Volume 2
Capítulo 9: 16 de Julho (Quinta)
16 de Julho (Quinta)
Acordei sentindo o calor e a umidade como uma membrana pesada e invisível envolvendo todo o meu corpo—era mais uma manhã de verão. A brisa insignificante do ar-condicionado, que tínhamos acabado de ligar, não iria ser suficiente para me tirar do meu quase coma. Confiando apenas na inércia e na força do hábito, limpei a desgastada mesa de jantar cheia de grãos finos como um robô.
Era mais uma manhã sem meus pais.
Ayase trouxe dois pratos da cozinha e os colocou na mesa que eu acabara de limpar.
Mas hoje não teríamos o arroz cozido de todo dia. Nos pratos estavam fatias moles de torrada.
"...Nós vamos comer o que sobrou?"
"Vamos comer rabanada," ela disse de forma indiferente.
Sem entender o que era, só consegui acenar com a cabeça e dizer, "Ok."
Claro, eu já tinha ouvido falar em rabanada. Mesmo que nunca tivesse comido, às vezes aparecia nos meus livros. Mas como muitos leitores, eu estava feliz em reconhecer o termo e nunca me preocupei em descobrir o que era. Assim, quando finalmente pude ver como é, não sabia como reagir.
"Levando em conta o nome," eu disse, "acho que estavam querendo associar o prato com algo safado."
"Na verdade, é muito associado a datas religiosas como Quaresma e a semana santa em alguns países."
"Bom, você é muito bem informada, Ayase."
"Acho que li isso no cardápio de algum restaurante."
Deve ter sido em um daqueles cardápios sazonais com pequenas explicações. Tanto faz. Não importa de onde vem.
"Como se come isso?" perguntei.
"Os talheres estão na sua frente."
"Com uma faca e um garfo?"
"Sim. Mas sendo sincera, eu não me importo se você usar hashis ou suas mãos. Estamos em casa, né?"
Ela falava com um tom relaxado, mas eu ainda não conseguia ver ela como família e não queria ficar envergonhado desse jeito na frente dela. Não éramos irmãos de sangue, e ela era uma colega na escola, e além disso ela é bonita. Eu me esforço para que ela não me veja de maneira tão indigna.
"É estranho cortar pão como se fosse um bife," eu disse.
"É? Acho que se você pensar que está cortando um bolo fica melhor."
"É mesmo."
As coisas podem parecer muito diferentes dependendo da abordagem.
Deixando de lado minhas reflexões filosóficas sem sentido, cortei a torrada e foquei no café da manhã. Enquanto saboreava a doçura dos ovos e do açúcar, olhei para Ayase, pensando no que dizer sobre o sabor.
Espera um pouco.
Ayase estava sentada à minha frente com a mesma expressão neutra de sempre. Mas ela não estava mexendo a faca e o garfo com a elegância de sempre. Ela parecia inquieta, como se algo estivesse incomodando ela.
"O que foi?" perguntei.
"Hã?!"
"Você parece um pouco distraída."
"...Nossa, você é bem atento."
Ela fez uma careta e olhou para o calendário na parede.
Akiko trouxe o calendário quando ela e Ayase se mudaram. No calendário tínhamos gatos brincando, tão fofos que você precisa se esforçar para não ficar relaxado. Um vendedor de seguros o deu para ela em seu bar. Meu pai e eu nos virávamos com os aplicativos em nossos celulares e não tínhamos calendários em casa, mas depois de um comentário de Akiko sobre como as paredes estavam vazias ele imediatamente foi pendurado ao lado da mesa de jantar.
Enquanto eu olhava para esse lembrete visual das adições recentes à nossa família, Ayase finalmente falou.
"Acho que é hoje."
"O que é hoje?"
"O dia em que descobriremos as notas que faltam das provas. Acho que minha turma vai receber hoje."
"Oh, vocês ainda não receberam?"
"Não. Bom, sim, todas menos uma matéria."
Não importava para nossa escola, a Escola de ensino médio Suisei, se dois de seus alunos estavam lutando para se adaptar a uma nova família. As provas de fim de semestre eram realizadas ao mesmo tempo todos os anos—no início de julho. Ayase e eu não estudamos juntos nem nos organizamos para trabalhar juntos. Estudamos e enfrentamos as provas sozinhos.
Prometemos não nos intrometer nos assuntos um do outro e manter uma distância respeitosa, então não sabíamos as notas um do outro, e não tínhamos motivos para tentar descobrir.
Até agora.
"Ei, Asamura? Posso ser um pouco intrometida e te perguntar algo pessoal?"
"Claro, vá em frente. Não consigo imaginar você dizendo algo tão pessoal que me faça querer tapar os ouvidos, com ou sem aviso."
Ayase só dizia coisas aceitáveis de serem ditas em voz alta. Nesse ponto, eu sentia que podia confiar nela para ser decente.
"Como você foi nas provas?" ela perguntou.
Esta era uma pergunta muito mais comum do que eu esperava. Verdade, pode parecer rude para algumas pessoas. Notas de prova podem ser uma questão sensível. Nesse sentido, Ayase estava sendo incrivelmente atenciosa.
"Vamos ver—tirei 8,1 em História do Japão, 9,2 em Matemática II, 8,8 em Matemática B, 7,0 em Física, 8,5 em Química, 9,0 em Expressões em Inglês e 7,9 em Comunicação em Inglês. Depois tirei 9,6 em Japonês Moderno e 7,7 em Japonês Clássico...o que dá um total de 75,8, eu acho."
"Uau. Você é inteligente."
"É gentil da sua parte dizer isso, mas ainda tenho muito a melhorar. Preciso trabalhar nas minhas áreas fracas, como Física e Japonês Clássico."
"Você é excelente, tirando 9,6 em Japonês Moderno. Uau."
"E você?"
"Tirei 10 em História do Japão, 8 em Matemática II, 8,6 em Matemática B, 8,9 em Física, 8,1 em Química, 8,4 em Expressões em Inglês, 8 em Comunicação em Inglês e 9 em Japonês Clássico."
“Todas as suas notas estão acima de 8. Você se saiu muito melhor do que eu.”
“Até agora.”
“Falta só uma matéria. Mesmo que você tenha ido mal em Japonês Moderno, a sua média ainda seria maior que a minha.” “Sei não. Não sou muito boa em Japonês Moderno.” Ela suspirou. Era incomum para Ayase, que era clara sobretudo, admitir uma insegurança tão vaga. “Gostaria de conseguir um trabalho de meio período durante as férias de verão, mas dependendo da minha nota, posso não ter muito tempo para isso.” “Desculpe. É minha culpa por não ter encontrado aquele trabalho bem remunerado.”
“Você não precisa se desculpar por isso.”
“Mas fizemos um acordo.”
Nossos pais trabalhavam, então Ayase e eu geralmente preparávamos nossas refeições e comíamos sem eles. Akiko às vezes cozinhava para nós quando tinha tempo e energia, mas na maioria das vezes nos virávamos sozinhos.
Ayase estava estudando para entrar em uma faculdade de elite, para não ser desprezada ou considerada fraca por ser mulher. Ela também estava procurando um emprego bem remunerado para não sobrecarregar nossa família com suas mensalidades. Ela me pediu para reunir informações sobre trabalhos de meio período adequados em troca de cozinhar café da manhã e jantar para nós.
Mas vergonhosamente, já havia passado um mês e eu ainda não tinha resultados.
Talvez ela só não quisesse que eu me sentisse culpado por isso, mas ela não proferiu uma palavra de reclamação, apenas me deu um sorriso irônico.
“Me desculpa por ter presumido que você encontraria algo para mim,” ela disse. “Decidi tentar um trabalho de meio período normal por enquanto.” “Então vou ajudar com nossas refeições.”
“Hã? Bem...”
Isso era lógico, já que eu não podia cumprir minha parte do acordo. Foi por isso que me ofereci para cozinhar, mas Ayase murmurou como se não tivesse tanta certeza sobre a ideia.
“Tudo bem. Você não precisa fazer isso.”
“Mas...”
“É divertido cozinhar. Acho relaxante.”
“Fico feliz em ouvir isso. Mas você ainda está fazendo todo o trabalho.”
Existe algo chamado princípio da reciprocidade. Quando uma pessoa recebe algo, sente que deve retribuir. Uma pessoa dá algo para outra, e essa pessoa retribui o favor, que é então retornado a ela, e assim por diante. Repetir atos assim é dito para nutrir relações harmoniosas.
Eu não me considero algum tipo de santo que pode conceder amor incondicional a todos os estranhos, e quando alguém é gentil comigo sem motivo, eu começo a ficar desconfiado e me pergunto se estou sendo enganado. Mesmo que não seja um golpe e eles sejam verdadeiramente gentis, isso me deixa muito desconfortável.
Eu tinha quase certeza de que a Ayase era como eu nesse sentido. Ela parecia ler minha mente e disse, “Beleza. Não seria uma troca justa,” antes de considerar cuidadosamente a questão.
Alguns segundos depois, ela levantou a mão e disse, “Ok, tenho uma sugestão. Você está procurando um trabalho de meio período bem remunerado para mim há um mês e não teve sorte, o que provavelmente significa que não existe um. Podemos concordar com isso?” “Sim. Odeio admitir, mas a menos que comecemos a incluir atividades ilegais, não acho que possamos encontrar o tipo de trabalho que você está procurando.” “Para economizar dinheiro suficiente para ir para a faculdade, preciso começar a trabalhar até nas férias de verão, no máximo. Quando isso acontecer, provavelmente terei que começar a sacrificar meu sono para encontrar tempo para estudar.” “Acho que você não pode estudar de maneira eficiente se não dormir o suficiente.”
“Exatamente. E é aí que entra minha sugestão. Quero que você pense em algumas ideias para eu estudar de maneira mais eficiente.” “Mais eficiente, hein? Então, como encontrar bons livros de referência ou criar um ambiente que te ajude a se concentrar?” “Vou deixar o método por sua conta. Você vai fazer isso?”
No mundo inteiro, você poderia encontrar outra irmã fazendo um pedido tão altruísta ao irmão? Isso estava longe daquele cenário estereotipado de um irmão mais velho cedendo às exigências irracionais de sua irmãzinha mimada. Mas eu tinha uma coisa em comum com aquele irmão hipotético: eu não poderia dizer não.
“Tudo bem. Inventar algo digno dessa rabanada vai ser difícil, mas vou fazer o meu melhor.”
“Obrigada. Fico na espera.”
Ayase falou com um tom tão seco e uma expressão tão fria que eu achava difícil acreditar que ela estava realmente “na espera.” O rosto dela parecia dizer que ela não me culparia mesmo que eu não conseguisse encontrar nada, e isso me fez querer provar que ela estava errada.
O que eu poderia fazer para ajudar ela a aprender mais eficientemente? Enquanto pensava nisso, saboreei a doçura do meu pagamento adiantado, a rabanada, na minha língua.
Depois de passarmos a manhã juntos, Ayase e eu fomos para a escola separadamente. Isso mesmo—não íamos de mãos dadas como em algum cenário de um light novel ou mangá. Meu relacionamento com minha meia-irmã era simplesmente um fato da vida—tanto que não havia espaço para sentir dúvida ou tristeza sobre pequenas coisas assim.
Nem Ayase nem eu revelamos nosso novo relacionamento familiar, e continuamos a agir como estranhos na escola. A única exceção era a melhor amiga de Ayase, Maaya Narasaka. Eu nem tinha contado ao meu amigo Tomokazu Maru.
Não é que eu não confiasse nele, mas rumores negativos sobre Ayase pareciam estar circulando entre os membros do time de beisebol dele, e eu não queria deixar ele preocupado ou contar algo que pudesse causar problemas.
“Ei, Asamura. Não fique excitado vendo sites pornôs na escola.”
Lá estava ele—meu amigo Maru, me provocando como sempre.
Eu estava sentado na minha sala, relaxando antes dos estudos. Já tinha me preparado para a aula e estava brincando com meu celular.
“Maru, você sabia que os insultos que você joga em outras pessoas são um reflexo das suas próprias falhas?” “O quê?”
“Você só suspeita que os outros estão fazendo coisas ruins porque o impulso já está lá—na sua própria mente.” “Essa é uma teoria interessante.”
“Isso significa que você é o que regularmente explora os sites de pornografia. Você acabou de provar isso.” “Ei, não comece a tirar conclusões.”
“Então você não faz isso?”
“...Ok, eu faço.”
E aí está. Maru poderia facilmente ter mentido ou se recusado a admitir, mas ele não fez. Ele realmente é um bom cara.
"Fazendo uma pequena pesquisa."
"Aha! Procurando posts de reação para os animes recentes, né? Ontem à noite foi um verdadeiro banquete. O novo Project DJ Microphone foi fantástico."
"Oh, certo. Lembro que você estava interessado nesse."
"A música que eles escolheram foi ótima. Músicas de fundo de jogos dos anos 90 e alguns clássicos que qualquer conhecedor reconheceria."
"Anos 90, hein...? Essas músicas parecem bem antigas."
"Sim, mas não se deixe enganar. Naquela época, eles eram limitados a apenas alguns tons, então os compositores eram criativos e tentavam de tudo. Os resultados são incríveis. Além disso, a maneira como eles priorizavam a adequação da música ao jogo, em vez da habilidade do músico, foi revolucionária."
A voz de Maru gradualmente ficou mais acalorada. Eu concordava com a cabeça enquanto observava meu amigo falar cada vez mais rápido, do jeito que os nerds costumam fazer. Embora eu não estivesse tão interessado quanto ele, tomei cuidado para não parecer entediado e estragar sua empolgação.
"Entendi," eu disse. "Então eles estão usando o tipo de música que realmente agrada o seu coração nerd, né?"
"Sim, isso mesmo. Eles conseguem preservar o clima da antiga música da rádio FM enquanto arranjam em um estilo moderno. É como a música de fundo dos jogos não ter letras, não temos uma barreira linguística, e pessoas do mundo todo adoram. Acho que quem está por trás do D-Mike deve ser super talentoso."
"Estou surpreso."
"Com o quê?"
"Eu só não esperava que você falasse sobre música com tanta emoção. Eu sabia que você era bem informado sobre várias coisas, mas não acha que está escolhendo áreas demais?"
"Provavelmente você sente isso porque só falo sobre as coisas que realmente conheço."
"Talvez você esteja certo."
"Eu gosto de estar no controle quando estou conversando. Quando eu tô falando, eu sou como um deus onisciente e todo-poderoso."
"Em outras palavras, você tá me enganando?"
"Sim, essencialmente. mas se tô cometendo um crime ou não, depende do meu objetivo."
"E qual é o seu objetivo?"
"Obter o máximo de diversão de qualquer conversa," ele disse, cheio de confiança nesse jeito de viver carpe diem.
"Você é um verdadeiro pacifista," eu disse com um toque de sarcasmo. Maru sorriu.
Pensei em provocá-lo sobre a maneira como ele se fazia parecer inteligente mesmo com um argumento simplista, mas acabei desistindo, achando que seria de mau gosto.
"Você pode não ser um deus onisciente," eu disse, "mas você é inteligente. Aposto que se saiu bem nas provas."
"Você finalmente descobriu? Estava guardando segredo, mas a verdade é que sou um gênio."
"Eu já sabia disso."
Maru ainda estava brincando quando tentei perguntar sobre suas notas. E, claro, seus resultados foram impressionantes.
Um 9 em Japonês Moderno, um 9,2 em Japonês Clássico, um 9,4 em História do Japão, um 9,6 em Matemática II, um 9,2 em Matemática B, um 9 em Física, um 8,2 em Química, um 9 em Expressões em Inglês e um 9,4 em Comunicação em Inglês, para um total de 82.
"Sua média é acima de 9?" Eu disse, um pouco assustado. "Isso é incrível."
"Eu só sei como conseguir alguns pontos extras. Não é nada demais."
"Duvido muito que seja só isso. Nós estudamos em uma boa escola, e nossas provas são especialmente difíceis. É de algum jeito, você consegue estar no time de beisebol, passar tempo assistindo anime e ainda tirar notas altas. Você deve estar trapaceando."
"Eu não estou."
Sua resposta veio tão rapidamente que ficou claro que ele não tinha nada a esconder.
Trapacear pode ser um pouco demais, mas eu desejava que ele tivesse algum tipo de técnica secreta, pelo menos. Se eu pudesse aprender um método para estudar de forma mais eficaz com ele talvez tivesse algo para trazer de volta para Ayase... mas a vida não era tão fácil.
Maru deve ter lido minha mente, porque me olhou através dos óculos, suspirando profundamente como um sábio prestes a revelar relutantemente alguma verdade misteriosa a um mero mortal.
"Existem certos fatores," ele disse finalmente.
"Oh?"
"Primeiro, eu durmo pouco."
"Aqui temos alguém que pode se manter saudável sem muito sono, não é? Eu não tinha ideia de que você era assim."
"Sim. Mas isso é genético. Como depende dos genes, não posso recomendar isso a mais ninguém."
"Você está certo, não parece algo que outra pessoa possa fazer... Espera, o que você quer dizer com 'recomendar'?"
"Você quer saber meus truques, certo?"
"Você me entende tão bem que é um pouco assustador."
"Ha-ha-ha. Sim, você é como um livro aberto."
Maru era como algum tipo de psíquico. Ele conseguia ler uma pessoa sem nem mesmo se esforçar. Era por isso que eu não suportava os receptores... Ok, talvez isso fosse apenas um preconceito infundado.
"Bem, não tem sentido esconder," eu disse. "Estou procurando uma maneira eficaz de estudar, embora não ajude se não se aplicar a todos."
"Não tenha pressa, Asamura. Acabamos de começar."
Com um ar de importância, Maru pegou seu celular e lançou um aplicativo de música.
"Música?"
"Sim. Esse é o segredo da minha concentração. E eu trouxe nossa conversa de volta ao primeiro assunto. Impressionante né?"
"Isso é um pouco exagerado."
"Mas funciona. Nós, humanos, somos criaturas de hábitos. Treine seu cérebro para estudar quando ouvir um certo tipo de música, e sua caneta continuará se movendo. Será ainda mais difícil para você procrastinar."
"Acho que faz sentido. Então é como uma espécie de autossugestão ou um truque. Aposto que música relaxante ou sons de fundo como canto de pássaros ou ondas seriam os melhores."
"Depende da pessoa. Eu me concentro melhor ouvindo música eletrônica ou heavy metal."
"Acho que isso é só você..."
"Como eu disse, depende da pessoa. Você deve experimentar diferentes tipos de música e descobrir o que funciona para você."
"Ah? Oh, hum, sim. Vou fazer isso."
Sua resposta me pegou de surpresa por um momento, mas me esforcei para soar natural. Embora meu amigo receptor pudesse às vezes ser incrivelmente perspicaz, nem ele jamais imaginaria que eu estava fazendo isso não para mim, mas para Saki Ayase.
Mesmo assim, Ayase provavelmente já havia pensado em algo básico como usar música de fundo para estudar, então nem parecia valer a pena mencionar isso para ela. Isso era apenas um ponto de partida.
Enquanto eu olhava para além do meu amigo, que agora falava de novo sobre o Project DJ Microphone com muito ânimo, prometi me aprofundar ainda mais para obter informações que ajudassem Ayase.
Pensando bem, me pergunto como Ayase foi na prova de Japonês Moderno.
O pensamento surgiu na minha cabeça enquanto eu alcançava a porta do nosso apartamento. Então balancei a cabeça. Não era da minha conta. Eu estaria mentindo se dissesse que não estava curioso, mas parecia uma quebra de etiqueta exigir uma resposta só para satisfazer minha curiosidade. Se não fosse um problema e ela quisesse que eu soubesse, ela me contaria por conta própria.
"Estou em casa."
Quando abri a porta e avistei um par de sapatos femininos na entrada, chamei uma saudação. Eram os mesmos sapatos que eu via todos os dias há um mês e significavam que minha colega de casa já tinha chegado.
Pensei que estava adiantado, já que não tinha ido ao trabalho nem feito nenhuma parada no caminho, mas parecia que ela ainda tinha chegado antes de mim. Talvez seu último período de aula tenha terminado mais cedo, ou ela tenha caminhado particularmente rápido. Sorri, facilmente imaginando ela apressada no caminho para casa.
Eu tinha acabado de me trancar no meu quarto, pronto para passar meu tempo livre pesquisando música de fundo para estudar, quando ouvi a porta se abrir atrás de mim. Me virei para ver minha meia-irmã correndo em minha direção.
"Asamura."
"Oh, oi... É... você precisava de alguma coisa?"
Eu estava perplexo. Ela parecia prestes a colidir comigo e não estava diminuindo a velocidade.
O rosto inexpressivo da minha bela meia-irmã estava agora a centímetros de distância. Eu estava inquieto, como se uma máscara esculpida por um artista talentoso estivesse me olhando intensamente.
"Me ensine Japonês Moderno," ela disse.
"Você deve estar brincando," murmurei, surpreso com o pedido incomum feito no tom monótono típico da Ayase.
Claro que não duvidei que ela estava dizendo a verdade. Entendi instantaneamente o que estava acontecendo e a surpreendente razão por trás disso, então minha surpresa veio antes que ela pudesse explicar. Baseado na minha suposição, achei que seria mais indelicado enrolar e decidi perguntar diretamente: "Qual foi sua nota?"
"3,8."
"Uau."
"Sempre fui ruim em Japonês Moderno, então já tinha a sensação de que seria um desastre dessa vez também."
"Você foi tão bem em todas as outras matérias... mas acho que todo mundo tem seus pontos fortes e fracos."
Ayase desviou o olhar. "Eu não consegui entender o que se passava na mente dos personagens das histórias."
Eu buguei.
"O importante no Japonês Moderno é captar as intenções do texto," eu disse, "mas não acho que você precise entender completamente."
"Mas captar as intenções do texto é basicamente o mesmo que entender os sentimentos dos personagens, Não é? ...mesmo que eu sinta que estou me deixando distrair por coisas sem importância."
"É difícil imaginar você tendo um problema assim. Você é tão sensível às emoções das pessoas."
"É assim que você me vê?"
"Sim. Pelo menos no que me diz respeito, você sempre tenta entender o que estou pensando e encontra um meio-termo."
"Asamura, é o contrário."
"Hã?"
"Eu preciso tentar encontrar um meio-termo com todos, exatamente porque não entendo os sentimentos deles."
"...Isso faz sentido."
Eu não era muito bom em lidar com pessoas que ficavam de mau humor de repente e esperavam que você lesse a mente delas, já que eu havia visto meu pai passar por isso de perto.
Manter uma conversa tênue enquanto tenta adivinhar o que seu parceiro está pensando é como lançar continuamente um dado com 10% de chance de falhar completamente. Era um jogo inteiramente baseado na sorte. Foi por isso que fiquei tão aliviado quando Ayase sugeriu que nós nos concentrássemos em acordos, sem esperar nada um do outro.
Dessa forma, poderíamos continuar o jogo para sempre, mostrando nossas mãos e sempre jogando a carta certa para evitar magoar o outro. Mas, embora você certamente pudesse chamar isso de ser gentil e atencioso, de outro ângulo, significava que estávamos nos recusando a fazer o trabalho necessário para decifrar os sentimentos de uma pessoa com base em suas palavras.
"Mesmo assim, minha nota desta vez foi horrível," disse Ayase. "Eu não esperava que fossem boas, mas estou um pouco chocada."
"Um 3,8, hein...? Notas abaixo de 4 não são vermelhas?"
"Sim. Vou ter uma recuperação no dia vinte e um, bem antes das férias de verão. Se eu não passar com 8 ou mais, vou ter que fazer aulas de apoio durante as férias."
"Aulas de apoio com conteúdo que nem vai estar no vestibular — você com certeza vai querer evitar isso."
"Exato. Eu com certeza quero passar nessa recuperação. Asamura, Japonês Moderno é sua melhor matéria, certo?"
"Graças ao meu amor pela leitura... Entendi. Então é por isso que você quer minha ajuda."
"E então?"
"Ok. Eu estou em dívida com você agora, então aproveitarei qualquer oportunidade para retribuir."
"Ótimo."
Ayase sorriu, parecendo aliviada. A tensão parecia ter deixado seus ombros, e ela saiu do meu quarto, dizendo que me esperaria na sala de estar.
Mesmo em um momento como este, ela estava agindo exatamente como sempre. Ela tinha falhado no exame. Ninguém a culparia por entrar em pânico ou ficar deitada na cama se lamentando. Mas, independentemente da situação, Ayase sempre pensava positivamente, tentando descobrir a melhor maneira de seguir em frente e tomar uma atitude.
...Mas isso me deixou com uma pergunta.
Era óbvio que ela é capaz de refletir racionalmente sobre sua situação e trabalhar para melhorar. Então, por que ela não tinha feito nada para superar sua fraqueza, Japonês Moderno?
Qualquer coisa que eu imaginasse agora seria mera especulação, no entanto joguei minha mochila na mesa, peguei meu telefone, folhas e material para escrever, saí do meu quarto.
Quando entrei na sala, vi Ayase segurando uma caneta na mão esquerda, com seu caderno, livro e a folha de respostas que ela havia recebido da sua professora espalhadas diante dela na mesa de jantar. Por falar nisso, Ayase me disse há algum tempo que ela era canhota. A mãe dela tinha ensinado ela a usar a mão direita quando comia, mas muitas vezes ela escrevia com a mão esquerda que lhe era mais familiar.
Se isso fosse um mangá, teríamos ido para o quarto dela e acabado em alguma situação erótica, mas infelizmente, estamos no mundo real. Foi apenas mais uma situação comum, e precisávamos nos concentrar na tarefa em questão.
Depois de parar por um minuto para pensar, sentei-me à sua frente, no lado oposto da mesa.
"Você não vai sentar do meu lado?" ela perguntou.
“Isso é um pouco perto demais para ser confortável.”
“Você sempre senta ao meu lado quando comemos com mamãe e papai.”
“Essa é uma situação muito diferente.”
"É?"
Eu estava prestes a dizer “Sim”, completamente convencido do meu argumento. Mas quando vi a expressão pragmática no rosto dela, passou pela minha cabeça que meus esforços para evitar ficar muito próximo com uma garota da minha idade podem na verdade ser algo rude.
Se eu pudesse parar de pensar em Ayase como uma garota e agir de forma totalmente neutra com ela, isso seria o ideal. Mas ela era simplesmente linda demais para isso. Isto foi apenas uma observação objetiva, claro, e não uma reflexão sobre o meu próprio gosto pessoal. Apesar de sua aura supostamente assustadora e dos rumores horríveis sobre ela, muitos caras na escola ainda tinham se confessado pra ela. Eu senti que provava seu charme.
…E aquele incidente no mês passado ainda não tinha desaparecido da minha cabeça. Eu ainda tinha flashbacks dela vindo até mim de calcinha – um caminho maluco que ela chegou logicamente em sua busca de dinheiro rápido.
Não era como se eu ficasse imaginando aquilo o dia todo (isso me tornaria uma besta obcecado por sexo), mas eu não conseguia evitar lembrar disso quando estávamos sozinhos e fisicamente próximos.
"Ei, por que você fica se lembrando de algo que prometeu esquecer?" perguntou Ayase.
"Hã?! Eu não tô me lembrando de nada assim."
Ela tinha lido minha mente? Era um pouco assustador, mas de qualquer forma, eu não lembrava de ter feito nenhuma promessa. Eu havia prometido a mim mesmo esquecer o que aconteceu, mas isso estava apenas em minha mente. Eu não tinha discutido o incidente com ela.
Olhei para ela, confuso. Ela me olhou de volta, aparentemente ainda mais perplexa do que eu.
"Tenho certeza de que aconteceu, embora tenha sido apenas uma menção no comecinho. Talvez não tenha te impressionado."
"Ayase, desculpe, mas eu não tenho ideia do que você está falando."
"Vamos lá, Professor. Você deveria ser bom em Japonês Moderno, não é?"
Então, notei que ela apontava para sua folha de respostas, e percebi o que ela queria dizer.
"...Ah. Eu não percebi que você tinha mudado de assunto."
"Eu não mudei de assunto. Estive trabalhando nesse mesmo problema o tempo todo."
"Desculpe. Acho que entendi errado. Ok, vamos começar."
Parece que ela estava muito à frente de mim. Ela não estava reclamando dos meus pensamentos inapropriados; apenas estava me perguntando sobre uma frase em seu livro didático que ela não estava entendendo.
"Obrigada," disse Ayase. "Agora, sobre o que eu te perguntei..."
"Oh, espera. Posso começar sugerindo alguns métodos de estudo?"
"Claro, se isso melhorar minhas notas."
"Primeiro, gostaria de descobrir onde está a dificuldade para entender a matéria. Me passa suas provas."
"Ok, aqui."
Com seus brincos e cabelo tingido, Ayase podia parecer uma garota rebelde, mas era uma boa aluna que seguia as instruções. Eu não achava que o "3,8" escrito na sua folha de respostas combinava com ela.
Eu tinha a sensação de que, independente de qual seja o problema dela, não poderia ser uma simples falta de compreensão, habilidade ou esforço. Tem que ter uma causa mais profunda, e enquanto eu examinava sua folha de respostas, eu descobri.
"Você não teve nenhum problema com a compreensão de kanji ou a redação. Basicamente, você só falhou na parte de literatura."
"...Sim, é nisso que eu sou ruim."
"Aposto que esta é a primeira vez que você falha. Este exame deu mais ênfase do que nunca à parte de literatura."
"Exato. Eu já tinha percebido isso sozinha."
Ela abaixou os ombros e disse que o problema era que ela não sabia o que fazer a respeito.
"Você acertou a maioria das respostas na primeira parte da redação, mas deixou quase todas em branco na segunda. Seria correto supor que você passou muito tempo nos dois trechos do livro entre as redações e ficou sem tempo?"
"Você fala como se estivesse me observando."
"Estou errado?"
"Não, acertou em cheio. Tanto que isso meio que me irrita."
Vi uma sombra de irritação passar pelo seu rosto impassível.
"Me desculpa. Eu deveria ter sido um pouco mais discreto."
"Você está perdoado. Eu que devo pedir desculpas por ficar irritada quando você está se esforçando bastante para me ajudar."
"Ok. Isso significa que estamos quites."
Ayase e eu estávamos fazendo exatamente o que prometemos quando nos tornamos uma família. Em vez de deixar nossas emoções se acumularem ou começar a testar as intenções um do outro, sempre que tivéssemos um mal-entendido, falaríamos imediatamente sobre isso e encontraríamos um acordo.
Isso realmente me ajudava quando ela com sinceridade me dizia com suas próprias palavras que eu irritei ela, em vez de apenas fazer caretas.
"Parece que você teve problemas particulares com Sanshiro, de Natsume Soseki. Você não acertou nenhuma resposta, e a maior parte do resto da sua folha de respostas está em branco."
"Você está certo..."
"Você não percebeu?"
"Eu estava muito ocupada tentando responder às perguntas. Embora, eu pudesse perceber que eram ainda mais difíceis para mim do que as outras."
"Então, parece que você falhou em perceber que esta era a seção crítica para você."
Há um ritmo para responder perguntas em uma prova. Como fazer provas é um tipo de trabalho manual, os resultados sempre serão afetados pelo estado mental da pessoa. Seu cérebro fica feliz quando você responde pergunta após pergunta sem problemas, e sua caneta parecerá que está se movendo sozinha. Por outro lado, quando você fica preso e não consegue prosseguir, seu cérebro registra essa frustração e você começa a sentir estresse, o que por sua vez, diminui sua capacidade mental. Assim, para obter os melhores resultados em um exame, você precisa manter seu estado mental estável e manter um ritmo à medida que avança... ou pelo menos, foi o que li em um livro uma vez.
Sou facilmente influenciado pelas coisas que leio, então venho praticando esse método desde então. Eu divido a prova em perguntas que posso responder instantaneamente, aquelas que posso responder com um pouco de pensamento, e aquelas que exigirão consideração minuciosa, então prossigo em um ritmo confortável. Dessa forma, antes que eu perceba, a folha de respostas está cheia.
"Pessoas como você, que pensam logicamente, se sentem desconfortáveis se não entenderem completamente as perguntas," expliquei. "Quando você entende a pergunta, a resposta vem imediatamente, mas uma vez que você fica presa, você fica presa para sempre."
Isso explicaria por que Ayase nunca conseguiu superar sua matéria problemática. Seu cérebro acreditava que ela já estava enfrentando os exames com a atitude correta, e por causa disso, ela não conseguia encontrar uma maneira de melhorar.
Ayase assentiu com minha explicação.
"Você está certo. Acho que tenho resolvido todos os problemas nas minhas outras matérias instantaneamente, como você disse."
"Tem que existir um motivo pelo qual você tem problemas com a ficção japonesa moderna em particular."
"Um motivo..."
"Uma vez que descobrirmos qual é, poderemos lidar com isso. Vamos usar este trecho de Sanshiro e pensar sobre o que está acontecendo na sua cabeça que te impede de entender."
Eu passei os olhos pelo trecho da obra que estava na prova. Apenas uma parte foi incluída, pois o romance inteiro seria muito longo para uma prova.
Entre os muitos romances de Natsume Soseki, um autor famoso e respeitado do início do século XX, está obra estava principalmente preocupada com um romance direto e era menos desafiador para os estudantes do ensino médio moderno entenderem.
Algumas pessoas podem se sentir intimidadas pela palavra "literatura", mas romances como este eram iguais aos dramas populares da TV de hoje. Eles usavam as realidades da vida cotidiana de uma pessoa comum e apelavam para as esperanças e empatia das pessoas. Na verdade, não era tão diferente de um romance moderno.
Se eu tivesse que destacar o que diferencia as obras literárias, diria que a forma como elas retratam com precisão sua época tornam elas valiosas como registros históricos. Isso, por sua vez, levou à sua inclusão nos livros didáticos escolares e garantiu que fossem passadas adiante ao longo do tempo. Isso por si só, no entanto, fez uma enorme diferença no valor de uma obra dentro do mundo literário, e tais títulos eram, sem dúvida, dignos de respeito.
"Tenho que admitir", disse Ayase, "achei essa parte muito difícil. Mas quando olhei ao redor, os colegas da minha turma não pareciam ter problema com isso."
"Sanshiro é conhecido como uma obra progressista para a sua época. Foi escrito quando casamentos políticos eram a norma, mas retrata os problemas de um jovem casal apaixonado. Esse tipo de história de romance era uma ideia nova na época, mas é por isso que é relativamente fácil para um público moderno entender."
"Você acha? ...Eu me pergunto qual parte é supostamente fácil."
Ayase mordeu o dedo e inclinou a cabeça. Ela provavelmente nem percebeu que estava fazendo isso.
"Acho que será mais rápido se você me contar qual parte você não entende", eu disse. "Tente listar as coisas que você acha difíceis para mim."
"Eu não entendo o que Sanshiro está pensando, ou o que Mineko, que parece ser outra personagem importante, está pensando ou por que qualquer um deles faz o que faz."
"Ok. Você entende que Sanshiro está apaixonado por Mineko?"
"Ele está?"
Ayase piscou, ela parecia chocada. Mas eu era quem queria piscar de confusão.
Eu não achava que você precisava ser um leitor ávido para descobrir isso. Contanto que você tivesse compreensão básica de leitura, a descrição dos pensamentos dos personagens deveria ter deixado isso óbvio. Ayase era inteligente o suficiente para tirar boas notas em todas as outras matérias, então parecia estranho que ela não entendesse.
"Pode ser difícil se você está presa nesse ponto", eu disse. "Hmm, como devo explicar isso?"
"Ele está apaixonado por ela... Você quer dizer romanticamente, certo?"
"Sim. A prosa é um pouco elegante e o diálogo é meio dramático, mas você não acha que é fácil ver como ele se sente quando outro cara se aproxima dela?"
"Ele não gosta que outros caras falem com Mineko. Ele está com ciúmes?"
"É assim que eu vejo."
"Mas ele poderia simplesmente pedir a ela para não falar com outros homens se ele não gostar."
"Ele é muito desajeitado para fazer isso. Acho que é um grande desafio psicológico para ele se comunicar com a mulher que ama."
"Sendo sincera eu não consigo entender pessoas que escondem seus sentimentos e não dizem o que querem... Eu não sou assim."
"Por que você não tenta imaginar uma situação em que não seja tão fácil? A primeira vez que você se apaixonou, por exemplo. Você nunca experimentou não conseguir tomar a decisão certa porque suas emoções atrapalharam?"
"Não. E eu nunca estive apaixonada, também."
"Oh..."
"E você?"
"...Agora que você mencionou, acho que eu também não."
Meu pai uma vez me contou que pedi minha professora de jardim de infância em casamento quando eu era jovem demais para saber o que estava dizendo, mas eu nem tinha certeza de que isso realmente aconteceu, então decidi não contar.
Minhas únicas lembranças claras após entrar na escola primária eram de meus pais brigando. Depois de ver isso, eu simplesmente não conseguia mais sonhar inocentemente em me apaixonar ou me casar e viver feliz para sempre.
"Hmm. Então você nunca esteve apaixonado", Ayase refletiu.
"...Tem algo errado com isso?"
"Não. Isso só significa que este não é o motivo da minha nota ter sido ruim em Japonês Moderno."
"Acho que isso é verdade. Estou curioso para descobrir o que fez a diferença."
Será que é por que sou um nerd?
Embora eu nunca tivesse sonhado em namorar garotas reais, frequentemente achava as heroínas de romances, mangás e animes atraentes e experimentava indiretamente o romance ao lê-los. Parecia provável que esse conhecimento me permitisse entender a forma como os sentimentos românticos eram retratados na ficção.
Mas se isso fosse verdade, estávamos perdidos. Ayase não conseguiria melhorar a tempo para a recuperação, e se eu deixasse isso acontecer, falharia como seu tutor. Eu precisava dar a ela conselhos construtivos.
"Ok", eu disse. "Vamos esquecer a empatia com os personagens. Aceite que você não consegue entender as emoções deles."
"Você quer que eu adivinhe?"
"Não. Tudo o que você precisa fazer é absorver as informações no texto como apenas — informações — e responder mecanicamente. Não pense nisso como uma história sobre pessoas."
"Não pensar nisso como uma história sobre pessoas."
"Certo. Você está emperrando porque está tentando entender as emoções dos personagens. Em vez disso, tente fazer como matemática. Preencha as informações e resolva como faria com uma equação. Você tirou uma boa nota em história, não foi?"
"Bem, sim. Tudo o que tenho que fazer é memorizar coisas. Além disso, a história por si só é interessante."
"Japonês Moderno é bem fácil de entender se você conseguir lembrar o título de um romance e quando foi escrito. Você é boa em história, então apenas conecte o que sabe sobre o período, e você poderá mais ou menos entender o que está acontecendo no romance."
Isso era um daqueles exemplos de que falar é fácil, fazer é difícil. Mas considerando o quão inteligente Ayase era em geral, acho que poderia funcionar.
"Assim parece mais fácil de lidar", ela disse.
"Vamos praticar com Sanshiro. Não sabemos se a mesma obra aparecerá na sua recuperação, mas existem apenas alguns tipos de perguntas, então se você só praticar como encontrar as respostas, deve estar pronta a tempo."
"...Você acha que eu consigo fazer isso?"
Ela fez essa pergunta simples de um jeito um pouco indiferente, mas pelo que eu já sabia dela, podia dizer que ela estava muito preocupada. Só o fato dela ter vindo até mim provava o quanto estava preocupada.
Isso era perfeitamente normal, mas. Esta era uma matéria com a qual ela sempre teve problemas. Mesmo assim, sua resposta ao meu conselho me fez ter certeza de que ela se sairia bem.
Ayase não era ingênua ao ponto de pensar que seu problema estava resolvido apenas porque tinha descoberto uma estratégia. Isso era exatamente o que me fazia saber que ela alcançaria seu objetivo, mesmo que tivesse que fazer alguns desvios para chegar lá.
"Você consegue, Ayase."
"Mmm. Vou tentar. Confio em você, Asamura."
Ela disse exatamente o que queria dizer. Não tinha evidências de que eu estava certo, mas não duvidou de mim nem fez comentários sarcásticos. Ela simplesmente pegou seu telefone e começou a pesquisar sobre Sanshiro — procurando o contexto histórico e comentários sobre a obra.
Uma vez que ela decidiu um curso de ação, mergulhou de cabeça.
Sua concentração era incrível. Ela parecia uma máquina, sem piscar enquanto verificava todos os artigos que podia encontrar... Bom, talvez eu estivesse exagerando um pouco, mas certamente dava essa impressão.
Ela nunca olhou para cima, mesmo quando saí para buscar algo para beber, ou quando verifiquei outra coisa no meu telefone. Ela estava totalmente focada no que estava fazendo.
Se isso fosse uma história, eu provavelmente acabaria lutando para ajudar minha irmãzinha incompetente com seus estudos, até que ela inevitavelmente se cansasse de estudar quieta e começasse a brincar e pregar peças em mim, resultando em algo romântico ou sexy acontecendo. Mas na realidade, minha meia-irmã simplesmente se forçou (avançou sem parar) através dos estudos.
Não era sexy nem nada. Ainda assim, ouvir o som do lápis dela escrevendo em nossa sala de jantar silenciosa era estranhamente reconfortante.
E no final... O método de estudo que eu sugeri provou ser extremamente eficaz.
Depois de Ayase consumir informações suficientes sobre Sanshiro, peguei seu papel de teste e li as mesmas perguntas, uma de cada vez. Ela conseguiu responder elas com pouca dificuldade e acertou todas.
Ela era uma aluna rápida. Uma vez que sabia como encontrar a resposta, o resto era fácil.
"Parabéns", eu disse. "Tudo o que você precisa fazer agora é dominar todos os romances que podem ser cobrados na recuperação, e você não precisará mais se preocupar com Japonês Moderno."
"Obrigada. Você é um bom tutor."
"...! Magina." Eu pausei por um minuto antes de responder. Notei os cantos da boca dela curvando para cima enquanto falava. "Você está sorrindo?"
"Hum. Não sei."
Ela casualmente deu de ombros, me deixando confuso.
O gesto era misterioso, e achei difícil de entender. Ironicamente, ela me lembrava o herói em Sanshiro, que ela tinha tanta dificuldade em entender.
Créditos:
Tradução: Thomasmasg
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