O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 33: Reunião dos Seis

Após se reunirem na taverna Amigos da Morte, em Salem, Ragnar, Julie e Havoc agora se preparavam para a viagem à Vila dos Touros. E para evitar ser reconhecida por mais fãs malucos, Julie equipou uma longa capa cinzenta e um capuz para disfarçar sua presença.

Com as devidas precauções tomadas, ela chamou sua montaria com um assovio. Um cavalo de raça surgiu ao longe, avançando em um trote rápido até parar ao lado de sua dona, que acariciou sua cabeça assim que parou.

Àquela altura Ragnar já estava em sua forma de urso de ferro, atraindo a indesejada atenção alheia, e ele a afastava com rosnados provocativos sempre que alguém ousava se aproximar para o importunar.

Havoc olhou para um, depois para o outro, e então disse:

— Eu não tenho uma montaria.

— Você não tinha um cavalo? — perguntou Ragnar. — Eu lembro de ver você cavalgando para fora da fortaleza quando… fui pegar o ferro emprestado.

— Aquele cavalo pertencia à guilda.

Julie cavalgou para perto dela.

— Pode subir — disse enquanto batia com a palma da mão no espaço vago em sua sela.

Havoc se preparou para subir no cavalo, e Ragnar fez uma proposta.

— Que tal montar em um urso?

Entre uma renomada jogadora profissional e um druida muito louco, a escolha era óbvia.

— Não, obrigada.

Mas Ragnar não iria desistir tão fácil.

— Você sabe quantas pessoas já andaram em cima de um urso de ferro? Nenhuma! Essa é uma oportunidade única.

Havoc sacudiu a cabeça em negação.

— Você que sabe — finalizou o urso de ferro.

Havoc subiu no cavalo com a ajuda de Julie, e, após se acomodar na sela, notou as qualidades que diferenciavam aquele alazão dos cavalos no estábulo da Pata Negra. Este era mais alto, encorpado, de pelo escovado e couro lustroso.

E todo esse tempo que passou admirando a montaria fizeram com que Julie, a dona do animal, olhasse por trás do ombro e dissesse:

— Querida, se segura em mim se não quiser ir ao chão quando partirmos.

Por mais que estivessem dentro de um jogo, o ato de tocar em alguém provocava sensações muito parecidas com as do mundo real, portanto essas ações herdavam as mesmas implicações do mundo real.

Ela praticamente me pediu para abraçá-la por trás, refletiu Havoc, um tanto envergonhada. Mas logo chutou a vergonha para longe e a segurou pela cintura. Julie nem sequer reagiu àquilo. Ela apenas agarrou as rédeas do cavalo e esporeou o animal, fazendo ele avançar para o norte, rumo à Vila Torino.

***

O grupo avançou pelos campos verdejantes até se depararem com uma trilha ladeada de pedras altas e pontiagudas. Enquanto Julie e Havoc conversavam, Ragnar não conseguia parar de pensar na missão.

O retorno de Mergraff era uma ameaça de proporções épicas, que poderia chamar a atenção de jogadores famosos e profissionais, pois se tratava de uma figura histórica do mundo de Nova Avalon. Então, se o Caminho da Aurora conseguisse ressuscitá-lo, as recompensas da missão escalonariam a um nível inalcançável para alguém do nível 18.

Derrotar a seita era uma prioridade, uma chance de ouro de se adquirir tesouros.

Ragnar deixou esses pensamentos de lado e percebeu como o número de pedras os cercando ia diminuindo, cedendo espaço à mata de um pequeno bosque. Quando atravessaram essa mata, o vilarejo apareceu no horizonte.

Julie puxou as rédeas do cavalo, freando-o até pararem no limiar da trilha de chão batido com a farta grama verde que se estendia até a faixa de terra precedendo o muro externo do vilarejo.

Os três estavam surpresos, de olhos arregalados.

A Vila Torino ficava no centro de uma longa, porém rasa depressão. Haviam construções a perder de vista. E para Ragnar, aquilo era um vilarejo apenas no nome.

— Eu acho que essa vila é maior que Bremer — observou Havoc.

Ragnar voltou à forma humana e se dirigiu à lutadora:

— Jú, você tem certeza que essa é a vila?

Ela abriu o mapa de região e passou um tempo o consultando.

— É, é sim — ela confirmou.

— Eles pretendem atacar… isso? — o druida falou apontando para o vilarejo.

Julie aquiesceu.

— A situação pode ser pior do que eu imaginava — disse ela. — Para atacar esse lugar eles vão precisar de mais de quinhentos soldados para vencerem a guarnição local.

Havoc estava muda, encarando a lutadora, esperando que ela tivesse alguma solução para aquele problema. Ao notar isso, Ragnar se aproximou da espadachim, e perguntou com um tom de voz empolgado:

— Havoc. Você já esteve em alguma batalha grande como um cerco, guerra entre guildas, incursão épica ou evento global?

Ela coçou a bochecha e começou a pensar. Por algum motivo sentia-se envergonhada por ainda não ter participado de algum daqueles eventos. Após analisar cada situação exposta pelo druida, ela respondeu:

— Não.

— Então você ainda não presenciou o caos do campo de batalha. Se você decidir se juntar a minha guilda, prometo que iremos participar de todos esses eventos sempre que for possível.

Havoc não respondeu, pois mal conhecia ele, tudo que sabia a seu respeito era sua ambição e habilidade em duelar. Havia algo peculiar nele, um avatar nível baixo e também um dos raros portadores de uma classe lendária. Para ela, o melhor a se fazer era controlar suas expectativas e ficar observando até descobrir mais a seu respeito.

Em meio àquela reflexão, Julie esporeou o cavalo e o conduziu para a bifurcação à esquerda que os levaria à entrada do vilarejo. A linha de pensamento da espadachim foi desfeita, e sua atenção voltou para o jogo.

Ragnar se metamorfoseou em urso e disparou até alcançá-las.

Eles permaneceram em silêncio durante o trajeto, apenas contemplando a infinidade de casas de madeira castanha, cobertas por um teto de telhas avermelhadas.

Eles não entraram de imediato no vilarejo, em vez disso pararam a dez metros do portão de madeira onde, no topo do arco que o decorava, três pares de chifres enormes foram fixados para servir de símbolo oficial da vila.

Ragnar parou por quase um minuto para contemplar a peça decorativa.

— Engraçado, parecem os chifres de um Megalotauro, só que muito maior — refletiu em voz alta.

Julie o questionou do alto de seu cavalo:

— O que você falou?

Ragnar voltou à forma humana, caminhou em direção as duas garotas, e explicou:

— Esses chifres parecem com os de um touro chefão que enfrenei um tempo atrás.

As duas se olharam e decidiram ignorá-lo.

— Pode descer, querida — Julie disse para Havoc.

A espadachim desceu em um salto, pousando com graça no chão em frente ao portão. Julie, por outro lado, desceu sem firulas. E quando seus pés tocaram o chão, ela acariciou a face do cavalo e o dispensou com um tapinha na lateral. O animal relinchou e correu para longe, até perder de vista.

— E agora? — Havoc perguntou aos dois.

— Agora vamos procurar por pistas que possam nos ajudar a atrapalhar os planos da seita — Julie falou, então olhou para Ragnar e perguntou: — E os seus amigos, eles virão ainda hoje?

— Sim, senhora. O Skiff acabou de mandar uma mensagem avisando que devem chegar em uns cinco minutos.

— Certo. A gente não tem tempo a perder. Como esse vilarejo é muito maior do que imaginávamos, é melhor nos separarmos. Perguntem aos moradores se por acaso viram alguma pessoa suspeita nos últimos dias. E se um deles disser que sim, perguntem onde essa pessoa foi vista, e me avisem imediatamente. Entenderam?

Havoc anuiu balançando a cabeça, e Ragnar concordou, dizendo:

— Sim, senhora.

— Se você me chamar de senhora mais uma vez, eu juro que vou arrancar seus pelos de urso um por um.

— Sim, senhorita.

A lutadora cerrou os dentes, apertou os olhos e o ameaçou:

— Não brinque com a sorte, druida.

Ragnar espiou com o canto do olho a espadachim ao seu lado, a face intrigada dela poderia sinalizar que estava desconfiando da relação que ele e a lutadora nutriam um pelo outro.

É melhor maneirar nas brincadeiras, pensou Ragnar. Então um berro chamou sua atenção. Ele virou-se para trás e encontrou Skiff, Artic e Niki atravessando o grandioso portão de madeira da cidade.

O caçador vestia um traje novo, um bufante verde reforçado por dezenas de tiras de couro. Àquela altura Ragnar já não se surpreendia com as extravagâncias do amigo. Por outro lado, Artic e Niki ostentavam as mesmas roupas e armaduras, era provável que estavam planejando trocar seus equipamentos ao alcançarem o nível 20.

Assim que o caçador colocou os olhos na espadachim ao lado de Ragnar, ele parou de acenar e alertou o cavaleiro e a assassina sobre a presença de Havoc, da Pata Negra. Eles sacaram suas armas e levantaram a guarda. Coube a Ragnar tranquilizá-los:

— Está tudo bem, ela não faz mais parte daquela guilda.

Artic inclinou a cabeça, seu olhar analítico averiguou a veracidade das palavras dele.

— É verdade — disse abaixando o escudo e embainhando a espada.

Niki continuou suspeitando, mas guardou suas adagas quando Artic se aproximou e falou algo em seu ouvido. Ela balançou a cabeça e o cavaleiro se afastou.

— Por que você saiu? — perguntou Niki.

— Eu não saí, eu fui expulsa por causa de vocês.

Ragnar caminhou até ficar entre os dois grupos. Primeiro olhou para Julie e Havoc, mantendo uma expressão apaziguadora, em seguida olhou para os recém-chegados, e só então abriu a boca para falar:

— Mais tarde eu prometo explicar tudo a vocês, mas agora seria mais produtivo que nós seis nos uníssemos para terminar uma missão muito… promissora.

Ele fez uma pausa antes de olhar para Niki.

— A Havoc é nossa amiga. O líder da Pata Negra jogou toda a culpa do roubo em cima dela, e por isso ela foi chutada de lá. Então pode ter certeza de que não há mais motivos para guardarmos rancores.

A assassina relaxou e deixou a tensão se esvair.

— Está bem, mas eu ainda terei minha revanche daquele duelo.

— É só marcar a hora e o lugar — Havoc respondeu com um sorriso debochado no rosto. — Eu te derrotarei quantas vezes quiser. E pode chamar seu amigo cavaleiro para ajudar como da última vez.

Até aquele momento Julie permaneceu quieta, oculta em sua capa e capuz, mas, ao ver a expressão furiosa que Niki fez ao ouvir a provocação da espadachim, foi impossível para abafar a risada que irrompeu dentro de si. E este ato acabou chamando a atenção dos três que acabaram de chegar.

Niki fixou seus olhos azuis e vidrados na lutadora, em seguida caminhou a passos firmes até ela. E Artic tentou alertar a amiga ao vê-la partir para cima:

— Niki, espera.

Mas ela não deu ouvidos, foi direito até a lutadora.

— Tá rindo do quê?

Julie ergueu as mãos e segurou o capuz que lhe cobria a face, então, em um movimento rápido, jogou-o para trás, revelando-se para todos os presentes.

— Eu estava rindo de sua reação, amiga.

O coração da assassina parou. Ela engoliu em seco e admirou aquela lutadora idêntica à imagem de Juliet impressa no pôster em seu quarto.

A semelhança era clara como o dia. Sentiu-se estúpida, até tentou inventar alguma desculpa para se justificar, mas não conseguiu.

A Julie em sua frente era uma cópia idêntica ao avatar Juliet da Dark Age. E por mais que tentasse, não conseguia acreditar que estava diante de uma celebridade daquele calibre, sua mera presença fez Niki ter dificuldade em articular seus pensamentos, sua boca semiaberta estava emudecida.

Julie levou suas mãos para trás, agarrou o capuz e o jogou para frente, voltando a cobrir o seu rosto. E terminou levando o dedo indicador aos lábios, pedindo para que a assassina, o cavaleiro e o caçador, mantivessem sua presença neste vilarejo em segredo.

Baques secos, breves e agudos reverberaram. Eles olharam em direção ao local de onde vinha o barulho, e encontraram o druida batendo a coronha da lança contra o chão.

— Amigos. Nosso tempo é curto, então serei breve. Antes de mais nada eu gostaria de agradecer a vocês três por atenderem ao meu chamado.

Falou olhando para todos os seus amigos presentes:

— Alguns de nós talvez ainda nutra alguma desavença com a Havoc, e vice-versa, então peço para que deixem isso de lado por agora, em nome dessa missão. Eu garanto que essa cisma passará com o tempo. A verdade é que gostaria que todos vocês pudessem ser amigos, mas caso não for possível, peço para que tolerem o outro. Eu posso contar com vocês?

— Claro — disse Skiff.

Artic e Niki concordaram balançando a cabeça. Havoc aceitou o pedindo erguendo o polegar da mão direita. Em seguida ele explicou a missão aos recém-chegados.

— Nós suspeitamos que o Caminho da Aurora possa atacar esse vilarejo, mas “quando” ainda não sabemos, então minha ideia é nos dividirmos em equipes para sairmos interrogando os moradores desse vilarejo. Eu pensei em nos separar da seguinte maneira: eu e Julie, Niki e Artic, e Havoc e Skiff. Vocês concordam com essa divisão ou gostariam de sugerir outra?

Artic e Niki concordaram de imediato, afinal, essa divisão parecia lógica a eles, mas não para Skiff e Havoc, que mal se falaram desde que se conheceram. Mas o objetivo de Ragnar, na verdade, era poder passar mais tempo com Júlia. E para seu alívio ninguém contestou sua sugestão.

— Eu e a Julie ficaremos com o centro da cidade. Artic e Niki, vocês ficarão encarregados da zona oeste, enquanto Skiff e Havoc cuidarão do Leste. — Eles concordaram. — Boa sorte a todos vocês.


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