Volume 1
Capítulo 14: Loja Estranha
Em meio à mata, dois homens, um velho com rugas e um jovem de cara emburrada, cavavam utilizando pás um buraco. Eram fortes e usavam o uniforme da polícia.
Demorou meia hora de escavação até que, finalmente, a pá de um bateu em algo duro. Suspirando de alívio por acabarem, olharam para baixo. O buraco era fundo e tinha um caixão feito de madeira velha e corda envolta.
Os dois homens pegaram as cordas e começaram a puxar acima. Forçando seus corpos, chegando a saltar as veias na cabeça, conseguiram. Usando a pá de alavanca, forçaram as madeiras pregadas e o abriram.
Dentro, um homem fraco e um cilindro de oxigênio deitados. Suas roupas imundas de terra, vômito e outras coisas. Os cabelos, antes loiros, tornaram-se marrons de tanta sujeira. Ao seu lado, uma pequena máscara de oxigênio ligada a um cilindro enferrujado, respirava lento e fraco.
Quando seus olhos viram o sol e as árvores, um raio de esperança surgiu. Gastando a energia restante do seu estado debilitado, deu um pulo pra fora.
Acelerando os passos desengonçados e sua respiração trêmula, corria como nunca, o vento no seu rosto, as pernas indo tão rápido que ninguém o alcançava.
Pelo menos era isso que achava estar fazendo, na verdade, mal correu, nem se afastou três metros dos homens, e tropeçava nos mínimos obstáculos.
Sem ânimo, os dois foram pegá-lo. Alcançaram-no caminhando. Tentando imobilizá-lo, mesmo fraco, lutava desesperado.
Foi difícil e algumas vezes os dois quase foram derrubados. Apesar disso, conseguiram colocar as algemas e um pano cobrindo o rosto.
O policial mais velho, irritado, falou ao parceiro:
— Eu disse para tomar cuidado, ele é a merda de um mutante.
— O cara tá aí há dias, sem comer nem beber água, apenas o mínimo de oxigênio, e tem forças pra levantar?
— Esqueceu? Essas aberrações conseguem viver com muito menos do que humanos normais.
Arrastando seu prisioneiro, circularam os muros da cidade, alcançando uma área isolada. Tatearam a parede por um tempo até conseguirem empurrar uma parte.
Uma passagem abriu, revelando um pequeno corredor. Empurraram seu prisioneiro e levaram-no para dentro. Após quarenta minutos de caminhada e passarem em várias portas, pararam em uma específica.
Igual a todas as restantes, era de madeira e tinha uma aparência velha. Ao abrirem, fez um rangido enorme.
Ao passar, a sensação era como entrar em um portal. Do outro lado, as paredes eram brancas, o piso era limpo. Diferente do corredor cheio de sujeiras e insetos.
Subiram as escadas e chegaram a um lugar diferente, menor dessa vez, policiais passavam, cumprimentavam-nos e até tentavam puxar conversa.
Andaram até uma porta de metal, a empurraram e entraram em uma sala pequena com uma lâmpada no teto. O forçaram a sentar em uma cadeira dura e esperar.
Retirando seu capuz, demorou para seus olhos adaptarem à luz. Focando a visão, viu Ramon, jogando no seu holograma. Nem olhando à frente, tapou o nariz e disse:
— Que fedor, Leonardo. Nem imagino do que esteja sujo.
— …
— Nada? Sem uma piadinha, comentário sarcástico? Bom, pronto para falar?
Levantando a cabeça, tentou formar uma frase, mas sua garganta estava seca.
— Há! Me desculpe, havia me esquecido; faz dias desde que bebeu água.
Saindo da sala, voltou minutos depois com uma jarra e um copo de plástico.
Leo ignorou o copo, pegou a jarra e tomou do bico, derrubando na sua roupa e rosto.
Acabando, olhou Ramon, com seus lábios rachados, e falou:
— Vai pro inferno, seu maluco. — Sua voz rouca e fraca.
Deixando o jogo de lado, encarou o prisioneiro à frente.
— Garoto, por que faz isso com você? Só me fala sobre Dean Blackscar, ou devorador de almas se preferir assim. Prometo que te solto.
Leo abaixou a cabeça, considerando. Ao levantá-la, disse:
— Tudo bem. Ele me encontrou, era um cara grande, cabelo curto e pele escura. Disse ter um trabalho pra mim, aceitei. Era para ir a um motel, achei estranho, mas fui. Lá, apareceu e confessou estar interessado; falei não jogar pra esse time, o cara ignorou e partiu pra cima. Daí lutei e o derrotei, depois fugiu e nunca mais o vi.
Ramon ficou quieto, só olhando. Deu uma pequena risada, depois riu alto, até do nada, parar e bater as mãos na mesa com força.
— Acha que estou de brincadeira? Tô te dando uma chance, e você tá aí brincando!
Também batendo as mãos na mesa, Leo disse:
— Eu já disse na primeira vez e vou continuar dizendo todas às vezes, nunca vi esse cara!
— Talvez tenhamos de continuar tentando refrescar a sua memória. No dia da morte de Simon Cardoso, estava fora de casa; uma câmera local te pegou com sangue na roupa e ao mandarmos agentes para saber sobre sua vida, sabe o que descobriram?
— Sei lá, um cara normal dando um jeito de arrumar dinheiro?
— Descobrimos sobre seus “trabalhos”. Segurança de criminosos, cobrador de dívidas, mula de droga e, se precisarem, até mata por um preço. Diz a verdade, senão vamos continuar o nosso interrogatório.
Leonardo tremeu. Desde que chegou ali, nunca teve uma boa noite de sono, comida ou uso do banheiro, nada. Era mais um inferno, e considerando tudo já feito, estava perto.
Ramon saiu da sala irritado; foi para a do lado e entrou. Sua parceira o esperava, olhando Leo atrás de uma parede falsa, com pena.
— Ele é forte; se continuarmos, conseguimos dobrá-lo. — falou andando de um lado pro outro.
A expressão de Íris era de aborrecimento; por baixo dos seus olhos, olheiras grandes.
— Senhor, já fizemos demais; está claro que Leonardo não tem nenhum envolvimento com o assassino.
— Novata, esse garoto está envolvido com crimes de todos os tipos e saiu de casa coincidentemente na mesma noite da morte. Quem poderia ser?
— E quanto ao Santiago? Era o principal suspeito.
— Ainda é, mas tudo nele está bom, poucos antecedentes criminais, apenas incidentes pequenos. Sua casa é longe da cena do crime, e nem uma câmera o pegou. O pilantra é esperto. Ah, eu vou pegá-lo, só preciso que o amigo confesse.
— Já fizemos o suficiente! Nós literalmente torturamos um jovem! E nem sabemos se é realmente o culpado. Mal tenho conseguido dormir.
— Você não fez nada — falou, encarando-a de olhos frios e voz áspera — escondeu-se e chorou no canto; escolheu fechar os olhos.
Contraindo os músculos da mandíbula e os olhos irritados, saiu da sala, deixando Ramon pensando no que fazer para tornar a vida do jovem na outra sala pior.
***
Sentado na clareira, San mantinha os olhos fechados, concentrou sua essência em usar seu poder. Uma esfera se formou na palma de sua mão.
Dissipando a energia, tentou de novo; dessa vez, ao invés de abrir a mão completamente, ergueu o dedo indicador. Reunindo sua energia no dedo, e lentamente, uma pequena esfera formou-se na ponta.
Era volátil, várias vezes ondulando e querendo explodir. San se esforçou contê-la, contudo, dissipava sozinha ou quase saía do controle e ele a fazia sumir.
Mesmo desconhecendo a força do seu poder naquele estado, escolheu evaporá-la, talvez explodisse na sua cara.
Foram inúmeras tentativas, todas dando errado. Depois de duas horas, cheio de falhas e repetições, formou perfeitamente sua habilidade na ponta do dedo indicador, sem ondular ou querer sumir.
San abriu os olhos vermelhos e revelou um sorriso enorme. Depois de tantas tentativas e descanso mínimo, conseguiu. Concentrado ao máximo, olhou ao redor.
Sentado em um galho, um pássaro amarelo comia uma minhoca. Se preparando, ergueu o dedão, esperando ajudar na mira, e só deixou a energia sair.
Foi como uma bala, saiu tão veloz que só dava para ver o rastro azul por trás. Sem luz forte cegante ou recuo. Facilmente, acertou em cheio o pássaro, derrubando-o.
— Isso!! — ergueu os braços comemorando.
— O que acabou de fazer? — Sacro perguntou, mostrando pela primeira vez surpresa na voz.
— A meu amigo, só canalizei pro meu dedo e soltei.
— Explica direito, a forma.
— Lembra do tiroteio duas semanas atrás? Percebi o jeito das armas energéticas, se pareciam com meu poder, entretanto, tinham uma diferença enorme; seus tiros eram concentrados, iam longe e eram fortes.
— E inspirou-se nelas pra aplicar no seu poder.
— Exatamente. Antes, era igual a usar um canhão; depois de um tiro usando tudo de mim, precisaria recarregar para usar de novo. Agora, é uma arma ótima, independente da força ter diminuído, posso continuar por um tempo melhor, e a distância aumentou também.
— Impressionante, fez bem em pensar nisso.
O que Sacro não falou, por medo de inflar seu ego, era que a velocidade ao aprender a usar seu poder foi monstruosa. Pessoas normais demorariam meses descobrindo suas habilidades; San teve uma vantagem em saber qual era a sua, mesmo assim, surpreendente.
Em duas semanas, seu dono deu um salto enorme, aprendeu a canalizar sua essência rápido e corrigir seus erros. Por enquanto, a sua única desvantagem era ter de aprender a distribuir melhor a energia aos tiros. Mas isso era questão de dias.
Na última semana, pegou boas presas, pois as pessoas tinham medo de entrar nas florestas, ficando assim livre de competição. O ruim foi ir fundo da floresta caçar, já que inúmeros animais foram espantados por causa do pequeno exército invasor.
Pelo menos deu tudo certo; sem a besta, voltou a usar suas facas, conseguiu um bom lucro. Raramente achava monstros nas redondezas, e se, mudava o local.
Ao não caçar, ficava junto às gurias as distraindo do irmão, ou de Sarah, que raramente saía de casa, devido ao medo.
Por conta de Sarah, combinavam de se verem quando a irmã saía, conseguindo evitar se encontrarem de novo. O bar continuava fechado, apesar disso, as coisas voltavam ao normal pouco a pouco.
Na manhã de segunda, caminhando na rua do bairro mediano depois de levar as garotas à escola. As ruas começavam lentamente a encher de novo.
Caminhando por um bom tempo, chegou onde pretendia estar, um prédio grande; policiais saíam e entravam toda hora, às vezes segurando homens algemados, às vezes simplesmente com uma caixa de rosquinhas nas mãos.
Passando a porta, viu a sala espaçosa, bancos cheios se espalhavam com pessoas sentadas esperando. Indo até o balcão, esperou alguns minutos na fila.
Chegando sua vez, o policial, de cara já emburrada, piorou.
— Olá, posso ajudar? — falou numa voz desanimada.
— Deve imaginar, quero falar com Leonardo Avalon.
Mexeu no computador, como se realmente estivesse procurando algo, e falou:
— Me desculpe, está em um interrogatório.
— Só pode tá me zoando, é a quinta vez vindo aqui, e coincidentemente, está sempre sendo interrogado.
— Cara, eu sei lá, só tá escrito aqui e tô repassando.
— Então quero falar com quem manda aqui ou Ramon.
— Infelizmente, os dois estão ocupados no momento.
Assegurando-se para não bater na mesa ou no homem, saiu de lá, falando:
— Valeu, por nada.
Saindo do prédio, colocou as mãos no rosto; queria gritar ou bater em quem visse à frente, no entanto, seria inútil. Já era a quinta vez indo à delegacia, nunca nem soube do amigo.
Caminhando nas ruas, chutava uma pedrinha para distrair a mente. Até o relógio vibrar, sinalizando uma mensagem.
Vendo o número desconhecido, ficou pálido ao ler e cerrou o punho. A mensagem dizia: “Venha à loja de penhores no limite do bairro médio, a loja é chamativa, vai saber qual é. Sei o que fez naquela noite.”
Seria um eufemismo dizer que a mensagem pegou San de surpresa; poderia ser muitas coisas, mas podia apostar ser de Simon.
Sem perder tempo, foi em direção aos limites do bairro médio. Era fácil achar a certa. Na vitrine, exibia-se móveis antigos, peças de ferramentas e quadros. Na frente deles, havia um bicho de plástico; seu corpo era fino, uma cabeça grande para o corpo, de cor verde e olhos escuros enormes.
“Ótimo, um maluco.” Abrindo a porta, um sininho pendurado acima dela fez um som ecoar pelo lugar.
Por ninguém o atender, andou ao redor. Estava uma bagunça, tralhas jogadas nos cantos, móveis rasgados revelando o preço de quanto custavam, e tranqueiras espalhadas.
Ao virar para a estante, os pelos do seu corpo ficaram arrepiados. “Na primeira vez é acidente, na segunda é coincidência e na terceira tem lance errado aí. Esse arrepio tá estranho, tenho uma teoria do que é; dessa vez será a confirmação.”
Passando as prateleiras, parou em uma jarra com vários olhos em um líquido; virados na sua direção, o olhando, e um piscou.
Imediatamente, afastou-se e concentrou sua essência no dedo. Antes de atirar, um homem saiu de trás rindo de mãos levantadas.
— Opa, opa, sou humano, tá legal?
Liberando a essência, San encarou o homem. Era alto, tinha um corpo esquelético e jovem. Um cabelo escuro que por pouco não cobria os olhos e uma barbicha no queixo. Usava uma camisa roxa, calças azuis e tênis com várias listras de arco-íris.
“Tá legal, o cara é estranho.”
— Prazer, sou Floki. — falou, estendendo a mão.
Hesitante, apertou a sua mão; quando queria soltar, o homem falou:
— Nossa! Por algum motivo eu imaginava a mão do devorador de almas júnior mais macia.
Forçando-se a soltar, olhou incrédulo o homem à sua frente, com um sorriso no rosto. Tentando se recuperar da surpresa, falou:
— Por que acha que sou o devorador de almas?
— Ora, matou o Simon, e devo dizer, mereceu, era um mimadinho.
Estando realmente nervoso, San tentou agir calmo; porém deu errado, suava frio. “Ele sabe de mim, tá acabado, vou ser preso e morto. Espera, por que me chamou aqui? Se acha que matei o Simon, convidar o assassino é uma péssima ideia.”
Floki, vendo o jeito que deixou o convidado, logo falou:
— Ah, caramba! Me desculpa por soltar assim, sou meio ansioso e tava animado.
— O que quer?
— Direto ao ponto, legal. Primeiro, fica tranquilo, tá rígido, parece nervoso, é, eu também estaria assim se descobrissem que sou um assassino em série.
— Está enganado, não sou ele.
Se aproximando bastante, Floki analisou de perto San.
— Eu disse Junior. Duvido ele ser tão jovem e que vomite depois de matar alguém.
— Você viu?
— Claro, adoro dar umas caminhadas noturnas, vejo coisas interessantes.
— Me chamou aqui pra?
— Primeiro, recomende minha loja aos amigos, estou com falta de clientes ultimamente e preciso de dinheiro como todo mundo. Segundo, se torne meu escravo. — Sua voz se tornando séria.
San já estava preparado, em segundos, mesmo ainda aprendendo a usar a habilidade, nessa distância conseguia acertar um tiro na cabeça do cara.
— Há! Minha atuação foi boa? Qual é, acho escravidão horrível, claro, depende do tipo, he he. Faça um trabalho pra mim.
— Qual?
— Bem simples, vá até aquele mato infernal fora dos muros, se esgueire em buracos e trepadeiras e ache umas plantinhas pra mim.
— Quer que eu pegue plantas?
— Não qualquer uma, é especial.
— Claro, especial. Tive uma ideia melhor, podemos resolver isso agora.
— Sim, ia ser divertido saber o que consegue fazer, mas realmente quero as minhas plantinhas, e te achei divertido. Se os caçadores de mutantes te pegarem, ia ser chato.
— Tá me ameaçando, então acha que conseguiria me enfrentar?
— Duvido, porém, fugir sim. Alerta de spoiler, sou um mutante também, um do tipo que é muito bom com fugas.
Pensando no seu seguinte passo, San considerou inúmeros cenários, alguns conseguem acertar e o matar, outros o imobilizar. No entanto, todos têm um problema, a imprevisibilidade da sua habilidade, pode ser qualquer uma.
“Pelo menos tenho certeza, se um mutante estiver perto de mim, consigo sentir. Outra questão é, o cara é confiável? Qual a garantia que depois não vou ser denunciado? Por enquanto o melhor é descobrir sobre seus planos.
— Tá legal, pego as suas plantas.
— Iupi!! — Gritou dando saltos e batendo palmas.
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