Guerreiro das Almas Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 29: A fuga

Monique estava com sua espada fincada no chão. A sombra havia sido absorvida da lâmina e ela usava apenas seu corpo para manter-se no lugar.

Bernard estava próximo, bem na sua frente, também tentando manter-se de pé. Com seus pés firmes no chão como um par de estacas, exibia uma força física invejável, sem precisar se segurar em nada para resistir ao vórtice causado por Oliver.

Vivienne, diferente dos dois, não conseguiria se segurar por muito tempo. Monique correu até ela, a abraçou e fincou sua adaga no chão, usando um pouco da energia de sombras para firmar a pequena lâmina.

— Qual será o próximo passo, Monique? — gritou Bernard com um olhar desafiador. — Vai salvá-lo ou acabar com isso de uma vez por todas?

Ainda segurando a garota de escudo em um dos braços, ela viu Bernard desafiar o poder do vórtice.

O mestre chegou a urrar com a força que fez para acumular mais sombras ao redor de seu corpo, mas havia conseguido. Depois, começou a saltar para longe do local.

Antes que pudesse ir atrás dele, precisava manter Vivienne a salvo. Oliver estava inalcançável, seria morte certa tentar parar o jovem mago naquele momento. Tudo o que restava era lutar contra a energia que a puxava insistentemente.

Seu braço pesava para tirar a adaga do chão. Quando conseguia, fazia os pés lutarem para se manter firme até conseguir fincar a pequena lâmina novamente.

Era fácil deixar sua mente livre de distrações, mas não conseguia evitar de pensar nos próximos passos.

Queria chegar até Bernard antes que ele fugisse.

Quando conseguiu se aproximar de sua espada outra vez, guardou a adaga e voltou a usar a grande lâmina para se prender ao chão.

Vivienne estava desmaiando e recobrando a consciência sucessivamente. Monique começava a sentir o mesmo efeito. Em uma das vezes, quase acabou soltando a garota, mas manteve-se firme.

Era o vórtice. Parecia que ele puxava as almas para fora. Iria acabar quebrando o laço com os corpos.

Monique tomou um momento para olhar para aquele pilar de luz na sua frente. Talvez pudesse pará-lo, mesmo que por um instante.

— Segure firme — disse para Vivienne, mesmo que a garota não pudesse ouvir.

Concentrada, ela virou-se de costas para Oliver e começou a acumular sombras na sua grande lâmina novamente. Sabia que não ia durar muito, mas tinha que tentar.

Com a espada pronta, Monique a desprendeu do chão. Logo ela e a garota de escudo começaram a ser puxadas para dentro do vórtice. Segurando firme e preparada para atacar, Monique girou para frente e arremessou toda aquela vastidão sombria direto no pilar.

A sombra voou como uma flecha e, antes que pudesse atingir o pilar, ele foi protegido por uma camada de magia que criou uma barreira em volta dele.

Mesmo não conseguindo acabar com aquilo, foi o suficiente para interromper a absorção.

Monique colocou a espada nas costas e ajeitou a garota em seus braços. Depois ela voltaria pelo jovem mago. Naquele momento, precisava terminar o que começou.

 

 

Sem ter que lutar contra a magia, Monique voltava a ter velocidade suficiente para correr atrás de Bernard.

Chegando na saída Oeste, viu alguns dos Conselheiros caídos. Rose estava sendo socorrida por Etienne e o senhor Durant estava com a mão apertando o próprio peito, desesperado. Parecia estar se recuperando de um infarto.

— Senhor. — Monique aproximou-se, deitando Vivienne ao lado dele. — Preciso que cuide dela.

— M-monique — Durant tentou falar, mas não conseguia.

— Apenas cuide dela. Tenho muito a fazer.

Correndo pelos campos até a muralha, ela viu Adélard lutando contra o que restava dos invasores. Estava visivelmente enfraquecido pelo que aconteceu no vórtice, mas se recusava a parar.

Haviam dezenas de pessoas correndo para a muralha. Visivelmente algumas delas já mortas.

"Claro que ele iria trazer outro necromante", pensou.

Observando atentamente, viu o vulto que se misturava com aquelas figuras correndo para subir a muralha. Bernard ainda não tinha chegado na base. Havia tempo.

— Monique! — gritou Adélard — Vá logo, foque em matar o Bernard.

— Abaixe-se.

Adélard apenas obedeceu, e Monique lançou mais uma onda de sombras como a que tinha atingido o vórtice, limpando aquela área dos invasores.

Aproximando-se do Conselheiro de Fogo, deu a mão para ajudá-lo a se recompor.

— A minha cabeça está horrível — disse apoiando a mão sobre a testa.

— Vá até o lado Leste de Prospéria. Esse abalo atingiu todo mundo e deve ter atingido civis. De preferência, leve o senhor Durant com você.

— Você tem que impedi-lo.

— Faça sua parte e farei a minha. Lembre-se de não deixar ninguém chegar perto daquela luz. Eu resolvo quando voltar.

 

 

Faltava pouco para alcançar Bernard, mas as chances de fuga dele ainda eram grandes.

Monique podia vê-lo chegando perto da base da muralha e sabia o quanto o mestre lutador era ágil para subir até o topo. Mesmo que pudesse usar sua adaga para tentar acompanhar o ritmo dele, não seria o mesmo que fazer tudo com as próprias mãos.

Mas ainda poderia arriscar uma outra estratégia.

Após acumular sua energia de sombras em suas compridas pernas, Monique saltou o mais alto que pode. Um salto para frente, buscando a muralha. Ao ver seu alvo, juntou mais sombras na lâmina da espada e a arremessou.

Bernard conseguiu desviar, mas parou por um momento, olhando a espada cravada no concreto. Havia certa surpresa em seu olhar quando percebeu que era a arma de Monique. Isso só o fez saltar ainda mais rápido para poder sair de lá.

O salto a ajudou a chegar na base. Imbuindo a adaga com a energia de sombra, conseguia fincá-la na construção e começar a subir também.

Quando alcançou sua espada, Monique a retirou da parede e, novamente, arremessou na direção do mestre lutador. Bernard saltou para o lado e conseguiu desviar. Ambos estavam conscientes de que não era para acertar, apenas para ganhar tempo.

— Você me impressiona, Monique! — Bernard gritou olhando para baixo.

A perseguição não demorou muito até que ambos chegassem no topo. Antes que Bernard pudesse saltar para a fuga, foi impedido por Alexander e Lohan.

— Ótimo. Agora são três contra um. — Lohan preparava seu porrete para começar o ataque. — É melhor aceitar a derrota. 

— Como estão os civis, Monique? — perguntou Alexander.

— A salvo.

— Na medida do possível, não é mesmo? — Bernard arqueou as sobrancelhas. — Mas a questão é que estamos falando de pais de guerreiras aqui.

— Onde quer chegar? — perguntou Lohan.

— Não se preocupe, meu caro. Tive decência de deixar sua esposa, Gabrielle, viva. Afinal, vocês vão precisar começar outra vez.

— Não... você... Do que você está falando?!

— Lohan, se acalme. — Monique sacou a espada.

— A visão daqui é ótima. É só olhar para Prospéria que você vai entender o que eu quis dizer.

Ambos dirigiram o olhar para o grande vilarejo, tomado pela luz esverdeada. O vórtice continuava parado, mas emanando poder.

— Você e o mago...

— Não, Alexander, preste atenção.

— Eles estão vendo com os próprios olhos, Monique.

— Dane-se! — Lohan saltou por cima de Bernard. — Onde é que está a minha filha?!

O mestre lutador desviou-se do golpe, que atingiu em cheio a estrutura da muralha. O brilho enorme da Natureza de luz de Lohan cegou todos em volta imediatamente.

Ainda assim, era possível sentir as sombras de Bernard. Ele não estava longe.

Monique saltou para o lado Oeste da muralha. Na queda, viu seu alvo logo abaixo e conseguiu alcançá-lo. Fincando a espada na roupa dele e apontando a adaga para o pescoço, ambos ficaram pendurados enquanto desviavam dos escombros.

— Teremos tempo para uma revanche.

— Nós vamos acabar com isso agora.

— Não vamos. É só olhar — disse apontando para cima.

Toda a barreira de proteção criada por Alexander para conter a fuga havia sido desmanchada. Monique viu dezenas de cordas sendo jogadas e incontáveis corpos sendo arremessados para a base do lado Oeste da muralha.

— Eu sei que você não se importa com eles. Daria para vocês os acharem no meio desse deserto que é o lado de cá. A questão é: Se você vai fazer isso, quem vai cuidar do seu garotinho?

Monique o encarava. Sua expressão continuava imutável e gélida.

— Esconda o quanto quiser. Eu sei o que passa pela sua cabeça e qual foi a sua escolha. Mas esse exército vai voltar. Quando isso acontecer, vamos lutar de novo. Nesse dia, que o mais poderoso de nós mate o outro.

Com a perna esquerda, Bernard tentou atingir as costelas de Monique, mas ela se protegeu. Aproveitando a guarda baixa, o mestre lutador terminou de rasgar a roupa que ainda estava presa na espada e caiu para a base da muralha, encarando a espadachim.

Logo, sua figura perderia-se na escuridão daquelas terras desérticas.

 

 

Voltando ao topo da muralha, os sinais da derrota amargaram a vista.

O maior recurso de proteção do Leste estava completamente arrasado. Estrutura das passarelas comprometidas, com rachaduras por toda extensão. Pontos de coleta destruídos. Até mesmo as plataformas de elevação estavam quebradas, impedindo o retorno de alguns dos guerreiros.

— Senhora Lavigne! — gritou um jovem espadachim, correndo em direção a Monique. — Precisamos ir atrás deles. Ainda podemos vencer.

— Não, Bruno. Vamos recuar e cuidar de quem conseguimos salvar.

— Mas, senhora, nós...

— Já perdemos demais. — Monique olhava rigorosamente para Bruno. — E minhas pendências dessa noite ainda não acabaram. Fiquem aqui até alguém conseguir ajudar vocês na descida.

Para a mestra espadachim, descer foi até mais fácil do que subir. Bastou fincar a adaga na estrutura da muralha e usá-la para controlar o ritmo da descida.

Ainda assim, não poderia ser cuidadosa demais. Precisava chegar rápido em Prospéria.

Correndo pelos campos, em meio a restos de corpos e destroços do conflito, o cheiro de sangue era forte no ambiente. Tudo isso impulsionado pelo mau cheiro dos próprios invasores, que eram a maioria dos derrotados ali.

As perdas de guerreiros foram baixas, no entanto, um deles ainda estava prestes a ser morto.

Monique olhava para a luz do pilar onde Oliver estava preso. A barreira de magia ainda circundava o local, impedindo o vórtice de agir. Isso não a impossibilitava de sentir o mesmo abalo de antes, quando parecia estar sendo chamada para dentro daquela luz.

Em algum momento, a barreira não iria aguentar, pela própria exaustão do garoto. Vendo esse momento chegar a cada passo que dava na direção do seu objetivo, Monique parou para se concentrar.

Mais uma vez, as sombras rondavam seu corpo, indo na direção das pernas. Sua túnica e botas pretas já a escondiam à noite o suficiente, mas aquela energia praticamente fazia seu corpo desaparecer.

Olhando para o pilar e chegando perto, percebeu que a barreira estava quebrando e a luz se esvaindo. Flexionou os joelhos e deu um salto com toda sua força.

Do alto, viu o corpo de Oliver caído e alguns Guerreiros por perto, fazendo uma roda em volta dele. Lohan estava logo atrás do garoto. Porrete em mãos, começando a brilhar com a típica luz dourada. Ele pegou a arma com as duas mãos, levantou acima da cabeça, e desferiu o ataque.

Antes que pudesse acertar a cabeça do jovem mago, a arma dele foi atravessada pela espada de Monique. Uma queda perfeita em cima do mestre animalista, que logo foi imobilizado contra o chão.

— Ficou maluca, Monique?!

Nenhuma resposta ou sinal facial. Apenas um olhar gélido e silêncio.

Removendo a gigante lâmina de dentro do porrete de madeira, que quase foi partido ao meio, ela levantou-se.

Seu caminhar uniforme e postura imponente por conta do alto porte afastava os guerreiros próximos que a olhavam de baixo com receio.

Chegando ao lado do corpo de Oliver, Monique pegou sua espada e a fincou no chão, próxima do rosto do garoto. Com o braço esquerdo apoiado no punho da arma e o pé direito à frente, impedindo que outra pessoa tentasse acertar a cabeça do jovem mago, ela encarou todos os presentes por alguns segundos.

— Esse garoto está sob minha responsabilidade agora. O que tivermos que fazer com relação a ele, cabe a mim decidir. Quem tentar atacá-lo, será morto.

— Como você ousa ameaçar alguém de morte depois de tudo o que passamos?

— Você estava ousando matar um jovem desacordado.

— Ele é um cúmplice. Minha filha... morreu por culpa deles.

Monique via as lágrimas brotarem levemente no canto dos olhos de Lohan. Em seguida, encarou o rosto do jovem mago, que ainda estava desmaiado.

Como se aproveitasse um sinal de distração, Lohan avançou na direção da grande espadachim. Aquilo apenas resultou em um rápido corte no peito dele feito pela adaga, que na mesma velocidade em que foi sacada, voltou para sua bainha.

— Sinto muito por sua filha, mas ele não teve nada a ver com isso — disse olhando no fundo dos olhos de Lohan. — Vou repetir: quem ameaçar a vida desse garoto, morre.

Todos os guerreiros presentes que ouviram tais palavras pareciam respeitar. Apesar de toda discordância, ninguém queria mergulhar em mais conflitos.

— E o que vai fazer com ele?

Monique abaixou-se para pegar Oliver em seus braços. O corpo dele estava fraco, com vários ferimentos. Seria difícil dizer se sobreviveria.

— Ele e todos os outros, guerreiros e civis, serão tratados. Vamos cuidar dos nossos. Depois, vamos estabelecer um plano para ir atrás daquele exército do Oeste. Não podemos perder tempo.

 

***

 

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