Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 10 – Arco 4

Capítulo 96: O pior dos infernos.

Leon

 

Eu… não sou forte, mamãe…

Nunca fui forte, mamãe… desde aquela época em que eu era uma pequena criança, onde seguia os passos do meu irmão só para ter seus olhos virados pra mim. Não sei como, mas a primeira lembrança que tenho é de estar em um quarto fechado, havia dois homens estranhos na minha frente… e um deles eu sabia que era o meu pai.

— Está certo disso, Riki?

— Sim, essas duas crianças vão te ajudar a organizar o inferno.

— Como posso chamá-las?

— Isso é com você, Gehenna.

Os olhos carmesins daquele que se chama Gehenna me fitaram por um tempo, até chegar à conclusão de que outra pessoa me daria um nome, a mente das pessoas… não saíram da minha, todos os pensamentos estavam na palma da minha mão, e não havia nada que eu pudesse fazer.

Desde aquela época… ouvi os pensamentos dos outros sem que houvesse uma escolha. A dor, felicidade… e qualquer coisa que seja… tudo estava na minha mente.

— Bem, obrigado… Riki.

— Não há de que.

O homem que se chamava Riki olhava para o Gehenna com felicidade falsa, e na mente dele… apenas um barulho estranho se escutava, como se fossem estalos de radiação. Minha cabeça começava a doer quando me aproximava demais dele…

— Bem, por enquanto é isto. Espero que esteja de boa com essas duas crianças, eu vou indo para a terra.

— Certo.

Riki sai da sala e assim não vejo nem rastro da existência dele… Gehenna não era comunicativo, mas percebi que estava pensando muito em como me ajudar a entender o que estava acontecendo. Era difícil entender o meu caso, do nada ganhei uma consciência, e não só isso… um poder grande em minhas mãos e sentimentos que se desenvolviam aos poucos conforme o pensamento das pessoas entravam na minha mente. Mas uma mulher aparece na sala. Sua aparência gentil com orelhas pontiagudas e um corpo fino coberto por um pano chamado kimono, seu cabelo era curto e haviam chifres que iam para trás, mesmo com essa aparência de demônio, ela parecia ser a pessoa mais gentil do mundo.

— Opa, conseguiu, amor?

Sua voz era angelical, dava uma sensação de conforto e de extrema paixão, era como se aquela pessoa simplesmente… estivesse ali por mim, como se fosse uma mãe.

— Eu consegui… mas não sou bom com nomes.

— Bem, eu sei disso, o outro você chamou de Thiago… deixa que dessa vez eu dou o nome!

— C-Certo.

Ela me olha atentamente, seu olhar carmesim não era assustador — diferente daquele que eu posso chamar de pai. Ela assim sorri, coloca a mão na minha cabeça e diz:

— Seu nome será Leon!

— Leon? — perguntei.

— Sim! Será uma pessoa valente e ousada, aquela que estará aqui para proteger tanto seu pai quanto a mim!

— Eu não preciso de proteção. — exclamou Gehenna.

— Olha aqui… última vez que você falou isso… — Diane foi interrompida pelo Gehenna.

— Tá tá tá, a gente não fala disso, tá bom? Não na frente das crianças.

— Eu em.

Ambos caem em gargalhadas, e logo em seguida… saímos daquele pequeno lugar e na minha frente…

— Seja bem-vindo à sua nova casa, Leon!

Um castelo avermelhado praticamente banhado a ouro, ele era tão grande que nem cabia no meu campo de visão, existiam fontes de água na frente, e ambas eram grandes…

As torres do castelo eram de ouro e praticamente tudo era riqueza e perfeição.

— Bem, pelas outras pessoas você será conhecido como príncipe Leon, não se preocupe se te chamarem assim ou de outra forma extremamente formal… ah sim, ainda não falei, pode me chamar de mãe, e ele… pode chamar do que quiser.

— Isso foi cruel, amor.

— Foi de propósito!

— Aí aí viu, pode me chamar de pai, ou de Gehenna mesmo.

A gentileza que dominava no corpo de cada um era extremamente forte, um sentimento bom entrava no meu coração, praticamente não tenho uma hora de vida, mas assim se formou… com extrema gentileza à minha volta. Após um tempo conheci o meu irmão, ele era uma pessoa muito divertida, e que sempre esteve ali por mim. Eu dormia com a mamãe, e toda noite ela contava alguma história pra mim, algo divertido sobre os humanos e as outras raças que havia no universo.

As histórias eram fofas e extremamente divertidas, mas… sempre soube que nunca existiram, a fantasia era forte demais para acreditar nessas coisas.

Um dia, a mamãe teve a ideia de me colocar para designar as almas que paravam no inferno, eu julgaria as pessoas e diria se elas merecem ir para o outro lado, ou se continuavam no inferno tentando aceitar a sua vida passada.

Eu escutava todos os pensamentos dos outros e isso não me fazia mal, já que eu não entendia direito os sentimentos humanos, ou na verdade… não sentia eles direito. A empatia era algo que não havia no meu corpo… então esse trabalho deveria ser fácil… mas algo no meu peito dizia que não era pra fazer isso… que na verdade existia algo a mais para se fazer.

O meu trabalho no inferno era dizer se a pessoa deveria ficar ou se deveria ir embora para o outro lado, e em casos especiais a mamãe aparecia para deixar a pessoa presa na terra, uma imortalidade solitária, onde a alma da pessoa fica vagando pelo mundo, mas ninguém… absolutamente ninguém consegue interagir com a alma perdida.

Um dia decidi parar um tempo e escutar o que meu peito tinha a dizer… ele me pedia para pegar uma folha e uma caneta e desenhar o que tinha na mente da pessoa… e um dia onde não se tinha nada para fazer… decidi pegar um papel e uma caneta e simplesmente começar a desenhar.

"Eu só… queria ver a minha filha e dizer um adeus a ela…"

O desejo dos outros era sempre sobre a família… mas eu decidi tentar desenhar a filha dele, seus pensamentos descreviam a pessoa que ele queria ver e com isso em mente… a minha mão deslizou pela folha como se eu fosse perfeito no que estava fazendo… com o tempo o desenho estava pronto, juntei minhas mãos e orei para que o desejo dele se tornasse realidade, aos poucos a pessoa que eu tinha desenhado… aparecia na minha frente, e não só isso, o homem que até então estava perdido, com medo, triste… ao ver o que poderia ser chamada de filha… começou a lacrimejar… e aos poucos chorou, colocou sua cabeça no chão e gritou por perdão.

Eu poderia tornar aquilo que a pessoa se arrependia uma realidade, e o arrependimento da pessoa se tornava um amor, uma felicidade… o homem que havia pedido desculpas para a sua filha, por ser insuficiente, não conseguir realizar os sonhos dela, e deixá-la sozinha no mundo… agora já não era mais uma alma capaz de ficar no inferno… o seu desejo se tornou realidade, e agora não se arrependia de mais nada. Havia um aperto no meu coração que tinha acontecido ao homem colocar sua cabeça no chão e pedir por perdão, me senti na pele da filha dele… alguém que tinha sido abandonado do nada e que teria que lutar por tudo o que queria, mas desta vez… sozinha.

"O medo que deve ser… ficar sozinho no mundo, sem alguém para te acompanhar nesta jornada… nem quero imaginar."

Aos poucos… aquilo que chamavam de sentimentos se desenvolvia no meu corpo, e a dor, compaixão, e principalmente… empatia se criava e ficava cada vez mais forte… mas óbvio que nada seria tão bom assim.

Querendo ou não, existia algumas almas que deveriam ficar no inferno, mas eu estava mandando todos para o outro lado, o arrependimento das pessoas se tornava em um sentimento bom e que deveria ser perdoado por qualquer crime que tenha cometido.

Mas não era bem assim que as coisas deveriam ser…

Em um dia onde eu estava do lado de fora do quarto do papai e da mamãe… fiquei escutando o que eles estavam falando.

— Algo ruim pode acontecer.

— Como assim, querido?

— Estou dizendo se não tiver ninguém aqui, droga…

— Não que seja bom que as almas vão para o outro lado, mas tantas assim?

— Riki terá que conversar comigo… em algum dia.

— Como sabe disso?

— Por não ter tantas almas aqui, você sabe como é isso. 

Papai sempre foi uma pessoa misteriosa, eu nunca conseguia ler seus pensamentos, e naquele momento nem mesmo queria, mas uma estática estava vindo em meus ouvidos, o que mesmo se eu não quisesse que a mente dele estivesse na minha… mesmo assim acontecia.

Por conta disso minha cabeça começa a doer, ao ponto de eu cair no chão e isso chamar a atenção do papai e da mamãe, os dois abrem a porta e correm em minha direção perguntando se estava tudo bem comigo, eles me colocam em cima da própria cama e ficam no meu quarto me ajudando com a dor de cabeça, mas ela não passava de forma alguma…

Os pensamentos das pessoas me deixava completamente perdido… e sempre fazia minha cabeça doer cada vez mais.

— Droga, é aquilo…

— Aquilo?

— Riki me contou sobre o perigo que era eu ter um filho, por conta dos meus poderes… isso poderia afetar a mente do garoto e deixá-lo perturbado.

— Mas…

Gehenna se afasta e assim uma grande parte da dor de cabeça some, eu sabia que ele poderia causar até mais do que isso, era só se aproximar mais e mais, por conta deste acontecimento, papai ficou mais distante de mim, com medo do que poderia acontecer. 

É necessário, mas isso não doía minha cabeça, e sim o meu coração.

Em um dia onde papai tinha ido a uma excursão, ficou eu, Thiago e mamãe conversando sobre as coisas… e no momento que papai chegou… seu corpo estava coberto de sangue, mas não era seu, claramente… não era seu.

Desde o dia em que ele se afastou de mim, saiu do inferno e nunca mais voltou… mas logo nesse momento.

— Gehenna!

Quando levantou sua cabeça, estava sem um olho, mas mesmo assim ele andou em minha direção, quanto mais ele foi se aproximando… mais minha cabeça doía, chegava a um ponto que não conseguia mais me mover… e como uma presa, ele me agarrou pelo pescoço.

— Isso é sua culpa…

Thiago se joga no braço de Gehenna, para tentar impedir que ele force e acabe esmagando meu pescoço. Mas ele é jogado para longe, o deixando completamente inconsciente.

— Se não fosse por você, ISSO NÃO TERIA ACONTECIDO!

— GEHENNA, CHEGA!

Mamãe levantou a voz e tentou avançar, papai me solta e dá um soco na cara da mamãe, jogando ela contra o chão.

— ESSA IDEIA FOI SUA, AGORA ESTAMOS PRESOS AQUI NO INFERNO E NÃO HÁ NADA QUE POSSAMOS FAZER.

Ele me olhou… nesse momento eu estava no chão, tossindo e tentando me levantar aos poucos, mesmo que era impossível, por minha culpa algo ruim aconteceu, mas o que era esse algo ruim? Os pensamentos do papai me davam medo, sempre fazia minha cabeça doer e sempre botava… milhares de coisas ruins entram na minha cabeça de vez, nem ao menos consigo ficar de pé.

— Se você… não tivesse cometido aquele erro, não ficaríamos presos dentro desse inferno… mas relaxa, eu sei o que fazer, EU SEI EXATAMENTE O QUE FAZER!!! POR CONTA DISSO… POR CONTA DISSO…

Gehenna continua a andar até a sala de transmissão, onde ele se prepara e começa a falar para o mundo todo que estaria anunciando uma batalha contra Riki, e que caso ganhasse… o mundo seria completamente dele 

Eu não sabia o que papai queria, mas na minha mente passava sobre uma possível dominação universal, sobre momentos que não tinha mais o que fazer…

Por conta desses pensamentos, quando ele anunciou uma luta contra Riki, um desespero passou pela minha mente… mas antes que eu pudesse sequer falar alguma coisa, Gehenna lança uma de suas armas em minha direção, batendo na minha cabeça e me deixando inconsciente… não sabia se era uma lâmina, ou qualquer coisa que fosse, apenas sabia que tudo isso… talvez… fosse realmente culpa minha.



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