Volume 1 – Arco 1
Capítulo 31: Surge o solucionador
Lucca, Vila da cachoeira silenciosa, 1340 D.M
Nesses três dias de perseguição, o colosso em si deixou de ser um problema tão grande. Contanto que tenha sempre alguém de olho, é impossível sermos alcançados. Apesar de o avanço do colosso ser desproporcionalmente rápido e destrutivo, só consegue alcançar uma distância fixa e exige um considerável tempo de recuperação.
Seu tamanho ridículo, nesse caso, é uma grande desvantagem.
Antes de conseguir chegar nessa distância perigosa, conseguimos avistar ele e nos mover para longe.
Outro sinal ainda mais óbvio, é que sempre que o colosso está prestes a aparecer, surgem alguns pássaros no céu, que ficam nos rodeando.
Mas como diz o ditado: água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
Esse método que encontramos ainda depende de humanos e se esse processo se estender muito mais e o medo começar a diminuir, a chance da pessoa vigiando cometer um erro ou se distrair aumenta, abrindo a brecha para sermos pegos de surpresa.
Também, por culpa do colosso, estamos tendo que evitar todo tipo de cidade, pelo trauma da primeira vez em que fomos pegos de surpresa por ele, onde tivemos que evacuar a cidade inteira às pressas.
Ver os moradores presenciarem suas casas sendo esmagadas e as ruas destruídas, carregando suas crianças no colo, chorando, foi uma cena terrível.
Nisso acabamos descobrindo que, sempre que possível, o colosso optava por desviar das construções habitadas e dava espaço para as pessoas fugirem, porém, isso não mudou o fato de que houve danos consideráveis e casualidades.
Devido a isso, fomos forçados a andar por caminhos mais perigosos, com mais monstros, cansando mais a nossa escolta.
Nos outros dias, ainda conseguimos evitar descansar em uma vila, acampando, porém hoje foi inevitável. Uma das rodas de uma das carroças quebrou e estávamos sem material para consertar.
Uma gambiarra provavelmente serviria, mas o real motivo, que não foi dito em voz alta, era que a moral de todos estava caindo muito.
Como experienciei pessoalmente, viajar na carruagem e viajar do lado de fora, são coisas totalmente diferentes. Principalmente os Grão-mestres estavam precisando de uma pausa urgente.
Isso sem contar as tantas enrascadas que a mudança de rumo nos colocou.
— Eles estão se multiplicando...
“Começou com dois, agora já são 19, quantos mais será que vão surgir?”
— O que estão olhando? — perguntou Ampom, curiosa em ver nós três de binóculos, no topo da torre mais alta da cidade.
— Um grupo de aventureiros, parece que estão planejando atacar o colosso.
— Tem certeza de que não estão atrás dos tesouros dele?
— Com armaduras, armas e uma formação padrão de ataque... Acho que querem lutar mesmo — respondeu Selena.
— Se pelo menos dois forem sortudos e conseguirem fugir, avise algum grão-mestre para regatar eles. Querem biscoito?
— Eu passo — respondi.
— Também não estou com fome — disse Khajilamiv.
— Vou querer dois. — Em algum ponto, a Selena desistiu de lutar e passou a aceitar os lanches envenenados. Desde que não superassem a marca de duas refeições por dia.
— Olha, os arqueiros começaram a mirar! — apontou Khajilamiv.
— Espero que percebam a idiotice que estão fazendo e desistam logo. Ou deveria torcer para que se ferissem e recebessem algumas pílulas dos Fortuna?
— Nem todos são tão generosos quanto eu, melhor torcer para que desistam logo.
Quatro tanques, cinco arqueiros, dois magos, dois especialistas em cura e seis guerreiros, contra um colosso dormindo.
— E se eles acordarem a tartarugona?
— Impossível. Se nem um grupo de grão-mestres oficiais conseguiram fazer um arranhão, tenho medo é dos guerreiros se ferirem, tentando golpear a pele do colosso.
— Começaram!
Um mago espalhou combustível na pele do colosso e o outro lançou fogo, criando uma explosão que me surpreenderia, se visse antes do ataque monumental do Trakov.
Logo em sequência, os arqueiros lançaram uma chuva de flechas, que mais pareciam palitos de dente, pela distância que estávamos e provavelmente doíam tanto quanto, para o colosso.
A linha de frente estava esperando a reação, com escudos prontos para protegerem, mas imagino que ficaram confusos ao verem que o colosso nem percebeu a existência deles.
Indo para o plano B, eles tiraram uma longa corda de uma das mochilas, que se provou curta demais para prender as pernas do colosso.
Isso causou uma discussão e tanto, onde um dos guerreiros deve ter sido culpado por subestimar o inimigo que enfrentariam.
A esse ponto, a qualidade das estratégias, provavelmente improvisadas na hora, caiu bastante.
Um guerreiro pegou uma pá e começou a escavar, só para perceber que levaria anos para conseguir criar uma armadilha profunda o suficiente para capturar o colosso.
Outro tentou escalar as costas, só para ser capturado pelas armaduras vivas.
Quando tentaram resgatar ele, como cutucar um ninho de abelhas, o grupo invocou um enxame de pássaros e objetos flutuantes, que os perseguiu até pularem para fora do colosso e perceberem que perderam todas as suas armas e armaduras.
Descontentes com essa derrota, que só custou perdas materiais, já que tiveram sucesso em resgatar o guerreiro.
Eles se reuniram, brigaram e planejaram, até voltarem para lá e iniciarem uma batalha contra os pássaros.
Nem é preciso dizer que foram completamente subjugados, com alguns até desaparecendo, como os magos, que pegaram todo ouro que conseguiram carregar em seus braços, buscaram dois grandes artefatos em suas mochilas, brilharam e fugiram com o que parecia uma magia de teletransporte, deixando os outros para trás, inclusive os que perderam membros do corpo, em batalha, com o sangramento mitigado pelos assistentes de cura.
Esses foram carregados pelos arqueiros que se recusaram a subir no colosso, em uma caminhada com expressões sombrias no rosto, em direção a vila que estávamos.
— Por favor, nos ajude! — De alguma forma, esses arqueiros nos encontraram e se curvaram, implorando pela ajuda do Barão.
— Queria ter uma visão boa dessas — disse Selena.
— Tem um hospital aqui por perto, por que vieram direto falar com a gente?
— Porque não seria diferente de levar um criminoso a sede dos guardas. Para os aventureiros, ser levado para o hospital público é uma sentença de morte.
— Isso é alguma questão de honra estranha?
— A guilda dos aventureiros está em péssimo termo com os Fortuna. Uma das sanções que o Duque impôs contra todos que se relacionassem com eles, é a proibição do uso dos hospitais públicos. Se usarem, além de serem visto como traidores da guilda e nunca mais receberem pedido algum, vão ter que pagar uma taxa enorme para o governo.
— O que eles fizeram para receberem punições tão severas?
— É uma longa história.
— Pretende ignorá-los enquanto isso, jovem mestre? — perguntou um dos cavaleiros.
— Leve-os ao meu pai, eles que se expliquem.
— Muito obrigado — disse o guerreiro sendo carregado.
— Será que vão ser socorridos? — perguntou Selena.
— Depende do quanto estiverem dispostos a oferecer por tratamento.
— Que frieza, pensei que gostasse de ajudar aos outros — disse, em um tom provocativo.
— Só faço isso para cumprir o meu grande objetivo de me tornar discípulo do Gamaliel!
— Tsc, tsc, típico Fortuna... — disse Selena.
— Você um dia... Mais alguma interrupção antes de eu começar? — respirando profundamente, ele seguiu: — Certo dia, um comerciante de baixa influência e riqueza, viu a oportunidade de capitalizar no desespero que o antigo ducado causou, oferecendo trabalhos insalubres e perigosos por preço de banana, usando da imagem do herói aventureiro, como marketing barato, sem pedir os direitos de imagem para a família, o que causou um processo desastroso e uma remodelação de marca.
Fortuna regularizou e fechou muitas filiais que passavam do limite, mas a organização em si já era grande demais para ser derrubada completamente.
Usando de mão de obra barata, descartável, sem benefícios e responsabilidade, eles cresceram ao ponto de terem uma filial em cada cidade do Ducado inteiro.
Por mais que eles tenham tentado mudar sua imagem nos últimos anos, seus fundamentos permaneceram os mesmos.
Cada aventureiro é considerado um trabalhador independente da empresa comerciante que administra a guilda dos aventureiros, portanto, pedidos ilegais como esse, acabam tendo suas consequências nos próprios aventureiros.
— Como isso é permitido?
— Eles assinaram um contrato que especificava tudo isso. A guilda gasta um dinheiro considerável maquiando esses crimes, como virtudes ou sacrifícios que o herói aventureiro, que atualmente foi substituído por outro, cujo nome não me lembro, teve, para alcançar o topo. Enfim, se levarmos eles para os hospitais públicos, seus crimes serão descobertos e eles serão presos. Por isso se apoiam tanto em poções e se recusam a serem socorridos.
— Que complicado.
— Esses comerciantes sem honra até copiaram os ranques reais da ordem de Modros, criando um programa de fabricação de falsos grão-mestres.
— Como assim falsos?
— Na ordem de Modros, os ranques gerais dos cavaleiros são decididos a partir de combates um contra um, por isso, só é possível se tornar um grão-mestre, derrotando um grão-mestre, provando por definitivo sua força, junto com outros requisitos. Mas na guilda dos aventureiros, é possível se tornar um grão-mestre completando três missões do nível “equivalente” a um e medindo sua reserva de mana ou força em um aparelho mágico.
— Sinceramente, ambos parecem igualmente válidos. Qual o problema no método da guilda?
— Um aventureiro pode pegar uma missão em grupo, pagar um grão-mestre verdadeiro e ser carregado.
— Mas e no teste de mana ou força? Eles compram o avaliador?
— Não duvido que também façam isso, mas há métodos de aumentar os resultados artificialmente com poções.
— Supondo que um aventureiro de ranque mais baixo consiga usar esses truques e se torne um grão-mestre, que benefício ele teria nisso? Assim que tiver que completar uma missão real, sem ajuda, ele não morreria?
— Não há vantagens que façam valer esse esforço e muitos morrem mesmo.
— Então são todos malucos?
— Uma das virtudes destacadas nas propagandas é a coragem para tomar riscos.
Dei uma olhada nos aventureiros discutindo com o Barão, que estava com uma cara de quem iria recusar e perguntei:
— Qual o ranque daqueles?
— Tem dois grão-mestres não oficiais e o resto são mestres. Só ver o colar deles ou o cartão de identificação.
— Realmente, acho que seria necessário no mínimo uns cem clones do mais forte, só para derrotar o Rafun... Será que eles compraram?
— Evite fazer essa pergunta na frente de um deles.
— Isso é óbvio.
De alguma maneira, o Barão aceitou ajudar eles.
— Como convenceram ele? — perguntei.
— Nos oferecemos como reforços de escolta até a capital! — respondeu um dos especialistas em cura.
— Sabe, fiquei curioso com uma coisa, quando vi vocês lutando contra o colosso.
— V-você viu aquela cena vergonhosa? — Ele cobriu seu rosto com seu chapéu e prosseguiu: — O mínimo que podemos fazer, em troca desse favor tão grande, é responder tudo o que você desejar... Por favor, pergunte o que quiser.
— Não se irritaram quando os magos abandonaram vocês?
— É uma prática comum...
— Ser comum ou não, faz diferença? Pessoalmente, pelo menos no momento, iria desejar que a magia falhasse e eles se explodissem.
“Será que vieram de uma escola marcial de monges? Mas eles brigaram tanto antes. Foi um debate saudável? Não, estava longe de saudável.”
— Dependendo do caso, eles estão em uma situação pior que a gente. Se sairmos com vida, só perdemos os recursos que gastamos para chegar até aqui, mas se eles escapam de mãos vazias, como agora, e já estão em uma situação complicada, vão ser forçados a entrar em outra expedição sem seguros, caso não se endividem ainda mais para renovar o seguro de teletransporte, sem pedras de mana para usarem magias mais poderosas e sem equipamentos adequados.
— E se entrarem em outra enrascada?
— Falhando novamente, geralmente vendem seus órgãos ou aceitam ser cobaias do laboratório central. — Com uma longa pausa, ele continuou: — Entre os aventureiros, magos são os mais fortes, valiosos e menos confiáveis. Para se degradarem a um trabalho tão indigno, todos seus equipamentos devem ser emprestados, suas dívidas devem chegar até as nuvens e suas magias disponíveis devem ser poucas. Diferente dos estudantes oficiais e formados, se esses magos encontram um oponente mais forte e suas únicas magias são inefetivas, melhor sumirem da batalha do que serem um peso morto a ser protegido. Quando fomos abandonados, na verdade, ficamos contentes em não ter mais um problema para se preocupar. Essa conclusão sanou sua dúvida?
— Sim, obrigado.
Com a adição dos aventureiros, seguimos viagem.
— De onde que você tirou esse braço mecânico? — perguntou Selena, maravilhada no quão maneiro era o design da prótese de um dos guerreiros feridos.
— O próprio Barão me forneceu isso.
— Será que deveria arrancar meu próprio braço para ganhar um desses?
— Não faça isso! — gritou o guerreiro, genuinamente preocupado.
— Ela só está brincando.
— Que brincadeira de mau gosto...
— Ainda existe a chance de um curandeiro mais forte ou um bispo da igreja da santa Luchiena, salvar o seu braço? — perguntei.
— Não é impossível, mas com a minha situação financeira, é mais fácil torcer para tropeçar em uma fada de cura na rua.
— Fadas existem mesmo? — perguntei para o Khajilamiv.
— As de verdade estão praticamente extintas. Mas provavelmente ele está falando sobre a fada que o guia mencionou antes. As que os seguidores do caminho da borboleta conseguem ver depois de passarem pela iniciação, são, na verdade, chamados de espíritos, elementos ou almas inferiores. E não tem nenhuma ligação com as fadas do passado. Essa distinção já foi feita faz um bom tempo, mas essa atualização só ficou na torre mágica e nos livros. Como não houve nenhum incentivo para essa troca de vocabulário e os líderes do caminho não ligam sobre o modo disso ser chamado, os leigos continuam achando que os dois são os mesmos.
— Quando o assunto é magia e história, você se empolga mesmo. Dizer não, já seria o suficiente.
— Seria mesmo?
Na mesma quantidade das mentiras e enganos que os aventureiros carregavam, nesses dois dias, em que mantivemos essa nova rotina, sem mudanças, nos divertíamos muito com suas histórias de vida e contos que aprenderam com bardos.
Esse tempo de calmaria só durou por dois dias, porque a quantidade de aventureiros caçando o colosso e seus tesouros, saiu do controle.
— Cento e quatro... Cento e cinco... Tem mais de cem pessoas lá!
— Da onde que eles estão surgindo?
O número se tornou tão grande, que seria um crime dar as costas para eles.
— Se salvar seus subordinados é a obrigação de um nobre, por que todo trabalho ficou com a gente!? — gritou Rafun, exausto de carregar aventureiros e impedir esmagamentos.
Mesmo vendo o caos que estava e o perigo de se colocarem ali, essa multidão pareceu animar os aventureiros em correr em direção a morte.
Alguns verdadeiramente acreditando que poderiam derrubar o colosso, outros com expectativas mais realistas de pegar o máximo de dinheiro possível e cair fora. Mas todos priorizando mais os objetivos que suas próprias vidas.
"Para isso que aventureiros vivem!", ouvi ao menos cinco aventureiros gravemente feridos sussurrarem esse lema, antes de desmaiarem ou morrerem.
— OLHEM PARA CÁ IDIOTAS! — gritou o Barão, com um artefato de aumento de voz, chamando toda atenção para si. — Como representante da linhagem direta de Fortuna, ordeno que todos retornem para suas casas e desistam dessa missão criminosa! Aqueles que se recusarem a cumprir essa ordem, estão sujeitos a se tornarem inimigos de Fortuna! Temos um artefato para registrar a face de todos vocês, por isso, não pensem que sairão impunes, por se esconderem na multidão!
E esse anúncio teve um efeito quase que imediato. Os aventureiros de ranque mais baixo evaporaram, os de ranque mais alto ponderaram se valia a pena, então saíram e apenas os mais renomados ou insanos, ficaram.
O número total caiu para menos de trinta.
— Esse caso já não é o suficiente para você? — perguntou o vice-líder da expedição, para o Barão. — Vamos entregar logo o cristal elemental!
Prykavyk não respondeu.
— Por favor, se decida até amanhã de manhã. E não venha sem uma alternativa excepcional, caso recuse.
— Vou caminhar um pouco — disse o Barão.
Esperamos ansiosamente por algumas horas, então quando ele retornou, respondeu:
— Eu não...
Mas foi interrompido pela marcha de um pequeno exército, que soou trombetas, a distância.
Os grão-mestres sacaram suas armas e montaram em suas cavalarias, pronto para um possível combate contra um inimigo desconhecido, porém, a frente desse exército, havia uma bandeira nobre.
— Isso já está saindo do controle, precisamos conversar.
Um membro da família Laika.
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