Volume 1 – Arco 1
Capítulo 39: Antes de nobre
Aviso: Esse capítulo pode conter temas sensíveis para alguns.
Depois de carregar o Barão até o banco mais próximo, corri para uma loja de medicinas naturais e com ajuda do atendente, escolhi e voltei com uma folha que, quando mastigada por alguns minutos, aliviava os sintomas da bebida.
Isso elevou o estado dele de murmurar palavras incompreensíveis, com o risco de cair e se machucar a qualquer momento, para conseguir andar normalmente e falar, apesar de alucinar algumas vezes e rir por motivos bestas.
Esse foi o teste final para verificar a segurança da cidade. Mesmo carregando objetos que alimentariam famílias por anos, ninguém ousou roubar nada do Barão.
Olhei para meus lados e para cima dos telhados, procurando por uma escolta que o acompanhou e possivelmente impediu esses crimes, mas com a minha percepção atual e competência dos cavaleiros dele, nunca descobriria por conta própria.
E eu sabia disso. Só fiz essa ação inútil na esperança de que, se houvesse alguém, essa pessoa se revelasse sozinha.
O que não aconteceu.
— Maldita bruxa~ hic! — Sem que ele precisasse explicar, por meio de seus resmungos, assumi que ele brigou feio com a Ampom... De novo.
— Por que é que vocês se dão tão mal?
— Ai~nda não te conta~ram? Hic! Que eu ma~tei hic! O maldi~to discípulo dela?
— Já me disseram, mas deve ter acontecido algo grave que motivou essa ação. — Um mero assassino não seria tratado com tanto respeito e talvez nem estaria andando livre. Será que esse foi o resultado de um duelo ou acidente? — Me desculpe, mas as habilidades dela são tão superiores à sua, que se ela apenas quisesse vingança, poderia ter conseguido a qualquer momento. No tom da voz dela tem algo além da raiva... Quero ouvir o seu lado da história!
— Está me menos~prezando mesmo~ Hahaha! Tudo be~m, eu conto!
Inconscientemente, desviei meu rosto do olhar dele.
— Mudei de ideia. Vou me sentir um lixo se me aproveitar da sua fraqueza, só para saciar minha curiosidade. Como não sei onde você está se hospedando, vou te levar para descansar na pousada que estou.
— Fraqueza? Estou comple~tamente bem, hic! Minha história não~ é na~da demais! Só me pagar mai~s uma bebida, que eu te conto tudinho!
— Nada disso. — Coloquei o braço direito dele por trás do meu ombro e comecei a levá-lo para a pousada. — Se ainda estiver com a mesma disposição amanhã, talvez eu aceite.
— Para... On~de você está me leva~ndo!? Hic! Me solte! Não me leve de volta para ela!
— Se acalma, vamos para outra pousada.
— Me larga! — O empurrão dele me lançou para longe e o Barão começou a correr. — Não me leve para lá! Se afaste!
Mesmo em uma condição melhor que ele, não fui páreo para sua velocidade e comecei a ser deixado para trás.
— Espere! Não corra! Tudo bem, podemos seguir a sua sugestão, mas por favor, não fuja!
— Está mentindo! Aquela bruxa te enviou para me capturar!
Subitamente, o tom de voz dele normalizou.
“O efeito daquele remédio foi funcionar justo agora!?”
Meus pés começaram a ceder e minha velocidade começou a diminuir.
Então perdi ele de vista.
— Droga!
Como iria justificar que perdi uma chance dessas?
Não vou conseguir nem olhar nos olhos do Lírio, depois dessa.
Bati no chão e voltei a correr.
“Ele não deve estar longe. No máximo, seguiu em uma linha reta até desmaiar e cair!”, mas isso não seria pior que perder os rastros dele?
Comecei a imaginar situações cada vez piores.
“E se ele correu para o subúrbio dessa cidade e foi capturado por bandidos? Ou pior, demônios mutantes, como os sapos bombados! Os moradores daquela ilha falaram que já faz um tempo desde que existiram seres como aqueles. E se voltarem com uma tecnologia avançada e abduzirem o Barão!?”
Felizmente, a partir de certo ponto, ele começou a virar para direita em todas as ruas que conseguia, desperdiçando sua energia, andando em círculos.
Quando estava prestes a cair no chão de exaustão, segurei ele.
— Vamos para aquele bar...
— Eba!
Entrando no estabelecimento de médio porte, praticamente vazio, com exceção de alguns viciados, que não tinham vergonha de beber em plena luz do dia, conversando em um tom alto, para todos ouvirem.
Distraí o Barão colocando a música mais estranha que encontrei no toca-discos a moeda, peguei um guardanapo, escrevi uma mensagem e passei para o bartender:
“Sempre que esse homem pedir uma bebida, despeje os corantes que estão dentro dessa caixa ao lado, em um copo de água com gás e aja como se fosse uma bebida comum. Pagarei o valor equivalente do produto real.”
Como esperava, o Barão logo pediu a bebida mais forte do cardápio.
O bartender colocou o corante em uma garrafa vazia de bebida, encheu de água — quando Prykavyk desviou o olhar — e despejou em um batedor, junto de alguns cubos de gelo.
Ele fez diversos movimentos exagerados, adicionou todos os líquidos sem álcool com uma mão e com álcool na outra, bem na frente do Barão. Retirou tudo, juntou em um copo, filtrou, trocou os recipientes com um pequeno truque e decorou a taça final com um pequeno guarda chuva.
Sem pensar duas vezes, o Barão deu um grande gole, soltou um grunhido satisfeito e agiu como se tivesse tomado uma bebida real.
“Já tinha ouvido falar, mas nunca vi o efeito placebo ser efetivo com meus próprios olhos.”
Mas será que isso conta?
Como não sabia exatamente quais os fundamentos do experimento original, fingi que funcionou.
— Me acompanhe também! — ordenou Prykavyk.
— Como desejar, vossa alteza.
O bartender ficou confuso sobre se entregava meu pedido real ou se repetia o truque e me entregava somente água com gás, então esclareci por meio de outra nota, pedindo para que repetisse o mesmo que fez antes.
— Agora sim, posso começar!
— Como disse antes, guarde algo tão sensível, somente para quando estiver sóbrio.
— Vai agir igual ao meu filho e se recusar a ouvir os desabafos desse homem velho?
Olhei para o rosto dele, tentando encontrar alguma característica que se encaixasse nessa última afirmação, então perguntei:
— Quantos anos você tem mesmo?
— Trinta e dois!
— Não se chame de velho, você ainda tem a vida toda pela frente.
— Será? Já tive cinco trabalhos, vi a morte de meus pais, me casei duas vezes e até tive mais de um filho, guerreei, conheci o imperador e o Duque... Acho que só me resta a morte.
— O Khajilamiv tem irmãos?
— Hm? Agora ficou curioso?... Vou ter que contar então.
— Você é que sempre ficava emburrado toda vez que sequer mencionava sobre seu passado! Quem vai se arrepender no futuro é você!
— Ficava?
— Interpretei errado?
— Não, definitivamente ficava. Mas a situação atual é diferente.
— Como? Até estamos em um bar.
— Inegavelmente, agora posso afirmar que você é uma boa pessoa.
— A bebida te afetou mesmo.
— Será? Sinto que todos os outros poderiam dizer o mesmo. Quantas vezes você não se prejudicou ou se sacrificou pelo bem dos outros?
— Coisas pequenas, nem valem ser mencionadas.
— Mas para os que receberam esses favores, definitivamente valeram muito, ao ponto de se relembrarem pelo resto da vida. Até seu tratamento já mudou tanto que ninguém pode afirmar, com uma leve batida de olho, que é um prisioneiro. — Ele começou a bater o pé no chão e cruzou seus braços. — Se no início, liberei suas correntes, para colocar uma limitação ainda maior, agora não há um sequer que aceite ser o seu carrasco ou vigia. Essas atitudes que você chama de pequenas, ganharam até o coração do Prilio, aquele rabugento que nem me cumprimenta bom dia.
— Não foi nada demais, vocês que são gentis demais. O que fiz é o mínimo
— Mais dois! Dessa vez mais forte — gritou o Barão. — Depois que você já compartilhou todo seu passado comigo, não é justo que eu não faça o mesmo.
Tenho certeza que até sóbrio, não me arrependerei de contar isso para você.
Naquela época, assim como hoje, a mãe do Khajilamiv era uma pessoa livre. Como uma boa nobre da família mais rica do mundo, onde quer que seus olhos pousassem, ela obtinha para si.
Seu pescoço doía de tantas joias, seu cabelo ofuscava de tanto ouro.
No tempo que a conheci, ela possuía vinte e cinco anos de idade, bastante para alguém solteira e, portanto, seus pais, que já haviam tentado de tudo para capturar um marido para sua filha, resolveram fazerem um ultimato e expulsar sua filha para o interior do reino, perto do porto comercial do Norte, “apenas” com o dinheiro para comprar dois reinos e o título de Baronesa, na esperança de que ela finalmente tomasse jeito e aceitasse um de seus pretendentes, como oficial.
O que eles não esperavam, era que ela adoraria esse castigo.
Longe dos olhos de seus pais, a Baronesa largou seus costumes nobres e viveu festejando em um estilo de vida promiscuo, que logo chegou aos ouvidos do Grão-Duque, que se enfureceu e ordenou que ela retornasse imediatamente.
Ela obedeceu ao chamado, levou uma leve advertência e continuou fazendo o que fazia. Parecia que toda a rigidez que o Grão-Duque tinha com seus filhos, ele compensava com a fraqueza com suas filhas, sendo bondoso até demais com elas.
Após essa advertência, no caminho de volta para o baronato, na pacata vila em que morava, ela decidiu fazer uma pausa para se divertir.
Como queria o destino, nossos olhares acabaram se cruzando e ela se interessou por mim.
De início, ela colocou uma máscara e agiu graciosamente, como uma nobre princesa deveria.
Entregou uma gorjeta boa, foi uma excelente cliente.
Porém, no dia seguinte, uma desculpa surgiu e ela aproveitou o tempo da estadia estendida, para ir lentamente armando suas armadilhas.
Pouco a pouco foi se tornando mais descarada e eu sabia que caso a recusasse, morreria ou seria preso.
Mais três se passaram, então ela agiu.
No dia seguinte, partiu antes de eu acordar, deixando uma carta com um punhado de ouro, como se eu fosse um funcionário do distrito de entretenimento.
Minha amada tentou me consolar, mas por três dias e três noites, não comi um grão de trigo e nem bebi sequer uma gota de água.
Cada vez que tentava me tocar, me afastava instintivamente, porque me sentia sujo.
Toda vez que tentava me animar, retornava dizendo que aceitaria se ela desejasse acabar com nosso relacionamento.
Queria morrer naquela cama mesmo.
Mas nesse tempo, minha amada criou um ódio mortal a baronesa, ao ponto de tentar se vingar com as próprias mãos, em outra vila próxima, que a princesa havia parado. Um atentado falho.
Quando recebi a notícia de que ela havia sido presa, voltei a comer e beber.
Uma oportunidade de ter o perdão total, anulando completamente o crime da minha amada. Assim interpretei a carta com um bilhete curto, que chegou na minha casa:
“Venha a mansão da Baronesa, ou lidarei com a sua noiva eu mesmo.”
Rasguei o bilhete e sai para caçar pela primeira vez, no horário mais perigoso.
Já havia desistido da minha vida mesmo, então não teria problemas em me usar para salvar minha amada.
Mas só de pensar no que o desgraçado que escreveu essa carta poderia fazer, antes mesmo que eu conseguisse chegar na mansão; só de pensar no tamanho inferno que ela vivia agora, por minha culpa, meu corpo ardia em chamas e minha mente se nublava em uma espessa fumaça cinza.
No dia seguinte, vendi tudo do pouco que tinha para pegar a primeira charrete até a mansão.
E assim me tornei um dos vários concubinos dela.
Quatro anos depois, descobri que isso era um desentendimento causado por outra pessoa, um dos guardas novatos, escolta dela, querendo mostrar serviço, para se aparecer e subir de cargo.
E não foi só comigo.
Todo homem que ela colocava seus olhos, esse desgraçado o forçava a se deitar com ela, usando qualquer meio necessário.
A baronesa não sabia que eu era casado.
Ele, o discípulo da Ampom, mentiu para ela, dizendo que a minha amada era apenas minha irmã e quando ele me arrastou pelo pescoço, dizendo que mataria e queimaria minha casa, caso não fosse ao quarto dela, a baronesa apenas tinha pedido para entregar um convite.
Onde eu teria a opção de recusar, sem retaliações ou mágoas.
Ao invés de uma ameaça me forçando a se juntar a ela, aquela carta era para conter um pedido de desculpas, por não saber que eu era casado.
Tanto é que, quando cheguei na mansão, descobri que minha amada estava sendo bem tratada. E que estava vivendo no maior conforto e luxo, desde o dia em que nasceu, novamente como um pedido de desculpas da baronesa.
Apesar de nada disso a acalmar do desespero que era imaginar o que eu poderia fazer, ao ouvir aquela notícia, de que ela havia sido presa temporariamente.
A Baronesa eventualmente descobriu o que o cavaleiro dela estava fazendo e o demitiu, mas só entregou uma carta de desculpas e uma boa quantia para minha amada.
A esse ponto, ela estava apegada demais a mim e decidiu que eu seria dela para sempre. Ela assumiu que eu deveria aceitar, porque tudo que ela desejava, se tornava dela.
Simplesmente nem passou pela sua cabeça, a possibilidade que eu a recusasse.
— Não precisa continuar... Já é mais que o suficiente.
— Estou bem, não se preocupe.
O Barão fez uma pausa para tomar fôlego, deu um gole na bebida e continuou:
— Durante esse meu drama todo, o Grão-Duque ainda não tinha desistido de fazê-la escolher um marido oficial.
Ele a deu três opções, uma escolha para ser tomada antes que o ano terminasse:
Um nobre escolhido por ele, um mercante rico ou um dos concubinos que ela já tinha.
Entre os concubinos, ela me escolheu e dispensou todos os outros e então, de uma maneira típica dela, declarou que se casaria com aquele com quem ela tivesse um filho primeiro.
Isso serviria de justificativa para recusar as opções do pai dela, já que ser feio, não era um motivo valido o suficiente.
Durante todo o período dessa disputa adulterada, ela apenas manteve relações comigo.
E isso enfureceu o nobre mimado, que havia recebido a confirmação do próprio Grão-Duque de que venceria. Então certa noite, quando ele estava no limite, esperou o momento em que a Baronesa estava sozinha, para tentar vencer pelos meios dele.
Por sorte, um cavaleiro estava por perto e ouviu os gritos de socorro dela, então nada aconteceu nessa noite.
Mas isso gerou um trauma nela, que se trancou e quadruplicou o tamanho de sua escolta.
O incidente foi motivo suficiente para o Grão-Duque aceitar a derrota e punir a casa daquele nobre e eu ser escolhido como marido dela.
Cinco dias depois do ocorrido, ela me chamou.
“Me desculpa, me desculpa, me desculpa...” ela repetiu centenas de vezes, enquanto derramava as últimas lágrimas que lhe restava.
Uma coisa levou a outra e pela primeira vez, eu consegui me abrir com ela e contar a verdade sobre como eu me sentia a respeito de tudo isso.
E quando ela caiu em si e percebeu o mau que havia causado, ela nunca mais se envolveu com outro homem além de mim, ordenou buscar e matar o cavaleiro que havia causado o desentendimento e pessoalmente pediu desculpas para mim e minha amada.
Um pedido de perdão genuíno.
Mas quando eu decidi que iria me divorciar e morar com a minha amada, a baronesa ameaçou cometer suicídio.
— ...O que? — Eu fui pego completamente de surpresa. Isso não estava caminhando para uma história com um final feliz e uma redenção completa?
— Sem escolha, já que nesse meio tempo, ela começou a tentar agir de forma melhor, eu fiquei.
— Vocês precisavam urgentemente de uma terapia.
— E foi isso que fizemos.
— Sério?
— Depois disso, passamos dois anos em uma terapia de casal, onde resolvemos de vez nossos desentendimentos e descobrimos a raiz dos problemas dela.
Mas nesse meio tempo, o Khajilamiv nasceu.
Se eu me divorciasse, o meu filho passaria por situações terríveis. Com quase certeza, seria excluído completamente, zombado e nem quero imaginar o que mais esses nobres seriam capazes.
Então atualmente eu vivo com a minha primeira esposa, mas cumpro meus afazeres de Barão, para evitar rumores.
— Digo de coração... Me desculpa por te fazer relembrar essa história terrível.
— Resumir a história desse jeito, dá a impressão de que apenas sofri com tudo isso. Mas na realidade, minha esposa e eu, que estávamos quase morando na rua e sendo enviados para os campos de produção, graças a baronesa, tivemos a oportunidade de criar os nossos filhos em um ambiente melhor que a maioria das pessoas e oferecer a eles uma educação que nossos antepassados só podiam sonhar.
"Não sabia se essa era uma mentira que ele passou a acreditar, para lidar com esse trauma ou se ele realmente pensava assim."
Independentemente, fico feliz que, mediante as circunstâncias, ele ainda consegue ter uma visão tão positiva da vida.
No tempo em que levei para assimilar tudo que ouvi e considerar a possibilidade do segundo desgraçado dessa história ser um conhecido meu, o Barão caiu no sono.
Com ajuda do bartender, coloquei ele em minhas costas e o carreguei até o ponto de encontro.
— Garantirei que viva o resto da vida bem, meu benfeitor.
Margarita Gardelli
— Dia de sorte para o amor? — Lendo a seção do horóscopo do dia, ela riu. — Será que devo reconsiderar o convite da minha amiga?
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