O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 27: Estrela do Nordeste

Na sala do apartamento de Daniel, Cristiano tirou os olhos da televisão e se ajeitou na poltrona reclinável antes de perguntar aos dois sentados no sofá:

— Que horas começa a entrevista da Anika?

Daniel pegou o celular na mesinha e conferiu as horas, eram 13:27.

— Daqui a três minutos — falou recostando-se no sofá.

Júlia, que sentava a sua direita, arqueou as sobrancelhas levantou uma pergunta.

— O que vocês acham que ela vai revelar?

— Eu chuto que é a escalação da equipe — disse Cristiano.

— Não — respondeu Daniel. — A escalação foi anunciada um pouco antes de vocês chegarem.

— Então eu não faço ideia, quero ser surpreendido.

O capitão da Red Crows finalizou se afundando na poltrona. Os três se calaram durante um minuto. Nada se ouvia além da propaganda passando no televisor, e quando ela chegou ao fim, a vinheta do programa mais esperado entrou no ar.

— É agora — Júlia disse enquanto se ajeitava no sofá.

Um homem com o cabelo pintado de branco sorria para seus espectadores, no canto inferior direito da tela brilhava o termo “LIVE”, indicando que a entrevista aconteceria ao vivo.

Momentos depois, o homem se apresentou.

— Boa tarde nação avaloniana, sejam bem-vindos a mais uma edição do Depois da Arena, o melhor programa dedicado à Nova Avalon de todo o Brasil.

Na altura de sua barriga avantajada apareceu o seu nome artístico: “Kronos”.

— Hoje tenho o prazer de trazer a vocês uma entrevista exclusiva com a capitã da Starfall.

Ele virou-se para a direta. A câmera se afastou, revelando a mulher sentada em um sofá de veludo vermelho.

— Que vestido lindo — Júlia falou suspirando.

Daniel reparou na vestimenta da convidada, um longo vestido azul marinho que descia até as canelas. Os brincos, anéis, pulseiras e tornozeleiras eram todos dourados e reluzentes.

E entre tantos itens caríssimos, um crucifixo de madeira pendia em seu pescoço.

Daniel perguntou-se quanto deveria custar aquelas roupas e acessórios. Imaginou que o preço deveria estar na casa das dezenas de milhares de reais, porém, no fim das contas aquilo tudo fazia jus a beleza e ao porte da mulher.

Anika levou a mão direta à cabeça e alisou os longos fios de seu cabelo dourado e lustroso. Naquela instante o seu nome real, codinome, posição e equipe apareceram na tela.

Ana “Anika” Cardoso

Capitã da equipe profissional Starfall E-Sports

Kronos se aproximou da entrevistada.

— Anika, você não faz ideia do quão feliz eu fiquei quando aceitou vir ao nosso estúdio para dar essa entrevista. Se eu disser que estou honrado, esse seria o eufemismo dos eufemismos. Então minha querida, como você está?

Anika exibia uma face serena antes de responder:

— Estou ótima, é uma honra estar no maior e melhor programa sobre Nova Avalon do mundo. — As palavras eram proferidas com um charmoso sotaque cearense.

A câmera voou para perto de Kronos, ele estremeceu com as palavras da convidada.

— Vocês ouviram? Foi ela quem disse.

Ela sorriu, então seus olhos verdes foram de encontro à câmera. Os três espectadores diante do televisor ficaram perplexos, até Júlia. Porém, a convidada tinha ainda mais uma cartada, após o sorriso cativante, ela deu uma piscada com o olho esquerdo.

— Pronto! — começou Cristiano. — Agora o fã clube dela terá milhões de novos seguidores.

Ele arqueou a coluna para frente, encarou Daniel, e perguntou:

— Você que é um cara boa pinta, por que nunca deu uma entrevista assim?

O anfitrião ignorou o comentário e continuou prestando atenção na entrevista. Kronos estava sentado em sua poltrona, localizado ao lado do sofá onde se encontrava a convidada.

— Antes de partirmos para as perguntas mais quentes, que tal nos contar de onde veio o codinome Anika?

— Ele surgiu quando eu ainda era pequena, minhas amigas costumavam me chamar de Aninha, então eu juntei esse apelido ao meu sobre, Cardoso, e dei uma adaptada para ficar mais sonoro.

— Mas vem cá, como se pronuncia corretamente: é Ânika, Ánika ou Aníka.

— Pode me chamar como quiser que eu entendo, mas eu falo Ânika.

Kronos balançou a cabeça antes de partir para a próxima pergunta.

— A Starfall ficou em segundo lugar este ano na fase nacional, e por conta disso não se classificou como representante do Brasil no mundial, mas quais são as suas expectativas para o ano que vem agora que o time mais forte do país foi… desmontado.

Aquelas palavras atingiram Daniel e Júlia em cheio.

— Eu já estava confiante de que a nossa equipe era capaz de vencer, mas se o nosso maior concorrente está fora do caminho, as coisas ficaram mais fáceis.

— E a respeito da Red Crows, eles te intimidam tanto quanto a saudosa Dark Age?

— Entre nós três a D.A. era a mais forte em praticamente todos os quesitos. A força da minha equipe está no trabalho em grupo e em minha capacidade de formular boas estratégias e tomar decisões no calor do momento. Eu sei que ainda não sou forte como o Crown em uma batalha direta. E também estou ciente de que ainda não consigo criar estratégias tão eficientes quanto o capitão da antiga Dark Age.

— Eu… peço perdão, mas você não respondeu à pergunta — Kronos parecia estar cometendo um pecado quando falou.

— Não, eu não acho que a Red Crows é tão assustadora como a D.A. costumava ser. E não vai ser comprando a conta de Dante e contratando a minha melhor amiga que o senhor Cristiano vai me fazer perder uma noite de sono.

Quando ela acabou de falar, um sorriso confiante e um olhar penetrante formaram-se em seu rosto.

— Eu… odeio… essa… megera — grunhiu Cris, cerrando o punho direito enquanto se adiantava até a ponta da poltrona.

— Eu, melhor amiga dela? — perguntou-se Júlia. — A gente se dava muito bem, mas eu não sabia que ela me considerava sua melhor amiga.

— Talvez seja difícil arranjar amigas sendo tão bonita — Daniel provocou.

— Aham… com certeza esse é o problema — Júlia respondeu transbordando sarcasmo.

Eles voltaram a prestar atenção no televisor. Kronos olhava para a tela do tablet em sua mão.

— Anika, acho que já chegou a hora de você nos revelar sua grande surpresa.

A convidada acenou para alguém fora da visão das câmeras. Um jovem garoto se aproximou, ouviu o que ela tinha para dizer, depois retirou um volume do bolso e entregou nas mãos dela, e depois se afastou.

O objeto era um celular, a convidada mexeu nele durante um tempo, o que deixou Kronos incomodado por arruinar o ritmo do programa.

Ao terminar, Anika largou o celular, olhou para o convidado, e disse:

— Eu prometo revelar quando essa transmissão bater dez milhões de espectadores.

— Mas, mas o nosso recorde é de cinco, e… agora estamos com quase dois — Kronos balbuciou piscando o olho dezenas de vezes. — Você não acha que está pedindo demais? — finalizou com um sorriso nervoso.

— Talvez — ela admitiu. — Mas eu confio na torcida da Starfall, espero que meus queridos fãs espalhem essa transmissão para as milhões de pessoas do nosso país que jogam Nova Avalon.

Kronos estava perdido, sem palavras, pois acabara de ser dominado por sua convidada. Restou-lhe apenas passar a bola.

— Bem… que tal eu ler algumas perguntas de nossos expectadores?

Anika anuiu com um aceno. As perguntas foram feitas e ela foi respondendo as mais relevantes.

A equipe do programa adicionou no canto da tela um contador que mostrava em tempo real o número de expectadores acompanhando o programa.

E para a surpresa de todos que assistiam, o contador aumentava em uma progressão assustadora a cada pergunta respondida pela convidada, de dois milhões já havia subido para mais de três e quinhentos.

Os três em frente ao televisor da sala ficaram boquiabertos.

— Essa maldita sabe se vender, tenho que admitir — disse Cristiano.

Júlia virou-se para Daniel.

— Ela é… incrível, né?

Não tinha como discordar de uma verdade daquelas, por isso ele completou:

— Toda essa jogada de marketing só me deixou mais curioso com a suposta revelação.

Levou vinte minutos para o contador de espectadores bater a marca de dois milhões, mas demorou doze para chegar a três, e menos de seis para cinco. Agora era difícil de acompanhar a casa das dezenas de milhares de tão rápido que o número subia.

— Assustador — suspirou Cris.

— É o efeito Anika — disse Daniel.

Um ressoar de aplausos ecoou vindo do televisor, o número 10.000.000 piscava em dourado no centro da tela.

— IN-CRÍ-VEL! — Kronos anunciou levantando-se da poltrona. — Nunca imaginei que isso era possível, mais de dez milhões de pessoas estão nos assistindo.

Enquanto o apresentador descrevia o quão especial era aquele momento, um homem e uma mulher vestindo a camiseta azul e dourada da Starfall se aproximaram de Anika, o primeiro trazia em mãos algo que Daniel estipulou ser um óculos de realidade virtual.

Ao ver aquilo, Kronos se aproximou da convidada.

— Isso faz parte da grande surpresa?

— Eu sou uma jogadora profissional, é claro que a minha surpresa está dentro do jogo.

O apresentador sorriu de orelha a orelha e logo voltou a sua poltrona.

— Conexão estabelecida — disse a mulher ao lado de Anika.

— Óculos configurado — disse o homem.

Anika segurou nas mãos dos dois antes de os dispensar com um tom de voz solene:

— Obrigado meus anjos, agora é comigo.

Os dois se apressaram para longe das câmeras do estúdio.

— Posso compartilhar a visão dos óculos nessa tela? — Anika perguntou apontando para o telão cobrindo a totalidade da parede atrás deles. No momento ele exibia um vídeo dos melhores momentos da carreira da convidada.

— Mas é claro que sim — Kronos gesticulava para sua equipe dar o “ok” na conexão óculos-telão.

O clipe do avatar dela, uma guerreira em armadura pesada brandindo uma lança, foi substituído por uma paisagem em meio as nuvens, com o pico das montanhas longínquas se estendendo pelo horizonte.

A visão da paisagem mexia conforme Anika movia sua cabeça.

Agora estamos vendo pelos olhos do avatar dela, ponderou Daniel.

— Mas que lugar maravilhoso é esse? — perguntou Kronos.

No apartamento de Daniel, o rapaz respondeu junto com a entrevistada:

— O Vale da Tranquilidade.

Ao mesmo tempo que as palavras saíam da boca deles, um falcão de proporções épicas deu um rasante que por muito pouco não atingiu Anika.

Ela virou-se para trás, na direção para aonde o falcão rumava. Um rugido grave, inumano e furioso ecoou pelas montanhas momentos antes de uma labareda de chamas vermelhas engolir o falcão.

Um gralhar agudo de dor ecoou em seguida. Uma coluna escamosa se ergueu diante dos olhos de Anika. Asas longas e marrons envergaram em toda sua plenitude.

A criatura ascendeu ainda mais aos céus, então virou-se aos poucos, planando em direção à Anika.

Dentro do estúdio a entrevistada olhou para baixo. O avatar no telão fez a mesma coisa. Daniel esperava ver a típica armadura pesada, azulada e quadrática da guerreira, mas o que viu o deixou sem palavras.

No peitoral, uma couraça preta e dourada, ainda mais grossa e larga que antiga, mas repleta de segmentos curvados e afiados, lembrando muito a estéticas das patas de ferro da sua forma de urso aprimorada.

Ao longo das pernas, braços, pés e mãos, camadas semelhantes se sucediam. E enquanto ela exibia sua nova armadura para as milhares de pessoas que assistiam, o dragão se aproximava.

Anika então removeu sua proteção facial, até então a peça de equipamento não era visível por conta de o telão mostrar apenas o que seus olhos enxergavam.

Nas mãos ela agora segurava uma tiara dourada cuja parte traseira era decorada por um par de asas de dragão, parecidas com as da criatura que se aproximava.

Daniel se levantou do Sofá, o coração pulsava à mil. Os olhos arregalados de Júlia e Cristiano acompanharam seu movimento.

— Não pode ser — disse ele. — Ela… uma Matadora de Dragões? — proferiu o título dos guerreiros mais venerados do oeste do mundo de Nova Avalon.

De volta ao mundo do jogo, Anika recolocou sua tiara e empunhou sua lança negra, longa, com mais de dois metros de comprimento. E assim com a Perdição das Víboras de Ragnar, a cabeça da arma era decorada com a cabeça de uma criatura, um dragão dourado.

— Impossível. — Cris avançou tanto para a ponta da poltrona que suas nádegas quase não encostavam mais no estofamento. — Isso é… injusto.

O dragão estava a poucos metros do avatar. Anika brandiu a lança aos céus e assoviou. As asas do dragão pararam de bater. Ela flexionou os joelhos, acumulou energia, e saltou para o alto.

A força e velocidade daquele movimento turvaram a visão da câmera, era impossível dizer onde ela estava e para aonde estava indo. Então, segundos depois, as mãos dela tocaram a cabeça do dragão. Anika olhou para os lados, as asas do dragão batiam a um ritmo vagaroso, e a montanha onde estava momentos atrás agora diminuía no horizonte.

No país inteiro, milhões de espectadores ficaram atônicos em suas casas, nas ruas e onde quer que houvesse a tela de um aparelho conectado à internet.

O contador de espectadores bateu a marca de 32 milhões.

A tela do estúdio escureceu, a conexão foi desfeita. Anika segurava os óculos de realidade virtual nas mãos.

— Espero que tenham gostado. Infelizmente eu preciso resolver umas pendencias de minha equipe.

Kronos se levantou, correu até ela e implorou:

— Incrível, mas o que foi aquilo? Você adquiriu uma classe lendária? Como ela se chama? Como você conseguiu ela? Conta pra gente!

— Vocês irão saber mais durante o campeonato do ano que vem, mas até lá… — Ela pôs o dedo indicador nos lábios e se afastou caminhando para trás.

O cameraman do programa tentou segui-la para além do set de filmagem, mas foi impedido por Kronos.

— Deixe ela em paz.

Enquanto isso, no apartamento de Daniel, os três olhavam de um para o outro.

***

O televisor agora transmitia uma gravação do momento que Anika revelou sua grande surpresa ao mundo. Kronos, o apresentador, comentava em detalhes cada nuvem, cada pedra e cada um dos segmentos da nova armadura da capitã da Starfall.

Seu tom de voz exalava a satisfação vinda do número de espectadores simultâneos que, desde a saída da convidada, subiu para a impressionante marca de 38 milhões.

Na sala do apartamento de Daniel, Cristiano cobriu o rosto com suas mãos pálidas, cobertas pelos longos fios negros do seu cabelo. Júlia, por outro lado, olhava com olhos arregalados o vídeo de revelação pela quarta vez. Já Daniel ainda ponderava sobre aquilo tudo.

— É como se um meteoro tivesse caído na Terra — disse a garota estupefata.

— Pior — lamentou Cristiano após tirar as mãos do rosto.

— Podem dar adeus a uma classificação garantida para o mundial desse ano… — disse Daniel. — Vocês vão precisar se esforçar muito para ganhar dela agora.

— Mas… será que uma classe lendária nas mãos dela vai fazer tanta diferença? — Júlia agarrou-se aos últimos resquícios de esperança.

— A Anika era a terceira melhor do Brasil no quesito talento individual, mas a força da Starfall não vem da força individual de cada um de seus integrantes.

— Eu sei disso — admitiu Júlia. — O trabalho em equipe deles era comparado ao nosso.

— Ao de vocês no ano passado… — interveio Cris. — Mas eu soube que depois da derrota na fase nacional eles trocaram os elos fracos da equipe principal por duas estrelas que brilharam no Torneio Desafiante.

— Mas vocês fizeram o mesmo — Daniel olhava para Júlia.

— Dani, você está esquecendo que eu ainda estou no nível 43, falta muito para eu alcançar o nível competitivo. Vou ter sorte se eu conseguir evoluir a tempo de participar da primeira fase.

Ele ficou chocado com a diferença de nível entre eles, o novo avatar dela já tinha o dobro do nível de Ragnar.

— Qual classe vocês acham que ela conseguiu? — Cris perguntou.

— Algo relacionado com dragões, disso podemos ter certeza — sugeriu Daniel.

— Mas é muito cedo para fazermos suposições, não temos ideia das novas habilidades e mecânicas que essa classe é capaz de fazer.

— Por ser a evolução lendária da classe guerreiro, sabemos que vai causar muito dano e ser muito resistente — disse Cristiano, mas quando pensou no que acabara de falar, ele se corrigiu: — Não… falei merda. Aquele salto para subir no dragão foi muito alto e rápido. Ela vai dar muito trabalho.

Por um tempo os três continuaram teorizando sobre a nova classe de Anika.

O programa chegou ao fim, Kronos se despediu da audiência, mas o assunto continuava a ser debatido entre os três. Levou quase uma hora para eles pararem de falar a respeito da capitã da Starfall.

Mais tarde, na sacada do apartamento, os três relembravam dos dias na Dark Age, cada um segurava uma garrafa daquela cerveja artesanal horrível, porém, com o passar do tempo, Daniel sentia seu paladar se acostumar ao gosto estranho da bebida.

Não tardou para a noite chegar acompanhada de rajadas frias de vento. Era perto da meia-noite, Cristiano virou a última garrafa, pousou-a sobre a superfície da mesinha de vidro em sua frente, e anunciou:

— Foi um dia maravilhoso, mas eu preciso voltar ao hotel. Infelizmente o passeio pela cidade vai ficar para outro dia, mas foi muito bom ver você novamente — finalizou olhando para Daniel.

— Eu que agradeço a visita. Mas porque não passa a noite aqui? Eu comprei um sofá superconfortável para essas situações.

Cristiano se levantou da cadeira ao mesmo tempo que uma rajada de vento empurrou seu longo cabelo para trás.

— Agradeço a oferta, mas vou recusar.

Daniel também se levantou.

— Eu insisto, durma aqui.

— Não. — Cristiano fulminou o anfitrião com um olhar.

Daniel entendeu que não adiantaria pressionar o amigo. Cristiano então conferiu o celular.

— Eu preciso ir agora, o motorista está chegando.

Júlia foi a última dos três a se levantar. Ela caminhou até Daniel e despediu-se com um beijo no rosto:

— E eu vou aproveitar a carona. O hotel que eu recomendei ao Cris fica perto da casa dos meus pais.

Daniel os acompanhou até a porta. Mas ainda no corredor eles conversaram por um minuto sobre a chance de marcarem outro encontro, mas a possibilidade acabou ficando no ar. Cris despediu-se para valer com um aperto firme de mãos.

As duas visitas caminharam até a frente do elevador, viraram-se uma última vez para o anfitrião, acenaram, e entraram, desaparecendo da vista de Daniel.

Naquele momento ele sentiu um estranho aperto no coração, sucedido de um calor reconfortante ardendo dentro de si.

***

O carro avançava noite adentro pelas ruas de Florianópolis. As fachadas dos prédios surgiam e desapareciam sob o olhar dos dois sentados no banco de trás.

Cris sentava-se à direita, apoiando o rosto na mão direita do braço recostado na janela semiaberta.

— Ele nunca perde a cabeça, não é mesmo? — falou virando-se para Júlia.

— Não… — ela respondeu e continuou olhando para as pessoas nas calçadas, suas mãos apoiadas em seu colo.

— Ele perdeu o avatar, foi crucificado por todo mundo e ainda assim segue em frente de cabeça erguida. Eu sinceramente não sei dizer se continuaria caso uma coisa dessas acontecesse comigo.

— E ainda trabalha em um emprego comum… — Júlia respirou fundo.

— Isso meio que me irrita.

Ela tirou o rosto da janela do carro para encarar o capitão do time.

— Por quê?

— Você entrou na Red faz pouco tempo, eu não deveria jogar minhas frustrações para cima de você, me desculpe. — Ele disse esfregando o rosto com as mãos. — Eu gosto muito dele. A gente entrou na D.A. quase que ao mesmo tempo, então ele é como um irmão mais novo para mim.

— Eu acho que entendo o que você quis dizer, ele pode ser um pouco demais as vezes.

Cris deu uma risadinha.

— Nunca imaginei você dizendo uma coisa dessas do seu ex.

— Ei! — Ela semicerrou os olhos e pressionou os lábios.

— O que foi? Eu esperava ouvir você defendendo-o, e não o tacando na fogueira.

— Eu sinto o mesmo que você, também gosto dele, mas as vezes ele acabava torrando a nossa paciência.

Cris soltou um longo suspiro.

— Talvez seja isso que faça dele um bom capitão. Até o ano passado ninguém esperava ver uma equipe do terceiro mundo chegar até a semifinal do maior campeonato esportivo do mundo. — Ele virou o rosto e contemplou a vida noturna passando diante de seus olhos cansados — Talvez seja isso que esteja faltando em mim.

O carro desacelerou aos poucos, parando a poucos metros da entrada do hotel.

— Jú… obrigado por me convidar, foi muito bom rever nosso querido amigo depois de tanto tempo. Se cuida e… isso que a gente conversou agora, que fique só entre a gente, ok?

— É claro. Esse será nosso segredinho. Tchau e boa noite.

Cristiano saiu do carro, se afastou devagar, com cautela, mas logo se misturou à multidão.

A mente de Júlia era um turbilhão de ideias. Ela esfregou a testa com os dedos da mão direita. O motorista olhou para trás e pediu:

— Para onde a senhorita quer ir?

Ela encaixou uma mecha de cabelo atrás da orelha, pressionou as mãos em suas coxas e cedeu aos seus instintos, dizendo:

— Me leva de volta, por favor.

O motorista acenou, virou-se para frente, ajeitou o retrovisor e falou com entusiasmo:

— É pra já.


A novel possui uma Página do Facebook onde você pode ficar por dentro dos lançamentos e também poderá interagir com o autor.

Também temos uma página no Padrim para quem quiser contribuir..



Comentários