Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 12: Uma nova chance e o inexplorado

Sua visão ainda estava bem turva, ainda não conseguia assimilar o que tinha acontecido. Sentia dor, muita dor, estava confuso. Não sabia como, mas estava vivo. Vladmyr tentava se recompor e avaliar melhor a situação. Aparentemente não ficou muito tempo desacordado, era o que ele acreditava.

“Ai... Que droga!”

Enquanto tentava ajustar seus pensamentos, se deu conta que Lenna também havia caído com ele, estava ali desacordada em cima dele. O que o fez congelar sem reação, sem acreditar em como tudo aquilo aconteceu tão rápido.

Precisava avaliar se ela estava bem, acordá-la para ver a extensão de seus danos, mas estava com medo de movê-la e acabar agravando algum ferimento. Então calmamente afastou seus longos cabelos ruivos para ver melhor seu rosto. Ela ainda respirava, sua pele macia e quente sobre a dele e o leve inflar de seus pulmões o deixava agitado. Foi só aí que ele se deu conta que, sem perceber, tocava com certa curiosidade, aquelas orelhas felinas e felpudas.

Por nunca ter tido contato antes com nenhum transmorfo, ainda mais uma mulher, não ao menos tão de perto, estava desconcertado, aquela cena o deixava atraído.

“Que isso cara, se controla!” Vladmyr tentava focar no que era importante naquele momento.

Ela estava bem, com várias escoriações, mas aparentemente bem, isso o tranquilizava. Seu corpo era leve, de uma aparência delicada, como era de se esperar de qualquer garota que viveu a maior parte de sua vida dentro dos muros de Manshur. Tirando as caretas e gritos que ele estava acostumado a ouvir por parte dela, aquela cena lhe trazia à tona, talvez, um novo jeito de encarar as coisas.

Vladmyr estava perdido em seus pensamentos, seu olhar era afetuoso e por um breve momento, ele esqueceu o motivo que o fez estar ali. Entretanto, todos esses sentimentos foram substituídos por apreensão, quando percebeu que algo estava próximo a eles. Era algo intenso, uma sensação angustiante tomava seu peito. Então, rapidamente, tentou se levantar e ao mesmo tempo despertar Lenna. Seu corpo, ainda muito dolorido, não ajudava, além de estar sem jeito para levantá-la sem movê-la bruscamente.

Com cuidado tentou colocá-la ao seu lado o mais rápido possível, durante esse movimento, ela lentamente acordava. Atordoada pela grande queda, ao abrir os olhos se deparou com a cena de Vladmyr envolvendo-a com os braços e tão próximo que sentia o calor de sua respiração em seu rosto. Quando ele se deu conta que ela já havia despertado ficou sem reação, seu coração estava acelerado, não sabia como explicar aquela situação sem parecer outra coisa. Constrangido, acabou a soltando bruscamente, apesar de estar próxima ao chão, seu corpo também estava dolorido e sofreu com a pancada.

— Ai, seu idiota! — Ela, por reação, acabou xingando em voz alta.

Era uma mistura de sentimentos, estava ao mesmo tempo irritada e sem graça com a atitude dele, até ele largá-la do nada. Ela se levantou rapidamente para continuar sua “conversa”, mas ainda não tinha se dado conta do perigo que podia estar ao redor.

— Você precisa parar de falar! — Ele a pegou pelos braços e a colocou contra a parede se posicionando em sua frente, tentando, da forma dele, acalmá-la para que compreendesse a situação e ao mesmo tempo sem expor mais ainda sua posição.

— Mas o quê...!? — Lenna foi interrompida por Vladmyr ao tampar sua boca com a mão.

Era um contraste de emoções, a tensão de algo se aproximando e o calor do corpo de uma mulher tão próximo ao dele o deixava ainda mais desconcertado. Por mais que odiasse admitir, ela era linda, mesmo diante de toda aquela situação, era impossível negar a atração.

Finalmente ela se deu conta do real motivo de tanta preocupação. Aterrorizada, seu rosto transmitia uma cor pálida ao perceber o que havia atrás de Vladmyr, confirmando o que ele temia, não estavam sozinhos!

Aquela cena, fez Lenna se encolher nos braços de Vladmyr, o que o deixou surpreso. Ela o segurava tão forte que dava para sentir seu corpo tremer, sua respiração estava ofegante. Ele então inclinou sua cabeça para trás e virou o rosto, para tentar ver o que era. Realmente era assustador, não havia palavras que definissem bem a cena, eram pessoas, ou melhor, vestígios do já foram.

— Almas? — Ele não conseguia definir.

Desfigurados, faltando pedaços, outros como se tivessem morrido de fome e só sobrado pele e ossos. Imagens translúcidas, que emanavam um tipo de brilho estranho reagente com a luz dos cristais. Inúmeros. Vagando aparentemente sem destino no grande salão da caverna. Vinham de todos os lados. Sem rumo, alguns se aproximavam das paredes e depois, simplesmente, sumiam como se nunca tivessem existido. A cena era algo inacreditável. Não pareciam hostis, na realidade, pareciam ignorar a presença dos dois no local.

Sem saber se esses seres seriam problema, Vladmyr tentava acalmar Lenna, que já estava deixando-o sem ar de tanto o apertar. Ela estava com tanto medo que mal reparou no que fazia. Era incrível como ele ainda não tinha nenhuma empatia por ela, mesmo em uma situação em que ela, claramente, estava exposta.

— Ei mascote, deixe de ser medrosa. Está me deixando sem ar, literalmente. Pode abrir os olhos e me soltar. Não são perigosos — com um tom de deboche quase que natural, Vladmyr disse sem hesitar.

Isso trouxe à tona, memórias que Lenna queria apenas esquecer. Lembranças de quando estavam na luta contra o golem. Essa sensação de desconfiança fez com que, mesmo com medo, ela o soltasse de forma brusca, ficando emburrada e envergonhada por estar tão próxima a ele e de forma tão vulnerável, de novo.

— Meu nome é Lenna! Não é coisa, nem mascote nem outro apelido ridículo que você queria colocar em mim! — Irritada, enquanto falava ela apontava o dedo na cara dele.

— Ahhh... ok, ok! — Ele tentava desconversar, mas sem sucesso.

— Se não vai com a minha cara, ok, mas ao menos me trate como uma integrante do grupo. Tente deixar esse orgulho de lado durante a missão, antes que alguém acabe morrendo! — Ela esbravejava com sua voz trêmula, ainda com medo da cena que via.

Ela claramente se segurava para deixar de depender de Vladmyr para a proteger. Tais palavras também trouxeram à tona lembranças que ele tentava esquecer. Não que se orgulhasse antes de suas atitudes com ela, mas depois de ouvir tudo aquilo de Cázhor, começou a sentir-se mal desde então, porém ainda era impossível para ele evitar esse tipo de atitude.

Nesse momento, em sua cabeça, se passavam várias coisas que poderia dizer. Ele se inclinou em sua direção, pressionando-a contra a grande parede de rochas e ignorando a hesitação em ficar perto dela, ficou um breve momento em silêncio. Ela ainda tremia de medo.

— Estou tentando! — Foi o que ele conseguiu dizer, mesmo não sendo muito convincente, nesse momento foi suficiente para ela se acalmar.

O clima entre eles já estava bem estranho devido a toda a situação. Quando menos se esperava, um estrondo fez tremer toda aquela parte da caverna. Parecia não ter sido muito próximo, porém, forte o suficiente para chegar até eles. Após o estranho tremor, um som de correntes se arrastando ecoava por toda a parte.

Nessa altura da jornada, passavam muitas ideias na mente de ambos, e nenhuma parecia excitante de se imaginar. De onde estavam não era possível ver muito mais a frente. Precisavam seguir adiante, além disso, tinham que se encontrar o quanto antes com o restante do grupo.

Depois de todos os acontecimentos, ainda estavam muito próximos. Por mais que odiasse admitir, Vladmyr aparentemente tinha razão, eram inofensivos. Mas a presença das criaturas, ainda a fazia ter calafrios

Vladmyr por instinto, levou sua mão às costas para desembainhar sua espada, que para sua surpresa, não estava ali. Provavelmente na queda, deve ter saído da bainha. Em um local tão grande e desconhecido, talvez demorasse muito para achá-la. Não poderia se dar ao luxo de se dedicar a essa procura no momento, porém não teria com o que os defender caso necessário.

— É... não vai ter jeito, precisamos achar minha espada.

— Como é? Você a perdeu?

— Não é como se eu tivesse feito de propósito, sabia? Se lembra que caímos de um penhasco? — Ele tentava disfarçar que não estava sem jeito com aquela situação.

Após algum tempo de procura sem sucesso, já estavam desistindo. A chance de achá-la era cada vez mais remota, poderia estar em qualquer lugar. Lenna estava desesperançosa, quando percebeu um pequeno brilho, diferente dos cristais da caverna. Indicou a direção a Vladmyr, que com muito esforço conseguiu reparar o pequeno brilho, era sua espada.

“Impressionante a facilidade que ela enxerga a tamanha distância, realmente a visão dos transmorfos é incrível!”

Enquanto traçavam o melhor caminho para alcançar a espada, foram surpreendidos novamente com o som de correntes se propagando até eles. Houve momentos em que a caverna parecia tremer, isso os preocupava, seja lá o que fosse tudo indicava que era grande, muito grande.

Com receio do que poderiam encontrar à frente, Vladmyr, rapidamente, se pôs a escalar para recuperar sua espada.

— Me espere aqui e fique de olho. Qualquer movimento suspeito me informe imediatamente.

— Tome cuidado! — ela disse baixinho. Mesmo ainda perto, Vladmyr teve dificuldade para ouvir.

Claramente ainda não se sentia confortável em ter qualquer tipo de conversa com ele, ainda mais depois de toda a cena que tiveram antes, mas aparentemente estava disposta a tentar. Após essas palavras ele, que já estava subindo, deu uma breve parada, como se pensasse em fazer algo, mas acabou voltando a sua escalada se limitando apenas a um leve sorriso sem que ela pudesse ver.

Vladmyr agilmente escalava com maestria, em pouco tempo já estava bem próximo a espada. Estava encravada e acima dela, um enorme rasgo na parede. Aos poucos, ele se lembrava de como aconteceu, que a usou para desacelerar a queda enquanto só podia observar a borda do penhasco desaparecer. Observando com mais calma, concluiu que, devido ao formato íngreme, seria impossível voltar por ali.

Suas memórias voltavam aos poucos. Momentos após serem derrubados ele agarrou fortemente Lenna em seus braços na tentativa de minimizar os danos da queda. Em algum momento, ela provavelmente bateu forte em algo e acabou desmaiando.

“Agora ela está segura.” Estranhamente, era só o que se passava em sua mente.

Finalmente ele alcançou sua espada. Estava profundamente encravada. Precisaria de muita força para retirá-la dali. O que complicou bastante a situação, uma vez que não tinha uma posição confortável para puxá-la. Se colocou de frente para o paredão e apoiou cada pé em uma pequena borda, suficiente para tentar manter o equilíbrio, enquanto tentava arrancá-la.

Uma estranha sensação veio subitamente. O barulho de correntes se arrastando persistia, seguido de um grande tremor em toda a caverna. A cada vibração a tensão aumentava, aos poucos as pedras se desprendiam. A qualquer momento, um grande desmoronamento podia ocorrer.

Vladmyr estava em uma posição desfavorável, quando foi surpreendido por um deslizamento. A rocha onde se apoiava se desfez sob seus pés o que o fez perder o equilíbrio. Não havia onde se apoiar, foi pego de surpresa. Sua espada ainda estava encravada e dessa vez era impossível usá-la. Tudo que se passava em sua cabeça naquele momento, era se sairia ileso dessa vez também. Em uma tentativa frustrante tentou se agarrar ao cabo da espada, mas o que conseguiu foi apenas resvalar de leve com as pontas dos dedos. Sem apoio, seu corpo parecia flutuar antes de pesar em direção ao chão.

A sensação de desespero foi interrompida de forma abrupta pelo sentimento de surpresa quando sentiu um pequeno impacto em suas costas. Era improvável já ter chego ao chão, também não havia nenhuma pedra no caminho quando subiu, que fosse grande o suficiente, para apará-lo no caminho da queda. Ainda em choque, não entendia o que havia acontecido ali.

— Mas o que... — Ele despertou de seu transe, quando pequenos pedaços de pedra caíram sobre ele enquanto tinha a vista do grande breu acima.

Ainda estava suspenso, virou lentamente sua cabeça para olhar para baixo, na tentativa de entender o que tinha acontecido. Lenna havia projetado uma espécie de barreira inversa, ao invés de repelir um ataque, ela simplesmente o barrava, o que serviu de sustentação para ele. Devido ao susto, Vladmyr respirava fundo, sentia como se seu coração fosse sair pela boca.

— Obrigado! — ele disse depois de uma breve pausa, num tom de alívio.

Dessa vez sem sarcasmo, de fato ele estava agradecido. Parecia que por alguns instantes havia esquecido qualquer desavença que tinha com Lenna.

— Hump! — Ela apenas sorriu.

Com maior cuidado, ele se levantou e aproveitou da base da barreira como apoio para finalmente arrancar a espada.

Juntos novamente, tinham de encontrar o restante do grupo e continuar a missão. Mas ainda havia algo que os incomodava muito, de onde vinha aquele barulho? O que poderia estar o causando?

— Ei, você reparou também que a quantidade dessas almas aumentou depois que começaram esses sons e tremores?

— Eu não tinha reparado, mas agora que você comentou...

Fora a visão incomum, algo mais parecia incomodar, o estranho fato desses espíritos estarem com feições aflitas, como se fugissem de alguma coisa. Todos vinham da mesma direção, a contrária aos sons. A situação piorou ainda mais, quando Lenna confirmou que o amuleto os levava justamente na mesma direção da qual essas coisas tentavam se afastar.



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