Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 10 – Arco 4

Capítulo 97: O desejo da vingança.

 

Leon

 

Um lugar estranho aparece na minha frente, as paredes vermelhas como se fossem carne… quando percebi, estava de frente com um computador gigante, aquela era… a sala de transmissão, uma sala que normalmente era usada para dar transmissões para a terra… mas neste momento, nada está acontecendo.

Sangue estava saindo da minha cabeça, como se um corte fosse feito. Por mais que fosse difícil, tentei me levantar e ver o que estava acontecendo do lado de fora, era uma tempestade, ou até pior… um furacão.

Desastres naturais são normais no inferno, mas um daquele tamanho… só poderia acontecer caso uma ação fosse feita, de frente comigo estava Thiago, tão perdido quanto eu… sem entender o que estava acontecendo. Nos juntamos e assim seguimos até o portal, que estava desligado.

As únicas pessoas que eram capazes de desligar o portal era a mamãe e o papai, eles tinham poderes que permitiam essa coisa acontecer… mas tinha um medo que fazia meu corpo travar cada vez mais que nos aproximamos do portal. O cheiro de sangue que fazia meu nariz arder era imenso, o calor que já era imenso, começa a ficar cada vez pior, e se aproximando… daquela longa corrida…

— Pa… pai?

Nos meus olhos, algo terrível aparece. Meu coração começa a bater forte, minhas mãos começam a tremer, a cabeça começa a doer.

“Isso… dói…”

O sentimento terrível domina meu corpo, eu não conseguia explicar, mas ver algo tão forte quanto o que estava na minha frente… fazia meu corpo travar de vez, e não só o meu, o de Thiago também. Nos meus poucos momentos de vida, nunca tinha visto um corpo morto, as pessoas sempre apareciam no inferno como se fossem almas, e nada disso importava de verdade… pois eles sempre estavam bonitos.

Mas desta vez, o que apareceu na minha frente não era só uma pessoa morta, eram milhares, vários e vários corpos estavam na minha frente, e não só isso, de costas para mim havia meu pai, que estava com o corpo inteiramente ensanguentado, e também… segurava duas espadas de uma mão, elas estavam completamente vermelhas. Qualquer coisa que eu quisesse falar se perdia em meio aos pensamentos dos outros.

“Droga… eu estou morrendo…”

“Não deveria ser assim…”

Os milhares de pensamentos que existiam naquele lugar eram todos sofridos, e pediam imensamente por perdão… misericórdia ou qualquer coisa relacionada. O medo dominou meu corpo, e assim caí no chão, fazendo meu pai olhar pra trás… a catástrofe estava se aproximando do castelo, mas isso não seria o suficiente para destruir aquela gigante criação.

— Oh… vocês chegaram.

Em seus olhos era possível ver o ódio que estava sentindo, imediatamente percebi que se não fizesse algo perante isso, iria morrer. De alguma forma eu tinha medo da morte, não gostava de pensar que algo assim poderia acontecer comigo, era como se… depois disso não houvesse nada.

Papai tenta abraçar a gente, mas se lembra que não pode se aproximar de mim, caso contrário algo terrível aconteceria.

— O que aconteceu com o portal?...

— Nada, Thiago, foi desativado por problemas internos.

Esses problemas internos provavelmente se referiam ao desastre natural, por um tempo nem cheguei a perceber o que está a acontecendo por ali, por conta disso recuei… deixei de lado o que meu pai queria e procurei a mamãe.

— LEON, VOLTA AQUI!

Corri daquela situação e fui até o castelo, pois…

"Como eu posso acabar com isso? Só há essa forma de deixar todo o inferno em paz!"

Mamãe se preocupava com o inferno e sempre estava correndo atrás de alguma forma para arrumar toda e qualquer situação ruim, mas ela se esquecia de um fator… de que algumas vezes não tem como arrumar a situação, e que de uma forma ou outra sempre acaba piorando tudo alguma vez.

Corri até a entrada do castelo, já que era praticamente a única construção gigante sem ser o portal… o pátio do castelo estava completamente vazio, subi as pequenas escadas, correndo em direção a mamãe.

— MÃE!

Corri o mais rápido que podia, passei por corredores, subi escadas, sabia que não podia demorar demais, já que o papai começou a me procurar também, ele estava sanguinário, pronto para matar quem fosse.

Corri até o quarto dos dois, e lá está ela, mexendo nas gavetas…

— Mãe…

— Leon? O que está fazendo aqui?

— O papai… está maluco…

— Ah… é por um motivo…

Mamãe não terminou de falar, ela sabia o que estava acontecendo, e provavelmente sabia que não poderia esconder nada de mim.

"Ele… está preso no inferno…"

De acordo com os pensamentos da mamãe, papai ficou preso no inferno por uma luta que não deu certo contra o Riki, deus da criação. Isso fez com que ele perdesse o controle e que fosse enviado para o inferno, só que dessa vez sem uma forma de voltar para a terra, pois iria causar problemas a muitas pessoas, isso deixou papai bravo e ao voltar aqui, ele começou a matar milhares e milhares das almas que ainda estavam aqui.

— LEON… CADÊ VOCÊ!!

— Filho, se esconde, eu dou um jeito nisso…

— Mas…

Mamãe cala a minha boca e me joga pra debaixo da cama, pois lá seria um bom lugar para se esconder.

Os passos do papai eram altos demais, e causaram um medo infernal, a dor de cabeça começava a aparecer, o coração batia rápido, mas tapei minha boca e fiquei ouvindo a conversa deles.

— Mulher, onde está Leon?

— Não vi ele, querido… o que você está procurando?

— Já que Riki me botou aqui no inferno, eu vou sair, e sei uma forma de fazer isso.

— Como?

— Retirando o sangue dele do coração dos dois.

Dos dois? Se ele falou algo desse tipo, significa que…

— O Thiago já foi, agora do falta o outro, mas ele correu em sua direção, agora estou procurando.

— Entendi…

"Não faça nada, filho. Vai ficar tudo bem, essa conversa dele querer tirar seu sangue é uma desculpa pra te matar."

Mamãe estava tentando falar comigo pelos seus pensamentos? Mesmo que eu estivesse escutando isso, não poderia responder, mas queria de alguma forma queria saber o que estava acontecendo. Tudo isso foi do nada e papai…

"Não se preocupe, vai ficar tudo bem, eu vou te ajudar de alguma forma, só prometa pra mim uma coisa… que vai continuar o desejo da mamãe."

Aquilo quase me fez chorar. Mamãe tinha o desejo de eu ser feliz, independente do que esteja acontecendo… ela queria me ver feliz, isso porque ela nunca foi capaz de ser feliz, então chegava a um ponto que eu deveria ser. Ela se esforçava mais do que qualquer um, o objetivo dela era fazer seus filhos se tornarem a pessoa mais feliz do mundo. Mas como… como eu seguiria esse objetivo?

Felicidade era um sentimento tão forte que nem conseguia entender…

Antes que eu pudesse sequer pensar alguma coisa a respeito, papai fala:

— Que seja, você já serve.

E segura mamãe pelo braço, levantando o corpo dela. Por um momento ela da um gemido de dor, mas em seguida… ela sorri.

— Tem certeza… que é isso que quer?

Papai não responde, ele só continua fazendo força até que mamãe morresse… eu não sabia o que ele queria, por conta disso meu coração estava em milhões de pedaços, eu amo a mamãe… mais do que qualquer coisa, mesmo que eu não entendesse o mundo, não entendesse as pessoas nem nada do que elas falam… mamãe me explicava tudo e dava um caminho feliz para seguir a vida…

Existia um sentimento que aprendi com os humanos… medo.

Eu queria correr, parar de ouvir tudo aquilo… deixar para trás o que está acontecendo e seguir tudo de novo.

— Você… não vai conseguir… mudar…

— Eu sei!

— Mas mesmo assim… você é a pessoa… que eu mais amo… em toda a minha vida.

A reação do meu pai foi de espanto… e antes que ele terminasse o que começou, um barulho alto e ensurdecedor vinha do portal…

"Vá, meu pequeno filho… corra… e seja livre!"

Sai de baixo da cama e corri. Mesmo sem olhar para trás, sem entender o que estava acontecendo, corri pelo chão avermelhado do inferno, mesmo com raios caindo, chuva forte, furacão, terremoto e qualquer outra coisa… eu corri.

Chorei, lágrimas caíram no chão, deixavam minha visão atordoada, mas não queria deixar para trás todo o sacrifício da mamãe e toda a dor que ela carregava, no final das contas… eu teria que seguir em frente.

Mesmo no final da vida ela sorriu e disse que ama o papai, por que? Por que ela fez isso? No final das contas eu nunca entendi a mamãe, talvez… em algum momento… eu possa entender.

No céu acima existia uma espada voando por cima de mim, era do papai, mesmo agora ele estava correndo atrás de mim, pois ele queria… mais do que qualquer pessoa, sair deste inferno…

Do portal sai um homem, ele estava encapuzado…

"Sai da frente."

Me abaixei e assim ele passou por cima de mim, indo de encontro com o papai, atrasando todo o plano dele… era naquele momento que eu deveria correr mais do que qualquer um, usei todas as minhas forças e alcancei o portal.

Já do outro lado, o que passa pelo meu corpo é uma brisa totalmente fria, escuto barulhos de animais que nunca tinha visto antes… diferente do ambiente caótico e que dava medo, aqui tem um ambiente calmo… e que me passa solidão.

Muitos pensamentos passam na minha mente, eu não entendia nada do que estava acontecendo…

— Calem a boca…

Tampei meus ouvidos, mas mesmo assim estava ali, todas as vozes…

— Parem… por favor…

Percebi que não tinha como controlar, que todas essas vozes estariam comigo para todo o sempre… o que me faz começar a chorar… meu coração estava acabado e tudo aquilo que eu poderia acreditar, tinha sido retirado da minha frente.

Existia um sentimento que aprendi com os humanos… raiva. Eu queria mais do que qualquer um deixar tudo para trás e destruir aquele que destruiu a minha vida, destruiu os meus sonhos e me deixou sozinho no mundo. Lágrimas saíam de meus olhos, e o frio passa pelo meu corpo, a dor de ter que sentir tudo isso me deixava maluco. Não havia nada melhor que estar do lado da mamãe, e escutar as loucas histórias que ela me contava.

— Por que…

Seguro meus ombros e me ajoelho…

Existia um sentimento que aprendi com os humanos… tristeza. Eu estava triste, querendo chorar, desistir, não seguir o que a mamãe pediu, pós em um mundo sem ela, não havia nada que eu pudesse fazer, você me guiava, dava um sentido a minha vida… me fazia feliz, mas agora não tem mais isso, eu não estava feliz… não tinha um sentido continuar, mas mesmo assim… eu tentei me segurar.

— Calma… irmãozinho.

Por trás eu sinto um abraço e essa voz aconchegante… me dava um certo conforto. Meu coração estava em pedaços, mas ao ouvir certos pensamentos, tudo parece fazer sentido.

"Vai ficar tudo bem, eu tenho que salva-lo."

"Só preciso me recompor, aí conseguirei ajudar o meu irmão…"

Quem estava atrás de mim era Thiago, que na minha cabeça… estava morto. Mas ele aparece como um herói, e me levanta sem maiores problemas, com seu corpo todo ensanguentado… ele segue a dar pequenos passos comigo no colo…

Meu desejo era parar de chorar, mas havia um sentimento tão forte no meu coração… que eu não conseguia controlar. A floresta na nossa volta era extremamente colorida, e provavelmente era o lugar mais lindo que já vi em toda a vida.

— Opa… acho que alguém deve segurar as lágrimas.

— Por… que…

— Não se lembra do que mamãe nos ensinou? Temos que rir, ser feliz… não podemos ficar parados e largados dessa forma.

— Mas… não dá…

— Vamos Leon, mamãe pediu algo pra gente antes daqui acontecer…

— …

— Sejam… felizes. 

O sentimento da mamãe era o que eu mais não entendia, ela sempre estava sorrindo, sempre estava feliz… mas não era assim, NÃO DEVERIA SER ASSIM…

— As suas últimas palavras… pedia pra gente ser feliz…

Thiago… soltou uma lágrima, e sem que eu pudesse fazer alguma coisa… eu comecei a chorar, por uma possível última vez, eu chorei mais do que qualquer um. Todo sentimento de tristeza que havia no inferno estava sendo solto agora.

— Vamos… vamos chorar por uma última vez, juntos… depois disso faremos o que a mamãe nos pediu…

Meu coração ouviu o que Thiago me disse, mas meu corpo não, eu continuei a chorar até escutar a voz dos mortos.

Havia mais um poder dentro de mim que não conseguia controlar, “a voz dos mortos”. Esse poder me dava a possibilidade de escutar o que eles tinham a dizer e o que eles queriam resolver, a mesma coisa que eu fazia lá no inferno… mas desta vez, do lado de fora…

Era uma voz que eu sabia bem quem era, que estava muito tempo querendo me dizer alguma coisa…

“O meu desejo?... Você provavelmente quer saber disso, né? Me dê um tempo que eu irei te contar.”

Essa voz parecia estar conversando com alguém… alguém que eu não conseguia ouvir a voz… mas ela continua.

“O meu desejo é que meus filhos sejam felizes, que sigam suas vidas e encontrem o que querem…”

“Talvez eles não tenham a mínima ideia do que querem para a própria vida, mas ainda sim… eu quero que eles sejam felizes. Não penso que irão se lembrar de mim, mas caso aconteça… ficaria feliz em poder guiá-los pelo caminho certo!”

“Levantar uma espada? Do que está falando… eu tenho certeza de que o Leon não seria capaz disso… porque ele me puxou, e ele sabe que eu não tenho capacidade de lutar…”

“O Thiago provavelmente seria um guerreiro, ele puxou bastante seu pai… ele levantaria sua espada e protegeria seu irmão, é assim que eu imagino os dois…”

“Se algo ruim acontecer com eles, eu queria pelo menos encontrá-los do outro lado, mas eu não aceito isso se forem por conta própria, seja lá qual for o caminho que vão seguir… tenho certeza de que terão uma aventura de dar inveja em qualquer um.”

“O que será que vai acontecer? Espero poder vê-los do outro lado, e que eles me contem milhares de aventuras que passaram…”

“Até mais… passarinho laranja.

— Leon… eu tenho uma ideia do que vamos fazer daqui pra frente.

— Hm?

— Eu… vou me vingar. Vou matar ele, e fazê-lo sofrer a pior dor de todas… esse é meu objetivo.

— Mas…

— Mesmo que seja impossível… não quero ouvir o que ele tem para dizer, apenas matá-lo já é o suficiente. Esse é… o meu desejo.

 



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