Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 10 – Arco 4

Capítulo 94: Socorro/Uma conversa necessária.

Hideki

 

— Oi, eu voltei… Kay… — disse Any.

— Oh… ANY! VOCÊ VOLTOU!!!

De uma escada que havia no norte da pequena sala vazia, desceu um homem, seu cabelo era longo e cacheado, descia mais ou menos até seus ombros, seus olhos eram verdes e seu cabelo era tingido, a ponta era verde enquanto o resto era preto. Naquele momento ele estava usando um jaleco branco, digno de um médico, enquanto por baixo era apenas uma roupa preta comum.

Seus olhos foram direcionados para a Any, mas não demorou muito para perceber que havia muitas pessoas ali também, e que principalmente… Any estava com um olhar triste. O rosto feliz que estava estampado no rosto desse Kay, rapidamente se transformou em questionamento.

— Any… aconteceu alguma coisa?

Ela não conseguiu responder, na verdade se aproximou dele e o abraçou.

— Oh… acho que entendi o que pode ter acontecido. Vocês são amigos dela? — perguntou Kay.

— Sim… podemos dizer que somos amigos. — respondo.

— Sejam bem-vindos… meu nome é Kay, e eu sou um médico.

— Eu sou Hideki Hirai, do meu lado tem Yukiro Hirai, Maki, Leon, Thiago… e deitada ali temos a Shiori.

Apresentei todos que estavam presentes na sala, e ele se curvou depois de soltar o abraço de Any.

— Vocês parecem cansados, poderiam vir comigo?

Subimos as escadas até um andar calmo, as vozes da cidade já não eram mais uma preocupação, não se ouvia nada além do vento forte que estava batendo nas janelas, o lugar era pequeno e aconchegante, havia alguns sofás para as pessoas se sentarem, e é isso o que fazemos.

Logo após todos se sentarem e tudo se acalmar por um tempo… Kay fica de pé na frente de todos nós e assim pergunta:

— Hideki Hirai, né? Você tem algum envolvimento com o Riki, deus da criação?

Ele foi um pouco direto demais… não poderia mentir nesse momento, ainda mais por ser alguém que pode me ajudar com a situação que me encontro, meus olhos se fecham, respiro fundo…

— Sim, ele é meu pai.

— Já estava imaginando algo do tipo.

A feição que Kay tinha feito se resumia em completo ódio, talvez meu pai tenha feito algo que ele não gostou… mas o que seria? Por um bom tempo decidi não acompanhar o que meu pai estava fazendo, e na verdade só correr atrás do meu verdadeiro eu, foi assim que vivi por esse tempo, mas… daqui pra frente algo deveria ser feito, e eu tenho certeza que se eu continuar correndo atrás de mim mesmo, chegará um ponto onde terei que bater de frente com meu pai.

— Olha… não sei se meu pai te fez alguma coisa, mas eu posso te pedir uma coisa?

— Diga.

— Por favor… me ajuda!

Me ajoelhei e abaixei minha cabeça até o chão.

— Você é um médico, certo? Poderia me ajudar a saber o que está acontecendo com a minha amada? Sei que pode ser algo terrível de se pedir, sei que talvez não vai aceitar por saber quem está por trás de mim, mas por favor… me ajuda com isso, eu faço o que for necessário para trazê-la de volta… por favor, me ajuda!

— Isso… foi meio do nada.

— Eu sei… mas isso deixou de ser uma preocupação e se tornou um desespero, eu não sei o que fazer para trazer a Shiori de volta… então por favor…

Eu sei que pedir algo do nada deixaria qualquer pessoa simplesmente desnorteada, pois não saberia o que pensar, mas não era por isso que eu fiz isso, era exatamente o que eu disse, a pura preocupação que estava em meu coração deixou de ser o que era para se tornar um desespero nato e puro. Tudo o que eu conseguia pensar era na verdade… “E se ela não voltar?” Esses pensamentos enchiam minha cabeça de tristeza.

O meu coração palpitou forte, e percebi que todos estavam olhando atentamente pra mim, Yukiro se levanta e anda do meu lado, se ajoelha também…

— Por favor… nos ajude. — disse Yukiro.

Esse não era um desejo só meu, e sim de todos que estavam nos acompanhando nessa jornada, a Shiori acordar era mais do que necessário para todos aqui. Logo em seguida, Maki se curva como se também estivesse pedindo para ajudar na recuperação de Shiori. Kay segura suas próprias mãos e assim respira fundo. Talvez ele não fosse ajudar, mas como são tantas pessoas pedindo, talvez algo no coração dele…

— Por favor, Kay… nos ajude. — disse Any.

O que provavelmente seria a virada pra ele repensar melhor…

— Ok… mas com uma condição…

— Qual seria?

Perguntei sem pensar duas vezes, eu faria qualquer coisa para trazê-la de volta, e isso está mais do que na cara, mesmo que algo seja impossível… ainda sim lutarei infinitamente só para ter mais um curto momento ao lado da pessoa que amo.

— Você… Hideki Hirai, terá que me ajudar no que quero fazer.

— Certo…

— Venham comigo.

Kay nos leva até uma pequena sala, me lembrava muito um hospital… ele pede pra colocar a Shiori em cima da cama, e isso é feito, por um curto período ficamos em silêncio esperando ele falar alguma coisa a respeito do que ela poderia ter. Esses cinco minutos pareciam ter durado horas… não ouvi a voz de ninguém nesse período, apenas meu coração que batia muito rápido.

Kay estava examinando a Shiori, não sei como ele fazia isso, mas era estranho…

— Certo… acho que já entendi o que está acontecendo. Pulamos muitas etapas para chegar onde estamos, então depois nós conversamos melhor sobre nós mesmos, já que não é isso que querem ouvir agora.

— Hm…

— Não posso falar com tanta prioridade, mesmo sendo um médico mágico, tudo isso está um pouco fora do meu alcance, mas o corpo dela está tentando ajustar a temperatura, e algum lugar… não sei aonde, em algum lugar do corpo dela, algo está abaixando a temperatura ao extremo, com isso ela fica oscilando, é uma febre estranha… com isso em mente, posso te perguntar uma coisa, Hideki?

— Oi?

— O que foi que vocês fizeram recentemente?

Algo na minha mente começa a sumir, ela o nome de uma pessoa que eu tinha acabado de destruir, como se todas as memórias sobre ela tivessem sido apagadas. Não consigo responder a pergunta de Kay pelo simples fato de que algo na minha mente me impede, como se tivesse alguém que segurasse tudo o que estava solto…

— Fomos em uma aventura… — disse Any.

— Lá ela mexeu com algum animal estranho?

— Não, no máximo com aquela raposa…

— A Mel, certo? Emilly tinha me falado sobre a raposa, falando nela, se estiverem procurando pelo animal de vocês, ela está junto com a princesa.

— Me diga, Kay, tem como curar ela? — pergunto.

— Teoricamente tem… mas não parece ser algo físico, e sim algo na alma dela.

— Na alma?

— Como se ela estivesse lutando contra si mesma lá dentro, não posso por em detalhes, quando eu tiver mais tempo tentarei ver com mais calma… só preciso de algo em troca para tentar tudo isso.

— O que seria?

— Preciso que mate um dragão pra mim, com certeza vocês já devem conhecê-lo.

— Matar um dragão? Isso é loucura! — exclamou Yukiro.

— Sim, mas ainda preciso fazer isso.

— Eu aceito. — respondi.

— Oh…

— Mesmo que pareça impossível, ainda quero tentar trazê-la de volta, é melhor do que simplesmente desistir de tudo e esperar um milagre acontecer.

— Bem, já que é assim, podemos conversar melhor sobre essa estratégia?

— Sim, só posso ficar um pouco sozinho com ela? Preciso conversar… — perguntei.

Era óbvio que um momento assim iria chegar, afinal de contas… eu precisava de todas as formas conversar com ela, independente do que acontecesse, eu precisava tentar falar com a Shiori. Se passou algum tempo desde que não ouvi sua voz, a única coisa que consigo escutar, e assim sim extremamente fraco… é o seu coração.

— Certo.

Todos começam a sair daquela pequena sala… com isso eu tranco a porta e fico vendo a gigante janela que tinha ao lado da cama que Shiori estava deitada. Estávamos em um andar muito alto, por isso consigo ver perfeitamente o que estava acontecendo lá embaixo.

Os soldados estavam desesperados para encontrar as pessoas que procuram, enquanto neste pequeno horário de comércio que havia — parecia ser umas 17:00h — o movimento parecia ser extremo, havia pessoas que não conseguiam nem ao menos se arrumar direito. Aos poucos… uma chuva começa a dominar toda a área, deixando todos desesperados e assim começam a correr para dentro de suas casas.

— Você… provavelmente não está me ouvindo, né? Sei que pode ser complicado falar coisas assim bem nesse momento que existe a possibilidade de você não ouvir, mas ainda sim… quero soltar o que tem dentro do meu coração. Tudo voltou a correr rápido demais, nem sei como estou conseguindo pensar no que fazer… Sabe Shiori, naqueles momentos que tudo estava em silêncio, eu ficava pensando, “Será que tudo isso não é orquestrado?”.

Na minha mente havia um sentimento estranho que pensava seriamente que tudo isso era combinado, como se eu estivesse seguindo um caminho feito por outra pessoa.

— Mas não é bem sobre isso que eu quero falar, é sobre o meu sentimento por você.

— Dentro do meu coração morava uma pessoa… quer dizer, ainda mora, essa pessoa esteve sempre ao meu lado e recentemente decidiu viver toda a eternidade comigo, o meu coração pensou que finalmente poderia descansar em paz. Eu sei que você não pode responder essa pergunta, mas será que eu consegui te orgulhar? Sempre pensei se você estava ou não fazendo a escolha certa de estar comigo, como se tivesse algo que me perguntava se eu realmente era a pessoa certa para estar do seu lado. Eu não sei, mas sinto que preciso tanto de você agora…

Coloquei cada mão nos meus ombros, como se estivesse me abraçando… aos poucos senti como se lágrimas estivessem finalmente saindo de meus olhos.

— Me desculpa, mas mesmo que não seja a hora adequada para isso, ainda sim… quero chorar, eu preciso do seu abraço, eu preciso te escutar novamente… Shiori… não sei mais o que fazer. Me falaram que caso eu fizesse o que fiz, descobriria toda a verdade por trás de mim, mas a verdade é que eu não descobri nada, NÃO DESCOBRI… NADA!

Minhas memórias não voltaram como falaram que ia ser, na verdade algo pior aconteceu, aquela pequena luta interna que havia dentro de mim começou a se tornar uma guerra, e uma das mais fortes possíveis, eu não queria isso, estava apenas procurando o que tinha acontecido comigo… era tudo o que eu queria descobrir, mas por algum motivo… nada de bom aconteceu.

— PERDI A PESSOA QUE EU MAIS AMO! Nada na minha cabeça aparece, nada me ajuda a te trazer de volta, por que tudo isso tem que acontecer comigo? O que eu fiz…

Meu corpo estava extremamente cansado depois de ter que carregar tudo isso, e por algum motivo não consegui nada do que eu queria, apenas uma dor imensa no meu coração que provavelmente não terá um reparo.

— Por que tudo tem que ser tão difícil assim?

Me perguntei isso várias vezes durante todas as lutas que tive…

— Não consigo a resposta pra nada, não consigo fazer nada, na verdade… NÃO HÁ NADA O QUE EU POSSO FAZER! EU SOU FRACO, INÚTIL, UM COMPLETO INÚTIL, NÃO CONSIGO PENSAR NADA! TUDO O QUE EU QUERIA FAZER JÁ TENTEI, E AGORA TEREI QUE LEVANTAR A MINHA ESPADA MAIS UMA VEZ?

O cansaço era tanto que nem forças para levantar uma espada eu tinha, por conta disso… mesmo que eu tentasse fazer de tudo para levantar a Shiori novamente, nada poderia dar certo…

Eu queria desistir, deixar tudo para trás e me matar, está tudo bem, se é como falam… o outro lado é extremamente lindo e perfeito, então eu poderia esperar a Shiori lá…

— Mas… não posso. Não posso fazer isso…

Por mais que eu queira desistir, existem pequenas palavras que eu disse para a Shiori que não permitem que isso aconteça.

— Eu não posso desistir, eu não vou desistir.

Palavras essas que me movem e que simplesmente poderiam me dar forças novamente se eu escutasse isso vindo de você, já que… é a minha força.

— Por conta disso eu vou matar quem for necessário, vou fazer o que for necessário… tudo para te trazer de volta, nem que eu precise me tornar o vilão, eu vou matar qualquer um.

Eu queria ouvir essas palavras novamente, nem que seja bem baixinho… 

— Bem… bom descanso… amor, pode ter certeza que eu voltar para falar com você

Me viro de costas e sigo com minha mão até a maçaneta da porta…

— Talvez você esteja se perguntando quais palavras são essas… certo?

“— Eu te amo… Hideki.”

Abro a porta e saio da sala… pronto para entrar em qualquer luta que for.



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