Medo da Escuridão Brasileira

Autor(a): Marcos Wolff


Volume 9 – Arco 3

Capítulo 80: O início do fim.

Shiori



— Eu me chamo… Hideki Hirai!

Levantei e coloquei minhas mãos na mesa com força. Um sentimento estranho tinha dominado meu corpo quando esse garoto falou alguma coisa, mas… quando bati as minhas mãos na mesa, todos da sala me olharam e um clima estranho subiu no ar…

— Algum problema… senhorita Shiori? — perguntou a professora.

— C-Claro que não professora, está tudo sob controle…

— Bem… pode voltar a se sentar?

— S-Sim…

Fiz o pedido da professora, e agora algo batia na minha mente…

“O que foi que eu fiz?”

Esse garoto sentou logo do meu lado, fiquei cada vez mais constrangida, meu corpo por algum motivo me mandou fazer aquilo, como se ele quisesse falar alguma coisa para esse garoto, mas o que meu corpo teria a falar para alguém que nem ao menos vi na minha vida? Que tipo de comando externo é esse?

Será que são aquelas coisas de filmes de romance? Onde a garota conhece seu interesse romântico a partir de uma cena constrangedora para a garota? CLARO QUE NÃO É SUA IDIOTA!!!! Meu deus… o que está acontecendo comigo?

A primeira aula seguia, e tudo ia perfeitamente bem, conseguia me concentrar no que a professora estava falando e isso me deixava feliz, alguém… em algum lugar me disse uma coisa que jamais esquecerei.

“Ficarei mais feliz caso você vá à escola e volte com um sorriso no rosto me contando o que aconteceu no seu dia a dia. Eu sei que às vezes pode ser chato… mas você tem que ir.”

Por algum motivo me lembro disso como se fosse algo da minha infância… por mais que não sei de nada que aconteceu naquela época, será que é aqueles acontecimentos que rola onde você não se lembra nada do que aconteceu na sua infância? Mas isso não era pra acontecer na idade… mais velha? Será que estou ficando velha demais para essas coisas? Mas… só tenho… 14 anos.

Espera! Alerta!!!... Acho que estou ficando maluca.

— Shiori. 

Quando observei bem a situação, estava deitada sobre a mesa e a professora estava logo do meu lado esperando eu acordar, parece que de alguma forma eu caí no sono… mesmo que não quisesse isso.

— Posso saber o que está fazendo aí?

— C-Claro, senhora professora…

— O que é?

Teria que pensar em uma desculpa rápida para explicar a minha situação, por mais irreal que seja… 

— Veja, não quero levar alguém pra diretoria logo no primeiro dia… então por favor, se comporte… 

— P-Perdão… professora.

As aulas continuaram e tudo ficou tranquilo, Uma hora me foquei no ar e comecei a parar de escutar o que estava à minha volta, apenas escutei o lindo barulho do vento que estava passando pelas janelas abertas. Após tudo isso a hora do intervalo chegou, e lá fiquei por um tempo sozinha apenas conhecendo o colégio que estou.

Andando por aí observei Hideki, o garoto de cabelos roxos que estava andando por aí… ele não estava com ninguém, era uma boa hora de aparecer e tentar fazer uma amizade, mesmo que nunca fiz isso antes… mas precisa estar em um lugar melhor… talvez sozinhos? Mas isso não seria a mesma coisa que se declarar? 

Hideki andava até um canto em específico… começo a segui-lo discretamente.

O lugar que ele foi era no pé de uma árvore gigantesca que ficava acima de uma pequena colina, ele silenciosamente observava a cidade que estava abaixo dele. A nossa escola ficava em um lugar elevado, então dava para ver quase tudo da cidade que estava abaixo da gente, mas nesse lugar… dava para ver além disso…

— Oh, você é a… Shiori, certo?

Sua pergunta foi gentil, sua voz que se desenvolvia como um adolescente era fofa e transmitia um sentimento gostoso e calmo.

— Ah, sim… Você é o Hideki, certo? 

— Sim! Sou Hideki Hirai!

“Diferente das outras vezes, ele falou com mais felicidade no rosto, como se estivesse pronto para começar uma nova amizade… não, não era isso, ele parece diferente, observando todas as memórias agora, esse é sim o Hideki que conheço, diferente do passado que era mais sombrio…”

Estava tão fixada nele que nem observava o lugar à nossa volta.

— O que traz uma garota a esse lugar extremamente chato?

— Eu… quero ser sua amiga.

Falei sem pensar duas vezes, então aquilo se tornou estranho, meu rosto rapidamente ficou vermelho, e Hideki deixou um riso se soltar…

— Desculpe… é que… você é a primeira amiga que faço em anos…

“A partir daqui me lembro de tudo que aconteceu, e como tudo aconteceu perfeitamente, a forma que me lembro de vê-lo pela primeira vez era diferente, será que foi o que mamãe fez com minhas memórias? Eu acho que seria isso…”

As telas se apagam, e tudo na minha volta fica escuro. Uma estrela começa a brilhar na minha frente, era minha mãe…

— Agora que você viu tudo o que aconteceu de verdade… o que me diz sobre?

— Por que mentiu sobre o Hideki?

— Como assim?

— Falar que memórias terríveis envolvendo ele…

— Sim! Existiu memórias terríveis envolvendo ele, principalmente na sua morte.

— Na morte dele? Mas estava logo ali comigo depois.

— Não posso te explicar o que aconteceu com o Hideki, nem mesmo eu sei.

Os olhos da mamãe demonstraram um semblante triste, ela parecia estar arrependida de algo, mas o que a deixaria tão arrependida que nem ao menos poderia falar para a sua filha? Ela viveu todo esse tempo me observando e nem ao menos falou seus motivos para uma criança que apenas queria achá-la, o que levou a tudo aquilo que aconteceu.

Não… não era isso, mamãe sabia o que estava acontecendo, simplesmente não conseguiu evitar, havia algo que falava mais alto em seu coração, como se fosse uma voz misteriosa que falava para deixar sua filha seguir esse caminho e procurar aquela que a pariu de alguma forma. É como ela disse, fez tudo isso apenas para me proteger.

Como… qual é o motivo de uma pessoa ir tão longe da outra? Não… espera, isso me lembra alguém…

Se lembre… Shiori, o que aconteceu após conhecer o Hideki?...

— Filha?

— Mãe… eu quero voltar às memórias e ver o que acontece depois.

— Mas… o que acontece dali pra frente é pra ser o que tem nas suas memórias…

— Apenas quero… por favor!

— Tá…

Sou levada para uma viagem nas minhas memórias novamente, e vejo o que aconteceu… o que na verdade está na minha mente, apenas quero rever essas memórias e pensar melhor nas minhas escolhas, esse é o único momento que posso fazer isso.

Diferente das outras vezes, essa eu cresci sem a mamãe, mas sabia da existência dela, as coisas não estavam indo bem naquela época, praticamente morava sozinha e ficava o dia inteiro pensando no que fazer no próximo… mesmo que nunca fazia nada, mas o que acendia uma chama em mim era o fato de que a mamãe estava mais próxima do que esperava. É isso que quero observar… o quanto a mamãe se sacrificou para me proteger de longe como ela disse?

E não só ela… o Hideki também.

Ambos falaram que faziam de tudo para me deixar feliz… e o que fiz em todo esse momento? Nada. Apenas me deixei ser levada pelas promessas que ambos estavam fazendo pra mim que deixei de lado tudo o que eu mesma queria fazer… dependi demais dos esforços dos dois… e isso não deveria acontecer.

Eu entendi, tinha que em algum momento levantar e começar a andar sozinha, era isso o que Hideki queria no final… que eu andasse por conta própria, deixasse a dependência que estava criando dele… e ainda mais… deixasse de lado toda a dependência que tinha na minha mãe.

Olhar de fora e dizer essas coisas é muito fácil, mas estar na minha pele era extremamente difícil, não tem como justificar meus erros, mas também… não tem como justificar as falas dos outros, Hideki literalmente se sacrificou para me fazer olhar melhor as coisas, me dizer diretamente que devo viver por conta própria… isso não é algo que o Hideki que conheço faria.

Ele não quer que eu ande sozinha, e sim encare meus problemas ao lado dele, pois agora… não estou sozinha. É isso que devo perceber.

Fiquei parada ao meu próprio lado, apenas esperando mamãe deixar as memórias acontecerem na minha frente. Existiam coisas que eu tinha que rever para entender melhor… como cheguei onde estou.

Estava em casa, sentada… esperando as coisas acontecerem, foi logo após eu ter trocado mensagens com o Hideki, mas nesse horário da noite ele já tinha ido dormir. Hideki morava com seu pai e sua mãe e ele amava muito os dois, descobri que moravamos muito perto um do outro, e por isso começamos a ir juntos para a escola, tudo estava indo perfeitamente bem… até o dia que mamãe apareceu.

Ela entrou na casa como se fosse nada e me abraçou, disse oi e tudo mais, não tinha achado isso estranho, pois sabia quem ela era. As memórias sobre a mamãe não tinham sido apagadas, mas… existia no fundo um sentimento estranho de que algo não estava certo, ela apareceu, e começou a descansar em casa.

— Está tudo bem por aqui?

— S-Sim… e você mamãe, o que fez nesse tempo?

— Ah… viagem a trabalho, relaxa que está tudo bem!

Era mais uma mentira, principalmente sabendo o que aconteceu com ela… mamãe queria que eu vivesse uma vida tranquila e sem problemas do que poderia acontecer, era como se ela tivesse plena certeza de que na verdade eu não iria correr atrás dela de novo. Mesmo que seja o contrário do que aconteceu.

Ela me abraça e assim começava a minha vida nova com a mamãe do meu lado.

— Nessa época eu tinha terminado tudo o que tinha acontecido… a minha cabeça poderia finalmente descansar depois de tantas lutas… mas eu tinha sido enganada… e eu sabia disso.

— O que você está falando, mãe?

— Que vendo essas memórias, eu entendi que meu erro não era o que estava pensando…

— O que você pensou?

— Meu erro era não ser uma mãe presente, mas pensando melhor agora, meu erro foi não ter te contado o que tinha acontecido. Logo depois eu te abandonei de novo sem explicação alguma, pois parecia que você iria entender alguma hora, mesmo que não fosse verdade…

Mamãe estava com um olhar triste e me olhou atentamente.

— Eu sabia que tudo isso poderia acontecer de novo, principalmente quando já estava no meio de toda a luta, mas não poderia parar tudo e evitar o que você estava fazendo… o meu erro foi não ter te contado as coisas, não ter te contado que na verdade tudo estava errado.

— Por que… por que você não me contou?

— Estava com muito medo de na verdade você querer ir por outro caminho só por descobrir que seu nascimento foi um erro.

— Isso… realmente machuca.

— Foi um erro mas mesmo assim eu te amo muito, filha… eu não quero que pense que na verdade tudo foi só um erro. Eu sei que foi, mas eu queria passar por cima de tudo isso e te mostrar a vida como ela deve ser, um lugar bom e feliz com as pessoas que amamos, mas eu falhei até nisso.

— N-Não foi isso… mamãe… você não errou nisso.

— Vivi muitos anos pensando em como poderia te contar as coisas, resetei suas memórias muitas vezes só para você esquecer o lado ruim da vida, eu sei que errei em fazer isso… mas não tinha outra escolha!

— Eu sei… eu sei…

— Então… me perdoa… filha, eu não consigo te contar tudo agora…

— Como… assim?

— Deixarei com você todas as minhas memórias, todas as coisas que você deve saber, só assim poderá entender o meu lado e poderá seguir em frente completando seus objetivos.

Eu sabia que deveria fazer uma despedida boa para a mamãe, uma hora ou outra nunca mais ouviria a sua voz e nunca mais poderia vê-la, essa era a última vez.

— Mamãe.

— Oi?

— Eu me diverti muito em todo o tempo que passei com você… então quero te falar algo.

Me preparei.

— Se houver algo após a vida eu quero que me espere lá, só assim poderei falar com mais cuidado tudo o que eu quero, só assim poderei te dizer todos os meus sentimentos! Você pode ter apagado todas as minhas memórias, muitas e muitas vezes, pode ter resetado meus sentimentos também, mas tem algo que nunca vai mudar… é o meu amor por você! O amor que sinto por você… o sentimento bom que domina meu coração, em saber que mamãe na verdade é uma das melhores pessoas do mundo… esse sentimento é muito bom e me dá uma recompensa por ter te visto… uma última vez.

Mamãe segura o próprio choro… e assim ela me olha com uma cara de felicidade.

— Me… me promete uma coisa? 

— O que?

— Que você vai viver… feliz para todo o sempre?

— Claro!

— Logo depois que toda essa luta acabar, e você poder descansar… você pode me contar todas as aventuras que você viveu?

— Sim, eu vou te contar tudo! Vou te contar todas as coisas… um por um, vou fazer você se emocionar com tantas e tantas histórias que vão acontecer, vou fazer você pensar, “nossa, a minha filha é muito louca em…” e só assim você vai poder sorrir de verdade.

— Obrigada… obrigada, filha…

Mamãe me abraça…

— Eu prometo que da mesma forma que você me fez feliz, eu também irei te fazer feliz… mamãe.

E assim… sem dizer um verdadeiro adeus, mamãe some em partículas, e agora… era real.

Continuarei vendo as minhas memórias… e quando eu voltar… poderei dizer tudo para o Hideki, quem sabe ele entenderá e poderá me ajudar com as escolhas?

Bem… vamos voltar, não há tempo a perder… agora eu estou ansiosa para voltar e dizer tudo a ele!



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