Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 1

Capítulo 43: Tudo Sempre dá Errado

No escritório de sua casa, Eugene bebia vinho em sua taça com detalhes de ouro gravados. Na sua frente, sentada em uma cadeira, Clarisse, a mutante que ajudou a sequestrar San, esperava.

Ao encará-la de cima a baixo, percebeu estar tremendo, evitando contato visual e suando bastante. O único pensamento de Eugene era: “Tanto poder e força guardados nesse corpo, e ela treme de medo, haha, melhor pra mim, idiota.”

Limpando a garganta, falou:

— Fala.

— S-senhor, sei ser uma hora ruim. Me perdoe, só queria perguntar se minha dívida está paga.

Substituindo a expressão calma em raiva, Eugene a observou irritado.

— Espero que seja uma brincadeira.

— B-bem, completei todas as missões até agora perfeitamente.

— Verdade, no entanto, falta muito.

Baixando os ombros derrotada, mordeu o lábio inferior e falou:

— Pode me dar outra missão?

— Nesse momento, seus serviços são desnecessários. Claro, se tiver tão desesperada assim por dinheiro, posso ajudar.

— Sério? Eu imploro, ajudaria minha família. — Pela primeira vez, abriu um sorriso.

Revelando um sorriso de escárnio, falou em uma voz tranquilizadora:

— Claro, o trabalho é simples. Tenho homens estressados ultimamente; se os acalmar, ganha uma boa quantia de dinheiro.

Entendendo o que estava sugerindo, tremeu de medo. Eugene riu um pouco e disse:

— Se não quiser, suma daqui e vá arrumar um trabalho ou espere uma missão. Quero meu dinheiro de qualquer jeito.

Saindo da sala, um homem entrou, o guarda-costas careca de sempre.

— Senhor, sugiro viajar, o perigo está vindo.

— Já sei, faça os preparativos, vai demorar para voltarmos.

***

Na biblioteca de sua casa, Sonea sentava em frente à lareira apagada, lendo um livro de artes marciais, sorrindo.

Batendo de leve na porta, um homem idoso, de cabelos brancos, fraco, entrou.

— Minha senhora, essa cidade é um perigo. Deveríamos viajar novamente; tem tempo.

Fechando o livro, o encarou num sorriso gentil.

— Posso o mandar num bom lugar, mas coisas interessantes acontecerão e pretendo ficar.

Suspirando, o empregado já esperava isso.

— Enquanto minha senhora estiver aqui, eu também irei.

***

A mensagem era clara: sair da cidade antes de o caos iniciar. O problema é o custo. Quando pessoas querem mudar de cidade, devem ir a pé até um dos pontos seguros do exército no caminho, ou pagar por um carro, é caro e eficiente.

Poderiam ir de trem, no entanto, Veridiam era isolada demais, e nenhuma estação quis construir um metrô; assim, as opções eram limitadas.

Lendo e relendo a carta, San considerou deixar a cidade. De um lado, queria ficar e ver se daria certo o plano do amigo; no outro, só se imaginava em uma rua livre do perigo e às garotas perto, aproveitando o dia.

— O que é? — Perguntou Emile curiosa.

Escondendo a carta imediatamente, abriu um sorriso nervoso e disse:

— Nada.

Ao encará-lo com aqueles olhos interrogativos de criança, sabia estar mentindo, no fim, correu na casa, gritando:

— San tem uma admiradora, ganhou uma cartinha.

Após uma correria e gritos, a acalmou, comeram e dormiram. San, sentado no sofá, pensava seriamente em sua decisão, decidindo.

Comparou os prós e contras, dando desculpas e considerando. No fim, decidiu-se; iria embora da cidade, preferindo ser apenas um espectador dessa vez. “Leo fez sua escolha, quer arriscar a vida, a vontade.”

Os restantes dos dias foram tranquilos. Sem dinheiro, permaneceu em casa, manter-se no ápice. Ainda assim, treinou o máximo possível.

De manhã, usava sua telecinese; planejava ganhar um controle e usar nas lutas. Começou usando o controle da TV, o fazendo ser jogado nas paredes várias vezes. Porém, tentando em objetos maiores, voavam aleatoriamente.

Ao menos, seus treinamentos tornavam melhores, seja por experiência de mover um tiro de energia no ar quanto o seu talento, já via um controle melhor.

Passando do meio-dia, treinava a dança da serpente, repetindo os golpes e revisando. Já concordava estar em um bom nível; só restava experiência. Enquanto treinava, sentia sobrar uma parte, como se o livro estivesse incompleto.

Essa rotina continuou nos cinco dias. No último, as suspeitas de San só aumentavam. Durante essa espera, Leo não apareceu nem uma vez e ignorava as mensagens recebidas.

Nem sabendo se tinha tempo o suficiente, decidiu confrontar o amigo. Voltando à rua, percorreu as ruas gravadas na sua cabeça, indo nos mesmos becos.

Enquanto caminhava, viu a diferença. Pedestres eram quase nulos, lojas fechadas e uma tensão palpável no ar.

No galpão, pôde ver os guardas, usavam máscaras no rosto. Dando apenas alguns passos, foi parado por armas apontadas na sua cara.

Um deles, de uma máscara branca e lágrima caindo de um dos buracos, o analisou de cima a baixo, procurando armas ou perigo. Tudo certo, falou:

— Tá aqui por quê?

— Vim ver um amigo.

Ouvindo isso, estranharam, até suspeitaram da pessoa à sua frente ser maluca. Quem iria entrar em um prédio cheio de gente armada assim, completamente indefeso.

— Volta depois. — O homem respondeu ficando irritado.

— Mal aí, contudo, vai tá uma bagunça. Chama o Leo aqui.

O homem, já irritado, tinha uma vontade de dar um fim no cara à sua frente e voltar a jogar cartas. No entanto, a menção do nome Leo o deixou curioso.

— Disse ser amigo? Posso chamar, se for mentira, morre.

— Tá, tá, esse tipo de ameaça é clássica e velha, ouvi inúmeras vezes, vai logo.

Entrou no armazém e deixou San com armas apontadas nele. Vendo o cano na sua cara, pensou: “Será que consigo parar uma bala? Nem, devo melhorar meu poder, talvez um dia eu experimente. Por enquanto, só abaixa o rosto.”

Minutos passaram e o homem voltou acompanhado, porém, ao invés de Leo, era Laurem. Exibia um sorriso presunçoso, roupas curtas devido ao calor e carregava uma espada nas costas. Ao surgir, baixaram as armas.

— Zumbi, veio fazer o quê?

“Eu juro, um dia vou achar o culpado desse apelido.”

— O cara ao seu lado esqueceu de falar? Vim ver o Leo.

— Me disse, mas o nosso amigo está ocupado no momento.

— Tá legal, então diz que se ele quer que eu faça o pedido, preciso de dinheiro.

— Ah! Havia me esquecido, vai embora da cidade.

— Sabe disso?

— Eu e o Leo somos bons amigos, compartilhamos muito entre nós.

Perdendo a paciência, San deu um passo em frente, aproximando bastante de Laurem. No mesmo instante, apontaram as armas novamente.

— Eu to cansado, chama ele.

— Parece confiante, garante contra balas?

— Sou um mutante, consigo matar esses seus lacaios e entrar se quiser.

— Gostaria de ver, entretanto, estamos nos preparando agora. Vou te dizer, seu amigo esqueceu, vai ter de ganhar dinheiro de uma forma diferente.

— Espera que eu acredite?

— Tanto faz, some, ou vamos ver o mais forte entre nós. Dessa vez, vai ser sério.

Ao encará-la, mentiria se dissesse estar confiante em ganhar no mano a mano; para piorar, podia tomar um tiro facilmente.

Virou-se afastando.

— Decisão inteligente.

A passos apressados, voltou a sua casa. Abrindo a conta bancária, viu ter setecentos créditos, ainda faltava para uma passagem fora da cidade. Nem considerou caminhar, seria arriscado.

De um lado ao outro, pensava: “Sem dinheiro, já era. Preciso arrumar um local seguro. Onde será que vai acontecer? Qual a área livre de perigos? Caraca! Pensa.”

Parando do nada, uma ideia passou na sua cabeça. Chamou Emma e Emile e disse para se ajeitarem, iam sair; confusas, fizeram. Andando na rua e Garmir atrás, chegaram.

— Loja de penhores? — Emma falou.

— Um amigo é dono. Se mudou e quero que fiquem aqui.

— Por quê? — Emile perguntou enquanto olhava pela vitrine.

Livre de ter uma boa desculpa, teve de fazer algo que doeu o coração.

— Tenho uma oferta, limpem, e pago quarenta créditos pra cada.

As duas animaram imediatamente, apenas limpar uma loja e ganhariam dinheiro.

— Mas tem que limpar tudo. Tenderam?

Balançando a cabeça, entraram animadas. Antes de despedir, avisou para trancarem a porta e, se outra pessoa além dele aparecesse, era para expulsar e, qualquer coisa, ligar. Agachando-se, a Garmir, falou:

— Meu amigo, uma missão pra ti, super importante. Fique de olho nas garotas.

Latindo animado, sentiu a confiança do parceiro. Sabia estarem em boas patas. Voltando à sua casa, equipou-se. Pôs a armadura completa, o manto, embainhou a cimitarra e a faca na bota. Hesitando por um momento, empurrou a passagem secreta do guarda-roupa, pegou a máscara macabra e deixou dentro da roupa.

Percorrendo as ruas, procurava descobrir onde seria, durante uma hora, e nada.

Sentado nas escadas de uma loja fechada, decidiu esperar. Quando acontecesse, saberia.

— Ei, Sacro, eu tava pensando na oferta de Eugene.

— Pretende aceitar?

— É tentador, porém, o que me incomoda é o item. Tem ideia do que consegue energizar uma cidade inteira?

— É complicado, se existir, é extremamente perigoso.

— E vale a pena?

— Ele tá determinado, irá tentar o convencer. Na minha opinião, se aceitar, tire toda a vantagem que puder.

— O curioso é por que eu? Tem tanta gente mais leal e me escolheu.

— Deve ter um motivo.

Deixando esse assunto de lado, San falou:

— O Garmir tá crescendo, mudando, consigo sentir a diferença.

— Normal, a sua conexão juntos inclui emoções, e você é o fator decisivo, se tiver feliz, o familiar será também, se a raiva o dominar sempre, o mesmo acontecerá. Garmir será uma extensão de si.

Assentindo, San preocupou-se um pouco. O cão do inferno seria a canalização dos seus sentimentos e desejos; o medo era estragar o familiar, o tornar ruim.

Prestes dos pensamentos tomarem conta, sirenes altas ecoaram, indo em uma direção. Correndo, tentou perseguir o rastro.

Foi fácil; carros passavam nas ruas e sirenes mantinham ligadas. Escondido no beco, San olhava.

No meio da rua, formou-se uma fila de carros e policiais, usando coletes e as viaturas de proteção. Do outro lado, Salvadores a céu aberto, suas máscaras estranhas exibidas orgulhosamente.

O chefe dos policiais deu um passo à frente e falou alto:

— Abaixem as armas e ninguém morrerá, não é necessário brigar.

Leo, com uma máscara colorida de palhaço, falou:

— Sim, precisamos. Estamos fazendo justiça.

— Matar é justiça, meu jovem? Sabe quantos homens bons têm aqui?

— Não, mas sei que tem muitos ruins. Vamos acabar hoje.

— Certo, está decidido. Saiba que a decisão é sua.

Os dois lados de arma em mão, esperando o primeiro tiro. Hesitando, Leo pensou. Seus soldados atrás só esperando.

— Podemos negociar. — falou aos parceiros.

— Como assim? — Perguntou uma mulher tendo o rosto tampado numa máscara de lobo, só a voz podia identificar ser Laurem.

— Eles estão com medo; se quisermos, podemos dizer para nos darem o bairro pobre, ficarmos independentes. Evitaria o banho de sangue.

Todos tavam quietos, uns até concordando; lutar até a morte era extremo, se tivesse uma forma de impedir, seria perfeito.

Sequer dando tempo de mudar de ideia, Laurem foi ao seu lado, aproximando e dizendo:

— Leo, meu querido, estão mentindo; seremos traídos ao abaixarmos a guarda.

— Talvez tenha um jeito.

— Estou falando sério, é arriscado. Um erro, e você terá o sangue dos seus parceiros na mão. Quer isso?

— …Pode tá certa.

— Claro que estou, quando eu erro?

— É, vamos dar início.

San, incapaz de escutar, achou estranho. Os policiais permaneciam parados, sem mover um dedo, como se estivessem esperando.

Leo apontou sua arma, uma grande e forte, e gritou:

— Fogo!!

Explosões aleatórias, gritos desesperados e sangue voando. San virou o rosto, recusando a ver a cena. No entanto, após o primeiro tiro, nenhum veio depois.

Focando seu olhar, viu a verdade. O som de explosão vinha das armas explodindo nas mãos dos Salvadores. Todos que apertaram o gatilho receberam uma explosão direta.

“Tão modificadas.” San procurou nervosamente o amigo; o vendo, tranquilizou-se um pouco. Havia gente praticamente caindo os braços, por Leo ser um mutante, reduziu o ferimento, contudo, o sangue pingava continuamente, sendo capaz de ver uma parte do osso.

Saindo do meio, Laurem chegou na rua, tirou sua máscara e começou a rir, em alto e bom som. Os policiais fizeram igual, até ao ponto de chorar.

Leo, de rosto revelado, olhou incrédulo; foi traído pela garota que gostava, tudo uma mentira, o dinheiro, apoio, afeto, um truque.

— Por quê?! — gritou de raiva.

— Ah, meu amor. Nunca se perguntou de onde vem o dinheiro? Idiota, por sua causa, terei o passe livre pra academia. Foi realmente engraçado ver você achar que tinha chance comigo.

San já preparou, a mão no cabo e essência circulando o corpo, procurando uma oportunidade de salvar o amigo.

O líder dos tiras falou aos Salvadores:

— Se um correr, toma bala.

Ninguém tentou nada, sabiam estar ferrados, talvez até morrer da perda de sangue. Quando foram se mover com algemas preparadas, uma sirene ecoou.

Pegos de surpresa, ambos os grupos paralisaram; na verdade, a cidade inteira teve uma reação semelhante.

A sirene não era de polícia ou ambulância, era bem pior, conheciam instintivamente, um medo cultivado há anos. O sinal da cidade sendo atacada por monstros.

O sangue de San gelou, podia negar, dizer a si mesmo ser outra coisa, mas sabia, não era um ataque normal, e sim o pior já sofrido.



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