O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 34: Dose Dupla

Niki avançava a passos rápidos pelas ruas estreitas da zona oeste do vilarejo.

— Eu vou matar ela! — afirmou com uma voz carregada, olhando por trás do ombro.

Artic apressou o passo, esbarrou em meia dúzia de moradores, mas logo a alcançou.

— Quem, a Havoc? A gente vai se vingar, fica tranquila.

Ele olhou para trás a tempo de ver as outras duplas desaparecerem. Ragnar e Julie seguiram em direção ao centro da vila, enquanto Skiff e Havoc foram para o leste.

— Lá na fortaleza… a gente só perdeu para ela porque éramos nível baixo. Aquela foi uma luta injusta. A Havoc se acha demais.

Artic sentia a mesma frustração por aquela derrota humilhante, mas diferente da amiga, não acreditava que perderam apenas porque Havoc tinha um avatar mais forte. Na verdade, o cavaleiro via aquilo como um massacre.

A espadachim os derrotou em menos de um minuto. E mesmo com a vantagem numérica do lado deles, a dupla só a acertou uma vez, um golpe desesperado antes de serem executados por aquela lâmina prateada.

— É verdade — falou, decidindo não prolongar o assunto. E mesmo sabendo da urgência da missão atual, preferiu divagar um pouco antes de começar a investigação: — Eu mal consigo acreditar que estamos no mesmo grupo de uma jogadora profissional.

Niki parou de caminhar. Aquela lembrança estava fresca em sua memória. E, ao relembrá-la, levou as mãos ao rosto.

— Que vergonha, mas que vergonha. A Júlia nunca irá esquecer daquela cena vergonhosa. Nunca mais conseguirei olhar na cara dela. Acho que vou mudar de jogo.

Seu comentário arrancou uma risada do cavaleiro.

— Você não estranhou a relação dela com o druida? — Niki perguntou mirando seus olhos verdes nos olhos azuis do amigo.

— É claro que achei estranho, e algo me diz que, em breve, iremos descobrir alguma coisa a respeito dele…

— Tipo o quê?

— Nós já estamos no nível 19, e ele ainda está no 18. Falta pouco para venceremos aquela aposta que fizemos. Então, daqui a alguns dias, o grande e poderoso Ragnar será o nosso servo particular.

— É verdade, eu já estava esquecendo dessa aposta — disse Niki. — Mas… e se, por algum milagre, ele ganhar? Você se juntaria a guilda dele?

Artic coçou a cabeça antes de responder:

— Eu não me preocuparia com isso agora.

Eles pararam para observar o movimento da zona oeste do vilarejo. Estavam diante de uma intersecção de ruas por onde dezenas de moradores cruzavam de um lado para o outro.

— Pronta para sair interrogando NPCs? — perguntou Artic.

— Uhum — Niki murmurou.

***

Um silêncio constrangedor acompanhava os passos de Skiff e Havoc. A dupla caminhava em silêncio absoluto há mais de dois minutos. E nenhuma das partes sabia como iniciar uma conversa após o incidente da fortaleza. Então se depararem com uma bifurcação, os dois se olharam por um segundo, mas viraram o rosto. Foi Havoc quem tomou a iniciativa:

— Eu acho melhor a gente se separar, assim a gente consegue cobrir uma área maior.

— Okay — respondeu Skiff.

Havoc seguiu por uma ruazinha à direita. Ela caminhou a passos lentos. Um silêncio reconfortante, e muito diferente do anterior, foi se acomodando conforme se distanciava do caçador.

A duas casas de distância ela avistou uma senhora sacudindo um pano na janela. Havoc apertou o passo e conseguiu inquirir a moradora antes que fechasse a janela. Porém, quando perguntou se havia encontrado alguma pessoa suspeita nos últimos dias, a senhora fechou a janela em sua cara.

O rangido da tranca enferrujada reverberou ao ser fechada.

Havoc resmungou e a xingou em voz alta, atraindo os olhares recriminadores dos vizinhos. Ela engoliu em seco e se embrenhou pelas vielas até por os pés em outra rua.

Dessa vez tentou ser mais calorosa com sua próxima vítima, antes de mais nada perguntou a pessoa como foi o seu dia. Então se solidarizou com os problemas mundanos e só depois perguntou sobre a presença de estranhos. E diferente de antes, essa pessoa foi cordial, mas sua resposta foi um “não”.

Havoc pousou a mão direita sobre o cabo da espada embainhada em sua cintura. Um instinto assassino se apoderou. Ela lutou contra si mesma para não assassinar aquele NPC na frente de todo mundo. Apesar de estar em um mundo virtual onde o nível de realismo era assustador, conversar com pessoas controlados pelo jogo era algo que sempre a incomodava.

— Que perda de tempo — resmungou em voz baixa.

Ela olhou para o chão e viu uma sombra se aproximando. Ao se virar, deparou-se com Skiff.

— Aconteceu alguma coisa? — ele perguntou.

— Não. Mas e você, conseguiu alguma coisa?

— Pior que não. Os NPCs me odeiam, eles são super grossos comigo quando tento puxar conversa.

— Nem me fala. E quando eu tento me importar com o que eles têm a dizer, a resposta é sempre “não”.

— Talvez a gente não tenha o carisma do Ragnar. Eu tenho certeza que ele conseguiria persuadir esses moradores. Vou até apostar mil rubros que ele já descobriu onde os capangas daquela seita estão se escondendo.

Havoc ficou surpresa com o entusiasmo de Skiff. Ele parecia ser o tipo de pessoa que conseguiria fazer amizade com o mundo inteiro. Pensar nisso fez ela esboçar um sorriso, e quando Skiff viu seu bom-humor, perguntou:

— Ele já te convidou pra fazer parte da guilda?

— Sim — Ela já imaginava de quem se tratava. — Ele me convidou quando me derrotou no dia do roubo.

— E você realmente derrotou a Niki e o Artic?

— Sim, foi relativamente fácil.

— Uau — Skiff ficou boquiaberto. — E eu achava que eles jogavam bem. O Ragnar é muito forte, a gente bem sabe, mas você derrotou aqueles dois, sozinha. Você é quase uma profissional.

A enxurrada de elogios deixou-a atordoada, sem saber o que dizer. Apesar de já ter recebido elogios de colegas durante seus dias na Pata Negra, nada chegou a esse nível de bajulação. Skiff lembrou-a dos fãs sem noção que abordaram Julie quando estava na estalagem Amigos da Morte.

— Obrigada — ela agradeceu com sinceridade. — Faz alguns anos que estou tentando entrar no mundo competitivo. Eu quase consegui entrar no circuito amador de Ambição Real, mas então deus decidiu lançar a atualização 2.0 de Nova Avalon. E, do dia para noite, Ambição Real estava morto, largado às traças. Todo mundo decidiu migrar para Nova Avalon. Mas eu não, eu resisti por muito tempo.

Ao terminar de falar, Havoc sentiu os resquícios de frustração daqueles dias. E logo veio a vergonha por desabafar a alguém que mal conhecia.

— Mas esse Ambição Real, era bom?

— Não chegava nem perto desse jogo. A movimentação era travada e as mecânicas eram arcaicas, havia muito grind, levava-se meses para conseguir equipamentos decentes.

— Então o que te impediu de migrar para cá por tanto tempo?

— A pilantragem e as injustiças desse jogo. Ambição Real poderia ser datado, mas as classes eram equilibradas, todas possuíam por volta de 50 habilidades e 755 pontos de atributos para distribuir como quiser. Não existia classes lendárias, nem limitadas. Não havia missões secretas ou itens únicos que apenas um jogador do mundo inteiro poderia ter. Tudo era justo, previsível e extremamente competitivo. Cada luta extraia 100% do jogador. Vencia quem possuía a melhor movimentação e tomava as melhores decisões. Sorte e privilégios estavam fora da equação.

— Nunca parei para pensar nessas coisas — admitiu Skiff. — Eu sempre acompanhei os campeonatos de longe, mas agora que você falou, realmente… lembro de muitos avatares com habilidades únicas sendo utilizadas nos campeonatos. E isso quase sempre pegava o outro time de surpresa.

— Está vendo como é injusto? Isso me deixa louca. Eu ficaria muito irritada se acabasse perdendo um campeonato para alguém que possuísse algum truque secreto.

Isso a fez lembrar do embate com o druida. Ele até poderia possuir uma classe lendária, mas essa vantagem era irrisória quando se colocasse na balança a diferença de nível entre eles. No início ela culpou sua derrota a classe especial dele, mas sabia muito bem que não foi por isso que perdeu.

Mesmo assim, era frustrante.

Eu deveria ter vencido.


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