Magna Ordem Brasileira

Autor(a): Tomas Rohga


Volume 1

Capítulo 13: Exploração - parte 1

Junto aos integrantes da Primeira Turma de Recrutas, Thales observava os detalhes à sua volta.

Estava numa clareira cercada por árvores retorcidas e em frente a um paredão rochoso que deduzia conter uma caverna, apesar de sua entrada estranhamente ocultada por uma aura luminosa, impedindo-o de enxergar o seu interior. Por qualquer que fosse o motivo, ele se lembrou da concepção de um espelho mágico.

Entrementes, seu grupo de exploração se distribuía pelas proximidades, formado por sua amiga Ellin trazendo o Cajado do Dragão Hiperacelerado; Ayane d’Artamis, a jovem asiática embainhando um tipo de katana; Caleb Ilukke, o garoto franzino e de óculos segurando um pequeno escudo losangolar e uma garota chamada Maya Arcângelo — Classe Corcel, cabelo curto e louro e um sorriso sarcástico enquanto testava a elasticidade de seu arco —, que entrara na equipe a convite de Caleb. Com isso, a equipe agora possuía 21 pontos, mais que o suficiente para adentrarem na dungeon.

— Belacruz? — chamou a instrutora.

O rapaz se voltou até a mulher, observando que Belonna rodopiava uma espécie de pingente na mão direita. O objeto possuía o formato de uma dog tag, mas parecia feito de vidro polido em vez de metal.

— Me chamou?

— Parece que arranjou um grupo bem interessante — comentou ela, entregando o pingente ao rapaz. — Esta é a sua Insígnia da Alma. Cuide bem dela daqui pra frente. É a prova que agora é uma peça da Magna Ordem.

Thales agradeceu, apanhou o colar e o vestiu no pescoço, notando que, praticamente no mesmo segundo, o objeto cintilou cor de ouro, além de surgir o número 12 em sua superfície ao lado de um pequeno símbolo que reconheceu como a representação de um Peão de Xadrez.

— Parece que o diretor Darius não errou uma vírgula sobre você — animou-se a mulher. — É a primeira vez que vejo uma insígnia dourada com esse símbolo. Um Peão graduado, é? Mais estranho que isso, só o fato de você estar no Elo 12. A Elevação deveria acontecer nos 40… Quantos mistérios cercam a sua pessoa, Thales Belacruz?

— V-vai saber, não é mesmo? — O jovem coçou atrás da orelha, sem graça.

Diante da reação, uma das sobrancelhas da mulher se levantou para ele, contudo, o olhar de Kalan Von Drakandor era ainda mais assustador, encarando Thales a vários metros de distância com o semblante gelado de fúria. Curiosa, Belonna se voltou para trás.

— Está preocupado com o senhor Drakandor?

— Não entendo… Como ele pode me odiar tanto se nem me conhece?

A mulher suspirou longamente.

— Não creio que seja algo pessoal; é contra a sua Classe. Vou lhe contar porque deu no jornal, então… — Ela fez uma pausa dramática. — A filha mais nova dos Von Drakandor foi assassinada por um Peão. Era a irmã de Kalan.

Thales arregalou as órbitas e sua mente estalou, recordando-se daquela notícia pouco antes de adentrar na loja dos irmãos Grawper. De repente, surgiu-lhe até mesmo o nome do assassino, um açougueiro:

— Karnas Willow…

Pow! A instrutora meteu um socão no estômago de Thales

— Quer que ele te mate aqui mesmo? — irritou-se ela, observando o recruta dobrar o corpo de dor. — A família Von Drakandor é uma das mais influentes do Império, por isso, senhor Peão, vou lhe passar dois conselhos se quiser sobreviver a essa dungeon. O primeiro: não comente sobre este caso. O segundo: não se afaste demais da sua equipe, entendeu?

— Sim, cof-cof, senhora.

— Vá se juntar a eles de uma vez. — Enxotou Belonna. — Preciso passar as últimas instruções para todos.

Meio aos tropeços, o rapaz acabou obedecendo.

— Você tá bem, Thales? — perguntou Ellin, percebendo que o amigo não tinha uma cara muito boa.

— Tá tudo ótimo… Só um pouco de dor de estômago.

Ellin, que girava o cajado um tanto desajeitada, desviou o olhar e corou, fitando os próprios pés.

— B-bem, de todo o modo, ainda não tive a chance de agradecer corretamente pelo presente. É um cajado bem poderoso, sabe? Você comprou na loja dos irmãos Grawper? Fiquei feliz de verdade. Muito obriga…

— Atenção, Recrutas! — O agradecimento de Ellin foi interrompido pela voz potente da instrutora Belonna, deixando a garota completamente rubra ao se dar conta de que Thales não escutara uma palavra. — As equipes ganharão pontos conforme a quantidade e dificuldade dos darkini que derrotarem. A contagem será feita mediante os cristais que me trouxerem, por isso recolham todos eles. Eu não estava brincando ao dizer que a equipe em último lugar será expulsa da academia. — De repente, ela ergueu uma pequena pedra translúcida na frente de todos. — Alguém sabe me explicar o que é isso?

Ellin ergueu o braço timidamente. — É um cristal de aviso.

— Muito bem, senhorita Olaster… Cada grupo receberá apenas um. A exploração durará três horas e, assim que o tempo acabar, o cristal de aviso brilhará de vermelho. Vocês devem retornar para entrada imediatamente quando isso acontecer. No mais, as regras se resumirão a apenas duas: não se enfiem demais para o interior da caverna e, principalmente, não enfrentem o guardião. Não é uma dungeon de grande dificuldade, mas o guardião está acima da capacidade atual de vocês.

— Sim, senhora! — os estudantes repetiram em uníssono.

— Muito bem… — Belonna distribuiu os cristais e bateu palmas. — Podem começar!

 

*******

 

Apesar de estar numa caverna, Thales notou que boa parte do corredor era iluminado por tochas fincadas às paredes maciças, criando um teatro de sombras que intimidariam qualquer sujeito. Também havia o cheiro podre do local, embora parecesse, num primeiro momento, que tudo estivesse vazio.

— O-onde estão os outros? — perguntou Caleb, olhando por cima do ombro.

— Deve ser um portal aleatório — sugeriu Ellin. — Provavelmente mandou cada equipe para um canto da dungeon.

Maya, a garota do arco e flecha, estalou a língua e sorriu, comentando com vivacidade:

— De qualquer forma, só precisamos ter cuidado. A caverna deve estar repleta de armadilhas e inimigos. Como estamos em formação clássica, seria uma boa avançarmos em “Ponta de Escudo”, que acham?

— Ponta de Escudo? — indagou Thales.

— Torre na frente seguido pela Rainha — explicou Ellin. — Bispo e Corcel pelos flancos. Caiu no exame escrito, não se lembra?

— Ah! É-é verdade. Lembrei agora he-he.

— Poxa, irmãozão, não me decepcione — brincou Maya, aplicando uma leve cotovelada no braço do rapaz. — Você é o primeiro Peão da Magna Ordem. Imaginei que fosse esperto como sua amiga sabe-tudo.

Ellin corou levemente, abraçando o cajado junto ao peito.

— Só me diga onde o Peão pode entrar nisso aí. — Uma veia pulsou na têmpora de Thales, levemente irritado.

— Hmm… — Maya pensou um pouco. — Seria perfeito se ficasse de olho da nossa retaguarda e recolhesse os cristais.

Ela tá achando que sou inútil, frustrou-se o rapaz, mas uma mensagem repentina de Mitty tomou sua atenção:

 

«!»

O Jogador encontrou uma «dungeon». Derrote o guardião para receber a recompensa.

Missão Comum: Extermine o Guardião Morto-Vivo

Requisitos: 0/1

Recompensas: Kit de Recuperação [Vida, Mana e Cansaço]

 

Porra, Mitty! Irritou-se ele. A instrutora disse que não era pra enfrentar o guardião.

Os pensamentos indignados de Thales, porém, foram cortados quando a voz de Ayane se dirigiu ao grupo:

— Creio que não precisemos permanecer em formação. Posso ir na frente e derrotar os inimigos que aparecerem.

— Nós ouvimos falar da sua força, d’Artamis, mas não seria muito justo. — Ellin bateu a ponta do cajado no chão, liberando algumas fagulhas pelo cristal. — Se formamos uma equipe, todos deviam contribuir com suas habilidades.

— E-eu concordo — acrescentou Caleb, timidamente —, mas estou contando com vocês. Meu escudo não aguenta muita coisa.

Maya agitou os braços para cima, tentando chamar a atenção para si.

— Que seja, pessoal. Vamos parar de ladainha porque os primeiros inimigos apareceram.

Ela estava certa. Capengando do outro lado do corredor, três criaturas apodrecidas se aproximavam a passos lentos. Eram bípedes, de pele azulada e rosto ressequido, cobrindo a cintura com uma canga velha; dois deles portavam espadas oxidadas na mão direita, mas o terceiro trazia um conjunto de arco e flechas. Thales associou-os imediatamente a um trio de zumbis embriagados.

De repente, a primeira seta inimiga foi atirada, mas aparada no mesmo segundo pelo escudo de Caleb.

Nada mal, pensou Thales, observando Ayane partir ao ataque no instante seguinte. Ela desembanhou a katana somente no exato momento do golpe.

Houve um ruído de lâmina cortando o ar rançoso e o primeiro darkinus fatiou-se ao meio, espalhando sangue podre pelas paredes da caverna.

— Vão ficar aí parados? — perguntou a garota, olhando friamente para trás.

Thales não precisou fazer muita coisa além de assisti-los, tamanho a eficiência com que sua equipe funcionou. A dupla de inimigos restantes pareceu ganhar vivacidade ante o choque e se afastou, mas o zumbi espadachim mostrou-se igualmente incapaz de deter a lâmina furiosa de Ayane: um golpe veloz e limpo cortou-lhe o pescoço.

Daquele modo, o desespero se abateu sobre o último darkinus, que atirou três flechas de uma vez na direção do grupo, mas Caleb, mesmo com seu corpo franzino, mostrou um surpreendente tempo de reação ao lançar o escudo à frente de cada investida, espaço aproveitado por Ellin para invocar uma bola de fogo maciça, que atingiu em cheio no peito inimigo.

— Toma essa! — gritou Maya, atirando uma flecha que se enfiou pela boca do último morto-vivo.

Foi o arremate: os três inimigos estavam derrotados, expelindo pequenos cristais amarelados de seus corpos moribundos, realmente bem menores que os espólios que caíam para Thales. Interessante, pensou ele, ao se dar conta daquele fato. Mitty, os itens que caem pra mim são diferentes?

 

Não são diferentes, contudo, existe uma «Benção» passiva no Jogador que faz com o que o melhor espólio caía em 99% das vezes. Para isso, no entanto, o Jogador precisa aplicar o golpe final no inimigo.

 

— Isso foi épico, pessoal!

— U-um excelente trabalho em equipe, eu diria — concordou Caleb, ajeitando os óculos.

— E eu não fiz bosta nenhuma — suspirou Thales.

Mas assim prosseguiram, enfrentando qualquer criatura que surgisse pelos corredores sem maiores dificuldades enquanto Thales suspirava a cada minúsculo cristal recolhido, o que o fez decidir por não utilizar suas habilidades até que fossem realmente necessárias, daquele modo poderia economizar estatísticas como Cansaço.

Gradualmente, porém, os darkini começaram a rarear quanto mais se embrenhavam pelo local. Logo, o grupo só encontrava corpos derrotados, até simplesmente não aparecer mais nada em dez minutos seguidos de busca.

— O que tá acontecendo? — perguntou Maya, erguendo uma sobrancelha.

Sem responder, Ayane se abaixou num canto do piso e recolheu uma pequena lâmina de rocha negra, levando o objeto à frente do rosto.

— Um pedaço de obsidiana… — concluiu ela.

— E isso deveria significar alguma coisa?

A expressão de Ayane se transformou numa pequena interrogação, talvez ponderando se deveria fornecer ou não uma resposta à Maya, porém, no momento em que abriu a boca, um ruído de voz humana ecoou a partir do fim da passagem:

Vocês também estão dando falta dos inimigos? — Era um membro de outra equipe, que se aproximava junto ao seu grupo de seis pessoas. Contudo, seus traquejos mostravam certa afetação, sorrindo nervosamente enquanto suava. — Acho que precisamos ir para o fundo da dungeon.

— Não se aproximem de nós — disse Ayane, apontando a katana com firmeza.

— T-tá tudo bem. — Ellin se aproximou cautelosamente da companheira. — São nossos colegas, não vê?

— I-isso mesmo… — tornou o membro da outra equipe, com a voz ainda mais esganiçada. — Somos colegas, é por isso que vão compartilhar os cristais conosco, não é? P-pegamos bem pouco e a instrutora não nos proibiu de r-roubar.

Thales usou o Malandro para escanear aqueles estudantes, notando imediatamente que o aviso «sob Maldição» aparecia nas janelas de todos eles. Tentou ser sutil em seu comentário:

— A pele deles não tá um pouco esquisita?

— Um pouco azulada, eu diria — concordou Maya.

— Se foram mordidos pelos mortos-vivos, podem ter sido amaldiçoados — comentou Ellin —, mas ainda não perderam a consciência.

— Nos deem… um pouco… dos cristais…

— Cuidado, pessoal. — Caleb engoliu em seco. — A Torre deles está com o escudo energizado.

— Voltem de onde vieram. Eu não mostrarei piedade se nos atacarem. — Ayane era a personificação da decisão gélida. — Vocês perderão braços e pernas.

— Nos deem… OS CRISTAIS!

— CANHÃO!!!

Tudo aconteceu num piscar de olhos. Enquanto um berrou para o alto, a Torre da outra equipe explodiu seu escudo sobre o piso pedregoso, levando tudo abaixo num raio de vários metros.

— Merdaaaaaa! — gritou Thales, sentindo o solo desmoronar a seus pés.

— Uaaaaah! — berrou Ellin.

— Nããããão!

Sem pedir licença, a escuridão rochosa engoliu todos eles.

 



Comentários