Volume 1 – Arco 1
Capítulo 9: Ameaças larvais
No dia seguinte, o Khajilamiv e a Selena fizeram mais uma visita, por volta do mesmo horário.
Mas dessa vez eles trouxeram duas caixas: uma vermelha e uma azul.
— Isso é um presente para mim? — perguntei.
— Infelizmente não — respondeu Selena.
Os dois abriram as caixas, revelando diversas larvas azuis na caixa azul e duas larvas brancas com dois chifres na vermelha, então o Khajilamiv tirou um papel do seu bolso, o desdobrou e mostrou para todos os guardas, enquanto a Selena mostrava o emblema da família Ducal.
— O que vamos falar agora com o prisioneiro é um assunto altamente confidencial. Vocês podem escolher entre duas opções: Ou saem dessa sala e esperam do lado de fora, ou ficam e ingerem uma das larvas azuis.
A Selena colocou uma luva transparente, retirou uma das larvas brancas e uma das larvas azuis, fechou as duas caixas, colocou na mesa e esmagou a larva branca com seu dedo polegar.
A larva azul rapidamente cresceu e sua pele foi rasgada, dando lugar a uma centopeia vermelha do tamanho de um homem adulto, causando pânico entre os guardas.
Apesar do susto, ela logo morreu depois de se debater um pouco, sem causar nenhum dano real.
— E caso escolham ficar e revelar o que foi dito na sala, saibam que elas crescem ainda mais se alimentando da carne humana — completou Selena, que jogou sua luva em cima do cadáver da centopeia. — Tirem essa coisa daqui e tomem logo uma decisão.
Depois de arrastarem a centopeia para fora da sala e limparem o chão, nenhum guarda escolheu ficar.
— Todas as crianças de Fortuna são como vocês? — perguntei.
— Em que sentido? — perguntou Khajilamiv.
— Aquela centopeia quase fez alguns homens adultos chorarem de medo, mas vocês nem sequer tentaram desviar quando aquilo pulou na sua direção.
— Se um descendente do grande professor dos heróis se assustasse por uma coisinha dessas, que já estava preparada de antemão, eu já teria sido deserdado faz um tempo.
— Bom, como você eventualmente vai herdar um pedaço de terra tão grande e se tornará responsável algumas centenas ou milhares de vidas, até faz sentido, mas e ela? Ouvi do guarda que ela era filha de um comerciante "comum".
— Se uma descendente do grande comerciante de atuns Bravystrada se assustasse por uma coisinha dessas, eu já teria sido deserdada faz um tempo — disse Selena, engrossando a voz e usando a ponta de seu cabelo como um bigode.
O Khajilamiv deu uma boa risada.
— Realmente isso foi bastante suspeito, vamos tomar mais cuidado nas próximas vezes. — Depois de tomar um gole de água para se recompor, ele continuou. — É sobre isso que a gente veio falar dessa vez. Pode se apresentar, dessa vez de verdade, Selena?
— Tudo bem. — Ela se levantou da cadeira, bateu em suas roupas como se estivesse tirando o pó e se curvou levemente segurando as pontas do seu vestido. — Meu nome verdadeiro é Selena Lance, da guilda de informações, assassinatos e espionagem do mesmo sobrenome.
Então ela rapidamente puxou uma adaga escondida e jogou em minha direção. A ponta da adaga fincou no vidro, mas no tempo em que me virei por reflexo, a face dela mudou completamente.
Seus longos cabelos dourados estavam jogados no chão e sua máscara de pele falsa foi entregue para o Khajilamiv.
Sua verdadeira aparência era bem mais chamativa: cabelos marrons, raspados até a altura de dois dedos, diversas cicatrizes de cortes espalhados por todo o seu rosto, dois caninos de ferro, com uma estrela gravada em um deles e um dispositivo que parecia um fone sem fio em sua orelha direita.
— Hah... Como é bom respirar sem aquela coisa — disse, enquanto tirava suas lentes de contato que transformavam a cor de seus verdadeiros olhos vermelhos em verde. — É difícil demais fingir ser uma burguesa mimada sem ficar forçado.
— Ela estava disfarçada de sua noiva desde o início ou a pessoa que veio ontem é quem ela está tentando fingir ser hoje?
— Ela é a minha noiva e a mesma pessoa de ontem — respondeu Khajilamiv. — Mas precisamos usar o disfarce dela ser a filha de um comerciante até o dia do nosso casamento, por ordens do Duque, que provavelmente vai usar essa revelação para dar um susto no Imperador.
— Susto?
— Descobrir que a maior guilda de informantes do império, onde até seus assessores e conselheiros vão buscar ajuda em assuntos confidenciais, agora tem laços tão próximos com uma pessoa tão poderosa, deve deixá-lo paranoico por um bom tempo. Por isso esse assunto deve ser lidado com cuidado e os preparativos para essa revelação ainda devem levar uns anos para ficarem prontos.
— Desculpa se essa pergunta parecer indelicada para vocês, mas por acaso você também está escondendo sua identidade?
— Não?...
— Acho que entendi o que ele quis dizer — disse Selena. — Não faz sentido uma filha de um líder de guilda tão poderoso assim se casar com o filho de um homem com o ranque tão baixo. Acontece que o líder da guilda sequestra algumas crianças órfãs em um teste para criar agentes especiais e os que passam ele adota como filhos adotivos. O fato de os dois lados se recusarem a casarem seus próprios filhos, indica que essa não é uma aliança definitiva. Mas provavelmente o herói suspeitou que você fosse o filho do Duque, disfarçado.
“Eu já li algumas histórias de assassinos treinados desde pequenos, mas só vendo pessoalmente eu percebi o quão nojenta essa situação era.”
— Não tem problema dizer tudo isso para mim? O que eu fiz para conquistar toda essa confiança? — perguntei. — Ou por acaso vocês vão me fazer engolir uma daquelas larvas?
— Deveria? — Khajilamiv sorriu.
— Fique tranquilo, que só trouxemos isso para assustar os guardas mesmo — disse Selena. — Pelo contrário, isso é mais uma prova de o quanto ele confia em você.
— Isso está soando meio estranho, vão pedir um favor absurdo então?
— Ainda não — respondeu Khajilamiv.
Essa resposta me pareceu pior.
— Já jogamos muito papo fora, vamos ao assunto de hoje — disse Selena. — Nos encontramos pessoalmente com o herói que falamos ontem e ele concordou em vir testemunhar ao seu favor, mas precisamos da sua assinatura para poder completar as formalidades e enviar a papelada necessária para o juiz.
Eles passaram o papel pelo vão do vidro e eu pedi uma caneta para um guarda que esperava no corredor.
“De jeito nenhum deixe o herói que vai passar por aqui testemunhar para você”, eu hesitei um pouco, lembrando das palavras do visitante de ontem.
Mas no fim assinei e devolvi o papel pelo mesmo vão.
— A primeira seção do julgamento deve acontecer daqui a dois ou três dias — disse Khajilamiv.
A Selena puxou a adaga que jogou no vidro, pegou a peruca no chão e começou a se disfarçar novamente.
Os dois começaram a se despedir para ir embora, mas eu os chamei para fazer mais algumas últimas perguntas.
Primeiro, eu expliquei todo o caso do Brutamonte e pedi pela opinião da Selena, que por ser uma assassina com capacidades dedutivas já provadas, imaginei que pudesse ter uma nova perspectiva sobre o caso. Mas ela apenas respondeu que iria pensar sobre e responder na próxima visita.
E depois perguntei se ela conhecia alguma empresa de comerciantes com a logo de uma framboesa prateada, o símbolo que vi nas camisas e carroças dos gêmeos que me ajudaram na ilha, mas ela acenou negativamente e disse que também traria a resposta se encontrasse.
— Obrigado por fazerem todo esse esforço por mim, até amanhã.
Eles partiram e eu voltei para a prisão.
...
— Roubo, furto, prevaricação, fraude, sequestro e iniciação de revolta, mas o motivo pelo qual ele foi preso foi por dano a propriedade pública?
— Inicialmente ele parecia um prisioneiro comum, até mais comportado que a média, mas conforme fomos investigando o passado dele, mais a sentença dele foi crescendo. E o pior de tudo é que parece que ainda nem descobrimos tudo.
— Vi mais embaixo alguns crimes ainda mais graves. Por que não reportou eles ainda?
— Estamos juntando evidências e relatos das vítimas faz alguns meses, para mostrarmos tudo de uma vez. Decidimos que teria um efeito maior que enviar cinco relatórios novos por semana e pouparia algum tempo também.
— O que faz menos sentido, é que de acordo com esses documentos, parece que a partir desse dia ele simplesmente enlouqueceu? De zero ocorrências, considerando até as mais leves, para cinco relatos de crimes hediondos em um dia! Ele acordou possuído ou algo assim?
— O motivo não me interessa. O importante é que depois desse último julgamento, certamente ele não escapará da pena capital
— Se um monstro como ele sair vivo depois do julgamento, podemos pedir demissão no mesmo dia.
Lucca Massaro Monti, São Paulo, 2000 D.C
— Vinte, quarenta e... cinco e cinquenta centavos, aqui está o seu troco.
E com isso, o meu expediente do trabalho de meio período acabou. Logo eu iria voltar para casa para almoçar e ir direto para a faculdade.
— Tá pensando que eu sou idiota?
Isso, é claro, se não fosse pelo último cliente do dia, um homem beirando a terceira idade, que trouxe uma tonelada de bebidas em seu carrinho.
— Perdão?
— Você é analfabeto ou tá tentando me passar a mão? Falta dez centavos no troco.
— Ah, sim, me desculpe, aqui está... — Eu peguei mais uma moeda da caixa registradora, coloquei junto ao troco e fui entregar para o homem.
— Essa nova geração incompetente não consegue fazer nem o básico mesmo — E ele bateu em minha mão, jogando todo o dinheiro no chão. — Chame o gerente daqui.
— Para que isso? São só alguns centavos, deixe esse jovem em paz e para de segurar todo mundo da fila — disse um cliente que estava atrás dele.
“Se acalma, é só mais esse...”
— O que aconteceu? — perguntou o gerente.
O cliente começou a gritar e resmungar, bater o pé e falar coisas sem sentido.
— Deixa que eu cuido desse aqui, pode indo — disse o gerente, que ofereceu alguns cupons de desconto para ele, como compensação pelo ocorrido, mas a raiva daquele homem, assim como a sua barriga de pinga, parecia insaciável.
Eu arrumei minha mesa, mas quando fui sair, o homem saltou em minha direção para resmungar ainda mais.
O ignorei e continuei meu caminho para ir embora, o que o irritou ainda mais.
— Você acha que é melhor que eu?
“Que ego frágil ein, será que ele tomou um chifre para ficar tão irritado assim?”
Quando eu dei um leve sorriso como resposta, ele agarrou a minha camisa e me puxou para tentar dar um soco, mas antes que conseguisse, o cliente de trás correu e segurou o braço dele, conectando logo em seguida uma graciosa imobilização de judô.
A raiva do resmungão não parou por aí e mesmo no chão ele ainda fazia birra:
— Você não sabe quem eu sou! Sou um advogado de uma empresa multinacional, sua vida está acabada!
— Não tenho medo de um processo injusto por alguém igual você.
— Uau, não parece até uma cena de filme? — Essa cena atraiu os olhos dos outros funcionários e clientes, alguns admirados com a atitude heroica e outros viciados em uma briga.
Pouco depois, alguns policiais chegaram e levaram os dois para prestar ocorrência, mas a esse ponto eu já tinha escapado dali.
Uma semana depois, acabei descobrindo pela conversa de alguns colegas que o homem bom de judô estava concorrendo para alguma coisa na política e o caso havia até aparecido na TV.
Com mais algumas reportagens exagerando muito o ocorrido e glorificando além da realidade a atitude do candidato político, ele ganhou votos o suficiente para ser eleito como vereador.
Um mês depois das eleições, ele enviou um presente generoso para cada um dos que trabalhavam no mesmo supermercado e se tornou ainda mais popular entre os funcionários, ao ponto de virar quase uma lenda
Já o outro cliente problemático, foi demitido e posteriormente foi pego roubando comida de uma vendinha, por não conseguir emprego em lugar nenhum com a sua fama.
Quando vimos isso pelo jornal, meus colegas não conseguiam conter as suas expressões de alegria.
“O homem bom foi recompensado e o mau punido, sem dúvida podemos dormir tranquilos, pois a justiça se cumpriu.”
Mas eu me senti terrível.
Naquele dia em que todos receberam cestas cheias de bombons e presentes fúteis, eu recebi um envelope. Dentro dele tinha a maior quantia que eu já tinha visto na vida e um cartão de negócios do secretário daquele político.
Eu desprezava aqueles que faziam graça, se humilhavam por atenção ou dinheiro, mas...
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