Volume 1 – Arco 2

— Capítulo 9: Criatividade —



Nos primeiros dias, eu realmente acreditava que acordar cedo era um fardo reservado às obrigações do mundo adulto. Mas, curiosamente, nos últimos tempos, notei que permanecer na cama após as quatro da manhã tornou-se algo impossível para mim. Talvez esse hábito seja um tanto incômodo — e, ainda assim, não me sinto cansado.

O sol ainda não havia dado o ar da graça, o quarto era banhado apenas por uma luz tênue, suave, prenunciando o nascimento de mais um dia.

Espreguicei os braços e me levantei. O sono não havia sido ruim, mas uma dor estranha me atravessava as costas. Logo entendi o motivo.

Pode soar esquisito, mas depois de dois anos dormindo em acampamentos ou sobre colchões duros como pedra, meu corpo acostumou-se a esse desconforto. Ironia das ironias: agora, as camas “confortáveis” se tornaram, para mim, verdadeiros instrumentos de tortura. Talvez isso explique a dor. Enfim... penso nisso depois.

Lavei o rosto, vesti o uniforme, peguei a garrafa na mochila e bebi um gole do líquido que desceu queimando pela garganta, tentando despertar o corpo adormecido.

— Você realmente não devia beber isso de estômago vazio — disse uma voz conhecida, ecoando em minha mente com um leve toque de sonolência.

— Talvez… mas acho que não faz tanta diferença. E ajuda a acordar.

— Tão esperto pra umas coisas, tão irresponsável pra outras — respondeu Cheshire com seu sorriso característico, enquanto se deixava flutuar preguiçosamente no ar.

Resolvi sair para meu treino e caminhada matinais. De todo modo, sempre os fazia em jejum. E, segundo a plaquinha de horários, os refeitórios de Arcadya só abririam às seis.

Enquanto caminhava pelos terrenos da academia, não pude evitar a admiração pelas estruturas silenciosas ao meu redor. A maioria ainda vazia — o sol sequer havia surgido —, e mesmo assim, ou talvez por isso, havia ali uma paz estranha, quase mágica.

Após um tempo de caminhada, cheguei a uma praça isolada, um pequeno refúgio perto do dormitório feminino e da floresta que margeava o leste da academia. Ali, me aqueci e iniciei o treino de musculação. Ainda era puxado, mas, com o tempo, aprendi a gostar dessa parte.

Quando terminei, limpei o suor da testa e fechei o semblante. Agora vinha a parte que realmente importava.

Com um movimento rápido, saquei Hati e Skoll do coldre escondido sob minhas roupas.

— Você não vai atirar com isso às cinco da manhã no meio da academia, né? — questionou Cheshire com um tom de apreensão.

— Claro que não. Sei que existe uma área própria pra isso. Mas o que quero treinar aqui… é outra coisa.

— Olha só, todo misterioso… — zombou ele, escancarando sua ironia.

A mira nunca fora um problema. Desde que comecei a viver na cabana, algo em mim se aguçou — meus sentidos ficaram mais refinados, quase animalescos.

Mesmo com os ganhos físicos, duvido que consiga enfrentar magia num combate direto. Por isso, preciso ser esperto, explorar cada brecha, cada detalhe do ambiente. E, para isso, o atributo mais valioso é a destreza.

E, claro… a imaginação.

Fechei os olhos e respirei fundo. Ao meu redor, um terreno difícil — árvores, pedras, bancos, muros. À minha frente, projetei uma figura: um vulto translúcido, de feições humanoides e gestos provocativos. Uma imagem mental tão nítida quanto o próprio ar que me cercava.

— Vamos ver do que eu sou capaz — murmurei, esboçando um sorriso animado.

— Oh… interessante — murmurou Cheshire, observando-me com olhos curiosos enquanto eu me movia.

Como se duelasse com algo invisível, saltei de árvore em árvore com movimentos ágeis e imprevisíveis. Usava o terreno como aliado, desviando, bloqueando, aproximando e recuando, enfrentando ataques que só existiam em minha mente.

Trocava de forma frenética entre Hati, Skoll e minha faca de caça. Não atirava, mas recarregava, mirava, acompanhando o alvo imaginário com precisão. Numa investida quase impossível de seguir, saltei entre duas árvores e aterrissei exatamente atrás da figura, cortando o ar com a lâmina.

A imagem se desfez.

Com o rosto suado e a respiração pesada, sentei no chão, exausto… mas satisfeito.

É esse tipo de destreza que eu preciso: manipular três armas sem se embaraçar, enquanto se move e formula estratégias em tempo real. Isso… é difícil pra caralho.

É como correr com uma jarra cheia d’água na cabeça sem derramar uma gota sequer.

Mas, mesmo assim…

— Eu consigo! — murmurei, cerrando os punhos até ficarem brancos.

— Olha só! Treinando com uma imagem mental… ser louco também tem suas vantagens, não é? — zombou Cheshire, flutuando ao meu lado com seu sorriso sempre presente.

— Não é tão difícil… afinal, essa sua versão que estou vendo também não passa de uma imagem mental, certo? Você mesmo disse que dissipou seu corpo durante a assimilação.

— Hehehe… exatamente!

Antes de seguir para o refeitório tomar café da manhã, resolvi voltar ao quarto. Queria um banho rápido para lavar o suor do treino. A água fria, que costumava incomodar alguns, já não me afetava — meu corpo havia se habituado a ela nas manhãs geladas do rio, quando eu ainda estava na cabana.

Ao sair do banheiro e começar a me aprontar para ir ao refeitório, um som inesperado chamou minha atenção: um ronco profundo, vindo da beliche de cima. Finn dormia como uma rocha, a cabeça afundada no travesseiro, um fio de baba escorrendo preguiçosamente pelo canto da boca.

— Esse cara ainda tá aqui?

Aproximei-me com cautela, mas também com pressa. Se não o acordasse logo, acabaria perdendo o horário.

— Ei, Finn, levanta, já tá na hora — falei em um tom normal, sacudindo-o levemente.

— Eu não... olha o senhor Engrenagem... — murmurou, a voz pastosa, mergulhada em algum sonho confuso.

— Acorda, cara, tu vai se atrasar — insisti, desta vez com mais firmeza, sacudindo-o com mais força.

— Ele fez uma máquina tãaaao perfeita... — continuou resmungando, alheio à realidade, com uma expressão sonhadora que só me irritou mais.

Senti a paciência me abandonar. Uma veia latejou em minha têmpora — e num impulso impaciente, dei um soco nele que ecoou seco pelo quarto, lembrando os velhos tempos em que Magnus usava o mesmo método nada sutil pra me acordar.

BOONK.

— ACORDA LOGO, PORRA! — gritei, com o punho ainda formigando.

— Ouch! Já tô acordando, pera aí! — resmungou, sentando-se com pressa, uma das mãos massageando a cabeça no ponto exato do impacto.

— Ei, cara! Que violência é essa? Era só me chamar, pô!

— Tá de sacanagem? — retruquei, esboçando um sorriso que contrastava com a veia pulsante na minha testa.

— Tá, tá bom, foi mal... Normalmente é o Beneditto que me acorda, mas acho que esqueci de trocar o cristal de éther dele ontem...

Enquanto se espreguiçava, Finn desceu da cama de cima com a leveza de quem já tinha prática, pousando ao meu lado com um salto suave.

— Você acorda meio cedo, né não? Bora tomar café?

— Você é que acorda tarde.

O caminho até o refeitório transcorreu sem sobressaltos. A diferença era o sol — agora desperto no céu — que, aos poucos, banhava o ambiente com sua luz suave, revelando um desfile de jovens de rostos amassados pelo sono.

Eu precisava me preparar. Hoje marcava o início dos testes de classificação. Se minha memória não falhava, o primeiro dia estava reservado para a prova prática. Mas o que exatamente nos aguardava? Teste de força? Algum tipo de duelo?

Enquanto mordiscava um pedaço de pão, meus olhos passeavam pelo salão. A maioria dos alunos se dedicava às refeições com apetite. No entanto, um número curioso deles parecia alheio ao café da manhã — estavam absortos em livros, as xícaras de café esfriando ao lado, ignoradas.

— O pessoal aqui é bem estudioso, hein? — comentei, levando a caneca à boca.

— Que nada — respondeu Finn com a tranquilidade de quem empilha panquecas como se estivesse construindo uma torre medieval. 

— Estão só revisando de última hora por causa da prova teórica de hoje.

— O... o quê? Puhh! Cof cof! — quase engasguei com o gole que tomava.

— Pois é. Era pra ser prática, mas ontem colocaram um aviso enorme no salão principal corrigindo isso. Parece que o diretor se confundiu.

Argh. Eu não vi nada disso — fui direto pro dormitório ontem. Que inferno. Mas ainda deve ter um tempinho antes da prova... posso revisar alguma coisa.

— Que horas começa mesmo, Finn?

— Hm... pera aí... — disse ele, calculando mentalmente enquanto dava os toques finais na sua obra-prima — Deve ser em uns dez minutinhos.

— Pshh... COMO É?! — cuspi o café num jato, os olhos arregalados.

Olhei ao redor e percebi, com espanto, que o refeitório estava quase vazio. A maioria já havia partido. Num pulo, agarrei minhas coisas e puxei Finn pelo colarinho.

— Nããão! Minha torre!

— Você não tem nenhum senso de urgência, não?!

Assim que me afundei na cadeira, um raro suspiro escapou dos meus pulmões. A tensão de descobrir a sala correta no painel lotado do saguão principal finalmente se dissipava. Apesar do leve atraso, consegui chegar a tempo.

Finn, infelizmente, ficou em outra sala. E ao vasculhar o ambiente ao meu redor, percebi que quase nenhum rosto me era familiar — ou melhor, alguns pareciam vagamente conhecidos.

Entre eles, a garota de cabelos ruivos que subiu ao palco no dia anterior. Só recentemente percebi que era a mesma insuportável com quem quase discuti no primeiro dia. Lilith, se não me engano. Algo assim.

Havia também o garoto da tempestade — aquele que se apresentou na véspera com tanta imponência. Bolt... alguma coisa. Notei que minha memória para nomes era lamentável.

Ambos exalavam uma calma desconcertante, destoando fortemente do mar de ansiedade que dominava a maioria dos alunos ao redor. Bolt, em particular, suspirava com o tédio de quem achava tudo aquilo uma perda de tempo, faíscas de desdém crepitando em seu olhar.

Foi então que uma mulher imponente adentrou a sala, encerrando imediatamente as conversas dispersas. Cabelos longos, negros como ébano, caíam lisos até a cintura. Os óculos de armação quadrada destacavam seus olhos azuis intensos. O uniforme, impecavelmente alinhado, transmitia uma autoridade inquestionável.

Lembrei-me dela. Antes do diretor tomar o palco de assalto no dia anterior, era ela quem comandaria a cerimônia de abertura.

Serenna Potter.

— Bom dia a todos — começou, a voz firme como aço polido. — Agora daremos início à prova teórica do exame de classificação deste ano.

Ela prosseguiu com as instruções, cada palavra dita com a precisão meticulosa de uma máquina:

— A prova conterá 30 questões e terá duração de duas horas. Ao fim do tempo, questões não entregues serão desconsideradas.

— Óculos e próteses devem ser previamente inspecionados.

— Qualquer tentativa de trapaça resultará na anulação imediata da prova.

— Os resultados estarão disponíveis no saguão ao final do dia.

— Desejo boa sorte a todos.

Sua seriedade era quase intimidadora — havia algo de robótico na maneira como recitava as regras.

Quando o caderno de provas pousou em minha mesa, um frio me subiu pela espinha. Eu nunca fora exatamente brilhante em teoria, mas precisava me sair, ao menos, decentemente. Sacudi a cabeça, afastando o pessimismo, e mergulhei no papel.

— Vamos lá... Eu consigo!

— ...Eu não consigo não!

Desabei no banco do lado de fora da sala, exaurido. Minha confiança evaporara tão rápido quanto surgira.

— Foi bonito enquanto durou, hein? — zombou Cheshire, a gargalhada debochada ecoando como sinos de escárnio. — Mas relaxa, garoto. Com um pouco de sorte, talvez você não fique em último lugar.

Havia uma tênue esperança em mim, e por isso, ousei perguntar:

— Vai que alguém faltou, né? Hehe...

Desgraçado. Só ele pra rir nessa situação.

No fim das contas, consegui terminar apenas três questões. Três. Achei que duas horas seriam mais que suficientes, mas aquelas perguntas iniciais eram quebra-cabeças dignos de um deus matemático. As outras, nem ousei tentar — pareciam enigmas arcanos cheios de cálculos complexos.

Não queria nem ver minha nota. Um desastre completo. Pelo menos, ainda havia o teste prático no dia seguinte.

Saí caminhando pela academia, tentando clarear a mente. Após duas horas de tortura mental, meu cérebro estava quase derretendo. O ar estava ameno, mas a tensão no ambiente era quase palpável.

Foi então que parei. Um rosto familiar chamou minha atenção à distância.

— E-eu juro, não esbarrei em você de propósito...

Um garoto baixo e nervoso gesticulava, tentando conter a escalada do conflito. À sua frente, um loiro de cachos apertados exibia um sorriso malicioso.

— Isso não muda o fato de ter me machucado... Ai, acho que nem vou poder fazer a prova prática amanhã assim. Nesse caso... vai ter que me compensar, não é?

Seu tom era fingido, sua atuação péssima. Mas a ameaça era clara.

O garoto — Mickey Bloodrose — parecia não saber como reagir. Antes que pudesse dizer algo, um braço surgiu de repente, repousando sobre os ombros do loiro com uma familiaridade inquietante. Atrás dele, uma figura conhecida aparecia.

— Ora, se não é o meu grande amigo Fulano!

— Q-quê? Quem diabos é vo... arghh!

A voz sumiu num grunhido quando o braço apertou seu pescoço com firmeza, privando-o de ar.

— Que pena que você se machucou, meu caro! Acho que preciso te levar pra enfermaria, não é?

A voz, ameaçadora, sussurrava como lâmina afiada. O aperto aumentava, e a consciência do agressor ameaçava se apagar.

— Se não quiser que eu quebre seu pescoço... é melhor desaparecer.

Com um último sussurro de veneno, o aperto cessou. O loiro cambaleou para longe, mãos no pescoço, sem coragem de olhar para trás.

— Imbecil.

Mickey estava paralisado. Mas assim que reconheceu o rosto daquele que o salvara, seus olhos se iluminaram.

— A-Artemy?!

— E aí, seu pirralho — disse ele, rindo e dando um tapinha amigável em seu ombro.

— Não esperava te ver tão cedo. Te vi lá na cerimônia!

Mickey falava com animação, num contraste gritante com sua timidez habitual.

— Mas por que você não espantou o idiota antes? Eu sei que você é bem mais forte...

— Ah... é que amanhã tem o teste prático. Não queria machucar ele e acabar prejudicando...

— Você é muito inocente, cara — suspirei, começando a caminhar. Mickey veio atrás.

— Inocente? Mas ele só fez aquilo porque eu esbarrei nele, né?

— Você acha mesmo? Claro que não! Esses caras marcam quem acham fraco. Se você deixar, vão te infernizar até o fim.

— Primeira impressão é a que fica, Mickey.

Ele pareceu pensar seriamente sobre aquilo, o semblante um tanto abatido.

— Mas enfim... como estão seus pais? — perguntei, tentando mudar o clima.

— Ah, eles estão bem. Nos separamos no embarque, mas devem estar em Clocktown ainda.

— Já arrumaram escolta pra voltar pra Yhona?

— Sim! Meu pai disse que conseguiram um grupo de caçadores confiáveis.

— E a prova teórica? Foi bem?

— É... eu fiz ela.

O humor desabou junto com a lembrança.

— Relaxa, tenho certeza que você se saiu bem! — disse Mickey, tentando animar o ambiente. — Aliás, os resultados já devem estar no salão. Vamos ver?

— Bora.

Talvez não tenha sido tão ruim assim...

O saguão estava lotado. Um mar de alunos amontoava-se diante de um painel colossal que exibia a classificação — de 1º até o 5769º. Presumi que essa fosse a quantidade total de calouros.

Antes de procurar meu nome, deixei a curiosidade me guiar até o topo da lista. E lá estava ela. Um sorrisinho involuntário escapou quando li o primeiro nome:

1º Lugar: Annabeth Bloomrise – 30/30 acertos.
2º Lugar: Bolt Storrider – 29/30 acertos.
3º Lugar: Lilith Lionheart – 28/30 acertos.
4º Lugar: Lucy Frost – 27/30 acertos.

Ela realmente era boa nisso...

Mas minha empolgação evaporou ao começar a procurar meu nome. Tentei ser otimista. Comecei pelas centenas: 100, 200, 300... nada. 500, 700, 900... Argh. Tive que mergulhar nos milhares. 2000... 3000... 4000...

A tristeza foi tomando conta. Será que minha prova foi anulada por ter apenas três respostas?

Foi quando uma comoção começou entre os alunos ao meu redor.

— Ei! Olha isso!

— Isso é real? Que absurdo...

— Não faz o menor sentido!

Intrigado, olhei para onde apontavam. E quando vi, quase caí de costas.

9º Lugar: Artemy Von-Doix – 3/30 acertos.

Eles só podem estar de brincadeira.

— Arff... que tipo de ideia foi essa?

No interior de um escritório modesto, aquecido pela tímida chama de uma vela e banhado pela luz prateada da lua que atravessava uma ampla janela, uma mulher suspirava profundamente enquanto examinava uma montanha de papéis.

Três deles, no entanto, destacavam-se com nitidez. Eram cópias das avaliações de três calouros em especial:

Annabeth Bloomrise.
Bolt Stormrider.
Artemy Von-Doix.

— Não faço ideia do porquê ele escolheu essas perguntas... Na verdade, estou mais surpresa que três alunos tenham conseguido respondê-las.

Serenna Potter murmurava para si mesma, os olhos ainda fixos nas provas, quando um súbito brilho púrpura rompeu o ar ao seu lado. Ela sequer ergueu o olhar — já sabia, instintivamente, do que se tratava.

— Yo, Serenninha! Já terminou de corrigir as provas?

Atlas D. Arcadya, diretor da academia, surgiu de uma fenda dimensional com a naturalidade de quem entra por uma porta qualquer, o que, ironicamente, tornava sua aparição ainda mais desconcertante.

— Eu realmente não consigo entender o que você queria com essas três perguntas.

Ignorando a saudação, Serenna lançou-lhe um olhar severo.

— Essas questões seriam difíceis até mesmo para estudiosos da Torre. O que você pretendia dando isso para calouros?

— Ah, qual é! Não vai admirar a genialidade do seu chefe por ter escrito questões tão incríveis?

— Você pediu ajuda ao chefe da Torre, não foi?

— Talvez... Mas esse nem é o ponto!

Jogando-se preguiçosamente em uma poltrona atrás da grande mesa de carvalho, Atlas prosseguiu:

— As perguntas descreviam cenários de combate completamente desfavoráveis. Basicamente, os alunos tinham que encontrar uma forma de sair dali com vida, certo?

— Sim, mas eram situações tão absurdas que qualquer um diria que não havia saída.

— Exatamente! Era isso que eu queria testar. Como eles reagiriam ao se depararem com um obstáculo intransponível? Todos, em algum momento, vão encontrar um desses.

Enquanto se espreguiçava com desleixo, Atlas apontou para os papéis nas mãos de Serenna.

— Sobre os únicos três que conseguiram ultrapassar esse "muro", você percebeu o que há de especial neles?

Serenna, sempre analítica, franziu a testa. Os três haviam respondido com precisão e coerência, mas... as abordagens eram diferentes. Artemy era detalhista e criativo, Annabeth era objetiva e estratégica, enquanto Bolt impressionava pela força e impacto de suas ações.

— Você não entendeu, né? — Atlas riu. — Essas questões não medem apenas conhecimento ou erudição. Elas testam o que não pode ser ensinado.

— Você está dizendo que...

— Exatamente. Criatividade, intelecto e presença. Características naturais, únicas, inimitáveis.

Foi então que tudo fez sentido para Serenna.

A criatividade de Artemy, ao transformar o próprio ambiente em uma extensão de sua vontade, explorando cada detalhe do terreno como uma arma.

O intelecto afiado de Annabeth, que traçava estratégias cirúrgicas com informações que a maioria sequer notaria.

A presença de Bolt, avassaladora, dominando o campo com cada movimento como se fosse um espetáculo planejado.

— Interessante, não? Fica de olho nesses três. Principalmente no garoto das correntes.

— Ainda não consigo entender o que você vê nele...

Serenna reconhecia o brilho de Annabeth — vinda de origens humildes, mas com uma mente brilhante e aptidão para alquimia. Bolt era, indiscutivelmente, o maior prodígio de sua geração, a personificação de honrado. Mas Artemy... ela não enxergava o que Atlas via naquele rapaz.

— Não se trata de potencial, Serenna. Mas sim de escolhas.

— Hmph... Se você diz. — Ela deu de ombros, com desdém.

— E aquelas fichas que eu pedi? Conseguiu?

— As de Noah e Polius? Sim. Segunda gaveta.

— Maravilha! — Atlas colocou os pés sobre a mesa, pegou os documentos e começou a folheá-los com curiosidade.

— Eu sempre quis saber por que você só cuida pessoalmente de alunos tão excêntricos.

— Ter uma característica única pode ser... bem perigoso, sabe?

— Você pensa que algum deles vai te superar?

Atlas abriu um sorriso sincero — mas havia uma sombra melancólica por trás daquele gesto.

— Eu espero que sim.

E assim, sob a tênue luz do escritório noturno, Atlas e Serenna continuaram seus afazeres em silêncio. Um silêncio que, para o diretor, logo se tornou entediante demais.

...

...

Com os olhos semicerrados, ele lançou um olhar pretensioso para sua secretária, que organizava papéis com seriedade.

— Tá afim de abrir um vinho?

— Você não consegue trabalhar por uma hora sem se distrair?

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