Volume 5
Capítulo 4: Uma Loja Muito Maravilhosa
PRESENTE: 8,0 KM; 12,0 KM RESTANTES
AQUILO QUE VOCÊ CONSIDERA CERTO E AQUILO QUE CONSIDERA ERRADO SÃO coisas que você aprende ao longo da vida, por meio da educação e das experiências. Você é elogiado por seus bons atos e repreendido pelos ruins. É assim que começa a traçar a distinção entre o certo e o errado. Por outro lado, o que você acaba gostando ou não gostando não é simplesmente algo que alguém lhe ensina. Se chegássemos ao ponto de chamar isso de inato, estaríamos implicando que algo como um bebê desgostar de queijo no futuro já teria sido decidido desde o início — algo como um pequeno tratado sobre destino. Em vez disso, talvez as preferências de alguém sejam semelhantes aos vários impulsos que emergem de dentro de si à medida que envelhece. No fim das contas, isso está inexoravelmente ligado à questão do que cada um mais valoriza.
Naquele dia chuvoso, Satoshi me disse isso no caminho para casa. Então, ele começou a sorrir de maneira aparentemente condescendente enquanto continuava.
— Dentro de você, Houtarou — que tem uma quantidade totalmente insuficiente de coisas que gosta ou desgosta — existe um impulso que você se recusa a expressar. É isso que Makaya diria. Mas eu não iria tão longe.
— Se fosse a Ibara, ela provavelmente diria algo como: "É isso que Fuku-chan diria. Mas eu não iria tão longe."
— Nada disso, Mayaka não fala desse jeito. Ela diz tudo de forma direta. Suas palavras seriam bem mais duras.
E era exatamente isso. Eu estava errado.
Quando Satoshi e eu íamos para casa juntos, geralmente acabávamos tendo conversas ridículas como essa enquanto caminhávamos. Às vezes, falávamos sobre coisas ainda mais absurdas, como "o destino final do mundo", e, em momentos ainda mais raros, podíamos até discutir algo ligeiramente prático, como "é mais fácil usar papel tamanho B5 ou A4 para anotações?". O que tornava aquele dia incomum, no entanto, era a audiência que escutava nossa conversa — no caso, Ōhinata.
A chuva não era nem forte nem leve, apenas caía incessantemente. Estávamos caminhando dentro de uma galeria comercial, então nossos guarda-chuvas estavam fechados. Segurando o dela com ambas as mãos unidas atrás das costas, Ōhinata olhou para meu rosto com um gesto encantador, que não combinava com sua aparência mais despojada, e sorriu.
— Ibara-senpai é mesmo tão afiada com as palavras?
Não é que tivéssemos esperado por ela especificamente, mas quando Satoshi e eu saímos pelo portão da escola, por acaso a vimos saindo também. Ela carregava um sorriso amargo e disse.
— Ainda não fiz muitos amigos.
Assim, acabamos indo juntos. Como era de se esperar pelo fato de termos frequentado a mesma escola no ensino fundamental, nossos caminhos de volta para casa eram praticamente os mesmos.
Para a pergunta de Ōhinata, respondi.
— Ela é.
No entanto, Satoshi inclinou a cabeça, pensativo.
— Não é como se ela atacasse qualquer um. Na verdade, nunca a vi agir de forma rude com Chitanda-san.
Pensando bem, isso era verdade, mas parecia uma comparação um pouco injusta. Então, Ōhinata falou com uma voz suave, como se tivesse acabado de descobrir um grande segredo.
— Talvez isso tenha a ver com o fato de que Chitanda-senpai conhece muitas pessoas.
— Hum, então você está basicamente dizendo que Chitanda-san conhece todas as fraquezas da Mayaka e, por isso, consegue mantê-la sob controle?
Satoshi não pôde evitar sorrir em descrença. A ideia era tão absurda que perdi totalmente a vontade de responder. Como de costume, Ōhinata foi rápida em mudar de assunto. Ela sorriu e disse.
— Bem, acho que agora entendi que Oreki-senpai é alguém que não valoriza nada.
— Agora, espera aí…
— E você, Fukube-senpai? O que você valoriza?
Eu havia protestado, claramente insatisfeito, mas meu pedido por uma reavaliação foi ignorado. Satoshi deu de ombros e respondeu prontamente.
— Aquilo que me torna único, eu acho.
Ōhinata soltou um decepcionado "É mesmo…" e, desta vez, foi Satoshi quem fez a pergunta.
— Bom, já que você fica perguntando para os outros, e você?
— Eu?
Ela assumiu uma expressão travessa antes de responder de maneira mais solta.
— Bem, como garota, eu diria que o que mais valorizo é o amor.
Ao ouvir essa caloura falando de amor na minha frente, senti como se tivesse acabado de ver um coala ao vivo — um animal extremamente conhecido, fácil de identificar pela aparência, mas que eu nunca havia visto pessoalmente.
— É mesmo…
Satoshi respondeu exatamente da mesma forma que Ōhinata tinha feito antes. Como se estivesse apenas seguindo o fluxo da conversa, ele então perguntou.
— Ah, então existe alguém assim na sua vida?
Ao ouvir isso, Ōhinata abriu um enorme sorriso.
— Não, no momento não. Mas acho que, por isso mesmo, o que realmente é importante para mim seria…
De repente, ela abaixou o olhar para os próprios pés e continuou, apenas sua voz ainda carregando a empolgação de antes:
— Amigos…
Eu entendi perfeitamente por que Satoshi havia soltado aquele decepcionado "É mesmo…" anteriormente. Embora não fosse um assunto muito agradável, ainda esperava que ela respondesse com algo mais elaborado. "Amor" não era exatamente uma resposta ruim, mas era tão clichê.
Por outro lado, também conseguia entender por que Ōhinata respondeu daquela forma. Apesar de ter acabado de entrar no ensino médio, se um estudante ouvisse algo como "O que mais valorizo é minha própria natureza única", provavelmente não se sentiria muito tocado.
Eu entendia o significado vago por trás das palavras dele, no entanto. Mesmo que seu rosto sempre parecesse o de alguém que nunca enfrentou nenhuma dificuldade na vida, ele tinha muitos problemas à sua maneira e tentava corrigi-los para se tornar uma versão melhor de si mesmo. Muitas vezes, eu só conseguia pensar em como era incrivelmente despreocupado em comparação com ele. Ainda que sua resposta pudesse parecer completamente comum, havia uma determinação nela que realmente definia quem Satoshi era.
Comecei a refletir sobre isso.
Primeiro veio o amor, mas como não havia nenhuma perspectiva nesse sentido, a resposta dela se tornou seus amigos. Foi o que Ōhinata disse. Essa resposta, por si só, certamente não era interessante. No entanto, assim como Satoshi tinha uma determinação única que só ele possuía, o mesmo deveria valer para Ōhinata.
Ela simplesmente disse aquelas palavras por desejo? Provavelmente não.
Afinal, quando Ōhinata respondeu "amor", ela sorriu. No entanto, ao mudar sua resposta para "amigos", desviou o olhar para baixo. Sabia que a resposta estava naquele comportamento, mas não conseguia entender exatamente o que significava.
A razão pela qual eu sentia que conseguia compreender pelo menos uma pequena parte do funcionamento interno de Satoshi era por causa de um certo incidente. No inverno passado, após uma série de acontecimentos complicados, Satoshi me permitiu ver, ainda que minimamente, o que se escondia por trás de sua fachada e compartilhou isso comigo.
Em comparação, eu não havia passado por nada parecido com essa garota mais nova, Ōhinata. Afinal, não fazia nem dois meses que a conhecia. Poderia sequer esperar entendê-la nessas circunstâncias? Talvez fosse possível. Mas o fato era que eu nem sequer havia tentado.
Enquanto corria, tentei pensar em uma maneira de recuperar aquilo que perdi ao não encarar as pessoas à minha frente de frente. Foi uma idiotice minha. Por exemplo, se eu não prestasse atenção em uma aula, teria que comprar um livro de referência antes da prova. Era como trançar a corda só depois de ver o ladrão.
(N/SLAG: É como tentar corrigir uma situação depois que o dano já foi feito, ou tentar evitar um problema que já ocorreu.)
De qualquer forma, embora fosse difícil para alguém que economiza energia como eu admitir isso, só me restava uma opção. Se uma pessoa parecia um bodhisattva por fora, então, por dentro, ela era como um yakṣa.
Um yakṣa. Em outras palavras, um demônio.
Havia três formas de interpretar isso.
A primeira era supor que a memória de Ibara estivesse errada e que Ōhinata na verdade tivesse dito algo completamente diferente. No entanto, isso seria apenas um desejo irreal. Que tipo de mal-entendido teria que ocorrer para que ela tivesse ouvido incorretamente a frase: "Ela realmente parece um bodhisattva, não é?"
A segunda possibilidade era que Ōhinata realmente tivesse dito aquela frase, mas a tivesse expressado como uma simples observação, sem qualquer significado oculto. Isso também era difícil de justificar. Até então, eu nunca tinha ouvido ninguém dizer "Aquela pessoa é como um bodhisattva" como um elogio. Claro, não se podia descartar que existissem pessoas no mundo que usassem expressões estranhas para elogiar os outros. No entanto, de todas as conversas que já tive com Ōhinata, eu achava seguro afirmar que ela não era esse tipo de pessoa.
Isso significava que eu precisava aceitar a terceira possibilidade: Ōhinata havia se referido a Chitanda de maneira indireta, insinuando que ela era como um demônio. Era um uso peculiar da linguagem, mas eu conseguia entender por que ela faria isso. Ela queria criticar Chitanda, mas, naturalmente, não podia dizer algo assim abertamente na frente de Ibara, que era tão amiga dela. Provavelmente, não esperava que Ibara captasse esse significado por conta própria.
Se isso virasse um problema, Ōhinata poderia simplesmente fingir que não conhecia expressões menos conhecidas, como "Uma pessoa que se parece com um bodhisattva por fora é um yakṣa por dentro." No entanto, não apenas Satoshi conhecia o significado dessa expressão, como eu também lembrava claramente de alguns detalhes incriminadores. No dia do Festival dos Novos Recrutas, ela mencionou: "Literatura clássica chinesa parece difícil, mas eu amo estudos japoneses." Além disso, ela foi capaz de perceber rapidamente que a piada que fiz no meu aniversário era uma citação de um poema de Sakutarō Hagiwara. Pelo que vi, Ōhinata tinha bastante habilidade nesse assunto.
E, ainda assim, eu continuava insatisfeito.
Eu não conseguia pensar em nada que pudesse ter dado errado entre Chitanda e Ōhinata.
Não duvidava que o que aconteceu ontem, depois da escola, tenha sido o momento decisivo. Mas me parecia impossível que não houvesse nada que levasse até aquele momento. Havia algo que eu achava estranho. Isso aconteceu num sábado, se bem me lembro.
Acabei correndo um pouco mais do que devia. Não levantei a cabeça. Até então, não tinha suado tanto. A estrada à frente tinha mais uma subida. A linha de estudantes ao meu redor começou a diminuir o ritmo e, de repente, senti vontade de correr sozinho.
13 DIAS ATRÁS
O pedido de Ōhinata havia sido muito repentino, mas provavelmente ela já vinha pensando nisso há um tempo, esperando a oportunidade certa para perguntar.
Naquela sexta-feira, eu não tinha a intenção de ir para a sala do clube. Como minha carteira estava praticamente vazia e eu tive que me contentar com um único pão com manteiga e uma caixinha de leite no almoço, quando chegou a hora das atividades extracurriculares, eu estava morrendo de fome. Embora eu normalmente não fosse de beliscar entre as refeições, queria ir para casa o mais rápido possível para comer alguma coisa.
No entanto, ao me dirigir para a saída, um enorme grupo de garotas de repente tomou conta de todo o corredor, impedindo qualquer um de passar a não ser que fosse no ritmo de um caracol. Tentar empurrá-las seria um incômodo, então decidi voltar. Antes que eu percebesse, já estava no corredor que levava à sala do Clube de Literatura Clássica, então resolvi ir até lá e dar uma olhada.
Falando pelo bem do meu estômago faminto, essa foi a decisão certa. Quando entrei na sala do clube, vi três garotas em pé ao redor de uma mesa, olhando para alguma coisa. Essas garotas — Chitanda, Ibara e Ōhinata — se viraram para me encarar. Ibara foi a primeira a falar.
— É quase como se você tivesse vindo aqui de propósito por causa disso.
— Por causa do quê? — perguntei.
Então, Ōhinata respondeu de forma brincalhona.
— Estamos prestes a abrir uma caixa cheia de petiscos.
A emoção que percorreu minha mente naquele exato momento foi indescritível. Movido cegamente pelo desejo de comida, eu falei.
— Sinto que vou desmaiar de tanta fome. Por favor, me deem um pouco.
Ignorei Ibara, que murmurou "É quase como se ele estivesse tramando algo, isso foi tão direto", e me juntei ao círculo ao redor da mesa.
Os petiscos dentro da caixa eram batatas fritas. No lado da embalagem, estava escrito "Chips Satsuma", então presumi que eram feitas de batata-doce em vez da comum. Não era a primeira vez que encontrávamos petiscos assim na sala de Geografia. Chitanda frequentemente trazia sobras de presentes dados à sua família ao longo do ano. No entanto, aquelas batatas fritas eram claramente algo diferente.
— Quem trouxe isso? — perguntei.
— Eu trouxe — disse Ōhinata, levantando a mão timidamente. — O quê? Vocês não podem comer só porque fui eu quem trouxe?
Por que ela disse algo assim, me perguntei.
— Não importa se o gato é branco ou preto, se ele traz petiscos, é um bom gato.
(N/SLAG: Referência a uma famosa frase do estadista chinês Deng Xiaoping em 1961: "Não importa se o gato é branco ou preto, se pegar ratos, é um bom gato.")
Ōhinata me encarou com um olhar confuso.
— Hmm... isso foi Zhou Enlai?
— Foi Lee Teng-hui, não foi? — disse Ibara de lado.
— Não era Chiang Kai-shek?
Enquanto ouvia nossa troca de palavras, Chitanda sorriu de forma hesitante, com uma expressão confusa.
— Hmm... Bem, talvez tenha sido Ho Chi Minh.
(N/SLAG: Ela mencionou um estadista vietnamita em vez de um chinês. Fofa.)
Parecia que ela estava fingindo ignorância de propósito. Eu havia iniciado algo terrível. Por outro lado, embora realmente tivesse esquecido de quem era a frase, acabei lembrando depois, durante uma conversa. O autor era Deng Xiaoping.
— De qualquer forma, vamos sentar — sugeri.
Era uma boa ideia. Peguei uma cadeira. Ōhinata tirou um celular do bolso e o colocou sobre a mesa à sua frente. Suponho que, se o deixasse no bolso enquanto se sentava, poderia incomodar.
A tampa da caixa foi removida. Agora, podíamos nos deliciar.
Mesmo sendo grossas e com uma textura vagamente parecida com espuma de polietileno, as batatas fritas me davam a sensação de estar comendo uma fruta em cápsula. Também havia um leve toque adocicado.
— Isso realmente preenche o corpo — comentei.
Ao ouvir isso, Ōhinata não conseguiu evitar de comentar.
— Você parece um velho tomando um gole de saquê depois do banho ao dizer isso.
Eu realmente queria perguntar se ela já tinha visto um homem de meia-idade dizendo algo assim enquanto bebia saquê após um banho.
— Nossa, isso é bom — murmurou Ibara, quase sem pensar.
Ao ouvir isso, Ōhinata abriu um sorriso enorme.
— Que ótimo! Minha família adora essas batatas, então compramos um pouco.
— Sério? Onde? — perguntou Chitanda, olhando para a tampa da caixa.
— Está escrito "Doces Artesanais de Kagoshima" na embalagem. JA Kagoshima... Mesmo fora de época, ainda são muito saborosas. Acho que dá para vender assim também, né?
Chitanda analisava a embalagem com olhos avaliadores. Eu não sabia se a família de Chitanda também cultivava batata-doce, mas talvez ela estivesse considerando a JA Kagoshima como uma concorrente.
— Você disse que comprou em Kagoshima? Tem algum parente lá? — perguntei.
Eu também achava estranho que Ōhinata conhecesse um doce regional de Kagoshima, mas se ela tivesse parentes lá, faria sentido que já tivesse visitado o local. No entanto, ao chegar a essa conclusão precipitada, Ōhinata imediatamente começou a balançar a cabeça.
— Não, não. Eu fui para um show lá.
— Um show? Em Kagoshima?
Ela respondeu, um pouco envergonhada.
— Foi em Fukuoka. Esses petiscos estavam à venda em uma loja de lá.
Se um doce regional de Kagoshima era vendido em Fukuoka, até onde sua distribuição chegava? Para Chitanda, um mercado desse tamanho certamente seria algo invejável. Enquanto isso, Ibara continuava empilhando várias batatas fritas antes de levá-las à boca e começou a falar.
— Que show você foi ver em Fukuoka?
Ōhinata piscou e levou o dedo indicador aos lábios.
— É segredo.
— Ah, é mesmo? — retrucou Ibara.
Não importava quem ela tivesse ido ver. Mesmo que fosse alguém cantando fervorosamente sobre adoração ao demônio, duvido que algum de nós a julgasse por isso. Mas se ela queria manter segredo, não havia motivo para insistir.
— Mas Fukuoka fica longe. Essa era a única opção? — perguntei.
— Não, era uma turnê nacional. Eu segui a banda, embora, como esperado, fosse impossível ir a todos os eventos.
— Era uma turnê nacional? — perguntou Chitanda. — De Hokkaido a Okinawa?
Ōhinata respondeu de maneira confusa.
— Hmm... de Sendai a Fukuoka. — Então, acrescentou num tom frustrado: — O único show importante que não consegui ir foi o de Tóquio, porque os ingressos estavam esgotados.
Eu ouvia música, mas jamais conseguiria fazer algo como seguir uma banda por uma turnê nacional. Honestamente, fiquei impressionado com sua determinação.
— Você realmente se esforçou para acompanhar eles, né?
Por alguma razão, ao dizer isso, Ōhinata pareceu ficar um pouco mais dócil.
— Isso é algo que um amigo me disse, mas o amor dá generosamente.
— Ele nunca se esgota?
Ao ouvir isso, ela inclinou a cabeça, pensativa, e me lançou um sorriso amargo.
— Depois de ouvir o álbum mais recente deles desta vez, sinto que os estoques podem estar começando a acabar.
Mesmo enquanto conversávamos, nós quatro continuávamos a pegar mais chips de batata-doce. Talvez fosse por causa da doçura suave, mas persistente, e da textura agradável na boca ao comê-los, mas era impossível parar depois de um só. Enquanto isso, eu me esqueci completamente da minha fome.
Quando voltei a mim, percebi que restava apenas um chip. Ibara e eu nos movemos exatamente ao mesmo tempo. Nossos dedos pararam subitamente acima do chip. Para alguns, poderia ser visto como uma cena romântica, mas não havia um pingo de calor nos olhares que trocamos naquele momento — apenas uma fria hostilidade.
— Fico feliz que tenham gostado tanto.
Sem dar atenção a Ōhinata, Ibara e eu começamos a recuar as mãos ao mesmo tempo. Pensando que o outro estava cedendo, ambos, mais uma vez em sincronia, avançamos os braços ao mesmo tempo e nos encontramos no meio do caminho. Não era como se eu quisesse tanto o último chip a ponto de me recusar a ceder, mas…
O silêncio ao nosso redor ficou constrangedor. Eu hesitava em fazer qualquer coisa com meu braço estendido, e também não tinha coragem de olhar para ver que tipo de expressão Ibara estava fazendo. Chitanda, que estava observando a situação, estava prestes a murmurar um nervoso "hmm", quando um som veio em seu resgate. Alguém abriu a porta da sala de aula de Geografia.
Nós quatro nos viramos para olhar ao mesmo tempo. Satoshi estava ali, com um sorriso relaxado, quase como se estivesse assobiando. Ibara então falou.
— Parece até que você veio aqui mirando nisso.
Claro que Satoshi não tinha ideia do que estava acontecendo. Confuso, perguntou.
— Mirando no quê?
Ōhinata respondeu.
— Estamos terminando uma caixa cheia de petiscos.
E assim, inesperadamente, todo o Clube de Literatura Clássica se reuniu no mesmo lugar. Quando Satoshi comeu o último chip, Ōhinata olhou ao redor e finalmente chegou ao verdadeiro motivo de tudo aquilo.
— Agora que vocês comeram os petiscos, tem algo que eu gostaria que meus queridos senpais fizessem por mim.
Quando percebi que tudo isso havia sido planejado desde o início para nos subornar, já era tarde demais. No fim das contas, trocamos nossos planos de sábado pelos chips de batata-doce de Ōhinata.
*
As previsões do tempo não estavam muito boas, então fiquei o tempo todo preocupado com a chuva iminente. Felizmente, quando saí de casa, as nuvens ainda estavam brancas, e parecia que ficariam assim por um tempo. Não sabia que horas voltaria, então coloquei um guarda-chuva compacto na minha bolsa, só por precaução. Normalmente, nem carregava uma bolsa comigo — apenas levava a carteira no bolso.
Disseram para esperarmos em frente ao portão principal da Escola Kaburaya. De fato, era um local que todos nós conhecíamos. No pátio da escola, os clubes de futebol e atletismo estavam treinando, e também o que provavelmente era o clube de tênis. Dei uma olhada rápida ao redor, mas não vi ninguém conhecido.
Eu havia previsto que, se alguém fosse se atrasar para nosso encontro marcado às três horas, esse alguém seria Satoshi. No entanto, minha previsão estava errada. Cinco minutos antes do horário, todos nós — Satoshi, eu, Ibara e Ōhinata — já havíamos chegado.
Embora fosse de jeans, o simples fato de Ibara estar usando uma saia já era algo totalmente inesperado. Como o verão estava chegando rapidamente, Ōhinata vestia uma camisa de mangas curtas.
— Desculpa por pedir algo tão estranho.
Apesar de estar se desculpando, ela parecia inesperadamente animada. Ibara e Satoshi também pareciam se divertir enquanto diziam coisas como.
— Esse tipo de coisa é bem raro. Estou ansioso para ver.
— Estou um pouco empolgada. Não crie muitas expectativas, tá?
E assim continuavam, sorrindo um para o outro. Eu não disse nada, mas até minha curiosidade foi despertada.
— É logo ali. Vou mostrar o caminho.
Ōhinata foi na frente. Nosso destino era uma cafeteria que ainda não havia sido inaugurada. Não era que a loja ainda não tivesse aberto naquele dia — ela ainda nem tinha tido sua inauguração oficial.
— Então seu tio trabalha lá?
Ao ouvir isso, Ōhinata balançou a cabeça com um sorriso amargo.
— Eu não expliquei? Ele é meu primo. Apesar da diferença grande de idade.
Eu também tinha pensado que ele era seu tio. Então ele é um primo mais velho. Vou ter que lembrar disso.
De qualquer forma, segundo a história de ontem, um dos parentes de Ōhinata estava abrindo uma nova cafeteria e nos convidaram para visitá-la antes da inauguração oficial, como clientes de teste. Como Satoshi havia mencionado, entrar em uma loja antes da abertura era uma oportunidade rara. Sendo essencialmente os primeiros clientes, parecia até uma espécie de privilégio.
Se Chitanda estivesse ali, sua curiosidade provavelmente teria explodido, mas não estava. Ela tinha um compromisso inadiável e, como não sabia quanto tempo levaria, não pôde prometer que viria. Ontem, ela havia dito.
— Eu realmente quero ir também, mas... se for à noite, provavelmente será tarde demais.
Dava para perceber o quanto ela queria participar.
Pessoalmente, eu estava ansioso pela inauguração de uma nova cafeteria. O lugar que eu costumava frequentar, Pineapple Sand, acabou se mudando, então não havia mais nenhuma cafeteria acessível para um estudante do primeiro ano do ensino médio. O fato de essa nova loja parecer um lugar onde eu poderia entrar a qualquer momento realmente me agradava.
— Que tipo de cafeteria é essa? — Perguntei enquanto caminhávamos, mas Ōhinata parecia estar entretida em uma conversa com Ibara, então provavelmente nem me ouviu. Bom, eu veria por mim mesmo em breve.
Acabei andando ao lado de Satoshi. De repente, ele mencionou algo que eu também estava pensando.
— Isso é bem nostálgico, não acha?
— Sim.
Esse era o caminho que costumávamos fazer para ir e voltar da escola. Como fui forçado a entrar no Comitê de Saúde, havia momentos em que saía tarde da escola, e nessas ocasiões, às vezes íamos embora juntos. Era estranho percorrer esse caminho como um estudante do ensino médio, vestindo roupas normais de fim de semana.
— Quase parece que estou fazendo algo errado — Ao dizer isso, Satoshi assentiu silenciosamente.
— Verdade. Dá até uma sensação de culpa.
Caminhamos por essa rota durante três anos, e, na realidade, esse era todo o nosso mundo naquela época. Coisas boas e ruins, nossas relações com os outros e quase tudo mais terminavam aqui, nesse caminho. A Escola Kaburaya deveria ser um lugar cheio de familiaridade, e ainda assim, parecia estranhamente fria e distante agora. Aproximar-me da escola onde me formei me fazia sentir deslocado, como se estivesse quebrando alguma regra invisível.
— Pensando bem, lembro que também não conseguia me aproximar da minha escola primária depois de entrar no ensino médio.
— Era por causa dos uniformes?
Não falei isso sério, é claro. Satoshi apenas sorriu amargamente.
— Devíamos pegar nossos uniformes do fundamental de volta?
Eu nem conseguia imaginar fazer algo assim só para me sentir em casa ali de novo. No fim das contas, já não tínhamos mais lugar na Escola Kaburaya. Se eu realmente quisesse voltar, a única forma seria conseguir um emprego lá.
À medida que nos afastávamos mais e mais da escola e as vozes do pátio não nos alcançavam mais, Ōhinata finalmente parou.
— Aqui estamos.
O local ficava entre uma loja de soba e uma residência particular, de frente para uma rua movimentada. O prédio não era novo; na verdade, ao olhar para cima e ver toda a ferrugem e descoloração no telhado de ferro ondulado, dava para perceber que era bem antigo. Dito isso, no entanto, a porta de vidro não tinha uma única mancha, e a maçaneta estava polida e brilhante.
— Uau, parece bem bonito — disse Ibara, olhando para as paredes de cor creme.
Eu, por outro lado, estava mais atento às janelas. Ao avaliar se uma loja é convidativa para um cliente entrar pela primeira vez, as janelas são um fator essencial. Se forem muito pequenas ou sequer existirem, o lugar pode parecer um refúgio aconchegante, mas intimidador demais para um transeunte aleatório entrar. Por outro lado, se forem grandes demais, a sensação de estar exposto dentro da loja para quem passa na rua pode ser desconfortável.
Essa, no entanto, parecia ter evitado habilmente ambos os problemas. As janelas tinham um tamanho perfeito e estavam decoradas com pequenos vasos de flores vermelhas. Eram do tipo que se vê com frequência, mas não me lembrava do nome. Vi que Satoshi também olhava para elas, então perguntei.
— Satoshi, que flores são essas?
— São flores.
Recebi apenas essa resposta condescendente. Lancei-lhe um olhar leve de reprovação, e ele apenas deu de ombros.
— Não entendo muito de plantas. Mas a Chitanda-san provavelmente saberia.
— Ah, é mesmo! — exclamou Ibara, de repente, tirando o celular do bolso.
— Lembrei disso quando você mencionou a Chi-chan. Talvez ela já tenha terminado os compromissos dela hoje.
— Sério? Quero muito que ela venha — murmurou Ōhinata, girando a maçaneta da porta. — De qualquer forma, vamos entrar.
Não houve som algum quando a porta de vidro foi empurrada. Acho que ainda não tinham instalado um sino para clientes.
Dei um passo para dentro e, antes que percebesse, fiquei sem palavras. Não era que a decoração interna fosse ruim ou algo assim. Era o cheiro: o aroma da madeira nova, o odor de algum desinfetante e, além disso, o perfume de grãos de café moídos na hora. Fui atingido por todos esses odores ao mesmo tempo e, por um momento, senti como se minha respiração pudesse parar. Um cheiro assim não seria considerado insuportável para a maioria das pessoas? Perguntei-me se era realmente aceitável que o lugar cheirasse daquele jeito, mas, considerando que tinha acabado de ser reformado, suponho que fosse inevitável. Enquanto tentava racionalizar isso para mim mesmo, comecei a respirar superficialmente.
— Então vocês vieram. Sejam bem-vindos.
Finalmente notei o homem atrás do balcão enquanto ele dizia isso.
Embora fosse supostamente um parente, ele não se parecia nem um pouco com Ōhinata. Acho que isso acontece às vezes. Quando comparo minha irmã comigo, há semelhanças, mas também diferenças gritantes. De qualquer forma, deixando isso de lado, ele era surpreendentemente reservado. Além de sua voz ser baixa, toda vez que nossos olhares se cruzavam, ele desviava de forma um tanto artificial. Perguntei-me se esse era um jeito adequado de administrar um estabelecimento, mas, por outro lado, o dono do Pineapple Sand também era um tanto distante emocionalmente. Pensando melhor, talvez fosse porque éramos estudantes do ensino médio e, portanto, não fazíamos parte do público-alvo da loja que ele não se esforçava tanto na recepção calorosa.
— O ambiente é bem iluminado. Eu gostei — comentou Ibara, observando o interior igualmente em tom creme da loja.
Satoshi notou um quadro na parede e murmurou.
— Olha só, é Lautrec.
Também me virei para olhar.
Havia sete assentos no balcão e quatro mesas. Era bom que houvesse bastante espaço entre elas, mas fiquei um pouco desapontado ao perceber que eram redondas. Quando uma mesa é redonda, sempre sinto que tudo vai cair dela desde o início.
A parede atrás do dono da loja era decorada com um relevo. Parecia um coração deitado de lado, mas, pelo padrão de vinhas ao redor, talvez fosse um nabo. Dentro desse desenho, havia dois coelhos virados um para o outro. Embora o dono parecesse bastante apático, o relevo era quase excessivamente delicado.
— Desculpem pela falta de música. Isso deve deixar o ambiente um pouco solitário. Mas, de qualquer forma, fiquem à vontade e aproveitem o tempo aqui — disse ele, com a voz um pouco abafada.
Perguntei-me se isso era realmente necessário. Suponho que, quando a loja abrisse oficialmente, ele pretendesse tocar alguma estação de rádio ou algo assim. Eu prefiro o silêncio, embora ache que minha opinião seja minoria. No fim, deveria apenas ficar feliz pelo fato de uma loja como essa ter aberto perto de mim.
— Está quase pronto, não está? Falta só um pouco! — disse Ōhinata, em um tom muito mais familiar do que o que costumava usar na escola.
Mesmo sendo parentes, isso não dizia nada sobre o quão próximos realmente eram. Há irmãos criados como estranhos e primos que cresceram juntos como irmãos. Apesar da grande diferença de idade entre os dois, ela parecia extremamente apegada ao dono da loja. Ōhinata se colocou na ponta dos pés para tentar olhar para dentro da cozinha.
— Ayumi-san não está aqui hoje? Achei que seria um bom treino para você.
O dono da loja respondeu com a mesma expressão inalterada de sempre. Mais do que parecer frio conosco, acho que ele simplesmente era assim o tempo todo.
— Tivemos que resolver algumas coisas no cartório, então Ayumi foi até lá. Você pode falar com ela da próxima vez que vier.
— O treino é importante! Seria ruim se você chamasse Ayumi-san de Po-chan na frente dos clientes.
Pelo que Ōhinata disse, parecia que essa "Ayumi-san" seria a gerente de atendimento da loja depois que abrisse. Ela era esposa do dono? Talvez ao menos sua namorada. Se fosse apenas uma funcionária contratada, duvido que ele a enviasse para resolver burocracias.
Ōhinata se virou para nós e fez uma pergunta como se fosse a própria garçonete.
— Onde preferem sentar? Em uma mesa ou no balcão?
Satoshi olhou novamente para o interior da loja e respondeu.
— Parece que todas as mesas são para quatro pessoas. Pode ser perfeito agora, mas ainda não sabemos se Chitanda virá depois.
— Ah, é verdade.
Ōhinata assentiu e puxou um banco próximo ao balcão antes de todo mundo. Seguimos sua iniciativa.
Ōhinata, Ibara, Satoshi e, por último, eu. Os bancos eram altos e soltos do chão, mas não giravam, o que os tornava bastante estáveis. Além disso, havia algo neles que simplesmente os tornava confortáveis para sentar. Ibara começou a alisar o balcão novinho com um olhar quase apaixonado e, de forma pouco característica, comentou.
— Acho que é a primeira vez que me sento em um balcão assim. Sinto como se tivesse dado mais um passo rumo à vida adulta.
Se tornar adulto devia ser bem fácil, se algo assim já contava como um avanço. O dono da loja alinhou copos com água sobre o balcão e disse para Ōhinata.
— Ainda não consegui me livrar do cheiro de solvente. Mas deve sumir com o tempo.
— Melhor torcer para que sim. Assim que entrei, percebi o problema.
Assim como eu, não fui o único a notar o cheiro desagradável. Mas, estranhamente, eu já havia me acostumado a ele.
— Parece que é por causa da cola do papel de parede... Eu desisto. Ah, lembrei! Ainda não terminei de imprimir os cardápios.
— Isso é terrível! — riu Ōhinata.
O dono da loja finalmente esboçou um sorriso.
— Tudo bem, vou explicar cada item. Mas antes, quero que experimentem o blend da casa.
— Todos concordam?
Demos um leve aceno afirmativo, então Ōhinata continuou.
— Então será isso e...
Ela se inclinou sobre o balcão.
— Tem algo para comer?
— Quatro misturas da casa. Se estiver procurando algo leve, acho que posso preparar alguns tipos diferentes de sanduíches.
— Então, vou experimentá-los para você.
Isso provavelmente é impossível, Ōhinata. Sem pensar, acabei murmurando algo em resposta.
— Ele provavelmente não tem os ingredientes.
— Ah, talvez. É isso mesmo?
O dono respondeu com um pequeno "Mais ou menos" e então olhou para mim, fazendo algo parecido com um aceno compacto. Talvez fosse um gesto de agradecimento.
— Mas eu tenho scones. Se quiserem, posso trazer alguns para vocês.
(N/SLAG: Um scone é um tipo de pãozinho assado, feito com farinha de trigo ou aveia e fermento para crescer. Ele costuma ser levemente doce e, às vezes, recebe uma camada de ovo batido por cima para ficar mais dourado.)
Como ele fez questão de oferecer, aceitamos. Talvez ele já tivesse experiência nesse ramo ou talvez estivesse apenas sendo deliberado em suas ações desta vez, mas não havia um pingo de tensão em seus movimentos. Ele não parecia nem um pouco inquieto e cada uma de suas ações era realizada com cuidado e sem qualquer excesso desnecessário.
No entanto, Ōhinata pareceu ter uma impressão diferente.
— Poxa, a barriga da Ayumi-san não vai crescer logo? Quando isso acontecer, você realmente conseguirá fazer tudo isso sozinho?
Com isso, tive certeza de que "Ayumi-san" era uma mulher. Pensando bem, acabei de perceber que o nome também poderia pertencer a um homem.
Enquanto alinhava os pires, o dono respondeu.
— Se não tivermos muitos clientes, deve dar certo. Não que eu esteja torcendo para isso…
— Obviamente. Você não deveria parar até ter hordas de clientes brigando entre si para entrar.
— Nunca vi um café assim.
Era de se esperar.
— Acho que tem razão. Seria bom se você pudesse trabalhar meio período aqui, Tomoko-chan.
— Meio período, é?
Ōhinata suspirou.
— Nem sei se conseguiria. Nunca trabalhei em um emprego de meio período antes.
— Todo mundo começa de algum lugar.
— Não é isso. Você sabe como meu pai é. Ele não permite, mesmo tendo cortado minha mesada.
— Dívidas são complicadas. Você devia tentar ser mais compreensiva.
— Ele comprou um carro caríssimo por pura estupidez e ainda me afetou com essa decisão. E, mesmo assim, não me deixa ganhar dinheiro por conta própria. Não faz sentido nenhum.
Enquanto reclamava sozinha, de repente pareceu perceber que, além de seu primo, seus senpais da escola também estavam ali. Ela sorriu, constrangida.
— Vocês sabem como é. Tem muita coisa acontecendo.
Quando a conversa esfriou, ouvi o som de um carro passando lá fora. Enquanto olhava para um canto da loja, Ibara começou a falar devagar.
— As prateleiras de madeira são bonitas. Não parecem baratas.
Eu nem tinha notado que estavam ali até Ibara mencioná-las. A estante baixa não tinha nada de um projeto caseiro barato e inacabado. Era elegante, sem dúvida, mas não parecia capaz de suportar muito peso. Todos os livros nela eram relativamente pequenos. Havia vários volumes, misturando obras nacionais e internacionais.
— Será que ele lê bastante? — perguntou Satoshi para Ōhinata, ao invés de perguntar diretamente ao dono.
Ōhinata pareceu hesitar na resposta, mas o dono ergueu a mão para detê-la e respondeu.
— Nem tanto. Só escolhi aqueles livros porque achei que ficariam legais ali.
— Então você não os colocou aí para que os clientes lessem...?
— Isso nem passou pela minha cabeça.
Apesar de ele dizer que era apenas decoração, senti que estava sendo modesto. Havia um suporte de revistas na ponta do balcão, mas continha apenas uma pilha de revistas e jornais comuns. Satoshi seguiu meu olhar e também começou a encarar o suporte.
— Ah, olha só, eles têm a Shinsou.
Ele apontou para a publicação semanal que estava na frente. Até eu já tinha ouvido falar da Shinsou, mas não era como se fosse uma revista de jornalismo impressionante, nem mesmo um daqueles tabloides focados apenas em sexo e escândalos. Eu a via como uma tentativa meio fracassada de revista. Achei estranho Satoshi se interessar tanto por um tipo de revista que se encontra em qualquer lugar.
— Ōhinata-san, pode pegar para mim?
— Ah, sim.
Ōhinata era a mais próxima do suporte no final do balcão. Ela tentou puxar a revista, mas teve que segurar o suporte com uma das mãos porque tudo estava muito apertado, até que finalmente conseguiu retirar a cópia da Shinsou. Quando entregou para Satoshi e ele começou a folhear as páginas, Ibara perguntou.
— O que foi? Alguma matéria te chamou atenção?
— Sim, algo assim. É raro esse tipo de revista cobrir algo desta cidade.
— Ah, é? Sobre o que é?
— O caso da Corporação Suitou, é claro.
Ibara respondeu com um "Entendi", e Ōhinata não reagiu como se houvesse algo particularmente estranho naquilo. Todos pareceram aceitar o que Satoshi disse com uma espécie de compreensão mútua.
Basicamente, eu era o único perdido na conversa.
— O que é isso?
Ao perguntar, Satoshi me olhou com um olhar vazio, quase como se estivesse fazendo de propósito.
— Do que você está falando, Houtarou? Está brincando, né?
— Acho que já ouvi esse nome antes. Se não me engano, Suitou tem algo a ver com piqueniques, certo?
Sem nem me ouvir, Satoshi abriu a revista em uma determinada página e me mostrou.
— É isso aqui.
Era um artigo pequeno. Com cerca de meia página, parecia uma seção dedicada a pequenas curiosidades sobre notícias nacionais. O título, no entanto, se destacava bastante. Dizia o seguinte.
"Grande Extorsionista Corporativo Fica Sem Sorte ao Ganhar Dinheiro Fácil"
Eu poderia simplesmente ler, mas como ainda estávamos esperando o café, Satoshi apenas resumiu para mim.
— Há uma empresa nesta cidade chamada Suitou Co., e eles recentemente começaram a recrutar muitos novos funcionários. Enfim, muitos desses recrutas receberam notificações de nomeação e passaram por treinamento. Depois, disseram para eles comparecerem ao escritório em quatro meses para começar o trabalho. No entanto, quando os quatro meses se passaram e eles apareceram no escritório, ninguém na empresa sabia quem eram esses novos funcionários ou por que estavam lá. Essencialmente, ninguém os havia contratado de fato.
Parecia uma história bem direta.
— Espere, deixe-me tentar adivinhar o final. Aposto que todos os novos recrutas tiveram que pagar alguma taxa, tipo um valor pelo uniforme ou pelo material, logo no início do emprego, certo?
— Exatamente. Embora, pensando bem, essa seja a única explicação possível.
Ibara me olhou surpresa.
— Isso foi um grande escândalo nas notícias, e ainda assim você não sabia? Tem certeza de que está prestando atenção no que acontece no mundo?
Só porque eu não sabia de um único caso não significava que ela precisava dizer isso. Eu estava prestes a responder, mas percebi que não havia necessidade de prolongar o assunto, então permaneci em silêncio.
— Isso é um caso bem simples de fraude. Conseguiram pegar o culpado?
— Não era algo que poderia ser feito sem uma lista dos candidatos ao teste. Parece que pegaram o responsável surpreendentemente rápido. Curiosamente, o pai do criminoso também era um extorsionista corporativo bastante infame. Talvez a descoberta desse caso tenha levado à prisão do pai. Isso pode estar escrito no artigo.
Provavelmente era falso.
— Algum pai já foi preso só porque o filho foi?
No entanto, parecia que Satoshi sabia bem sobre isso. Ele deu de ombros.
— Talvez seja por isso que só tenha um pequeno espaço no canto do Shinsou.
Entendi. Satoshi afastou o exemplar do Shinsou do meu alcance e começou a encarar a página aberta.
— Quando penso em fraude, só consigo imaginar algo que afeta idosos ou empresas. Vamos pensar em algo parecido. Imagine que no ano passado recebemos uma notificação dizendo: "Você passou no exame de admissão da Escola Secundária Kamiyama. Por favor, pague a taxa de matrícula para novos alunos". Você provavelmente não desconfiaria.
— Consigo entender isso — disse Ibara. — Se você recebesse uma mensagem dizendo que seu lance venceu em um leilão presencial, não duvidaria muito.
— Leilão presencial? Tipo um mercado de pulgas?
Interrompi, e Ibara ficou em silêncio de repente.
Naquele momento, o dono do café trouxe nossos cafés especiais, perfeitamente no tempo certo. Satoshi devolveu o exemplar do Shinsou para Ōhinata, e todos nos concentramos em nossas xícaras.
De repente, senti que entendia um pouco o motivo dos coelhos no relevo decorativo. Tanto na alça da xícara quanto no cabo da colher havia pequenos enfeites de coelhos com as orelhas pressionadas. Talvez isso significasse que o dono da cafeteria ou "Ayumi-san" gostasse muito deles. Ou talvez tivessem nascido no ano do coelho.
Infelizmente, por mais que eu gostasse de café, meu paladar e olfato não eram refinados o suficiente para apreciar todas as nuances do café especial apenas com um gole. A única coisa que consegui dizer foi.
— Está muito bom.
Quando tentei elaborar um comentário mais detalhado ou fazer uma comparação, as palavras não saíram. Mas, quase como se já esperasse essa resposta, o dono do café mudou de assunto para algo aparentemente mais importante.
— Vocês colocam geleia e creme nos scones, mas tenho algumas opções. Há geleia de morango e de laranja, e, para o creme, vocês podem escolher entre o tradicional ou mascarpone. O que preferem?
Cada um de nós deu sua opinião sincera, e acabou se tornando algo bastante incômodo.
Eu escolhi geleia de morango e creme tradicional.
Satoshi escolheu geleia de laranja e mascarpone.
Ibara escolheu geleia de laranja e creme tradicional.
Ōhinata escolheu geleia de morango e mascarpone.
Ficamos perfeitamente divididos. Por um instante, notei a expressão antes tranquila do dono do café ficar levemente tensa.
Logo, os acompanhamentos chegaram à mesa, junto com dois scones por pessoa. Satoshi nos olhou com uma expressão séria.
— Houtarou, tenho muito orgulho do meu conhecimento íntimo sobre coisas aleatórias e entediantes.
— Você não precisa me dizer isso. Eu mesmo digo por você. Você tem um conhecimento profundo sobre muitas coisas aleatórias e entediantes.
— É estranho ouvir isso de outra pessoa. Mas enfim, esse não é o ponto. O que estou dizendo é que sei qual é a forma correta de comer scones na Inglaterra. Primeiro vem a geleia...
— Então você cobre o scone com geleia antes do creme?
— Espere, primeiro vem o creme...
— E então? Qual dos dois?
Satoshi ficou olhando para o prato de scones e não respondeu. Acho que ele sabia que um dos dois vinha primeiro, mas esqueceu qual era.
Sem esperar a resposta de Satoshi, o dono do café nos respondeu de forma casual.
— Primeiro, passa-se a geleia. Se você colocar o creme antes em um scone quente, ele derrete facilmente. Mas, no fim das contas, tudo depende do seu gosto.
Fazia sentido. Mesmo que ele tenha dito que poderíamos fazer como quiséssemos, nenhum de nós começou pelo creme depois de ouvir isso.
Enquanto todos comíamos, um som baixo e vibrante veio de algum lugar. Um celular estava tocando.
— Ah, é a Chi-chan.
Ibara se levantou com o telefone na mão e saiu imediatamente do café. Eu não sabia disso porque não tinha um celular, mas aparentemente era falta de educação atender uma ligação em um encontro cara a cara. Parecia ser um incômodo ter um.
Ibara voltou rapidamente.
— Ela disse que está vindo agora.
— Chitanda sabe como chegar aqui?
— Eu disse para ela seguir o caminho a partir da Escola Kaburaya até encontrar a loja de soba ao lado. Não falei o nome do café, mas acho que vai dar certo.
A faixa pendurada do lado de fora era chamativa o suficiente para que não houvesse problemas.
Depois disso, começamos a falar sobre o tempo para passar o tempo.
— Disseram que vai começar a chover no fim da tarde.
Falei isso sem pensar muito, mas Satoshi e Ibara foram rápidos em me contestar.
— Isso é só para amanhã, não?
— Disseram que a data mudou.
Ōhinata sorriu amplamente, sem tomar partido.
— Qual será a previsão mais recente?
Não estava confiante de que minha previsão fosse a mais atual, mas me mantive firme porque era a que eu tinha visto.
— Vi isso no noticiário da manhã...
— Eu também assisti ao noticiário da manhã.
— Eu também.
Dois contra um. A juíza, Ōhinata, então tomou sua decisão.
— Por maioria de votos, a memória do Oreki-senpai foi considerada errada.
Ser forçado a aceitar a oposição não era exatamente agradável. Mas pensei que seria divertido vê-los encharcados na chuva, com lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto refletiam: "Ah, Houtarou Oreki estava certo o tempo todo."
Sem querer, todos nós acabamos indo ao banheiro em turnos. Quando voltei, sendo o último, vi Chitanda perto do balcão. Nem dez minutos haviam se passado desde que ela falara com Ibara ao telefone. Ela chegou rápido. Enquanto secava as mãos com meu lenço, chamei por ela.
— Você já chegou?
Ela sorriu animada.
— Eu estava por perto.
Como Ōhinata estava sentada na ponta do balcão, o único lugar disponível para Chitanda era ao meu lado. Decidimos nos sentar no balcão porque as mesas tinham apenas quatro lugares, mas cinco pessoas em fila ficava um pouco desconfortável. Só então percebi que, como não havia outros clientes, poderíamos ter simplesmente puxado uma cadeira de outra mesa e nos sentado juntos.
— O que você estava fazendo hoje? — perguntou Ibara.
— Foi a celebração de kiju de um dos meus parentes. Digo parente, mas na verdade não o conheço muito bem. De qualquer forma, eu só precisava dar meus parabéns. Depois que nos cumprimentamos, trouxeram o álcool e eu fui para a cozinha para não causar problemas, mas acabou acontecendo de qualquer jeito.
— Algo aconteceu?
— Mais ou menos. Não foi nada demais, mas aconteceu.
Chitanda mostrou um sorriso levemente preocupado.
— Quando fui pegar o celular emprestado, ele começou a tocar de repente. Como não havia ninguém por perto, decidi atender e anotar o recado, mas acabou sendo um desastre. Era uma senhora idosa com um sotaque forte e voz baixa, então não consegui entender nada do que ela estava dizendo. E não sabia se deveria tentar anotar a mensagem ou ver se conseguia transferi-la de alguma forma… Só para conseguir que ela me dissesse o nome já foi um desafio por si só. Se não fosse por isso, eu teria chegado muito mais rápido.
— O quê?
Quem levantou a voz foi Ōhinata. Mesmo com três pessoas entre ela e Chitanda, ela se inclinou sobre o balcão para se aproximar o máximo possível e fazer uma pergunta.
— Você disse que pegou o celular emprestado? Quer dizer na casa onde estava comemorando o aniversário, certo? Existe mesmo um lugar por aqui que não pegue sinal?
— Sinal? Hm…
Chitanda parecia confusa. Provavelmente, ela não fazia ideia do que Ōhinata queria dizer com isso. Decidi intervir antes que a conversa ficasse ainda mais complicada.
— Chitanda não tem celular.
— O quê?
Enquanto Ōhinata ficava sem palavras, tive a sensação de que havia despertado alguma fera terrível. Ela se inclinou ainda mais para frente.
— Espera, mas então… Como você se vira? Tipo, quando precisa entrar em contato com seus amigos. Não é ruim não conseguir falar com eles?
— Suponho que sim… — Chitanda sorriu suavemente. — Eu dou um jeito.
Eu também não tinha um celular, mas, por algum motivo, senti a pressão social se acumulando ao nosso redor. Entre mim e Chitanda, me pergunto qual de nós acabaria pegando um primeiro.
— Deixando isso de lado, uma celebração de kiju, né? Suponho que Chitanda-san realmente tenha uma vida difícil — disse Satoshi, como se estivesse provocando.
— Sério? Esse tipo de coisa acontece comigo uma vez por ano.
— Eu nunca fui a casa de um parente distante para comemorar um aniversário em toda a minha vida — murmurou Ōhinata para si mesma, sentada na beira do balcão.
De qualquer forma, com que idade se comemora um kiju mesmo? Tinha a ver com o número sete, mas não conseguia me lembrar exatamente. Enquanto desistia de tentar recordar, Chitanda começou a falar com o dono da loja.
— Você também gostaria do blend? Se quiser, posso esquentar um scone para você.
— Na verdade, não sou muito fã de cafeína. Sinto muito por ter vindo até aqui só para isso. Mas a loja é realmente encantadora.
Agora que penso nisso, acho que isso fazia sentido. Sempre que Chitanda tomava algo com muita cafeína, ela se tornava outra pessoa. Mas, por ora, ela provavelmente estava apenas se referindo ao fato de que isso atrapalhava seu sono. Certamente.
— Muito obrigado, entendo.
Após pensar um pouco, o dono da loja continuou.
— Talvez seja melhor incluir um cardápio sem cafeína também.
De qualquer forma, Chitanda era um caso raro, então não havia necessidade de aprofundar essa questão.
— Nesse caso, receio dizer que não tenho nada aqui que você possa consumir.
— Não se preocupe comigo. De qualquer forma, sinto muito por ter chegado atrasada.
E assim, Chitanda se contentou com um copo de água. No entanto, ao dar o primeiro gole, levantou a cabeça abruptamente.
— Isso é… Isso não é água da torneira — ela tomou outro gole. — Nem de um poço ou algo parecido. Tem gosto de algo vindo de mais acima na correnteza, provavelmente água de dureza média captada de uma nascente mais alta nas montanhas. Estou certa?
O dono abriu um sorriso e fez um leve aceno com a cabeça.
— É realmente uma pena que uma cliente como você não possa experimentar o blend.
Também tomei um pouco da água e levei o copo aos lábios.
— Entendo, é bem suave.
— Ah, eu coloquei limão nesse, mas é só água da torneira.
Que mundo em que vivemos. Enquanto segurava o copo com as duas mãos, Chitanda olhava ao redor da loja.
— Seria bom se eu pudesse tomar o café também. Fico feliz que tudo esteja indo bem, pelo menos.
— Muito obrigado.
— Qual é o nome deste café?
Era uma pergunta óbvia. E, no entanto, abriu as comportas para algo maior. Pensando bem, isso não havia sido mencionado em nenhuma de nossas conversas. Olhei para Satoshi, que olhou para Ōhinata, e então ela finalmente perguntou ao dono.
— Qual é o nome?
No entanto, até mesmo o dono da loja hesitou.
— Isso é, bem…
Ōhinata insistiu ainda mais.
— Não me diga… Você ainda não escolheu um nome?
— Não é isso. É só que, bem…
O dono olhou para Ōhinata com uma expressão desconfortável.
— Você vai rir se eu disser, Tomoko-chan, então ainda estou mantendo segredo.
— É algo que me faria rir?
Ele pensou um pouco antes de responder.
— Eu, pessoalmente, acho que é um bom nome. Assim que você vê, sabe que pertence a uma cafeteria.
Você pensaria que, no período que antecede a inauguração da loja, ele já teria revelado o nome para divulgá-lo. Para mim, parecia estranho que ele o estivesse escondendo.
E, claro, Chitanda não deixaria passar esse "sentimento estranho".
— Hm… Então, o motivo pelo qual essa loja ainda não tem uma placa é porque você não queria que Ōhinata-san visse?
Agora que ela mencionou, acho que realmente não havia uma placa na frente da loja, não é? Se houvesse, certamente teríamos notado. Dito isso, parecia altamente improvável que ele tivesse adiado a construção apenas porque não queria que sua prima zombasse dele. Como esperado, ele balançou a cabeça.
— A fonte é bem elaborada, então está demorando para terminar.
— Quando você diz fonte, quer dizer que está usando o alfabeto?
— Não, só kanji.
Ao ouvir isso, Ōhinata soltou um grito de alegria.
— Kanji, é! Você tem razão, eu provavelmente riria. Afinal, seu senso para kanji é ridículo!
Ela então se virou para nós com uma expressão radiante.
— Esse é o mesmo cara que pegou o "ai" (amor) de "aizen-myouou" (Rāgarāja) e o "ra" (seda) de "akki-rasetsu" (Rakshasa), entre outros, para formar "ai ra-bu yuu" (I love you).
Rāgarāja, é o que? De qualquer forma, as palavras que ela escolheu para demonstrar seu ponto eram terríveis. Ibara parecia dividida entre rir e permanecer em silêncio.
— Mas que exemplos são esses? Você nasceu em um templo budista ou algo assim, Hina-chan?
Havia realmente uma estudante do primeiro ano do ensino médio que conhecia coisas como Rāgarāja e Rakshasa? Enquanto eu pensava nisso, as bochechas bronzeadas de Ōhinata começaram a ficar vermelhas.
— Não, eu só nasci filha de um humilde assalariado. Eu não consegui pensar em outras palavras, então isso não importa, certo?! Quero dizer, o que você diria se fosse você, senpai?
Ibara respondeu imediatamente.
— O "ai" de "Aichi-ken" (Prefeitura de Aichi) e o "ra" de "koura" (casca).
Uau. Essa foi uma escolha impressionante. Todos nós expressamos nossa admiração. Por outro lado, eu poderia jurar que ouvi o dono da loja murmurar algo como.
— Você chegou perto.
— Então o nome da loja ainda é um segredo? Hehehe, estou curiosa!
Pelo menos ela estava se divertindo.
— Kanji, né?
Ao dizer isso, Satoshi cruzou os braços.
— Se estamos falando de kanji usados em cafeterias, você costuma ver "esperar" (tai) e "sonho" (mu) sendo usados juntos para formar "Coffee Time" (tai + mu).
— Sei do que você está falando.
Ōhinata assentiu, e o dono também disse.
— É mais ou menos por aí.
Ao dizer que o nome da loja seguia a mesma linha desse jogo de palavras "tai+mu", ele queria dizer que usava os mesmos caracteres? Eu presumi que sim, mas Ibara teve uma ideia diferente.
— Quando você diz "usado com frequência", quer dizer como o radical de joia em "cafeteria"?
— Radical de joia? Não é o radical de rei?
— Embora pareça um rei, é chamado de radical de joia — respondeu Ōhinata à minha pergunta.
Onde ela aprendeu algo assim? Sem pensar, me virei para Satoshi, mas ele balançou a cabeça com a mesma expressão confusa, como se dissesse: "Eu também não fazia ideia."
O conhecimento de Ibara pode ter estado certo naquele momento, mas o resto da resposta dela estava errado.
(N/SLAG: Radicais se referem aos vários componentes que formam um kanji. Cafeteria é escrito em kanji assim: 珈琲館. Observe as partes esquerdas dos dois primeiros caracteres. Ibara e Houtarou estavam debatendo se esse radical era o de joia (玉) ou o de rei (王), quando Ōhinata mencionou que o radical de rei é, na verdade, confusamente chamado de radical de joia.)
— Não é isso.
Então, como se achasse graça, o dono acrescentou.
— Mas você acertou que são três caracteres.
— Então…
Assim que Satoshi ia dizer algo, Ōhinata rapidamente o interrompeu com a mão estendida.
— Nada disso, senpai. Deixe-me tentar descobrir.
— Bom, então vamos transformar isso em uma competição.
No entanto, Ōhinata estava inesperadamente séria.
— Isso é algo que um amigo me disse, mas você só tem três chances para adivinhar um nome, como tem sido desde os tempos antigos.
É mesmo? Se foi decidido nos tempos antigos, acho que não há nada que possamos fazer. Satoshi inclinou a cabeça, pensativo.
— Eu entenderia se fossem três dias, mas…
No entanto, ele rapidamente desistiu ao ver a determinação de Ōhinata.
— Então nos dê uma dica! Uma dica!
Por um breve momento, vi o dono olhar para a barulhenta Ōhinata com uma expressão incrivelmente gentil. Pode ter sido uma dedução precipitada da minha parte, mas comecei a me perguntar se ele sempre brincou com Ōhinata dessa maneira pura e infantil desde que ela era pequena.
Então, quase como se não estivesse realmente tentando manter o nome da loja em segredo, ele deu uma dica.
— O nome na placa é exatamente como está.
— Placa… O quê? Mas isso é óbvio, não?
— Como você só tem três tentativas, deve pensar com cuidado. Se acertar, eu te darei algo especial.
A expressão de Ōhinata imediatamente se iluminou.
— Eu vou acertar com certeza. É só esperar!
Ela então apontou o dedo ferozmente para todos nós.
— Ouviram bem? Eu vou acertar, então nenhum de vocês precisa dizer nada a partir de agora.
Pela primeira vez desde que a conheci, pensei que essa animada estudante do primeiro ano à minha frente era bem infantil. Não no sentido de ser irritantemente imatura, mas sim de uma forma cativante. Eu provavelmente até estava sorrindo.
Um relógio estava pendurado na parede, e até ele tinha um coelho desenhado. Em algum momento, o ponteiro das horas já havia chegado às cinco. Havíamos ficado ali por um tempo surpreendentemente longo.
Talvez porque estivesse concentrada, Ōhinata falava pouco enquanto conversávamos. Eu já tinha terminado meu café e nem tinha mais a xícara à minha frente. Presumi que iria chover à noite, então queria sair antes que isso acontecesse.
Como todos estavam ficando sem assunto, decidi aproveitar a oportunidade para falar.
— Bem, eu acho que está na hora.
Dito isso, no entanto, Ōhinata pareceu de repente ficar nervosa. Ela olhou para o relógio e fez uma expressão como se perguntasse onde todo o tempo havia ido. Rapidamente, voltou ao seu sorriso usual.
— Ah, a propósito! — exclamou. — Vocês têm um minuto? Tem algo que eu queria perguntar.
Provavelmente, isso era apenas uma tática para dar mais tempo a ela para tentar descobrir o nome da loja. Parecia que eu era o único a ter notado o momento de pânico dela. Os outros três não pareciam perceber que ela havia feito algo rapidamente para distraí-los.
— O que é?
Ōhinata não olhou para Ibara, que havia perguntado, mas sim para Chitanda.
— Chitanda-senpai, seu rosto é grande, não é?
(N/SLAG: Ela quis dizer no sentido de ser conhecida. Como se fosse: "Chitanda-senpai, seu nome é bastante conhecido, não é?" Uma expressão que significa conhecer muitas pessoas de diferentes áreas da vida.)
— Meu rosto é...
Enquanto Chitanda murmurava isso para si mesma, Ibara rapidamente interveio.
— Está tudo bem, não é isso que ela quis dizer. Seu rosto é fino, Chi-chan.
— Não, eu entendi o que ela quis dizer. Só fiquei realmente surpresa — ela descansou a mão no peito.
— Bem, eu não diria que conheço muitas pessoas, mas encontro muita gente pelos negócios oficiais da minha família.
— Então — Ōhinata engoliu em seco e continuou nervosamente, de um jeito muito diferente do usual — você conhece alguém, como, por exemplo, Agawa?
— Agawa-san?
Chitanda abaixou um pouco a cabeça.
— Você está falando do primeiro ano, Sachi Agawa-san?
— Ah, sim.
O corpo de Ōhinata afundou para trás, como se tivesse perdido todas as forças. Satoshi e Ibara estavam entre nós, então eu não conseguia ver que tipo de expressão ela estava fazendo.
— Aconteceu algo com Agawa-san?
— Não... eu só queria saber se você a conhece.
Chitanda, que estava do outro lado de mim, também tinha uma expressão claramente confusa. Mas eu achei que havia algo estranho em sua aparência; ela não disse "Aconteceu algo com Agawa-san? Estou curiosa." Ōhinata permaneceu em silêncio, então a atmosfera ao nosso redor ficou tensa.
— Bem, então... — eu disse mais uma vez, vendo o que estava acontecendo com todos ao redor da mesa — vamos indo?
*
Tudo estava por conta da casa, aparentemente. Eu me senti mal por deixar assim, já que os negócios estavam começando para ele, mas o dono me disse que o caixa ainda não estava funcionando, então os primeiros clientes poderiam aproveitar a comida sem impostos, já que dava trabalho calcular manualmente. Eu tinha quase certeza de que era tudo uma fachada, no entanto. Satoshi e Ibara, assim como Ōhinata, estavam perto da porta. Eu estava ao lado do caixa com o dono, e Chitanda estava ao meu lado.
— Me desculpe por não ter conseguido beber o café, mesmo depois de você ter feito tanto esforço para nos deixar entrar mais cedo.
O dono apenas sorriu enquanto Chitanda abaixava a cabeça. Eu tinha pensado que ele era um homem sem emoções, mas acho que estava completamente errado sobre isso. Talvez ele estivesse um pouco nervoso, já que éramos seus primeiros clientes.
— Não se preocupe. Café não é algo que você precisa beber obrigatoriamente.
— Isso...
Quando ela começou a falar, Chitanda de repente se atrapalhou. Parecia que ela estava prestes a dizer o nome da loja. No entanto, o nome não era conhecido por nós, claro. Ela acabou dizendo.
— E... esta loja... eu espero que ela tenha sucesso.
Chitanda então virou-se de repente para me olhar.
— Hum, Oreki-san. Eu sei que vamos conseguir ver quando a loja finalmente abrir, mas eu... bem, veja... só um pouco, bem... eu estou curiosa.
Ōhinata não queria que nós resolvêssemos o mistério do nome para ela, mas isso não significava que eu tivesse que esperar. Eu não entendi nada sobre as coisas estranhas que ela tinha dito e feito antes, mas pelo menos eu tinha uma chance de resolver essa questão diferente.
Felizmente, havia um bloco de anotações e uma caneta perto do caixa.
— Posso pegar isso emprestado?
— Ah, claro.
— Obrigado. Se eu fizer isso sozinho, tenho certeza de que não vai contar para as três tentativas dela.
Então comecei a rabiscar no bloco de notas. Chitanda olhou por cima da minha mão.
— O que?
Havia três kanji alinhados um ao lado do outro. O primeiro significava "andar."
O próximo significava "ao lado de." E o último significava "coelho."
O nome da loja tinha várias condições:
Se Ōhinata ouvisse, ela daria risada. Qualquer um perceberia que era uma cafeteria só de olhar para o nome. Era algo na mesma linha de "Coffee Time". Não era "Coffee Shop." O nome da loja consistia apenas em três kanji. E finalmente, a dica dada pelo dono da loja: O nome na placa é exatamente como está.
O que exatamente era a placa, então? Até agora, não havia nenhuma representação física da placa. Então o que seria? Havia duas possibilidades.
A primeira era "a garota do cartaz," ou seja, "Ayumi-san." Era possível escrever o nome dela com três kanji, mas, não importando quais você usasse, ninguém seria capaz de perceber que era uma cafeteria.
A outra opção era um "cardápio de sinais." Se fosse esse o caso, não haveria dúvida de que o item que ele escolheria para isso seria café. Ele não parecia muito interessado nas refeições leves, e não é como se cafeterias fossem famosas por seus scones ou sanduíches de qualquer maneira. Além disso, parece que ele não usou o kanji original para café. Nesse caso...
— Você disse que o nome da loja era o nome da própria placa, não disse? E o item principal desta loja é o blend da casa, estou correto?
— Ah, entendi — Chitanda falou.
— Eu também percebi que ele disse "é uma pena que você não tenha podido provar nosso blend" em vez de dizer nosso café.
Eu assenti. Parecia que ele dava uma ênfase artificial em chamar o café de blend da casa.
Se esse fosse o nome da loja, como ele seria escrito em kanji? A resposta era parecida com o exemplo anterior de "Coffee Time." Como eu pensava quando ouvi isso pela primeira vez, havia caracteres específicos usados. Quando dividimos a palavra blend (burendo) em três partes, só é possível fazer isso assim: bu-ren-do. Não funcionaria de outra maneira.
Minha primeira ideia foi o kanji para coelho, que pode ser lido como do. Havia imagens de coelhos por toda a loja, nas xícaras, nas colheres, e no relógio. O mais importante, havia até um grande relevo com dois coelhos na parede atrás do balcão. Eu estava quase certo de que havia uma correlação entre a quantidade de coelhos e o nome da loja ter algo a ver com eles.
Minha próxima ideia foi o kanji que significava "andar." Não havia muitos kanji que seriam pronunciados como bu e que também tivessem algo a ver com uma cafeteria. Ele provavelmente não usaria os significados de "incorreto" ou "desprezar," e os significados de "acariciar" e "absolutismo" eram difíceis demais para estarem em um nome. Achei que poderia ser o que significava "dançar," mas até isso parecia grandioso demais para uma cafeteria simples. Pensando um pouco mais sobre isso, lembrei de "Ayumi-san."
Eu estava apenas tentando adivinhar os caracteres no aparentemente prenhe nome de Ayumi-san. Mais cedo, quando conversava com o dono, Ōhinata mencionou.
— Seria ruim se você chamasse a Ayumi-san de algo como "Po-chan" na frente dos clientes.
Se o nome dela fosse "Ayumi-san", mas o apelido fosse "Po-chan", então o nome dela provavelmente continha o kanji para "andar". Se esse era o único caractere no nome dela, eu não sabia. De qualquer forma, o caractere era comumente lido como "bu", então não havia problema em colocá-lo na placa.
Isso deixou o "ren". Esse foi o mais difícil.
O dono da loja disse que Ōhinata iria rir quando soubesse o nome do lugar. Será que Ōhinata realmente riria ao colocar o nome de Ayumi-san no título, quando ela mesma não estava em um relacionamento? Talvez, eu pensei, mas pessoalmente não achava que fosse tão embaraçoso. Isso significava que ele provavelmente estava falando sobre o "ren" como sendo o ponto embaraçoso.
Na relevo na parede, havia dois coelhos dentro de um coração.
"Ayumi-san" (bu) "ao lado" (ren) do "coelho" (do). Burendo, ou "Blend". O dono da loja pensou silenciosamente sobre isso.
Ele olhou para o bloco de notas e depois para mim, e então deu um sorriso.
— Isso é bom.
— O que eu ganho?
No entanto, o dono apenas riu e balançou a cabeça.
— Você chegou perto.
Eu errei mesmo?
Não foi um choque. Eu não estava muito confiante nisso desde o começo. Achei que os caracteres "bu" e "do" eram boas escolhas, mas ainda me sentia inseguro sobre o "ren" até o final. Como eu esperava, o dono pegou a caneta esferográfica e sublinhou o "ren".
Então, eu olhei o que ele escreveu ao lado e de repente percebi o que o tornava tão embaraçoso para ele. O kanji do meio, no novo nome da cafeteria, significava "adorar". Os coelhos adorados por Ayumi. Eu tinha pensado que o dono fosse um pouco insensível, mas, para pensar que ele era tão romântico... Se Ōhinata tivesse ouvido isso, ela certamente teria sorriido. Seria um sorriso tão brilhante que poderia perfurar qualquer profundidade.
No entanto, Chitanda ficou confusa.
— Hum, por que é o kanji para "andar"?
Isso mesmo, ela não estava aqui quando falamos sobre "Ayumi-san". Eu não queria fazer os outros esperarem muito, então fui direto.
— Eu te explico no caminho de volta.
Chitanda respondeu baixinho.
— Por favor, faça isso.
Fui verificar se não deixávamos nada na bancada e vi que apenas as xícaras, pratos e colheres permaneciam. Antes de sair da loja, percebi algo de repente. O jornal na frente do suporte de revistas era a edição da noite. Corri até ele, peguei com o indicador e o dedo médio e olhei o boletim meteorológico, que dizia que começaria a chover à noite. Passei o jornal para Satoshi e dei um olhar triunfante.
— Viu? Olha só, diz que vai chover à noite.
— Você ainda está com isso? Não sabia que você guardava rancor, Houtarou.
Não era isso que eu queria dizer. Ibara, que já estava em frente à porta, se virou.
— Mesmo sem isso, dava para perceber só de olhar lá fora. Veja.
Olhando pela porta de vidro, eu podia ver as gotas de chuva começando a cair.
Embora eu soubesse da previsão com antecedência, acabei não conseguindo sair antes de ter que lidar com isso. Pelo menos o guarda-chuva compacto não seria inútil depois de tudo.
PRESENTE: 11,5 KM; 8,5 KM RESTANTES
Enquanto refletia sobre isso, consolidava minha crença de que havia pelo menos algo estranho no que aconteceu naquele dia. Algo que não estava presente quando entrei na loja pela primeira vez, mas que surgiu depois que saí dela. Não conseguia imaginar que fosse simplesmente uma coincidência. Alguém fez isso de propósito. Estava relacionado com a pergunta sobre o que fazer com o gato da sorte no meu aniversário, por assim dizer.
À medida que voltava mais nos meus pensamentos, uma ideia começou a se formar em minha mente. Porém, até aquele ponto, ainda permanecia nada mais do que uma ideia vaga. No fim, eu precisava perguntar a ela o lado dela da história.
A passagem da montanha parou de subir. Uma pequena coleção de casas começou a se espalhar abaixo da minha visão. Era Jinde, o lugar onde a casa de Chitanda estava localizada.
A essa altura, minha estimativa da distância entre eu e Chitanda já estava além de qualquer possibilidade de precisão. Enquanto corria e caminhava, meu ritmo continuava mudando o tempo todo.
E, ainda assim, por algum motivo, sentia que seria capaz de conversar com ela assim que chegasse ao final da descida e finalmente entrasse na área chamada Jinde.
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