Infernalha Brasileira

Autor(a): San


Volume

Capítulo 15: Pós Guerra.

 Nos raios dourados do sol, Kagura, determinada a desempenhar um papel crucial nos confrontos que se avizinhavam, mergulhou de cabeça em um rigoroso treinamento com os soldados do castelo. Seu corpo se moldava às exigências da batalha, enquanto sua mente se fortalecia com a promessa de proteger seu pai e os inocentes, como um dia ela fora.

 “Eu não posso ser protegida pelo senhor Hexoth pra sempre!”, pensava ela enquanto brandia um florete com adornos de pétalas de cerejeira.

 Enquanto Kagura suava no campo de treinamento, na enfermaria, Hexoth e Hayakaz compartilhavam relatos sombrios da invasão à catedral.

— E foi isso que aconteceu comigo — falou Hexoth, imobilizado pelas ataduras e talas médicas. — No fim, parece que Sanarion realmente nos traiu…

— Sim… mas é triste que a gente não tenha alguém tão forte como o seu amigo. Sabe? Pra ajudar nos combates e tal. — Hayakaz estava deitado com os braços atrás da cabeça, ele parecia o único sem problemas em ficar deitado sem fazer nada.

 Hexoth observou sua espada, agora em sua forma original, lembrando dos ocorridos daquela noite.

— Falando em combate… Cadê o orelhudo das estratégias?

— É sobre isso que eu queria falar com vocês. Temos um grande problema…

— Rameel, o que aconteceu? — Hayakaz descruzou os braços e se sentou na cama, indicando sua atenção máxima.

 Após pensar por alguns segundos, Rameel quebrou seu silêncio, — O Garrik foi levado —, com tom grave e perturbador.

 A atmosfera de repente estava carregada de tensão, nenhum deles esperava por uma notícia dessas, não vinda de Garrik. De repente, Hayakaz e Hexoth se levantaram, ignorando suas feridas e foram até a porta da enfermaria, sem dizerem uma única palavra.

 Em um ambiente impregnado de urgência e tensão, o trio, unido pela urgência de salvar Garrik, se direcionou à sala de estratégia. Mesmo sem dizerem nada, a seriedade em cada um carregava o peso da preocupação e do comprometimento, enquanto a gravidade da situação se refletia nos olhares determinados e nas expressões sérias dos três.

— Ele foi levado pra sua aldeia natal, Flammendorf —  Rameel quebrou o silêncio, estendendo um mapa e marcando a localização com um alfinete.

— Não é uma boa ideia atacar com tudo, já que eles têm um refém — disse Hexoth, coçando o queixo.

— Você acha que eles conseguem matar ele assim tão rápido? — disse Hayakaz, incrédulo.

— Se eles conseguiram levar ele, então eles tem alguma arma secreta…

— A gente precisa de mais informações. A gente tem mais alguma coisa?

— Ela foi fundada a milhares de anos atrás, por um elfo chamado Crimsembell, mas hoje em dia eles fazem alianças com organizações fortes, pra evitar guerras e essas paradas — Rameel terminou sua frase mexendo em alguns alfinetes que estavam presos ao mapa.

— Então nós podemos oferecer uma aliança pra conseguir informações? — Hayakaz direcionava seus olhares a Rameel, em busca de respostas às suas insinuações.

— Não vai ser fácil. Mesmo que eles saibam que somos uma organização forte, o Garrik também é um Lorde, então eles vão ficar com um pé atrás — falou Hexoth, analisando a ideia.

— Então como…

— Eles não vão. — Rameel interrompeu os dois.

— O que quer dizer? — Hexoth levantou as sobrancelhas, surpreso com a fala.

— Os Lordes nunca trabalharam juntos, ficaram famosos na mesma lenda por viverem na mesma época e serem ambos demônios. Mesmo agora, todos acham que vocês trabalham separados — disse Rameel enquanto comia um cacho de uvas por baixo da máscara.

— Você tem certeza disso? Eles podem ter boas informações… E de onde você tirou essas uvas?! — Hexoth estava indeciso se se preocupava com o plano ou com o fato de Rameel tirar coisas do nada.

— Dartanham cuidou para que a única informação que vazasse é que vocês voltaram. E também, a invasão à catedral de Airobolg virou obra só sua, não dos três.

— Dartanham… — Hexoth sentou em sua cadeira e abaixou sua cabeça, segurando sua raiva. — Calma! É isso!

— Alguma ideia mirabolante? — falou Hayakaz, enquanto sorrateiramente roubara uma das uvas de Rameel.

— Ou! Minha uva!

— Bobeou, perdeu! — disse ele, com um sorriso maligno no rosto.

— Vocês dois! Foco! — Hexoth bateu sua palma na mesa, ecoando um estrondo por todo o local. — Rameel, eu quero que você me leve até o Dartanham, quero falar com ele.

— Quer depender dele? Parece uma ideia meio… né? — Hayakaz se arrumou na cadeira, após ter caído com o estrondo.

— Não. Nós vamos seguir o plano de oferecer uma aliança… mas ele pode saber de algo…

— E aquele urubu vai falar alguma coisa?

— Não custa tentar…

 Os três logo se separaram, com Hayakaz indo treinar para se preparar. Hexoth caminhou ao lado de Rameel em direção à prisão, temeroso em encontrar Dartanham. As paredes frias e úmidas da prisão pareciam fechar-se ao redor deles, com suas manas sendo drenadas pelos tijolos de anulação, enquanto se aproximavam da cela onde o misterioso prisioneiro estava selado. Uma aura de suspense pairava no ar, e Hexoth mal conseguia se concentrar, era como se fosse explodir a qualquer momento.

 Ao entrar na cela, Dartanham permanecia encarando o nada, como se estivesse alheio à presença dos visitantes. Seus braços e pernas estavam completamente amordaçados com correntes semelhantes aos tijolos de anulação, o imobilizando e drenando sua mana. Seus olhos estavam parcialmente vendados, deixando apenas sua boca livre de restrições.

— Dartanham… — Hexoth se pôs diante do prisioneiro, contendo toda a sua ira.

— Posso ajudar em algo? — respondeu Dartanham, mantendo o olhar no nada.

— Você sabe o porquê de eu estar aqui…

— Eu sei? Você me superestima demais às vezes.

— O que?! — Quando Hexoth ia socar Dartanham, Rameel o segurou, retomando seus sentidos. — Grr! Que seja! Eu vim aqui porque quero que me diga o que você sabe.

— “O que eu sei”? Não está sendo muito confiante?

— Você sabe muito sobre nós… e sobre tudo que tá acontecendo!

— Se eu soubesse, você acha que eu diria?

 Ao ouvir as palavras de Dartanham, Hexoth respirou fundo, contendo uma enorme explosão, e disse:

— Vamos ser honestos aqui, eu não quero ter que cooperar com você, e você não quer ter que cooperar comigo, mas não temos escolha! Você sabe o que está acontecendo? Você sabe quem é o Adão?

— Eu deveria saber? 

— Você disse que sabia…

— Certo, certo… e o que eu ganho?

— Se você nos ajudar, podemos não considerar mais você uma ameaça, e até te… soltar…

 Dartanham começou a gargalhar ao ver a humilhação de Hexoth, ele tinha noção de quem dava as cartas nessa mesa.

— Me soltar?! Hahaha! Vocês estão realmente desesperados! Nunca imaginei que o Grande Lorde Lúcifer tinha escolhido demônios tão fracos para dominar a terra! Hahaha!

— Quieto! Estamos nessa situação por sua culpa!

— Você realmente acha que é minha culpa? Não foram vocês que não conseguiram evitar isso?

— Seu…

— Desde o começo, as escolhas de vocês levaram vocês até aqui… Vocês perderam pessoas importantes? Vocês perderam vantagens na guerra? De quem vocês acham que é a culpa?

— Seu!

— E agora, você vem até mim, alguém que quase matou vocês três, e me oferece o perdão se eu ajudar? Hahaha!

— Eu desisto! Não vamos conseguir nada de você…

— Nem parece que vocês venceram a última luta.

 Hexoth parou de caminhar até a porta e se virou para Dartanham, a raiva estava explodindo para fora de seu corpo.

— O que você disse?!

— Vamos fazer assim: Vamos trocar favores!

 Dartanham quebrou sua indiferença e mirou seus olhos na direção de Hexoth, cuja raiva era quase palpável.

— Eu te conto o que quiser, mas você tem que… — Um olhar sádico então surgiu no rosto de Dartanham. — Matar aquela garotinha…

 Ao ouvir, Hexoth explodiu. Ele saltou na direção de Dartanham com sua espada em punho, toda transformação era negada pelas paredes, mas seu corte ainda poderia ser fatal. Rameel então interveio, rodeando Hexoth de nuvens rosas, o fazendo cair em um sono pesado. Ele então pegou Hexoth e o carregou para a porta da cela, onde parou e disse: — Você sabe que deve haver outro jeito… Você não precisa fazê-los te odiar.

— Siga com o plano… Eu não me importo se eles me odiarem…

 Rameel concordou com a cabeça e se retirou, carregando Hexoth para fora da prisão.

 Ao longe, Hayakaz caminhava decidido até as colinas do castelo, determinado a aprimorar o poder que havia recebido. Enquanto se aproximava do local, sentia a energia pulsante percorrer seu corpo, pronta para ser desencadeada.

— Certo… Bora! — Ele rapidamente se pôs em posição de combate, liberando mana em um fluxo único e diferente do que fazia normalmente. Em segundos, seus cabelos passaram do branco para um verde florescente, fazendo igualmente com seus olhos. Diversos símbolos surgiram pelo seu corpo, símbolos iguais aos da máscara de Rameel.

 Hayakaz mergulhou em um treinamento intenso, canalizando sua energia e concentrando-se em explorar todo o potencial desse novo poder. Ele reparou que seus golpes não pareciam mais rápidos ou mais fortes, diferente de quando enfrentou Dante.

— Não… To fazendo alguma parada errada! — resmungou, sentado com as pernas em postura de diamante.

 Conforme pensava qual era seu erro, Hayakaz reparou que algumas formigas caminhavam abaixo de seus pés, porém elas cambaleavam como se estivessem bêbadas.

— Espera…

 Ele então se levantou, desenhou alguns círculos mágicos no chão, aproveitando os resultados de seus treinos, e invocou alguns pássaros de terra: — Invocação Simples, Pássaro! — e então começou a correr atrás deles, que fugiam o mais veloz que conseguiam, mas também cambaleavam como se estivessem zonzos.

Hayakaz notou que, quanto mais perto ele estava dos pássaros, mais eles perdiam o equilíbrio e a coordenação.

Compreendendo o verdadeiro poder que Rameel lhe havia concedido, Hayakaz sentiu uma mistura de surpresa e fascínio. Ele percebeu que, ao desencadear essa energia, era capaz de influenciar o tempo e a percepção dos outros. Era como se pudesse mergulhar em um estado de fluxo, enquanto os demais eram afetados pela sonolência que emanava de seu ser, reduzindo as suas capacidades físicas e mentais.

— Isso é muito bom! Agora, as coisas vão ficar divertidas… — Hayakaz deitou sobre o gramado, aproveitando a alegria da descoberta, que logo foi substituída por uma sensação de estranheza. — Que droga! Não ter ele me enchendo o saco é muito esquisito… Eu vou encher ele de porrada quando a gente salvar ele, é isso! Picadinho de elfo narcisista!

 Ele então levantou e continuou seu treinamento, criando e destruindo pequenos golens de terra com os punhos e correndo de um lado ao outro.

 No castelo, Hexoth finalmente despertara da magia de Rameel. Ainda confuso, ele se levantou e disse:

— Nós realmente não vamos conseguir tirar nada daquele desgraçado, não é?

sabe como ele é, um grande desgraçado… — Rameel novamente estava com um cacho de uvas, às comendo por baixo da máscara.

— Prepare a fenda, vamos sair pela manhã.

— Certeza?

— Sim… só preciso fazer algo antes, por isso não agora. —  Hexoth terminou sua frase saindo pela porta da enfermaria, se dirigindo ao campo de treino de soldados.

 Chegando na vasta planície de areia e terra, Hexoth parou por alguns segundos, contemplando sua ficha brandindo uma espada em direção a um boneco de treinos. Ele estava coberto por um misto de sentimentos, uma mistura de receio por ver aquela que ele salvou a menos de um dia se preparar para guerrear, e alegria por ver que aquela garota que sempre aceitava tudo que lhe fosse imposto estava finalmente decidindo seu próprio destino.

 Após alguns segundos, Kagura reparou na presença de Hexoth e foi em sua direção.

— Senhor! Eu posso ajudar? — disse ela, com um sorriso automotivador no rosto.

 “Senhor?”, pensou Hexoth, sentindo uma facada em seu peito.

— Não, não. Eu apenas vim ver como estava se saindo nos tre…

— Isso é tudo muito divertido! Eu não sabia que trocar golpes de espada era tão divertido!

 Hexoth parou, com a boca aberta em espanto. Ele não sabia se incentivava o desejo pela vitória que crescia na guerreira dentro dela, ou se desestimulava esse mesmo desejo, incentivando-a a viver uma vida normal.

 “Por que ela tinha que puxar logo isso de mim?!”, pensou ele.

— Kagura… não, filha! — Ele segurou os ombros da garota e ajoelhou uma das pernas para olhar em seus olhos. — Você lembra das coisas que aconteceram ontem… você sabe do que as pessoas são capazes por poder. Matança, escravidão, destruição, e outras coisas terriveis… Você tem certeza que deseja trilhar esse caminho?

— Eu… — Ela abaixou a cabeça, pensando nas palavras que diria em seguida. — Eu tenho certeza!

— Filha…

— Eu vou fazer isso! Eu vou ficar forte pra proteger todos! Eu não quero mais ter que ser protegida…

 Por um segundo, os olhos de Hexoth brilharam, ele viu o semblante de Hen projetado no rosto de Kagura. Ele sabia que não conseguiria convencê-la.

— Certo… Eu não vou ir contra você, mas treine o máximo que puder, entendido?

— Entendido, capitão! — disse ela, com um sorriso no rosto.

 Hexoth então se levantou e rumou em direção ao castelo, lembrando da guerra que estava prestes a explodir. Os dois lordes passaram o resto do dia aperfeiçoando suas técnicas, enquanto Rameel terminava de organizar a reunião dos lordes e o ritual de teleporte. No começo do novo dia, os três se encontraram no mesmo local da última vez, determinados a criar até mesmo uma guerra para resgatarem Garrik.

— Então? Tudo pronto? — Hayakaz estava sentado em uma cadeira ao lado do círculo de pedras que Rameel usara da outra vez.

— Sim… — Hexoth colocou as mãos no cabo de sua katana, ainda embainhada.

— Então… — Hayakaz se levantou e arrumou seu kimono, ficando ao lado de Hexoth.

 Em segundos, uma fenda enorme se abriu na frente dos dois, pontilhada de estrelas e galáxias, como se o próprio espaço sideral estivesse diante deles.

— Vamos com tudo! — disseram os dois juntos ao pularem no rasgo suspenso no ar.



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