Malkiur Brasileira

Autor(a): Kamonohashi


Volume 1

Capítulo 5 : Um figura desconhecida.

 Um grande estrondo ecoou pelo local. Gritos de desespero foram ouvidos. Roy abriu os olhos rapidamente e percebeu que estava no quarto onde dormia na casa de seus avós, mas por causa da confusão no lado de fora não teve tempo para pensar.


Lentamente foi até janela para ver o que tinha acontecido.


Seus olhos demoraram a se ajustar ao enorme clarão avermelhado no  meio da noite. Depois de conseguir enxergar à sua volta, ficou paralisado de medo. 
O acampamento estava sendo atacado por demônios. As chamas tomavam conta do lugar. Os mortos aumentavam a cada passo dos humanos.


Os demônios tinham pele vermelha e dentes afiadíssimos, com braços e pernas incrivelmente gigantes. Seus  chifres e armaduras eram escuros.


Roy olhou para o lado esquerdo e viu esses mesmos monstros atacando os refugiados. Viu crianças e adultos sendo mortos bem diante dos seus olhos. Naquele momento o garoto não conseguiu mexer seu corpo e nem falar. Permaneceu paralisado de medo, enquanto ouviu mais e mais as risadas dos seres.


— NÃO!


De repente, um berro explodiu de sua garganta, trazendo-o de volta à realidade. Lentamente recuperou o  fôlego, enquanto tentava controlar os espasmos do seu corpo. Aquele sonho foi muito real, fez o menino ficar em pânico enquanto dormia. E de fato foi real, pois se tratou de uma lembrança.
Enquanto se acalmava,  olhou em redor e a floresta ainda estava ali.


— Frou-do!


Frodo saltou no colo de Roy. O menino ficou feliz em vê-lo e passou a mão nas costas do amigo.


— Bom dia, Frodo! Que bom que está bem. Aquele morcego não deixou a gente em paz.
O sapo acertou a língua no rosto do garoto novamente. A esse ponto ele já tinha se acostumado. Entendeu como gesto de carinho.


— Frou-do! Frou-do! — o sapo coaxou mais alto que de costume e saltou várias vezes sobre o garoto. Parecia que queria falar algo a Roy. — Frou-do!


O animal saiu saltando em direção à mata. 


— Aonde vai?


O garoto foi atrás do sapo. Ficou muito difícil enxergar a trajetória de Frodo, as folhas altas da floresta fizeram eles se distanciarem. Ele era muito pequeno em meio a todo o local.


— Frodo! Frodo! Cadê você?


Ele chamou algumas vezes. Porém isso poderia chamar a atenção de algum animal e não queria correr perigo logo cedo. Então resolveu ficar quieto e caminhar. Andou alguns metros e ouviu de longe um barulho diferente da quietude da mata.


Era som de água caindo.


Correu para a direção do barulho. Ao chegar no local ficou maravilhado com o que viu. Uma cachoeira de água cristalina alimentava um rio. Diferente do ar morto da floresta, ali era cheio de vida. Peixes saltavam para um lado e para o outro. Pequenos animais bebiam água tranquilamente.


“Nossa!”


O garoto correu e tirou seu casaco e sua blusa, lançando seus sapatos um para cada lado.


A calmaria do rio foi interrompida pelos saltos do menino. Os animais se lançaram em fuga dali. Roy nem prestou atenção ao redor. Ficou feliz em finalmente tomar banho. O rio não era tão fundo, então ele conseguiu ficar com a cabeça e os ombros para fora.


— Tá perfeita! — disse ao emergir de um mergulho.


A temperatura da água estava morna,  e fez com que se sentisse relaxado pela primeira vez em muito tempo. Deixou seu corpo flutuar lentamente pelas águas e sentiu-se abraçado pelo ambiente.


“Isso é muito bom. Essa floresta é realmente cheia de surpresas!


Pof!

Algo golpeou sua nuca. Rapidamente se levantou para ver o que o acertara. Então viu muitos peixes ao seu redor, de várias cores e tamanhos.


“Comida.”


Sacou sua adaga e mergulhou. Tentou golpear os animais, porém, submersos, eles teriam vantagem. Perdeu o fôlego e voltou para superfície. 


— Arf! Arf! Que difícil!


Em resposta à pescaria indesejada, os peixes saltaram para atacar Roy e com suas caudas estapearam o rosto do garoto.


Ele tentou se defender, mas o peso da água, não o deixou mover-se rapidamente. Os ataques vinham de todos os lados. Depois de levar vários tapas, suas bochechas ardiam intensamente e Roy se deu por vencido.


— Ok. Vocês venceram! — Ao ver que os animais aceitaram a trégua, voltou a nadar e flutuar nas águas do rio — pelo menos por agora, não vou colocar vocês no fogo.


A barriga roncou. Pensar em como transformar aqueles peixes em uma refeição não ajudou a esquecer a fome.


— Acho que vou pegar mais umas frutas e achar o Frodo...


Nesse momento seu corpo ficou dormente. Sentiu algo muito forte pressionando seu ombro direito. Algo quente começou a se espalhar pelo corpo. Não sentia mais o lado direito do tronco. Foi tão rápido que seu cérebro demorou a entender o que tinha acontecido.


Virando a cabeça em direção  ao ombro viu a água manchada de vermelho. De onde vinha aquilo? Era dele mesmo. 


— AAAAAAAAAARGHHHH!


A dor veio como uma avalanche. Um crocodilo tinha abocanhado o ombro de Roy. Sua boca era tão grande que tomou quase todo o tronco do menino que agonizava. Em um ato de desespero se debateu para tentar sair e foi puxado para o fundo.


O crocodilo era enorme. Sua força dominou o menino que lutava para desvencilhar-se.  Para imobilizá-lo girou seu corpo rápido numa tentativa de Roy ficasse tonto e se afogasse.


A luta era desigual e o menino estava em desvantagem. Sua visão estava turva.  Tentou segurar o oxigênio o máximo que pode. Numa tentativa desesperada para salvar-se, golpeou o ar. Queria cravar a adaga no olho do animal, mas foi em vão. A arma deslizou de sua mão. Não tinha como ele usar as aberturas de seu corpo ali e estava perdendo muito sangue.
Já sem forças, deixou o resto do ar que segurava nos pulmões escapar e sentiu a água entrar pelas narinas e boca.


“De novo...”


Sua visão escureceu. Não conseguiu pensar em mais nada. Ele aceitou que morreria... Quem ele queria enganar? Ele não aceitou o fato de ter baixado a guarda novamente. Ele queria ter um momento para respirar, porém era pedir muito para floresta.
Yuki disse que era matar ou morrer. Forte é aquele que mata, por isso  Roy sempre estava em perigo. Até mesmo quando caçoavam dele. Ele se escondia, mas não queria ser visto como um fraco, covarde. O instinto de sobrevivência fez com que o medo começasse a sumir e o calor da raiva subiu pelo corpo. O crocodilo não podia acabar com seu sonho!


“Eu quero viver... Se eu sair dessa... Se eu sair, eu vou matar esse bicho. EU VOU MATAR!”


Roy forçou a água que entrava em seus pulmões a sair, num último ímpeto de luta.
Como um milagre, uma onda golpeou o crocodilo. A pressão do golpe fez ele soltar o garoto. Também o fez recobrar o fôlego. Ainda fraco, esforçou-se para sair do rio. Chegou praticamente quase desmaiado à margem. Tossiu com violência e começou a expelir água pelo nariz e boca. Voltando a respirar, mas com dificuldade.


“Preciso... Sair daqui.”


Tentou se levantar, mas caiu. Seus ouvidos estavam tapados e isso o fez ele ficar desnorteado. Juntando as forças que restaram saiu dali.


Ele se segurou nas árvores, tropeçou e caiu, mas se levantou. Novamente a sorte o ajudou. O animal não arrancou nenhum membro, porém o sangue não parou de descer e a dor consumia a mente do garoto. Ele chorou de dor.


Pisou em falso, caiu bruscamente no chão. Cuspiu uma quantidade grande de sangue. Olhou para o mato que estava a sua frente. Com a visão embaçada viu vários pontos verdes claros.


— O qu-e é isso?


Roy se sentou. Sua tentativa de ajustar a visão foi falha. Aqueles pontos voaram para cima dele. Se moviam rapidamente, como se estivessem voando. 


O garoto não tinha mais forças para uma fuga. Uma dessas criaturas agarrou nas feridas dele. Ele não sentiu, mas ela mordeu seu braço, injetando algo no corpo do humano. 


Roy agarrou aquele ser que tinha a forma de um inseto e jogou para longe. Os outros voavam cercando, esperando o momento certo.


— O que tá rolando... GASP!


Sentiu uma pontada no coração.  Cuspiu mais sangue. Ao olhar para seu braço direito viu que tinha sido infectado por alguma coisa. As veias começaram a aparecer e a cor roxa dominava seu corpo. Foi aquele inseto? Deve ter sido isso.


Era só o que faltava. Roy caiu no chão bem perto da vida após a morte, seu corpo ficou gelado. Os insetos voaram mais perto do corpo do garoto.


“Merda! Merda! Eu fui fraco de novo.”
Tossiu violentamente enquanto chorou.
“Eu não quero morrer. Eu tenho minhas promessas para cumprir. Proteger o máximo de pessoas...”


— Gasp! — Começou a se afogar no próprio sangue.


“Era matar ou morrer. Assim que fica forte, não é? Eu... Eu... Ainda vou ser forte?”
A visão ficou turva. De repente uma enorme figura se aproximou dele, espantando os insetos com uma onda de impacto.


— Te achei! Nossa, os percevejos injetaram o veneno no seu corpo, preciso ser rápido! — Disse a figura. Roy ouviu a voz bem distante, mas tinha a certeza de que era um homem. — Não pode morrer aqui. Precisa cumprir seu destino e ainda tem muito pela frente. Mas me diga, quer viver?  Ou é melhor acabar o sofrimento aqui mesmo?


O garoto se lembrou de tudo que passou. Boa parte de sua mente queria desistir de tudo. Poderia ver seu avô no outro lado e teria paz. Mas seria a fuga final de alguém que desistira de cumprir seu propósito. Morreria como um derrotado?


 “EU PROMETI! PRECISO VIVER!”


Mesmo sem força alguma respondeu:


— Si-sim!


— Se eu te salvar, o que vai fazer? — A figura agachou perto do menino.


— Eu... Eu vou ser o mais forte do mundo.


Aquele homem riu alto, porém Roy não ouviu direito.


— Isso que eu queria ouvir! Mas antes precisa de uma mãozinha.


Ele colocou a palma da mão sobre o peito do garoto.


— Isso vai te ajudar com a sua técnica. Seu coração não está tendo pressão pra bater rápido o suficiente para bombear o sangue pelo corpo — ele colocou a palma de sua mão no peito de Roy —  Fique paradinho...Impacto.


Uma onda de impacto golpeou o peito de Roy. Seu corpo quicou no chão e a terra que estava sob ele foi afundou. O homem contou cinco segundos e algo aconteceu. Mesmo inconsciente o corpo do menino estava de pé. 


As folhas da mata ao redor moveram-se e o chão a tremeu. Nesse momento, um fumaça começou a sair do corpo de Roy. Em alguns segundos a fumaça se dissipou e uma aura  verde o cercou. Um estrondo rompeu o silêncio. Ele tinha despertado a primeira abertura. O calor que emanou de seu corpo foi tão intenso que fez com que a vegetação em redor murchasse.


— Muito bom! Seu corpo suportou! Agora reine nessa floresta e parta para seu destino. Ah...só mais uma coisa, garoto. Use essa raiva! Troque essa dor por raiva! Não tenha piedade, pois nenhum inimigo terá de você. Eles não ligam se tem um sonho ou pessoas que ama. Vão pensar em apenas te matar.


O garoto ouviu, mas a voz do homem parecia um sonho.  Depois de alguns segundos a técnica usada perdeu o efeito e Roy caiu no chão.


**
Roy parou de fazer as repetições com a espada de madeira, indo até sua professora.


— Capitã, você acha que uma pessoa inútil pode se tornar alguém forte?


Yuki parou de caminhar e se virou rindo.


— Mas claro que não, pirralho!


As palavras da mulher foram uma pancada na baixa autoestima do pequeno. Cabisbaixo, ficou calado. A mulher deu uma gargalhada e continuou:


— Um inútil não nasce inútil, apenas aceita ser um. Tudo muda quando a força de vontade de ser forte domina o sentimento de não ter valor. Você não é assim. Agora é um cavaleiro. Lembre-se disso.


— Ué? Mas como?


Roy olhou para si mesmo intrigado. As feridas continuaram em seu corpo, mas cicatrizadas. O veneno não tinha mais efeito sobre ele e a dor havia sumido. Sentiu como se não tivesse feito esforço algum.


Suas roupas e arma estavam ali também.


— Eu tô vivo! Mas, como? E pelo que eu lembro... Aquele homem. — Olhou para todos os lados e viu que não tinha nenhum sinal de vida humana. — Estranho, meu corpo...


Percebeu estar mais leve que antes. Para confirmar isso saltou algumas vezes, deu vários socos no ar, fez flexões e abdominais.


— Tá mais leve. — Roy se lembrou de algo que tinha dito mais cedo. — Penso nisso depois, tenho uma coisa para resolver.


“Transforme essa sua tristeza, em raiva. Não fica indignado por ser fraco?”


O garoto pensou no que a figura tinha lhe dito. Cerrando os punhos, adentrou a floresta à procura do rio, mais determinado que nunca.


Passado algum tempo...


O crocodilo tomava sol à beira do rio, sem se preocupar com nada. Os animais ao verem o enorme réptil se afastaram. As escamas alaranjadas moviam-se com a respiração pesada do animal. Não demorou muito para que sentisse um golpe pesado em suas costas. A única reação foi grunhir de dor.


 Roy tinha vindo de cima e golpeou as costas do crocodilo com as duas pernas. A pressão do golpe fez um buraco se abrir na terra. Assustado ele correu para longe do menino.


— Eu estava te procurando — Roy girou a arma pela mão, ativando a primeira abertura — Vamos tentar de novo que tal?


O animal rugiu parar ele. Partindo rapidamente para o ataque. Mesmo com suas pequenas patas, o animal se locomoveu rapidamente e em poucos segundos já estar a frente de Roy.


“Merda!”
Ele não esperou que um animal daquele tamanho fosse tão rápido. E em um ato instintivo se esquivou. Sua corrida fez a terra se abrir. Ficou há alguns metros de distância de seu oponente. 


— Ué? Mas...como? — Percebeu a diferença de antes e pra agora, seu coração nem tinha acelerado e nem vapor saiu de seu corpo — Será que se eu...


Resolveu ativar a primeira abertura. Puxou o máximo de ar que conseguiu, sentiu seu coração acelerar. Mas nenhuma dor veio e nem cansaço vieram. A aura verde o cercou e o chão estremeceu. Folhas e a areia voaram para todos os lados.  


— NOSSA! Essa é de verdade? 


“Eu ainda tô com medo desse bicho enorme. Mas a raiva que sinto é maior”


Dobrando os joelhos pegou impulso para o ataque. O solo sob seus pés se abriu.


O crocodilo abriu a enorme boca para tentar pegar o humano, porém Roy passou por ele e se chocou com força contra o tronco de uma árvore. Seu oponente ficou confuso.


— AI! AI! Eu tenho que me acostumar com essa velocidade.


Ele tirou a poeira da roupa para voltar à luta. Ao se virar sentiu o odor fétido da boca do crocodilo. Com muita agilidade o bicho se aproximou de Roy, mas o garoto já esperava que isso acontecesse. 


Sem perder tempo, cravou a adaga no céu da boca da criatura. E com toda força o lançou para alguns metros na frente. O animal rolou para a floresta, mas logo ficou de pé para correr novamente.


O crocodilo lançou seu corpo com a boca aberta. Um feixe de luz veloz passou pelo animal. Roy acertou um chute na parte superior do focinho do animal. O animal berrou de dor. Suas fossas nasais se partiram com a pancada.


Mas não foi só ele que sentiu dor. Roy sentiu dor pelo golpe.


— Merda, foi forte demais. —Reclamou saltando com uma perna só.


Seu oponente sentindo muita dor bateu em fuga para sair dali. Mas Roy o agarrou pela cauda.


— Você não vai escapar seu desgraçado! Se fosse comigo, não ia me deixar fugir. — com toda força usou a cauda do crocodilo para jogá-lo nas árvores —porque eu deixaria você... FUGIR?!


Roy jogou o animal contra um tronco. A pancada fez a árvore desabar. Ele estava preso. O garoto foi até o animal, pegou sua adaga no chão e se preparou para matá-lo. O réptil agonizou por suas duas patas quebradas. Não tinha mais como fugir da fúria do humano.


A raiva tinha tomado conta dos pensamentos do menino. Ele pensou apenas em matar.  Planejou cortar a garganta dele, porém percebeu algo estranho. A fera, mesmo machucada, tentou atacar Roy.
Ele abriu um sorriso triunfante. Usando sua agilidade, saltou e cravou a adaga entre os olhos do animal. O sangue jorrou de forma brutal. Demorou um pouco para cair derrotado. Mas em poucos segundo ele se debateu e caiu morto.


Roy saltou de cima do corpo do crocodilo. Sentia algo diferente, finalmente tinha vencido. A sensação de vencer era muito diferente. Sentiu a confiança que Yuki tanto falou.  Parecia que tinha tirado o peso do mundo.


“Essa é a sensação de vencer?”


Se questionou olhando para suas mãos sujas de sangue. Tirou a adaga da cabeça de seu oponente e sorriu.


— Merda! EU VENCI!


Saltou animado, fez até uma dancinha para comemorar. Não demorou muito para sentir um peso em seu capuz.


— Frou-do! 


— Finalmente resolveu aparecer. — Roy agarrou o sapo. — Você viu?! Eu venci!!


Roy se sentou no chão, suspirou aliviado e colocou as mãos no bolso. Sentiu um volume estranho. O que tinha ali eram ...bilhetes?! Curioso, ele abriu o primeiro. Estava escrito:


Liberte a floresta!

 

 

 

 

 



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