Infinity World Brasileira

Autor(a): Infinity World


Volume 1

Capítulo 5: Olhos da Lua

A mata parecia mais densa do que Suu-Yuky lembrava. Nenhum som de pássaros, só o ranger das árvores torcidas pelo tempo. A luz do sol mal tocava o chão — ficava presa nas copas espessas, filtrada em feixes tênues que mais atrapalhavam do que iluminavam. O calor era úmido e saturado. O ar grudava na pele e deixava tudo mais lento.

Não confiava no que sentia. O caminho era irregular, os galhos raspavam o rosto, mas o desconforto ia além do físico. Seus músculos estavam tensos demais, rígidos. Cada passo exigia esforço. E a luz — tênue, mas presente — incomodava. Filtrava-se pelas folhas e batia em seu rosto com uma intensidade irritante. A pele descascava, queimava, como se não fosse feita para o dia.

Antes de deixar a cidade, gastou horas atrás de respostas. Vasculhou as poucas moradias da região. Falou com mercadores, andarilhos e um velho xamã que dizia ter perdido o irmão para a criatura. Nenhuma história era igual à outra. Alguns falavam de olhos flamejantes, outros de garras negras e afiadas como vidro. Um afirmava ter ouvido um lamento fraco e humano logo antes do chão tremer.

Ele reuniu o que pôde. Sabia que a coisa deixava rastros: árvores partidas, pedras riscadas, ossos brancos e secos. Nunca era vista com clareza. Um vulto. Um som. Um rastro. Mas sempre vinha a destruição.

E no fim, o que o movia não era a curiosidade. Era a lâmina. A mesma que lhe despertava um estranho traço de familiaridade. Relíquias assim não ficavam à toa por aí.

Depois de horas atravessando a floresta abafada, Suu-Yuky finalmente chegou ao ponto marcado no mapa. O lugar não tinha placa, trilha ou sinal algum, apenas um corredor natural, espremido entre raízes elevadas e galhos baixos demais. A vegetação ali parecia mais densa.

Parou. O silêncio naquele trecho era diferente. Mais espesso. Sem insetos, sem folhas farfalhando, sem o estalo de pequenos animais. Apenas o som do próprio corpo, a respiração nasal, o suor escorrendo pelo pescoço.

Suu-Yuky olhou o caminho estreito à frente. Uma antiga rota clandestina, segundo as anotações. Usada por aqueles que queriam sumir do mapa.

Deu o primeiro passo e sentiu o solo ceder levemente. A terra estava fofa demais, como se tivesse sido revirada — não há muito tempo.

Continuou.

Alguns metros adiante, o caminho começou a mudar. Fragmentos de madeira apareciam aos poucos, quase misturados às folhas secas. Mas não eram restos comuns. Estavam quebrados em ângulos estranhos, alguns pareciam queimados por dentro.

Suu-Yuky seguiu lentamente, os olhos seguindo a trilha irregular dos destroços. Então viu: à frente, uma clareira forçada pela destruição. Cabanas desfeitas como se tivessem implodido de dentro para fora. Telhados torcidos, cercas pulverizadas, árvores tombadas em direções opostas. O solo estava marcado por crateras largas e rasas, algumas fumegando com o calor residual que subia como névoa tênue.

Ele entrou no espaço devastado com passos contidos.

Abaixou-se perto da maior cratera. O centro estava vitrificado. Ao tocar a borda, observou a pequena queimadura em seu dedo, causada pelo calor ainda recente do local.

— Isso não é normal... — murmurou, sem tirar os olhos do solo.

Observou ao redor com atenção, os olhos varrendo os destroços próximos à cratera. Entre os escombros e a terra revirada, notou uma lança caída parcialmente coberta por poeira e fragmentos de pedra. Aproximou-se e a pegou com cuidado.

Analisou a arma por alguns instantes. O cabo estava rachado em alguns pontos, a lâmina opaca e com sinais de desgaste. Era evidente que já tinha visto dias melhores. Ainda assim, era melhor do que nada e, naquele momento, era tudo o que ele tinha.

Foi então que percebeu. Uma das árvores tombadas fora cortada — não arrancada. O tronco exibira um corte limpo, seco, parecia feito com lâmina.

Suu-Yuky franziu o cenho. Aquilo não batia com os relatos.

Deu um passo para trás, e nesse momento, o silêncio mudou. Um rugido fraco — ou talvez um lamento — podia ser ouvido ao longe, semelhante a uma respiração profunda que se misturava ao som do vento.

Ele se virou, devagar, tentando localizar a origem do som. Seus olhos percorreram a floresta silenciosa, atentos a qualquer movimento entre os troncos ou arbustos. Mas o som havia cessado. Ele permaneceu imóvel por alguns segundos, esperando que o ruído voltasse. Quando nada aconteceu, deu um passo cauteloso à frente, certo de que não estava mais sozinho naquele lugar.

— Claro… só falta o tapete vermelho — murmurou, ao ver o rastro sangrento adiante.

Suu-Yuky atravessou o campo de ruínas. Os passos amortecidos pelo solo úmido produziam estalos abafados. Manchas de sangue seco traçavam um caminho irregular entre as pedras.

Corvos mortos juncavam os arbustos. As penas sujas de barro ainda tremulavam. Mais adiante, um alce jazia com as costelas expostas, as vísceras abertas à luz do fim do dia. Um lobo sem cabeça estava enroscado nas raízes de uma árvore tombada. Não havia sinais de luta, apenas o rastro de algo que passou, mutilou e seguiu adiante.

Ele não parou.

A trilha o conduziu a uma abertura estreita, quase imperceptível à distância. Raízes retorcidas cobriam as pedras, escondendo a entrada. Suu-Yuky parou diante dela, sentindo um calafrio escorrer pela espinha. Não por medo, mas por instinto.

Segurando a lança com mais firmeza, esgueirou-se para dentro.

A escuridão engoliu a luz quase de imediato. O ar ficou mais frio, úmido, espesso. Estalidos minúsculos reverberavam pelas paredes, gotas, ossos, morcegos escondidos em fendas pouco visíveis. Seus olhos se ajustaram aos poucos, guiando-se por feixes finos que atravessavam rachaduras no teto da caverna. A luz parecia fragmentada demais para ser confiável.

Suu-Yuky se moveu devagar, os olhos varrendo cada detalhe, cada sombra.

Então o ouviu.

Um som grave, contínuo, ressonando nas pedras como um tambor abafado. Grunhidos lentos, entrecortados por roncos pesados. Não havia dúvida — aquilo respirava.

Adiante, a caverna se alargava. Um único feixe de luz atravessava o teto, caindo como uma lâmina pálida sobre o centro da câmara.

O chão ao redor estava coberto por restos de animais em diferentes estágios de decomposição. Alguns pareciam ter sido mortos há horas, outros há semanas. O cheiro era ácido, visceral.

A escuridão se rompeu com um som úmido. Algo se moveu dentro do breu, empurrando o ar com força suficiente para fazer as pedras vibrarem. Quando emergiu por completo, a criatura ocupou quase toda a abertura da câmara.

Ela era colossal — não pela altura exata, mas pela presença que impunha. O corpo era uma massa disforme de músculos e pelos encharcados, onde diferentes texturas se encontravam como se tivessem sido costuradas à força. A pelagem desgrenhada cobria quase todo o rosto, mas não ocultava os dois olhos brancos.

Nenhuma parte do corpo parecia pertencer ao mesmo ser. Um dos membros dianteiros arrastava no chão uma mão grotesca, de dedos humanos alongados. O outro terminava em uma pata leonina, as garras amareladas raspando contra a pedra. As patas traseiras esmagavam o solo com cascos irregulares, rachados, de aparência óssea.

A cauda erguia-se num arco rígido, pontiaguda, lembrando o ferrão de um escorpião hipertrofiado.

O torso era um bloco de músculos cobertos por cicatrizes, inchado como o de um urso. A pele ali esticava sobre costelas visíveis, respirando com esforço.

Presas tortas se projetavam para fora, algumas quebradas, outras ainda sujas com fiapos de carne podre. Uma baba espessa escorria em fios longos, grudando no chão e formando poças opacas sob o queixo da criatura.

E mesmo adormecida, a criatura não estava em silêncio. Um ronco profundo vibrava de dentro do peito, abafado, lento e constante.

Suu-Yuky parou à beira do círculo de luz. A criatura dormia. O peito subia e descia num ritmo lento, pesado. Cada ronco parecia arrastar um pedaço da caverna com ele.

— Você é o urso mais estranho que eu já vi — murmurou, com um tom seco, sem diminuir o passo.

Apertou a lança com mais força. A ponta tremia levemente, não de medo, mas de antecipação.

Suu-Yuky avançou em silêncio. Os olhos semicerrados acompanhavam o lento subir e descer do tórax da criatura. A respiração dela era pesada, irregular, e o som reverberava como um ronco grave por toda a caverna.

— A coisa está dormindo? — murmurou, estreitando os olhos enquanto se aproximava com passos lentos. — Ótimo... vai facilitar o serviço.

Ele se aproximou por entre os escombros e ossos espalhados. O cheiro era forte, metálico e ácido. Cada passo era uma aposta contra a sorte. Suas mãos, suadas, firmavam a lança. Seus olhos estavam presos ao pescoço da criatura — a única área visivelmente exposta entre os pelos densos.

Num só movimento, canalizou a força nos braços e cravou a lança contra a carne da fera.

A ponta quebrou com um estalo seco. Um jorro de sangue escuro explodiu da ferida. A criatura não rugiu — gritou. Um som bestial, quase humano, que fez a rocha vibrar sob os pés de Suu-Yuky.

Antes que pudesse recuar por completo, algo o atingiu. Não viu o golpe, apenas sentiu o mundo girar e depois o impacto: seu corpo voou contra a parede da caverna com violência, esmagando pedras soltas no peito. O ar saiu dos pulmões como um soco direto na alma. Suu-Yuky escorregou até o chão, tossindo sangue, ainda apertava o bastão em sua mão.

A criatura se ergueu por inteiro. Agora desperta, parecia ainda maior. Cada passo fazia as paredes rangerem, o teto cuspir pequenas pedras. Os olhos brilhantes se fixaram nele — não com fúria cega, mas com algo mais lento, mais... deliberado. Como se estivesse tentando decidir a melhor forma de esmagá-lo.

Suu-Yuky tentou se levantar, mas o braço direito tremia. Uma das costelas, talvez duas, estavam quebradas. O som da pata da criatura se aproximando era abafado. Tremeu o chão. Depois, outro. Depois, silêncio.

Ela esperava. Observava.

Ele se apoiou contra a parede úmida e encarou a saída acima: uma fenda aberta no teto, talvez instável, talvez não. Sua respiração era um chiado doloroso. Não havia saída real — não naquele estado.

Ele se ergueu com esforço, cambaleante, os pés firmes apesar dos machucados. A criatura avançou.

E ele também.

Suu-Yuky correu na direção da fera, desviando da primeira patada com um giro preciso, usando uma pedra como ponto de apoio para impulsionar-se e acertar um soco direto no flanco da criatura.

O impacto reverberou pelo braço dele, mas arrancou um urro da besta — não de dor, mas de surpresa. A força era real. O próximo movimento foi uma sequência de três golpes rápidos no mesmo ponto: um soco na mandíbula, um chute giratório na base da pata e uma cotovelada ascendente contra o tórax.

A criatura respondeu. Rugiu, furiosa, e tentou agarrá-lo com as garras da pata humana. Suu-Yuky se abaixou no último segundo, deslizando por entre as pernas da criatura e, ao passar, cravou uma pedra pontiaguda na articulação de um dos cascos traseiros. O sangue jorrou de novo, e a fera tombou parcialmente, apoiando-se nas patas dianteiras.

Mas ela ainda era rápida.

Com uma rotação selvagem, sua cauda escorpiônica golpeou como um chicote. Suu-Yuky saltou para trás, mas não foi rápido o suficiente — a ponta da cauda raspou sua lateral, rasgando o tecido e parte da carne. Ele gritou, as veias saltavam sob a pele e os músculos contraídos.

Sem perder tempo, correu na direção oposta e saltou sobre uma das colunas de pedra. A criatura o perseguiu com um salto bruto que rachou o chão. No alto da coluna, Suu-Yuky impulsionou-se para cima da cabeça do monstro. A fera tentou mordê-lo, mas ele já estava no ar, saltando novamente com um giro completo.

Desceu com o cotovelo contra o topo do crânio da criatura, canalizando todo o peso e força no impacto. O golpe afundou parte do couro cabeludo e deixou a fera desnorteada por um segundo.

O suficiente.

Ele caiu de pé nas costas da criatura, correu em linha reta até o ombro e então saltou em direção à fenda no teto.

Seus dedos tocaram a borda. A terra cedeu.

Mas ele não soltou. Com a mão livre, cravou os dedos na terra e se puxou. Um último impulso. As pernas escorregaram, mas os braços aguentaram.

E então estava fora.

Rolou para o lado, ofegante. Cuspiu sangue. O céu lá em cima estava limpo, quase calmo. A floresta murmurava com o vento.

Atrás dele, o rugido da criatura ainda ecoava

Suu-Yuky deitou-se de costas na terra fria, o peito subindo e descendo em esforço. A floresta ao redor parecia indiferente ao caos que acabara de acontecer sob suas raízes. Por um momento, ele permitiu-se fechar os olhos, o sangue ainda descendo de sua boca, o latejar nos músculos e o zumbido persistente nos ouvidos.

Mas então... silêncio demais.

Ele se ergueu parcialmente, os olhos fixos na fenda que agora selava a caverna. Nenhum som, nenhum movimento — apenas o eco distante do que havia enfrentado.

Estava vivo. Mas não vitorioso.

Ao tocar o ferimento na lateral, percebeu algo estranho. A pele ao redor da marca não latejava apenas de dor — estava quente, pulsando... como se algo ali dentro ainda se mexesse.

Ele olhou para a mão ensanguentada. O sangue da criatura.

Suu-Yuky estreitou os olhos.

Aquilo não era normal.

Levantou-se com esforço, o corpo cambaleando. Precisava sair dali, precisava de respostas. E, acima de tudo, precisava saber o que, de fato, havia despertado.

E não havia como voltar atrás.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora