O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 26: Almoço Entre Amigos

Os três sentaram-se à mesa da cozinha para almoçarem. Entre garfadas e mastigadas, Daniel, Júlia e Cristiano colocaram a conversa em dia. Por um breve instante o anfitrião parou para contemplar a felicidade estampada no rosto de suas visitas, fazendo-o relembrar de como era bom partilhar uma refeição com amigos.

Os olhos castanhos da garota vieram ao sem encontro.

— A propósito, Dani, quando pedi seu almoço eu não consegui o desconto. Parece que o dono do restaurante acredita nas mentiradas todas que andam espalhando ao seu respeito…

Cris virou-se para ela, e disse com a boca meia-cheia de arroz:

— Ele não era um torcedor da D.A.? — Júlia confirmou com um aceno. — Então por que eu, o maior rival de vocês na Dark Age, também ganhei o desconto?

— Porque ele te admira como jogador profissional — Júlia falou como se fosse óbvio. — Se a Anika, o Gust, o Xin Tao, ou a porra do White Snow fossem almoçar lá, aposto que eles também ganhariam esse desconto especial.

Daniel largou os talheres no prato, encostou os cotovelos na borda da mesa e pôs as mãos no rosto. Depois virou-se para Júlia, e continuou:

— Ele deve me odiar agora. Todos me olham como se eu fosse um pária. Já vi até rumores dizendo que o fim da Dark Age foi culpa minha.

Cris garfou uma batata assada, mastigou e a engoliu antes de acrescentar:

— É… eu vi esse rumor circulando pelas redes sociais.

Daniel teve um lapso de tristeza. Seus olhos agora semicerrados miravam o prato de comida. Ele respirou fundo.

— O pior de tudo é que não posso fazer nada… não por enquanto — admitiu com pesar. — Ninguém relevante está disposto a se arriscar em dar voz ao meu lado da história.

— Nós deveríamos ajudar de alguma forma — Júlia disse virando-se para Cris.

Enquanto isso, a comida nos pratos esfriava.

— Impossível — acrescentou Cristiano. — Todas as evidências, e até a sentença judicial, foram em favor de Emerich e companhia.

— Você leu a sentença? — Júlia perguntou, espantada.

— Sim, eu fiz uma pequena investigação do caso, mas não achei nada que pudesse ajudar.

Após ouvir as palavras do capitão da Red Crows, ela olhou com pesar para Daniel, ainda cabisbaixo.

Em seguida, Cris expirou fundo e se levantou, foi até a geladeira, abriu o freezer e retirou três cervejas de lá. Quando voltou à mesa, deu um tapa solidário no ombro do amigo e o confortou:

— Não fique assim, desanimado desse jeito, isso não combina com você.

Júlia concordou e ajudou a animá-lo:

— O Cris tem razão. Você esteve sempre ao meu lado para me levantar quando eu ficava para baixo.

Daniel ergueu a cabeça, respirou fundo e tomou um pouco da cerveja artesanal que o amigo ofereceu. Ao dar o primeiro gole, o paladar foi inundado por um gosto amargo, quase podre.

— Uma delícia — mentiu, lutando para não transparecer o desgosto pela cerveja do pai do amigo.

Por sorte Cristiano não notou as caretas de desgosto que exibiu durante uma fração de segundos.

Júlia pousou os talhes sobre o prato vazio em sua frente, então foi sua vez de experimentar a bebida. Como uma guerreira ela bebeu quase metade da garrafa de uma só vez. Daniel ficou boquiaberto. E quando ela viu o olhar surpreso dele, manifestou-se:

— Que foi?

O anfitrião abriu a boca para expressar sua admiração, mas antes que a primeira sílaba fosse proferida, Júlia teve um espasmo, sucedido de uma soluçada altíssima que a fez tapar a boca com a mão.

Daniel e Cris caíram na gargalhada, mas o capitão da Red Crows estava bebendo da garrafa quando aquilo aconteceu, toda a cerveja em sua boca foi expelida contra a pia, porém, algumas gotículas acertaram a garota.

As bochechas dela enrubesceram, então xingou ambos, principalmente Cris. Mas no fim, quando repassou aquilo tudo em sua cabeça, começou a rir de si mesma, provocando ainda mais soluços, que potencializaram ainda mais os risos dos outros dois.

Demorou para os três voltarem à normalidade. Cris pegou o pano largado ao lado da pia e começou a limpar a sujeira que fez, mas Daniel virou-se em sua direção.

— Pode deixar que eu limpo.

— Fui eu que fiz essa porcalhada toda.

— Mas você é minha visita, então sossega o rabo.

Cris revirou os olhos e se deu por vencido.

— Certo, certo. Então vou deitar um minuto na sala e esperar a comida descer.

Ele largou o pano na pia e caminhou arrastando os pés para fora da cozinha.

Daniel encarou seu prato quase vazio. Em poucas garfadas finalizou o montinho de arroz, depois pegou o pedaço de frango frito com a mão e o devorou até restar apenas o osso.

Os cotovelos de Júlia estavam sobre a mesa, as mãos juntas com os dedos entrelaçados segurando o queixo. Os olhos dela o encaravam com uma expressão curiosa.

— Isso tudo era fome? — ela perguntou.

Ele anuiu com um aceno de cabeça, então reparou no prato dela, impecável de tão limpo,

— Posso dizer o mesmo de você… o peixe estava bom?

— Ótimo como sempre. A tilápia de sampa não se comparada com a nossa.

Os dois pegaram suas respectivas cervejas e as finalizaram ao mesmo tempo.

— Isso é uma droga, como você conseguiu beber tanto de uma vez? — Daniel perguntou.

— Xiu! — Ela chiou levando o dedo indicador aos lábios. — Ele pode ouvir a gente de lá da sala.

Os dois ficaram em silêncio durante um minuto. Júlia então se aproximou de Daniel e murmurou perto do rosto dele:

— O pai dele se divorciou há pouco tempo, e acabou mergulhando de cabeça na fabricação de cerveja artesanal. Eu só estou dando uma forcinha, sendo gentil, entendeu?

Daniel fez que sim com cabeça. Eles se olharam e abafaram um riso ao pensarem na situação. Quando o clima voltou a esfriar e o silêncio tomou o cômodo, Daniel falou:

— Deixe que eu lavo a louça, vá lá na sala fazer companhia ao nosso amigo eternamente desanimado.

Ele levantou da mesa com o prato na mão direita, em seguida estendeu a outra para pegar o prato da garota, que o afastou de seu alcance, e retrucou:

— Nada disso, eu vou secar a louça.

— Problema seu — Daniel deu de ombros.

A dupla empilhou a louça na pia. Enquanto ele lavava os primeiros pratos, ela limpava a mesa e a nojeira cuspida pelo homem que agora relaxava na sala. Assim que tudo estava limpo, Júlia parou ao lado de Daniel e começou a secar a louça.

Houve um minuto de silêncio onde se ouvia nada além do som da água escorrendo nos pratos e o barulho da louça sendo guardada no escorredor preso à parede.

Ambos buscavam alguma forma de quebrar o gelo.

— Como é estar na Red Crows? — Foi Daniel quem encontrou um assunto pertinente.

— É… bem diferente.

— Diferente bom, ou ruim?

Ela hesitou um instante, então respirou fundo, e respondeu:

— Falta aquela camaradagem entre os membros da equipe — finalizou virando-se para ele, o prato em suas mãos gotejava.

— Talvez falte alguém para servir de exemplo. Você já tentou se enturmar com eles?

Júlia admitiu após um demorado suspiro:

— Sim.

Ela olhou por trás do ombro, para o vão entre a cozinha e a sala, então hesitou um momento, depois ergueu o rosto e encarou Daniel com os lábios contraídos.

— O que foi? — Ele quis saber.

A garota se aproximou e sussurrou:

— É o Cris.

Daniel arqueou as sobrancelhas e coçou o queixo.

— Eu gosto muito dele. Ele é um grande amigo e um excelente jogador, talvez tão bom quanto você, mas como líder… eu não sei…

— Ele trata vocês mal?

— Não, não é isso. Ele trata a gente muito bem, é só que… ele… ele não nos inspira. Pelo que pude ver do time principal, falta aquela conexão, aquela química entre o pessoal.

— Você sentia isso na D.A?

Ela acenou que sim.

— Tinha quem eu não gostasse na Dark Age. Depois daquela derrota na semifinal as coisas azedaram muito, mas eu ainda sentia uma ligação muito forte com quase todo mundo.

— Você sentia alguma ligação comigo?

Júlia terminou de secar o copo e depois o guardou no escorredor. Em seguida fuzilou o rapaz com um olhar, torceu o pano e o usou para chicotear a bunda dele.

Daniel soltou um breve e contido grunhido de dor. Ousou pegar a ponta flexível da torneira para se vingar molhando-a, mas ao contemplar o belo vestido que ela usava e o rosto piedoso estampado em sua face, hesitou.

— Covarde — ela provocou.

Daniel segurou a mangueira da torneira, mirou-a acima do rosto da garota e cobriu parte do cano com o polegar.

A pressão aplicada à torneira lançou um jato d’água contra o rosto de Júlia. Ela tentou se proteger tapando o rosto, mas não foi rápida o suficiente. Quando as mãos cobriram sua face, Daniel já havia retornado a mangueira de volta à pia.

Ela baixou as mãos, revelando a face humilhada de alguém que morreu por dentro. Daniel abriu a segunda gaveta da bancada e pegou um pano limpo para oferecer a ela.

— Obrigado — disse Júlia antes de secar o rosto.

A lavagem e secagem da louça prosseguiu em um clima bem-humorado, pontuado por conversas descontraídas a respeito de suas vidas. Assim que ela guardou o último copo, algo chamou sua atenção.

— Está quieto demais.

Daniel tentou entender o que ela queria dizer, o único som se propagando em seu apartamento era o ruído da geladeira e a conversa de um programa passando na televisão

Quando Júlia viu a face confusa dele, especificou:

— O Cris, ele está muito quieto.

— Você acha que ele está nos espionando?

— Dani, ele não é uma criança.

— Eu sempre desconfiei dessa pose séria e apática dele.

Júlia bateu o indicador da mão direita repetidas vezes contra sua cintura.

— Eu vou dar uma espiada nele.

Daniel assentiu. Ela andou na pontados pés até o vão que ligava a cozinha e a sala. Júlia espichou o pescoço para ver melhor. Seus olhos arregalaram.

— Dani, vem cá! — ela ordenou, sussurrando e gesticulando as mãos para que viesse depressa.

A face de Daniel, antes calma, agora refletia a preocupação causada pelo tom de voz dela. Então andou até ela, tentando não fazer barulho, e quando espiou para ver do que se tratava, um riso escapou.

— Dormindo como um anjinho — Júlia sussurrou com uma voz doce.

Na poltrona favorita de Daniel, à direita do sofá onde deitara-se horas atrás, Cris cochilava com a boca semiaberta, soltando pequenos roncos intermitentes, seu longo cabelo negro se derramava pelo tecido da poltrona reclinada para trás.

— Como um anjinho? Só se for o Lúcifer.

— Lúcifer era loiro — corrigiu Júlia.

— Era Gabriel quem tinha o cabelo loiro, Lúcifer tinha um cabelo escuro, e curto.

— Você está viajando, de onde foi que tirou isso?

Daniel encarou-a por um minuto, então perguntou.

— Por que a gente está discutindo isso?

— Foi você quem começou.

— Está bem, isso não importa, mas por que ele pegou no sono?

Júlia pôs a mão no queixo e refletiu por um momento.

— Acho que tem dormido pouco ultimamente, em torno de duas ou três horas por dia. Ao menos foi o que notei vendo os treinos dele e conversando com o pessoal do time principal.

Daniel sentiu uma pontada de preocupação, pois aquele sujeito tinha uma determinação tão forte quanto a sua, foi um dos poucos no mundo a dominar a classe considerada por muitos como a mais difícil de controlar em Nova Avalon Online.

Ele suspirou fundo, pousou a mão esquerda no ombro dela, encarou-a e disse:

— Cuide dele, está bem?

Júlia ficou sem palavras, tentou abrir a boca para proferir qualquer coisa, mas as palavras entalaram em sua garganta. A história de Cristiano dentro da Dark Age era tida como uma tragédia abafada durante anos.

— Eu… é claro.

Ele tirou a mão do ombro dela, a expressão melancólica desapareceu de sua face, sucedida por um pequeno sorriso e uma frase brincalhona:

— Que tal a gente acordar nosso príncipe encantado?

— Mas seja delicado.

Os dois pararam em frente à poltrona de três lugares, Júlia sentou-se primeiro, escolhendo o canto direito, mais próximo à poltrona onde Cris cochilava como um anjo. Ao ver que o amigo hesitou um momento, falou:

— Senta aqui do meu lado — Ela bateu com a mão direita no lugar indicado. — Era só o que me faltava você sentar na outra ponta.

Daniel deu de ombros e sentou-se ao lado dela. Quando os dois se acomodaram no sofá, ele sacou o celular e aumentou o volume da televisão aos poucos. No momento passava uma entrevista exclusiva com um dos chefes da equipe narrativa do jogo.

Os dois acompanharam a entrevista com atenção, por um momento até esqueceram que Cris estava na sala, mas nesse meio tempo o capitão da Red Crows teve um espasmo, o corpo tremelicou em um solavanco, e um ronco altíssimo fez Daniel e Júlia sobressaltarem de susto.

Os olhos cansados e semicerrados de Cris foram de um canto para o outro do cômodo, então se fixaram nos dois sentados no sofá ao lado.

— Foi mal, acabei caindo no sono. A comida estava boa demais. — Terminou dando tapinhas em sua barriga magérrima.

— Daqui a meia hora vai ter uma entrevista exclusiva da Anika, vocês estão afim de ver? — Daniel perguntou aos visitantes. — Parece que terá uma grande revelação.

— Claro — Júlia respondeu.

— Está bem, vamos ver o que a santa tem para nos mostrar — falou Cris, se ajustando na poltrona.


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