Necrose Brasileira

Autor(a): Vinicius Gabriel


Volume 1

Capítulo 1: Sedução Incandescente

O pôr do sol lançou uma gentil e alaranjada luz pelas janelas de vidro que agora se encontravam tão quebradas quanto meu corpo.    

Vez ou outra, esse mesmo brilho era ofuscado pela iluminação artificial do que um dia fora um consultório, porém agora, não era nada mais que uma confusa e macabra arte de mal gosto, uma pintura diabólica e cruel.    

A fraca visão do meu olho esquerdo capitava a oscilação da luz que dançava para mim em algum tipo de sedução incandescente.   

Era certo que a luminosidade do entardecer me confortava mais para a partida — me jogando em uma calma nostalgia, de um tempo em que o mundo ainda era o mundo, e as brasas da forja refletiam seu brilho em meus olhos.   

Porém, sempre que a luz da sala se acendia, eu retornava aquele cenário, a nova realidade que se apossou dos destinos de todos nós.    

Havia sangue por toda parte, nas paredes e no chão, assim como pedaços de vidro quebrado e do piso de mármore, papéis jogados desordenadamente, assim como meu corpo e, uma grande mesa de madeira escura virada no chão.    

Fiz um último esforço inútil para me levantar, e em resposta, senti meu abdômen queimar como uma daquelas brasas na forja. Um líquido quente escorria do meu lado esquerdo e o calor aumentava a minha sede, era como se estivesse no inferno.   

Desejei que meus sentidos não estivessem entorpecidos pelo cheiro de carne podre e pólvora — o qual se tornara mais comum do que eu gostaria — desejei que minha máscara de proteção não estivesse me sufocando, que minha sede e o calor não estivessem me matando, que a dor não turvasse minha mente e, pela primeira vez desde que o mundo se tornou neste mundo, desejei fortemente poder ouvir os fúnebres gemidos “deles” e não aquele maldito zumbido ensurdecedor.    

Me perguntei se seria aquela a última coisa que eu veria antes de partir e se fosse esse o caso, gostaria de ter aproveitado mais aquele belo entardecer.    

Por fim, desejei que ela estivesse bem e, senti minha consciência me deixando. De forma tranquila ela se despedia de mim e eu me despedia “dela”, como se “ela” se encontrasse ali, em frente meus olhos que se fechavam lentamente...   

  

 *******  

  

— Marvin? Ei, Marvin? Tá me ouvindo, cara?    

Eu me preparava para lançar a sólida bola que deveria percorrer a pista e me trazer outra vitória amigável, quando Jhonny me trouxe de volta a realidade com sua voz alegre e agradável, seus jeans rasgados, um cabelo loiro espetado e essa empolgação familiar em sua voz juvenil que me dizia para tomar cuidado.    

— As garotas jogando na outra pista estão olhando para nós, cara. Essa é sua chance. Você sabe que eu já tenho a minha garota, mas quanto tempo faz que você terminou com a sua, hein? Como era o nome dela? Me... Melo... Melody? 

— Melanie. — Respondi tentando não dar tanta confiança as suas palavras. — E eu não preciso e nem quero uma garota.   

— Ah, cara, qual é? Ainda tá nessa? Vamos fazer assim então: nós vamos jogar algumas partidas com elas e se alguma fizer seu tipo... bem, você sabe o final.    

— Não, Jhonny. Eu não sei o final...   

— Olha, só me espera aqui, eu já volto.   

De repente ele se virou, e do meu ângulo só pude ver suas costas se afastando. Sem qualquer vontade de continuar a partida, soltei a pesada bola de boliche e caminhei até o balcão esperando que jhonny fracassasse no que quer que estivesse tentando fazer.    

Era um pouco mais de duas da tarde quando me sentei em um dos bancos no balcão, pedi outra cerveja para a garota ruiva que usava jeans e uma camisa xadrez azul-claro. Ela veio em minha direção, trazendo consigo a garrafa e algumas poucas, — porém, amistosas — palavras.    

— Trago uma para o seu amigo também? Afinal, ele parece mais em clima de festa do que você.    

— Não, só para mim mesmo. Obrigado. — Respondi sem inferir qualquer sentimento as minhas palavras, ou lançar o olhar em sua direção.    

— Então... Trago para alguma das garotas? — Ela perguntou com um tom bem-humorado em sua voz, o mesmo que se mantinha em suas próximas palavras. — Ou vai me dizer que pretende beber sozinho? É meio deprimente, não acha?   

— Na verdade, eu... Eu pensei que isso me ajudaria a encontrar uma forma de escapar daqui, antes que ele volte dizendo que eu preciso conhecer alguém. — Eu disse, com um honesto sorriso em resposta a seu agradável tom de humor.    

— Bem, se esse for o caso, então, você pode sair pelos fundos e, quem sabe me esperar lá? Eu saio para almoçar em quinze minutos.    

A lição que eu aprenderia naquela tarde ensolarada de domingo — agora tão distante em minha memória — seria que, diante do seu jeito amável e atraente, negar sua companhia se tornaria cada vez mais impossível. 



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