, formavam uma espécie de muralha ao redor dos demais prédios pertencentes às instalações da Longinus. Largas passarelas eram rodeadas pelos gramados bem cuidados, conectando todos os prédios dentro daquela “cidade” — diferente do cotidiano, o movimento era baixo devido ao recesso escolar.
— Nem tem gente direito nos dormitórios, Mirei! — retorquiu a nobre solana. — Fora que o pessoal que ficou aqui é totalmente capaz de se proteger sozinho!
— Não é o ponto que a mestra quis passar. Eu tenho certeza de que ela quer que a gente surpreenda.
Os olhos rosados da jovem transmitiam uma euforia que, em conformidade com os soquinhos repetitivos e rápidos que dava no ar, faria um desconhecido duvidar se ela estava bem. O casal, porém, estava acostumado com a energia sem fim de sua amiga.
Conhecida como “Diamante Negro de Staterania”, Mirei Koijima definitivamente fazia jus ao apelido. De pele negra e corpo esguio, o longo cabelo cacheado azul escuro fazia um contraste notável com as íris rosa-claro — cor esta presente também nas pontas das mechas mais longas. Apesar de ser quatro anos mais velha que Shino e Koushi, era bem mais baixa que ambos, característica que contribuía à impressão infantil transmitida pelo seu comportamento habitual.
Contudo, Mirei não estava de brincadeira. Ela se aproximou em um salto de Koushi, colocando-se na frente dele — seu cérebro inconscientemente evitava as linhas dos ladrilhos sob seus pés, apenas pisando no centro deles enquanto caminhava em marcha ré.
— Não concorda, Kou? — perguntou, jogando para ele a questão; — A mestra Haruki com certeza quer testar nosso potencial.
— Eu não diria que é tão profundo ass…
— Com certeza é! — cortou a garota, já percebendo que sua hipótese seria negada. — E se fizermos um bom trabalho, finalmente ela vai deixar sairmos em missões sozinhos. Caralho, isso é o máximo!
Os olhos vermelhos de Koushi cruzaram com os de sua namorada. Não teria outra forma que não esperar a colega falar até ficar sem vontade de interagir. Nada mudou desde que a conheceram, quando ela já era uma veterana do quinto ano.
Antes que Mirei pudesse continuar seu monólogo incessante, um disparo de energia surgiu do leste — um sinal de convocação para quem quer que estivesse de patrulha para que se dirigissem ao ponto indicado. A visão breve da esfera de mana fez a aspirante à Guardiã enlouquecer de vez, ao passo que materializou sua alabarda. O casal correu em velocidade similar atrás dela, cuja corrida abrupta deixaria qualquer um comendo poeira.
— Hora da confusão, galera! — gritou a mais velha, assumindo uma feição mais composta. — Estou contando com vocês!
A área do cais ao leste estava apinhada de civis curiosos, apoiados sob a mureta que dividia a parte alta com as docas. Tentavam todos ter um vislumbre dos Guardiões, localizados a alguns metros mais para baixo, na parte baixa da cidade — vê-los em ação tão perto da população era um evento bem raro para a maior parte dos feirantes e crianças que decidiram prestigiar os “heróis”.
O grupo de enxeridos, porém, era controlado com firmeza por uma dupla feminina, responsável pela barreira de mana entre a batalha e os civis. Quer dizer, apenas a mais alta, uma belíssima mulher negra de sedosos cabelos castanhos e íris escuras, parecia estar colocando o mínimo de esforço em resolver a situação — suor escorria pela sua testa para manter o equilíbrio entre seu humor e sua magia.
O bocejo ruidoso de sua colega, de pele branca e cabelo castanho-claro, soou como uma reclamação. Preparou-se para o que estava por vir com seu melhor sorriso.
— Kotomi… — murmurou a garota, esfregando intensamente seus olhos puxados de cor verde. — não dá pra me deixar resolver isso sozinha? Eu quero dormir…
— A ordem da mestra foi de deixar os alunos resolverem. — A objetividade da resposta de Kotomi fez sua parceira apertar as sobrancelhas, irritada. — No máximo o senhor Reisho pode interferir. Pense nisso como um estágio deles, Midorima.
— A diferença é que não escolhi nenhum aluno esse ano justamente… — Outro bocejo incontrolável interrompeu a fala dela. “Eita, que garota sonolenta”, pensou Kotomi. — pra me livrar deles.
A mulher ponderou se valia a pena comprar aquela briga, especialmente naquele instante. Estava atarefada demais em manter a ordem com os civis e, como já tinha certeza, não conseguiria colocar na cabeça de sua superior que o pensamento dela era bem egoísta. Por via da dúvidas, escolheu a diplomacia ácida.
— Não é como se tivessem muitos alunos ao nível da “general Kochiwa”, não é mesmo? — debochou Kotomi. — Agora, não me atrapalha antes que eu afrouxe a barreira. Se quiser, pode dormir um pouco.
— Obrigada…
Uma larga tábua de luz surgiu na altura da cintura de Midorima, assim como um travesseiro em suas mãos. A garota mal se deitou sobre a superfície e já estava roncando — para quem olhasse de fora, parecia que ela não tinha descansado um segundo sequer em muito tempo.
— Não é como se você não tivesse feito isso ontem também — suspirou para si mesma a mulher, retomando o foco em manter os civis distantes. — Esse controle de mana mesmo dormindo é assustador.
Nas docas, a calmaria também estava longe de se instaurar. Uma pirueta bem dada por Naochi esquivou-o de uma adaga mágica — não que precisasse desviar de verdade, mas estava tão frustrado com trabalhar num feriado que queria movimentar o corpo.
O chute que deu no queixo de um dos bandidos poderia ter sido menos doloroso. Isto, claro, se estivesse consciente da força aplicada nomovimento.
— Naochi, não acha que tá pegando meio pesado não?
Um garoto de olhos puxados, cuja atenção se dividia entre guardar as costas dos aliados e derrubar seus próprios alvos com flechas ágeis, chamou sua atenção, quase que em advertência. Não que ele estivesse errado, entretanto: seus golpes estavam bem mais pesados do que o necessário para inimigos de baixo nível como aqueles.
— Não enche, Katsuoka! — rosnou o loiro, desferindo um soco no abdômen de outro homem, que caiu insconciente. — Você ainda pode usar seu arco, eu tô tendo que lidar sem minhas adagas!
— Não precisa quebrar esses caras no meio — retrucou o de cabelos negros — só derrubar tá ótimo. A Touko que foi escolhida pra lutar a sério hoje.
Uma flecha veloz passou rente ao rosto de Naochi. Estava pronto para reclamar com seu colega, mas o som do corpo de um dos capangas encontrando o chão fez o tal Katsuoka abrir um sorriso presunçoso. O Segunda Cadeira voltou ao combate de cara ainda mais feia — se é que isso era possível —, para o azar dos que o enfrentariam dali para frente.
Apesar de grande parte dos baderneiros já terem caído, o chefe do grupo seguia em um combate intenso. O imenso martelo, tão grande quanto seu corpo musculoso, encontrava dificuldade para acertar um golpe que fosse em sua adversária, armada com uma longa foice.
Alta e vestida num uniforme feminino da Longinus com detalhes em carmesim, Touko Shiryo sentia-se pressionada a acabar aquele combate logo — sua aura reforçava seus ataques incessantes, alternando entre rajadas de energia escura e cortes poderosos com sua arma. O motivo para sua tensão, contudo, era bem distinto do que qualquer espectador poderia ter de ideia.
“Preciso acabar logo pra poder ver o show da virada!”, repetiu para si mesma a garota de cabelos cor de mel antes de pousar a certa distância de seu oponente. Os olhos vermelhos queimavam de raiva, transmitida aos demais pela força que suas mãos pálidas aplicavam no cabo da foice.
— Eu quero muito ver o Aster, porra! — reclamou em alto e bom som, enfim. — Por que eu tinha que ser escalada justo no Ano Novo?
— De novo com isso, Touko?
A repreensão veio de um ponto atrás da garota, que reconheceu de imediato o dono da voz. Para quem estava tomada pelo desespero, Touko sentiu-se preenchida de esperança com a chegada dele — existia esperança de ainda ver seu cantor favorito ao vivo naquela noite.
— Koushi! Por favor, me ajuda a derrubar esses caras logo, eu quero pegar um lugar bom no show! — implorou a jovem, agarrando o uniforme dele. — Por favorzinho!
— Cê acha que a gente veio pra quê, querida? — Shino pousou ao lado do namorado. — Vamos terminar isso logo e curtir!
Os três colocaram-se em posição para iniciarem um ataque coordenado. Mirei, que os acompanhou até ali, já havia partido para dar reforços a Naochi e Katsuoka — nas palavras dela, era “mais divertido bater em vários alvos”. Shino riu quando escutou um grito de raiva da garota ao longe, seguido de uma série de ofensas.
— Não podem usar armas de novo? — questionou Koushi. O aceno positivo de Touko o fez rir. — É, de novo a Mirei dando um passo maior que a perna.
— Pra gente, está liberado. — Touko apontou para o inimigo, acuado pela aura dos recém-chegados. — Mas só contra aquele cara.
Palavras não eram mais necessárias para o pequeno grupo. Koushi partiu na frente, corpo e enorme espada envoltos pela aura negra. O líder dos invasores retribuiu a agressividade com um golpe descendente do martelo, confiante de que sua arma venceria um duelo de forças.
Como o esperado, a lâmina púrpura não cedeu, e Koushi não demonstrava o mínimo sinal de estar sendo encurralado pelo peso do martelo. O loiro então desarmou seu inimigo, desfazendo o martelo de bronze em milhares de partículas com apenas um balanço de sua própria arma.
— Todo seu, meninas! — gritou, virando a cabeça para elas.
— Valeu! — responderam em uníssono.
Feixes de luz carmesim e magenta foram deixados para trás quando Touko e Shino voaram a toda velocidade contra o alvo. O criminoso até tentou erguer uma barreira mágica de última hora na frente de seu corpo, mas Einatsu já estava pronta.
— Corte da Maré! — comandou, fazendo o fio de sua katana brilhar contra o sol.
O metal distorceu-se em partículas azuis, ondulando de um lado a outro enquanto ela seguia em direção ao seu inimigo. Não houve impacto direto à barreira mágica nem quando ela passou por ele em agilidade quase sônica.
Quando Shino já estava um tanto distante, ouviu-se o material etéreo ser partido ao meio e o grito de dor do homem. Sangue jorrava de suas costas, o fazendo cair pela dor — a solana limpou sua lâmina antes de guardá-la na bainha, satisfeita.
— Incrível, Shino! — Os olhos de Touko recaíram sobre sua veterana, encantada. — Como sabia que ele iria criar uma barreira desse tipo?
— Quanto mais nervoso você fica, mais você tende a ignorar possibilidades e focar em uma única tese — explicou a garota de cabelos castanhos, com nariz empinado. — Se sua mana está baixa, guardar o único local que está ameaçado é o normal. Poucas pessoas teriam a capacidade de se defender em duas direções.
— Seu apelido “Shino da Lâmina sem Forma” nunca fez tanto sentido pra mim — elogiou a garota de cabelos cor de mel.
— Tá, Shinonon, vamos parar de discursinho? Vamos logo falar com as professoras pra gente poder ir pegar um lugar legal no show!
A jovem revirou os olhos para Naochi, que agora estava atrás dela. Sua expressão, diferente da anterior, estava impaciente — feliz, mas impaciente. Katsuoka colocou a mão direita sobre o ombro dele, amigavelmente.
— Qual é, Naochin, cê sabe que não vai estar lotado — os olhos castanho-escuros de Katsuoka encontraram com os violeta de Shogi, plácidos.
— Claro que vai estar, Katsu! É um show do Aster! — repreendeu o loiro.
— Você é o único que me entende, Nao! — Touko se aproximou rapidamente e deu as mãos com o garoto. — Aquele homem lindo de morrer no palco e a gente tendo que ficar tão longe? Nunquinha!
— Eu que diga, queridinha, só você pra compreender a dimensão de estar coladinho com o Aster! — complementou Naochi, dando saltos bem… afeminados.
Os gritinhos agudos da dupla fizeram os demais rirem (ou revirarem os olhos, no caso de alguns). Koushi e Mirei, que estavam cuidando de nocautear de vez todos os bandidos para prendê-los, se juntaram ao grupo de adolescentes alguns minutos depois — preparavam-se para voltar ao serviço escutaram algo estranho vindo da parte superior da cidade.
Os sons da multidão alcançaram os ouvidos deles rapidamente, uma vez que as Guardiãs que seguravam a onda de pessoas se retiraram sem aviso. Apesar de parecer estranho, todos ali sabiam muito bem quem eram aqueles seis adolescentes. As vozes e pedidos logo se tornaram ensurdecedoras, conforme um círculo se formou ao redor deles, impedindo que saíssem do lugar.
— Shino, me dá um autógrafo, por favor!
— Katsuoka! Katsuoka, olha pra cá!
— Uma fotinho, Naochi, só uma!
— Você é tão lindo de perto, Koushi, janta comigo!
— Ei, sai pra lá! Ele tem dona! — rosnou a castanha. — Não me ignorem, suas vacas!
Shino não estava tão receptiva assim a esses comentários, mas nem de longe era a mais afetada pela atenção ininterrupta do público. Acuadas em um canto, Touko e Mirei resistiam aos avanços intensos dos civis com escudos de mana para que não se aproximassem delas, abraças conjuntamente por puro instinto.
— Mirei, você é maravilhosa!
— Amo sua voz, Touko!!
Ambas não tinham forças para responder. Sua empolgação anterior havia se transformado em ansiedade e receio, embora estivessem bem protegidas. Shino queria afastar todos de suas amigas, desconfortáveis ao extremo com o assédio dos cidadãos, mas Katsuoka foi mais rápido — seu assobio altíssimo tirou a atenção de cima delas.
— Muito bem, vamos saindo, as garotas têm compromisso agora — ordenou, colocando-se entre elas e a multidão.
— Sai da frente, cara! Ninguém quer nada contigo! — um homem gritou, frustrado.
— É! Cai fora!
— A gente só quer uma foto com elas!
Partiram para cima dele sem demora. Katsuoka suspirou, cansado antes mesmo de começar — sua aura verde-menta, até então contida, tomou forma como chamas vermelhas tremulantes. Os civis assustaram-se quando, como cobras, se moveram na direção dos homens agressores.
Em mais uma reviravolta, eles não foram imediatamente incinerados pelo calor que os envolveu e prendeu. Koushi franziu o cenho frente à demonstração do colega na frente dos demais.
— Minhas chamas só queimam os malfeitores — atestou Katsuoka, cujas íris refletiam o brilho das labaredas tremulantes. — Vou pedir apenas mais uma vez. Por favor, deixem as garotas irem, elas têm compromisso. Estamos entendidos?
Não demorou muito para o efeito cascata atingir o público. Aos poucos, se dispersaram para voltar às suas rotinas, enfim liberando os jovens do sufocamento. O garoto de olhos puxados foi derrubado rapidamente por aquelas que havia acabado de salvar — Shino sentiu uma pitada de inveja amargar sua boca, mas se manteve calada.
— Katsu, você um salvador! — Mirei esfregava o rosto furiosamente no peito do uniforme do colega. — Eu já tava pra explodir!
— Sim, você é um anjo! — choramingou Touko, ajudando ele a se levantar. A outra menina ainda estava grudada nele como um coala e sua mãe. — Se dependesse de mim e da Mirei pra afastar, eles teriam engolido a gente.
— Sério, não foi nada. Eu senti que estavam incomodadas, então quis ajudar.
Shino cutucou seu namorado, apontando com a cabeça para o trio em um gesto de “está vendo como se faz, senhor antipatia?”. A bufada bem sonora que Koushi soltou fez a donzela se arrepender na mesma hora, quando ele virou as costas e partiu na direção da Academia de Palas.
Minutos se passaram com os amigos conversando antes de um deles notar a ausência do casal. Apesar de rirem entre si e fazerem piadas sujas — duramente repreendidas por Katsuoka —, a situação estava longe de ser tão favorável quanto acreditavam. Sob a liderança de Touko e Naochi, os quatro foram para o show na praça sul da cidade.
Einatsu não admitiria mas, naquela noite, teve que conter a vontade de continuar no bate-papo tranquilo com os amigos ao invés de seguir seu amado Koushi.
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