Hant! Os Piores Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 38: Benção do monge Barinaja

Na grande descida que percorremos para chegar ao planalto, onde os aventureiros caçavam, mal havíamos percebido o pequeno riacho que atravessamos em um simples salto.

Mas a caminho da cidade, esse mesmo riacho ganhou volume, se unindo a outros rios maiores, até se tornar impossível de atravessar a pé.

Quanto mais andávamos, mais olhares esse rio atraía, tanto do nosso grupo, como de outros, pela adição de peixes, grandes e pequenos, coloridos e discretos, por animais a sua beira, buscando uma presa ou só saciando sua sede, e pela expansiva variedade de plantas, aquáticas e terrestres.

Até no número de pessoas nos acompanhando em direção a cidade, quanto mais o rio crescia, mais vida surgia ao seu redor.

Porém, enquanto seguíamos pelo vasto planalto, minha atenção foi redirecionada do rio para uma grande tenda do outro lado.

Parte de um circo, uma enorme tenda circular, com o tecido de um padrão listrado em branco e vermelho, cercado por barraquinhas de jogos, perfumes, bebidas e presa por estacas em formato de estátuas de palhaços.

Outras tendas pequenas, com uma conexão direta a tenda principal, ficavam por trás de uma cerca de madeira e duas tendas médias, isoladas, ficavam uma de cada lado da tenda principal, na área acessível ao público.

Pelo número de pessoas indo embora, presumi que chegamos no horário em que eles fechavam, mas pelo anúncio de um homem com roupas cheias de pedras brilhantes, descobri que apenas fariam uma pausa para jantarem, antes de abrirem para mais uma sessão na tenda principal.

— Acha que vamos ter tempo para dar uma passada lá? — perguntei.

— Como conseguimos o material para reconstruir o cristal da barreira dentro do próprio colosso, o tempo de espera vai ser consideravelmente menor. Mas vai depender das habilidades dos artesãos mágicos do Visconde — respondeu Rafun.

Agora do nosso lado, a algumas centenas de passos depois de passarmos pelo circo, nos deparamos com um bar estranhamente cheio, apesar de tão isolado.

— Então aqui que as pessoas ficam, durante as pausas do circo?

— Se essa fosse a intenção, por que não construíram do outro lado? Não estou vendo ponte nenhuma por perto e o circo é temporário. Essa construção não parece ser facilmente transportável... Talvez só tiveram sorte?

Nesse bar, uma criança vestindo um chapéu de bobo da corte, se despedia aplaudido de pé por uma multidão de idade incrivelmente variada. Tanto as crianças, como os adultos e idosos, riam incontrolavelmente.

Tomando seu lugar, um grupo de músicos começou a tocar e parte da multidão se dispersou, logo substituída por aqueles vindo do circo.

“Que desperdício. Se tivesse nascido no meu mundo, talvez sua plateia seria ainda maior.”

Se bem que ele ainda é bem novo e futuramente, caso continue melhorando, aqui também ele pode ser capaz de atrair grandes multidões na capital.

— Espera, vieram do circo? Como eles atravessaram? — Olhei para trás e vi que parte da superfície do rio estava congelado, possibilitando a travessia, mas não consegui ver quem ou o que fez isso.

Quando fui perguntar, para ver se alguém tinha visto como a ponte foi criada, um novo tópico mais urgente surgiu:

— O portão da frente está interditado por causa de uma manutenção... Quais as outras entradas? — perguntou Prilio.

— Pelo mapa, o caminho que parece mais perto, está do outro lado do rio — respondeu o cavaleiro que carregava a bússola.

— Podemos seguir pela ponte congelada — sugeri.

— Qual ponte?

— Aquela lá atrás... Derreteu.

— Não é hora para fazer piadas — disse o cavaleiro, em um tom irritado.

— Podemos ir visitar a cachoeira. Não é o mais curto, mas tem um portão lá — disse o monge, retornando pelos céus, depois de verificar todas as opções pessoalmente.

— Por que ele não nos carrega para o outro lado? — perguntei.

— É verdade, pode fazer isso? — pediu Prilio.

— Não quero, vamos ver a cachoeira.

— Como verificou que tinha um portão lá, sem ver a cachoeira?

— Eu vi.

— Então por que ainda quer ir lá?

— Uma vida ditada pelo...

— Tudo bem! Vamos para a cachoeira! — Andar alguns quilômetros extras, era menos cansativo para o grão-mestre que ouvir mais um devaneio do monge.

Como percorremos a parte exterior da cidade, ficamos sem ver o rio por um tempo.

Mas quando ele retornou, foi direto para um grande precipício, decorado por um arco íris que perdia intensidade, junto do pôr do sol.

Mesmo a essa hora, muitos ainda se banhavam, por acreditarem nas propriedades mágicas que a fada da água oferecia.

Colocando metade do meu pé na água, para ver se ao menos a temperatura era agradável, retirei rapidamente, verificando que era bem mais frio que esperava.

Depois de apreciar a vista, entramos na cidade pelo portão dos fundos.

Até agora, entre todas as cidades que vi nesse mundo, essa era a maior.

O bairro residencial, por onde chegamos, era repleto de pequenos prédios, perfurados por altos aquedutos, que desviavam o fluxo do rio, para dentro das construções importantes.

As lâmpadas eram feitas de um cristal mágico artificial, que se acendia quando alimentado com água e o sistema de esgoto era melhor cuidado que as cidades do meu país e as anteriores que passei nesse mundo, que disfarçavam o mau cheiro com grandes quantidades de perfume ou nem se davam ao trabalho de tentar disfarçar.

Os telhados possuíam um sistema para redirecionar a água da chuva, para uma grande fábrica de purificação, já que apenas o rio era limpo da maldição.

E decorações de animais marinhos despejando água e fontes enormes, tanto práticas, quanto apenas pela beleza, estavam em todo lugar.

Seguimos até a praça principal, que rodeava uma grande estátua de um herói que não identifiquei, em cima de uma caravela antiga.

Logo meus olhos foram atraídos por uma catedral branca e azul, que incorporava muitas estátuas que despejavam água, assim como a sua entrada: uma cortina líquida, colorida de um azul mais forte e que se cessava, cada vez que alguém entrava ou saía.

Muitos comércios já estavam fechando a essa hora, então só amanhã conseguiria entender o quão movimentado era o centro, no horário de pico e qual era a real paisagem dessa cidade.

Em lugar algum senti perigo ou medo de ser roubado, nem vi moradores de rua ou mendigos. Em parede alguma vi pichações ofendendo o governante atual, nem cartazes.

“Talvez aquele Visconde não seja tão ruim assim”, e cheguei à conclusão que deveria mostrar mais respeito a ele, pela grande responsabilidade que tinha em suas mãos, que provavelmente se refletia em uma influência equivalente.

Mas como tinha menos dinheiro, tendo uma terra maior que a do Barão?

Então me relembrei da ligação de sangue da Baronesa com o Duque e do sobrenome Laika, não Fortuna, do Visconde.

Talvez ele seja mesmo rico, só perdi meu senso comum, de tanto conviver com os Fortuna.

“Isso pode ser um problema quando eu tiver que me virar sozinho, em um continente estrangeiro, matando demônios sapos bombados.”

Uma experiência boa demais, só intensifica o sofrimento posterior.

Passando para uma parte menos movimentada do centro — e bem menos extravagante do que vimos até agora — entramos em uma pousada de cinco andares, reservamos quartos por uma noite e deixamos as malas lá.

Um grupo ficou na pousada, o grupo dos aventureiros retornou a guilda, temporariamente, para relatar a falha da missão do colosso e atualizar a situação, e os que restaram foram procurar pelo Barão, o grupo que escolhi.

A bússola era imprecisa em curtas distâncias e o motivo deles não poderem usar esse artefato para ligarem para o Barão e perguntarem onde ele estava, era pelo risco de uma espécie de microfonia mágica, que explodiria todos os vidros da cidade.

Eles tentaram ligar enquanto estavam mais longe, quando ainda era seguro, porém, o Barão simplesmente não atendeu.

Nos separamos e depois de duas horas de busca, retornamos de mãos vazias. Talvez subestimamos o tamanho dessa cidade, ao marcarmos o lugar todo como um ponto de encontro com o Barão, um bom aprendizado para a próxima vez.

Como estava ficando tarde, desistimos da busca por hoje e mudamos nosso foco.

Entrando em um dos poucos lugares sem água, a biblioteca, andamos até a recepção e pedimos por revistas e jornais da época aproximada em que o monge começou seu treinamento, com uma margem de vinte anos.

Demorou pouco mais de meia hora para trazerem todo material, que dividimos e começamos a filtrar em temas relevantes.

Primeiro separamos pelo tema de crimes ou desaparecimentos, depois por região, por monastérios e por último encontramos o nome do monastério que o monge Barinaja pertencia e o motivo de ter desaparecido.

Certo grupo de paladinos em treinamento, junto de um grupo de bandidos, se reuniram ao confundirem o monastério com um local de reuniões secretas de cultistas demoníacos.

Eles comprovaram suas suspeitas por encontrarem demônios capturados pelos monges e queimaram o monastério inteiro.

— Que história estranha... Parece que tem mais algo aí,

— Mesmo se tivesse, é quase impossível investigar um caso de tantos anos atrás — disse Rafun.

— Como será que o colosso se envolveu nisso tudo? — perguntou Prilio.

— Talvez o colosso viu os paladinos voltando com os tesouros do monastério e perseguiu eles, igual a gente.

— Mas pela data, o cristal ao meu redor ainda não havia se desenvolvido tanto — disse o monge.

— Você se prendeu intencionalmente? — perguntei.

— É uma técnica que aumenta a eficácia e concentração em meditações prolongadas. Economiza até na ingestão de nutrientes e água.

— Por duzentos anos?

— Eu quebrava o cristal quando sentia fome. Repeti esse processo cerca de cinquenta vezes.

— E não percebeu nada de errado, em todo esse tempo?

— Sim, percebi. Muitas coisas estão erradas nesse mundo. Como tiranos puderam acumular karma o suficiente para ocuparem os cargos elevados que ocupam? Como a natureza irá suportar o fardo do desequilíbrio que a humanidade cria? Certamente, há muitas coisas de errado nesse mundo. Se bem, que também, há coisas certas, sim, muitas coisas certas com esse mundo. Afinal, caso houvessem mais pessoas más que boas, as cidades não prosperariam tanto. Como essa, uma bela cidade, com muitas forças injustas, porém, em dez vezes maior número, justos.

— Até esqueci o que tinha perguntado. Enfim, obrigado pelas sabias palavras, iluminado.

— Agora que temos uma data, devemos procurar nos arquivos históricos? — perguntou Rafun.

— As informações que encontraram já me bastam — respondeu o monge. — Agora que sei que minha casa foi destruída, sei como agir, isso me basta, sim é o suficiente. Não estou satisfeito, mas as coisas entram em seu devido lugar com o tempo, o que posso fazer é agir. Apesar de ainda estar verdadeiramente enfurecido com aqueles paladinos da ordem da santa. Devo ir lá discutir com o líder atual? Não, o que deve ser feito, farei, mas o que não é necessário, não farei, tudo irá se encaixar no lugar, com o tempo.

— Pretende ir para onde agora? — perguntou Rafun. — Se ainda não definiu um rumo, faço o convite para que se una a nossa expedição, por enquanto.

— Obrigado pela oferta, mas já me decidi. Ficarei por essa cidade mesmo.

— Não é movimentado demais para um monge?

— Ficarei bem. Primeiro construirei uma escola de artes marciais, arrecadarei fundos em trinta anos e reconstruirei o meu monastério, comprando as terras que hoje devem pertencer a outro.

— Se me permite, posso ajudar nesse seu primeiro passo. Eu poderia comprar um terreno para o iluminado?

— Aceito.

Fomos imediatamente ao banco nacional, onde Rafun sacou uma boa quantia de dinheiro, então, não muito longe, andamos até uma imobiliária.

O dinheiro seria suficiente para um grande terreno ou uma construção pronta, porém, o monge Barinaja escolheu um pequeno terreno baldio de cinquenta metros quadrados, em uma péssima localização.

— Tem certeza?

— Sinto um bom pressentimento com esse lugar. Caso me arrependa, venderei e comprarei outro.

Assinando o contrato, Rafun transferiu a propriedade para o nome do monge, que decidiu ficar pelo seu terreno, mesmo com um quarto próprio na pousada, já reservado.

— Irei conceder a todos vocês uma benção. — Escrevendo uma série de caracteres que não entendi, em uma folha de papel branca, uma luz ofuscante nos cegou e quando abrimos nossos olhos, estávamos de volta na pousada, em nossos respectivos quartos. — Vivam bem, meus benfeitores!

— Sistema! Alguma atualização? — foi a primeira coisa que fiz, logo que acordei.

[Você recebeu uma benção.]

— Eu já sei! Mas que benção é essa? O que ela faz?

[Te abençoa.]

Meu soco atravessou a tela azul, que se fechou, logo depois.

“Que estranho.”

Vendo que a luz vazava das cortinas fechadas, decidi abrir a janela.

Já era de dia.

— Naquela hora, se o Rafun tivesse dito as palavras erradas...

Respirei aliviado de o ter como aliado.

Investiguei meu corpo e parei para reparar em meu estado mental.

Nada parecia fora do comum, além de estar completamente descansado e mais disposto que o normal, para alguém que acordou tão cedo e dormiu tão tarde.

Desci as escadas, esperando um café da manhã, pela pousada parecer mais cara que as outras, só para me decepcionar.

Encontrei Rafun e os outros, também levemente desnorteados com o que havia acontecido e já que só a gente havia acordado, jogamos alguns esportes, na área dos fundos da pousada.

O tempo passou e na frente de uma estátua engraçada de peixe bolha, retomamos a busca, com mais pessoas que ontem, marcando esse mesmo lugar como ponto de encontro, ao meio dia, as três e seis horas da tarde, as nove e as onze da noite, caso falhássemos.

Nos dividimos por área, com um sorteio de palitos, então nos separamos e partimos.

Nessa busca, acabei descobrindo mais sobre a cidade.

Fora a coleta de água potável, distribuída pelas casas da cidade e por cidades próximas, por um bom valor.  

Pela abundância de um ambiente limpo, livre da maldição, esse lugar é um grande armazém que guarda ingredientes para remédios e perfumes, até alimento, que é armazenado ali até que um novo carregamento parta até as regiões mais isoladas do Ducado.  

Voltei ao ponto de encontro e como ninguém havia encontrado, retomamos nossa busca.

Caso nos encontrássemos em perigo, um sinalizador foi entregue a todos, em forma de prisma, roubado do colosso e refinado nesse pouco tempo de busca, por um dos grão-mestres, Edwin.

Retornando a minha área designada, a parte oeste da cidade, me deparei com um grupo de gatos em cima de um muro e ri:

— Imagina se encontro o Lírio antes de todos os outros!

Segui caminhando, mas pensando no gato branco, retornei e verifiquei com mais calma e seriedade.

Olhando melhor, realmente era. 

— O Khajilamiv não estava brincando quando te acusou de mulherengo... — Eu segurei o gato e perguntei para ele: — Poderia me levar para onde eles estão?

O Lírio acenou positivamente e depois de se despedir com um miado, começou a correr.

Tive dificuldade de acompanhar o seu ritmo, em meio a uma cidade tão populosa, mas de repente, ele parou em frente a um beco e levantou sua pata.

Recuperando o fôlego e andando até lá, encontrei o Barão vomitando em uma lata de lixo.

Olhei para trás e o gato desapareceu.

— Obrigado... Vou te dar um bom salmão depois.

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