Hant! Os Piores Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 10: A fúria de um homem gentil

Lucca Massaro Monti, Ala médica da prisão, 1340 D.M

Bati duas vezes na porta de madeira.

— Pode entrar.

— Viemos visitar aquele que sofreu a tentativa de assassinato, somos amigos.

— Seus nomes?

— Diga que o Poeta e o Vibogo estão aqui, que ele vai entender.

Me sentei em uma cadeira de espera e peguei uma revista para ler. Como não entendi quase nada, pedi para o Vibogo ditar o que estava escrito para mim.

O título era: “O exército de Fortuna retorna com uma vitória perfeita!” em uma fonte dourada e cursiva com muitas voltas e frufrus, acompanhado de um pequeno subtítulo: “O misterioso caso da queda da barreira de 900 anos!”

— Quanto será que pagaram para esse jornalista fazer um texto tão nacionalista?

Cinco parágrafos entre dez e vinte linhas cada para não falar nada além de exaltar o Duque e a família Fortuna?

“Não é como se eu esperasse ver meu nome aqui, mas eles nem vão mencionar que alguém lá dentro ajudou crucialmente em tudo isso? Falha de funcionamento por erro na manutenção... É sério que vão aceitar essa justificativa?”

Incrivelmente, no meio de toda essa matéria sem sentido e incompleta, encontrei algo de útil.

Nas pequenas porções de alguma verdade, estava lá o relato de um dos gêmeos que me ajudaram. Apesar de ter sido claramente editado para favorecer a opinião positiva sobre o Ducado, consegui ao menos descobrir o seu nome: Fram Elykovyk.

— O quarto do paciente está na segunda porta à direita — disse o atendente, bem a tempo de eu terminar a última página da revista.

Seguimos pelo corredor branco e entramos em uma sala com oito macas de cada lado, três delas ocupadas, simbolizadas pelas cortinas fechadas. Quando ele ouviu os passos, o Corvo abriu a sua cortina e acenou.

Ele tinha um tubo entrando pelo seu nariz, vários equipamentos de ponta o monitorando, diferentes dos usados nos outros pacientes. Mas visivelmente ainda parecia o mesmo de sempre, sem nem algumas bandagens ou um gesso visível. 

Nos aproximamos de sua maca e o cumprimentamos, mas encontramos um problema. Só tinha uma cadeira.

— Pode se sentar herói — disse Vibogo.

— Que isso, o Poeta precisa mais, ele andou bastante ontem — respondi.

— Os mais velhos primeiros, por favor — disse o Poeta, oferecendo o lugar para o Vibogo.

— Vão ficar nessa para sempre? — perguntou o Corvo. — Essa maca do lado está vazia, podem se sentar nela.

— Não tem problema?

— Se estiverem com medo de alguma coisa sem sentido, podem puxar as cadeiras das outras macas vazias também.

Decidimos trazer duas outras cadeiras.

Com todos sentados, o Corvo levantou o lençol que o cobria, revelando várias manchas roxas em suas pernas e um pedaço de papel com símbolos que lembravam o que o médico que me socorreu na ilha usou para diagnosticar o afogamento por mana, fixado por diversas agulhas em seu pé.

— Acupuntura? — perguntei.

— O médico disse que impedia as infecções de chegarem no resto do corpo, mas fiquei bem doente mesmo assim.

— Não parece — disse Vibogo.

— Tenho o corpo fraco desde pequeno, já estou tão acostumado que consigo disfarçar bem a febre e a dor.

— Estava escondendo isso de nós desde que chegou? — perguntou o Poeta, atipicamente irritado. — Por que mentiu sobre as injeções que tomava fingindo serem alucinógenos?

— Parece que vocês investigaram tudo mesmo...

— Do que estão falando? — perguntei.

— Ele encontrou um cara que trabalha no setor de agricultura e floricultura pegando uma caixa com o símbolo de uma família nobre de fora de Fortuna e quando conversou com ele, descobriu que eram remédios enviados pela família do Corvo, ou melhor, pelos excelentíssimos defensores da fronteira do Sul, para sua doença crônica — disse Vibogo. — É só pensar por alguns segundos que eu consigo imaginar o motivo de um nobre mentir sobre ser um, para alguém que foi sentenciado a vida na prisão justamente por ofender um.

— Você disse que não contaria isso para ninguém! — E o Poeta se levantou e andou para perto do Vibogo.

— Acha que seu caso só ficou na sua cidade natal? O Corvo já sabia disso faz tempo. Além disso, vai reclamar sobre eu contar algo pessoal agora que tudo sobre o Corvo foi descoberto por sua causa?

Ei, ei, vão brigar em um hospital? Tem outros pacientes além de mim aqui — disse o Corvo.

O Poeta bagunçou seus cabelos, enviou um olhar mortal para o Vibogo e se sentou novamente, dizendo:

— Eu mudei, tá. Não escrevo mais escárnios e me arrependo de ter escrito eles no passado.

Vendo o clima que a sala ficou depois desse desentendimento, sugeri que voltássemos outro dia.

— Não vieram para pegar meu depoimento sobre o caso? Se voltarem outro dia vai ser ainda pior — disse o Corvo. — Vou ser bem direto, não consegui enxergar quem jogou aquele pedaço de metal em mim, mas suspeito que tenha sido o Brutamonte. Aquilo pesava mais que quatro vezes o meu peso, então é óbvio que só ele conseguiria carregar aquilo para o terraço e jogar um negócio daqueles tão longe.

— Esqueceu que dormitório ele fica? No quatro tem outras aberrações com a mesma força, senão até mais — disse o Poeta.

— O segundo motivo para eu suspeitar dele é que o Brutamonte provavelmente descobriu a minha doença bem antes de vocês.

— Como?

— Duas semanas atrás, quando eu fui pegar os remédios, senti que estava sendo seguido, mas ignorei pensando que era coisa da minha cabeça. Até aquele dia o Brutamonte agia normalmente comigo, mas a partir daquela manhã ele começou a me ignorar e agir igual um babaca comigo.

— Ainda assim, não é uma prova concreta. Por que alguém passaria a odiar alguém doente?

— Vocês pediram a minha opinião e é essa, acho o Brutamonte o maior suspeito de tentar me matar.

— Por que alguém se incriminaria tão fácil assim? — perguntei. — Se fosse para tomar uma atitude tão drástica, ele podia pelo menos usar outros métodos mais difíceis de serem descobertos. Ainda acho que parece alguém tentando incriminar ele.

— Nem todo crime é planejado, essa forma idiota de assassinato é algo que alguém faria de cabeça quente e ele parecia estar com raiva de mim faz um tempo.

Vendo que não conseguiríamos nada de positivo para o caso do Brutamonte, decidimos sair e dar uma volta para tentar atrair alguma epifania milagrosa que o provaria inocente, porque pelos meios comuns já estava aceitando esse caso como perdido.

— Não encontraram nada de útil nas investigações? — perguntei.

— Tinha algumas pessoas do andar dele que eram ex-membros do nosso grupo e saíram em maus termos, mas nada tão grave para quererem a morte dele.

Continuamos discutindo e propondo planos para descobrir se alguém de fora se aproveitaria de uma nova brecha falsa do nosso grupo para tentar nos incriminar, mas o resultado das investigações que o Vibogo e o Poeta fizeram se provaram inúteis. O grão-mestre agiu de forma muito mais rápida e mais brutal que esperávamos.

Antes mesmo do Sol se pôr, um comunicado foi emitido no centro da praça. Em uma folha de papel pendurada por um prego martelado em uma árvore, estava escrito:

“O culpado pelas recentes tentativas de assassinato foi encontrado, confessou seus crimes e sofrerá as devidas consequências.”

— Ele... Confessou? Quem abriria a boca sobre um crime desses? — O Poeta ficou pálido.

— Droga! Aquele psicopata levou o Brutamonte para sala de tortura — gritou Vibogo.

— Tortura?... Em um lugar como esse?

Eu já devia esperar. Depois de nobres, magia e bardos, é claro que esse mundo também teria alguma espécie de inquisição, principalmente em uma prisão. Me deixei distrair pelas comodidades e leis razoáveis e esqueci que isso ainda podia ser uma monarquia estereotípica da idade média. Era justamente para isso que eu tinha que estar atento.

As tantas similaridades me fizeram esquecer que esse ainda é um mundo completamente desconhecido. Se nem mesmo o ar quando cheguei era seguro, quantas outras coisas podem me pegar de surpresa? Eu devia estar aprendendo sobre esse lugar ao invés de brincar com eles.

— Herói? Vamos perder o Vibogo de vista nesse ritmo. Sei que pode ser chocante, mas se ficarmos parados aqui não vai adiantar nada o esforço que fizemos nos últimos dias... Tinha outros presos que foram levados além dele, pode ser outra pessoa o condenado! — Parecia mais que ele estava consolando a si mesmo, mas isso serviu para me trazer de volta a realidade.

— Estou bem, podemos ir.

Em meu ritmo normal eu facilmente alcançaria o Vibogo, mas como estava acompanhando a corrida vagarosa do Poeta, acabamos ficando para trás.

— Para onde fica essa sala de tortura? — perguntou o Poeta.

— Achei que você sabia, estou só te seguindo.

— Mas eu também nunca tinha ouvido falar dela... Nem imaginava que existia.

Paramos de correr e olhamos para os arredores.

— A gente estava correndo para lugar nenhum até agora? — perguntei.

— Como estava escrito devidas consequências e não execução, acho que eles podem ter levado o Brutamonte para a solitária até tomarem a decisão final.

— Você sabe o caminho para lá?

— É dentro da biblioteca.

— A solitária fica lá? Eu passei lá uma vez e não vi nada que lembrasse uma cela.

— Fica no subterrâneo.

Meia hora caminhada e três pausas depois, chegamos na biblioteca.

— Acabamos de chegar aqui, mas daqui a pouco vamos ter que voltar...

— Por quê? — perguntou o Poeta.

— Os portões dos dormitórios não fecham por volta desse horário?

— Mas você pode atrasar cinco vezes por mês.

— E não tem nenhuma punição por isso?

— Até a quinta vez não.

— Entendi...

“Então ele tentou fugir seis vezes em um mês para descobrir isso?”

Entramos e o Poeta foi direto conversar com a bibliotecária.

Ele voltou fazendo um sinal positivo e carregando um cartão que parecia com a chave das celas, mas com alguma coisa escrita nele.

A gente seguiu pelos corredores de livros, passando desde as sessões mais comuns: como história e biografias, facilmente identificáveis só de olhar para as capas, até as mais incomuns, com desenhos de capas abstratos e livros que não pareciam pertencer ao mesmo tema, até chegarmos em uma porta de ferro enferrujada.

— Esse é para o pessoal das manutenções — disse o Poeta, que colocou o cartão em uma prateleira com um único livro.

O livro e o cartão desapareceram e a estante saiu do lugar sozinha, como uma porta automática e atrás dela havia uma escadaria de madeira e lâmpadas antigas, que falhavam de vez em quando.

Depois de descer as escadas caracol, chegamos a uma sala com um guarda de chapéu dourado sentado em um banco sem encosto, dormindo de maneira bem desconfortável no meio de duas portas.

— Com licença — disse o Poeta.

O guarda acordou assustado, abraçando sua arma, olhou para os dois lados, olhou para nós, respirou fundo e arrumou o seu chapéu.

— Visitantes, certo?

— Isso.

Ele abriu a porta da esquerda e a gente entrou em uma sala de visitas parecida com a que ficava do lado de fora da prisão, mas com o espaço para só um prisioneiro falar.

Depois de algum tempo, o Brutamonte chegou, algemado e com um grilhão no pescoço. Felizmente ele ainda tinha os dois olhos e todos os dedos, então o Poeta finalmente se acalmou.

— O amigo de vocês confessou antes mesmo que fazerem qualquer pergunta — comentou um dos oito guardas que observavam do nosso lado do vidro.

— Por que fez isso? — perguntei.

— Já que estou prestes a morrer, vou explicar tudo para vocês.

Einar, São Paulo, 2017 D.C

— Que fome...

— Só tirar o capacete e comer — disse Henry, carregando uma bandeja com cinco hamburgueres com todos os adicionais extras possíveis, quatro batatas extragrandes, dois refrigerantes grandes e todos os sabores de sorvetes. — No outro mundo até fazia sentido o seu medo de esbarrar com alguém do Sul, por causa do seu trauma e tal, mas aqui você não tem mais esse problema. Tira essa armadura aí, que você está chamando atenção demais.

— Você tem razão, mas será que não tem problema mesmo?...

Henry pegou um hamburguer, desembalou e colocou na mão dele.

— Depois de toda aquela loucura, vamos aproveitar uma vida comum aqui! — disse, brindando os dois lanches e falhando em dar uma mordida completa, pela altura do hamburguer.

Einar colocou a mão em sua máscara, mas não teve coragem de continuar.

— E se me acharem estranho aqui também?

— Então eu mato todo mundo que rir de você.

— Aí que eu não tiro essa máscara mesmo.

— É modo de falar, ninguém aqui é interessante o suficiente para eu adicionar a minha coleção e sinceramente falando, é o conceito de beleza dos bárbaros que é todo esquisito e não a sua aparência. Alguém de nosso grupo já ficou assustado com você? Pelo contrário!

— Tudo bem — Ele fechou seus olhos e puxou a máscara e seu capacete de uma só vez.

...

No segundo andar do shopping, enquanto Esfayl fazia uma ligação para o número que Lucca escreveu no bloco de notas do celular, Katarina assistia um filme de ação com Ágata e Wade.

Antes de entrarem no cinema, os três foram barrados e forçados a trocarem de roupa. Ágata por vestir acessórios brilhantes demais, Wade por vestir roupas de menos e Katarina por guardar plantas e venenos perigosos em seu bolso.

— Me passa a pipoca — disse Ágata.

— Eu perguntei lá fora se vocês iriam querer e você disse que não estava com fome. — Ela passou por cima da Katarina e agarrou o balde.

Os dois começaram a puxar a pipoca como se fosse um cabo de guerra, mas Katarina estava completamente imersa no filme para perceber.

— Que qualidade de som excepcional. Nunca vi uma ópera que projetasse o som tão bem. Essas coreografias podem estar um pouco exageradas, mas os atores trazem uma naturalidade... Será que é improviso ou intencional?

— Solta! Você pode comprar outra lá fora! — gritou Ágata.

— Sou eu quem devia estar falando isso! — respondeu Wade.

Mas vendo que as outras pessoas do cinema estavam começando a se irritar, Katarina bateu na cabeça dos dois com seu leque e pegou a pipoca para si.

— Até você entrou nessa!? Hm? A roupa que aquele homem está vestindo é idêntica a daquele oráculo que o Lucca odiava — comentou Ágata.

— Falem baixo — disse Katarina.

Hahaha, que oráculo curioso, por que ele começou a matar todo mundo? — perguntou Wade.

— Se vocês estivessem prestando atenção ao invés de brigar por essa comida saberiam.

Ah, conta para gente — disse Ágata.

— Os vilões sequestraram a filha dele, qualquer pai ficaria maluco com isso... Está no título, como não perceberam isso?

 

 

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora