Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 17.3: Lobisomem

 — Desculpe ter cortado o seu barato lá dentro, tenente.

 — Hã?

 — Agora há pouco, lá no quintal... — Ele abriu o vidro do carro — É que eu tenho gastado muita energia no treino da mira, sabe... Eu sei que você e a Ewalyn...

 — Você fica é imaginando coisas. — Interrompi — Eu sou casado.

 — ...

 Cocei minha costeleta.

 — De qualquer maneira... — Disse eu, mudando de assunto — Agora já temos um caso resolvido. Ficamos apenas com o que? Cinco? Quatro se contarmos que o caso do Sanford vai ser transferido de novo para o DEA.

 — Vai?

 — É o que tudo indica. O Howard está mexendo os pauzinhos lá em Silverbay. A Sarah me mandou uma mensagem.

 — O que a capitã está fazendo lá durante todo esse tempo?

 — A ideia era cuidar do caso do verdadeiro Cooper. Aquele primeiro ainda. Mas desconfio que ela deva é andar fazendo outra coisa. Ela sempre resolve casos lá fora que eu nem sabia que existiam.

 — Certamente ela deve saber de algo que nós não sabemos. Ela era mais envolvida com esses políticos de Silverbay, não?

 Joey tamborilava os dedos em cima do vidro aberto a seu lado.

 — Você parece encucado com alguma coisa...?

 — Eu? Não sei exatamente... Com a capitã talvez.

 — Sarah? O que tem a Sarah?

 — É só uma teoria idiota...

 — Hã?

 Ele demorou um pouco a formular o gancho para dizer o que queria dizer.

 — Tenente... Você se lembra daquele dia no aeroporto?

 — Quando levamos a Sarah? Foi na terça passada.

 — Isso. E eu comentei sobre uma barata parasita... O tenente supôs que eu estava falando do assalto...

 Não vou dizer que demorei a associar dois e dois... Não sou idiota. Já o tinha feito no mesmo dia que Joey tinha falado sobre aquilo, após ter voltado para casa. Quando voltei para casa entendi o verdadeiro significado de tudo aquilo. Mas eu parei de pensar a respeito porque eu acreditava que era apenas besteira. Uma besteira que sequer merecia ser pensada sobre.

“Eles são pequenos. Eles comem pouco. Eles não falam muito sobre o passado. Mas acima de tudo, comem seres humanos.”

 São as baratas parasitas. Já falamos sobre isso. Joey proferiu essas palavras depois que a pequena Sarah se recusou a comentar sobre a procedência de seu conhecimento sobre a Arena, enquanto deixava mais de metade de seu mísero lanche do Boutique Lily’s em cima da mesa.

 — Se está insinuando que a capitã é uma barata parasita... Isso é ridículo! Ela é a porcaria da capitã do DCAE! Está sob o radar de todos os chefões da central, de Silverbay, FBI, prefeitura de Sproustown... É claro que ela deve ter passado por todos os testes fisiológicos antes de terem-na indicado a um cargo tão importante.

 — Eu sei, mas... Não é justo porque ela está protegida, er... “vigiada” pelos chefões, que estes mesmos poderiam esconder tal característica? Tipo... Poderia ser algo que só os grandes sabem.

“Aquela capitã? Uma barata parasita?”

 — E o que eles ganhariam com isso? Baratas precisam comer seres humanos para sobreviver. É diferente de um lobisomem como a Crane. Crane só ataca pessoas inconscientemente e só no raro momento em que a cabeça dela está ruim e transformada ao mesmo tempo... E mesmo assim não chega a se alimentar da carne deles. Faz sentido usar um lobisomem como poder bélico, mas por que diabo eles empregariam um ser que tem que fazer justamente o contrário da visão do departamento para sequer manter-se vivo?

 — Mas uma barata só precisa comer carne humana se tiver que usar o sano, não? A capitã... Não faz mais parte dos times de investigação... Ela cuida apenas do trabalho interno.

 — Você está imaginando... Alguém a colocou no trabalho interno justamente para evitar que ela matasse pessoas? Mas se sabiam que ela pertencia à essa raça por que não a prenderam de uma vez?

 — Talvez porque... Assim alguém tem alguma coisa para amarrar a capitã se necessário?

 — Chantagem política? No nosso departamento? O nosso departamento é o que mais faz o que quer aqui em Sproustown, Joey. Não faz sentido... De qualquer modo não consigo imaginar aquela Sarah comendo carne humana aos domingos.

 Joey quase riu.

 — É... É verdade. Não “aquela” capitã. Como eu tinha falado... É só uma teoria idiota.

 Sim... Era só uma teoria idiota.

 Havíamos atravessado o túnel na avenida principal, que separava o Cheawuld Garden do Centro.

 — Falando em teoria idiota... — Continuou Joey — Eu estava investigando sobre sua conjectura... De o Richard James Galloway ter sido o remetente do chocolate envenenado.

 Confesso que não gostei da alusão ao adjetivo “idiota” para descrever minha conjectura, mas me abstive de fazer comentário.

 — E o que tem?

 — Eu encontrei com o próprio outro dia “por acaso” no Blackbean Bier. Então trouxe o assunto à tona. Ele disse que não foi ele.

 — É claro que ele vai negar que foi ele, Joey.

 — Acontece que eu não apenas fiz a pergunta e saí, né tenente... Ou está duvidando das minhas capacidades de detetive?

 — Então você fez mais que isso? E o que exatamente aconteceu lá? Elabore.

 — Eu peguei um assento na frente dele. Ele estava meio cabisbaixo. Então eu estava casualmente comentando sobre era uma grande coincidência achar o namorado da Emma ali e tal. Depois eu disse que estava um clima ruim no DCAE. E ele perguntou “por quê?” E eu respondi que era por causa do chocolate. E fiz o adendo: Você ouviu do chocolate né?

 — E ele...?

 — Naturalmente ele sabia. É o namorado dela. Ele disse que tentou visitá-la depois, mas a Jenna e os outros não deixaram.

 — Que bom que não.

 — Aí eu comentei meio que entre os risos algo assim: “o tenente do nosso departamento estava quase achando que era você que tinha enviado”.

 — Quase?

 — Sabe... Comentei casualmente só para observar a reação.

 — E ele?

 — Ele pareceu ficar irritado. Aí ele disse que achava que tinha alguém tentando afastar ele da Emma... E daí começou a dizer que não sabia se era seguro ficar mais com ela ou não... Digo, seguro para ela e não para ele.

 — Esse alguém segundo ele... É alguém que está ligado com o tráfico?

 — Acho que sim.

 Tínhamos chego à ruela do Joey, onde nos separávamos. Estacionei calmamente, rente à calçada.

 — Que coisa, não? Todo mundo está ligado com o tráfico. Não é de se jogar a hipótese fora, considerando de onde Chapman conheceu o dito cujo.

 Joey me lançou um olhar de reprovação.

 — E você? — Continuei — O que achou da coisa toda? Ele estava falando a verdade?

 — Não tenho motivos para acreditar que não. E antes que você intermeie qualquer coisa: sim... Observei a expressão facial dele durante o tempo todo. Fiz um julgamento imparcial. Não... Ele não parecia particularmente estar mentindo. Se estiver é um ótimo mentiroso. Diria que há mais de noventa por cento de chance de ser verdade. Digo isso não baseado no que quero acreditar, mas no meu diagnóstico da expressão facial apenas.

 — Hum... Então pensando bem talvez não seja mesmo o Galloway.

 — Quer dizer que ele pode parar de se esconder do senhor tenente? Que você não vai mais sair por aí gritando e perseguindo-o com um cassetete da próxima vez que o ver?

 — Ainda gostaria de fazer isso, mesmo se não tiver sido ele...

 Joguei minha bituca de cigarro pela janela. Então falei:

 — Não é só pelo seu relato de agora, mas também pelas circunstâncias dos últimos dias. Se fosse mesmo o Galloway que tivesse feito isso, creio que ele teria tentado alguma outra coisa durante esse tempo que a Crane ficou bem, durante os últimos cinco dias... Se bem que até onde vai meu entendimento eles não chegaram a se encontrar de novo, ou sim?

 — Considerando que no fim de semana ela resolveu virar lobisomem...

 — Ele ao menos sabe que ela é lobisomem?

 — Acho que ele é do tipo que nem sequer sabe sobre os seres paranormais.

 — Ou diz que não sabe... Mesmo assim... Ele não chegou a atacar Crane novamente... — Comecei a balançar meu corpo para a frente e para trás de modo inconsciente.

 — Pode acender outro, tenente. Eu não ligo. — Disse Joey me observando.

 — É mesmo...? Então me dê licença... — Tirei realmente mais um de minha carteira.

 — Então sobram apenas os casos do cabeludo da casa dos Johnson, da invasão da central, do serial killer, do remetente do veneno e do homem da sexta feira em aberto? — Joey levantava um dedo da mão a cada caso que mencionava — O que sobra para nós, tenente? Qual você retomará na segunda feira?

 — Creio que para a imprensa... O caso do serial killer é o mais urgente. Eu creio que temos mais pistas do caso do remetente, entretanto.

 — Como? Vai dizer que vai insistir no Galloway?

 — Não, eu estava pensando agora mesmo... — Traguei meu novo cigarro pela primeira vez — Você me deu uma ideia: admitindo que não tenha sido o Galloway quem enviou o chocolate... Isso quer dizer que foi alguém relacionado ao ataque da segunda passada, necessariamente.

 — Necessariamente?

 — Sim. Por que motivo matariam Crane? Porque achavam que ela podia revelar alguma coisa, e isso porque ela foi a única que viu a cara dos três malfeitores. Acontece que após a tentativa falha e após verificarem que ela não percebeu seja lá o que for que eles acharam que ela perceberia... Não tentaram mais.

 — Pode ser que ainda não tiveram oportunidade de tentar de novo...

 — Ela esteve mal a semana toda, Joey. Oportunidade foi o que não faltou. Inclusive se aquele sujeito que venceu vocês na sexta estava metido nisso... Se ele estivesse metido nisso ele a teria matado ao invés de deixá-la no chão quando fugiu com Alexander Sprohic.

 — O que quer dizer que ou eles verificaram que Emma não captou o recado no dia do ataque que eles achavam que ela tinha captado, descartando-a como inofensiva... Ou o agente paranormal da sexta não está relacionado. Pierre e Bad Boy confirmaram a fala de Cole que existem três gangues distribuindo Deluxes em Sproustown, mas acho difícil pensar que existam mais de uma delas empregando agentes paranormais em Sproustown... Se todo mundo tivesse um mercenário teria muito caso paranormal acontecendo... Acho que o tenente deve estar certo e provavelmente é a primeira opção... Ok, acho que vou descer.

 Joey começou a empurrar a porta do carro.

 — Aquele sujeito que venceu vocês era muito bom por sinal, hein? Você dentre todas as pessoas disparou os tiros... E errou os dois.

 — Se eu errei, modéstia à parte, ninguém acertaria... É quase tão ágil como aquele sujeito cabeludo da casa dos Johnson.

 — Isso. Quase como ele.

 — Até mais, tenente!

 Joey deu um aceno de despedida e desceu do carro. Ainda na frente da porta, demorou-se uns segundos examinando seus bolsos a fim de ver se não havia esquecido nada no banco do carro, como de costume, e logo em seguida dirigiu-se à sua ruela, a se perder de vista.

 Fiquei preso à minha realização — tenebrosa realização — de que deveria me dirigir à minha casa, onde Jane se encontrava. Não havia mais escolha a não ser enfrentá-la agora.

 Minha casa dava menos de cinco minutos de carro dali. Eu estacionei na garagem como de costume e contornei até a escada de cimento, a qual eu subia e uma vez lá em cima abria a porta e entrava na minha casa. Não era incomum Jane estar acordada para ficar reclamando do quão tarde eu havia chegado, logo atrás da porta. Será que ela ficava o dia inteiro ali? Era como uma espécie de bicho de cenário cuja função era me importunar. Não tinha nada melhor para fazer? E o pior de tudo era o barulho que minhas botas faziam quando eu subia a escada... Não havia hipótese de ela não me escutar chegando.

 Infelizmente era sábado à noite, eu não tinha mais nenhuma outra desculpa para não voltar para casa agora.

 Subi as escadas e como de praxe ouvi sua voz, mais irritante do que nunca vindas do outro lado:

 — Henry? É você?

 Mas antes de eu girar a chave meu celular tocou. Resolvi atender. Não era a Jane. Ela já sabia que eu já tinha chegado.

 Atendi o celular, segurando-o com a mão esquerda enquanto chaveei a porta e entrei. Jane começou a murmurar alguma coisa, mas eu estava prestando atenção na conversa do outro lado da linha. Que ótima hora para receber uma ligação! Uma desculpa para não ouvir a babaquice de Jane. Após alguns “hum”s e “aham”s eu desliguei meu celular e dirigi-me até o quarto, ignorando minha esposa completamente.

 Liguei para o Joey.

 — Tenente?

 — Oi Joey, o Chapman acabou de me ligar.

 — O Chapman?

 — Parece que o caso do cabeludo dos Johnson vai ser o próximo, afinal. Ele achou o desgraçado!



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