O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 51: O Protetor

No alto da torre de um castelo ao norte de Salem, Amon, um homem alto trajando um vestido branco e dourado, admirava o exército de mortos-vivos reunido do lado de fora das muralhas.

Havia solados esqueletos e guerreiros zumbis a perder de vista, enquanto a elite do exército se destacava por sua imponência, como as dezenas de gigantes zumbis, criaturas com milhares de pontos de vidas, pele putrefata e suas armas gigantescas.

Já os Post-Mortem, por sua vez, possuíam a força dos gigantes, a agilidade dos esqueletos e o raciocínio de um humano morto há centenas de anos, mas cuja mente corrompida com o tempo passou a enxergar nada além de destruição. Tais características faziam dos Post-Mortem uma valiosa adição às tropas, mas sua natureza caótica poderia complicar as missões mais sensíveis.

Além do exército, Amon também liderava a guilda Caminho da Aurora, uma congregação fundada no intuito de recrutar jogadores para atuar como oficiais em seu exército, e como moeda de troca, os treinou nas artes profanas e no combate corporal.

Para deixar sua marca, Amon adotou um uniforme para sua seita, um manto branco e dourado com o sol bordado no peito. E caso o integrante trajasse armadura, o manto ficaria por baixo e o sol estaria talhado na couraça da armadura.

Amon mal conseguia acreditar, os meses de trabalho árduo enfiam lhe renderam os frutos prometidos pelo espírito de Mergraff. Lágrimas brotaram dos olhos quando lembrou dos amigos lhe dizendo que o caminho de vilão era uma péssima ideia, pois a vasta maioria dos jogadores que trilharam esse caminho, no fim, se deram mal.

Apesar dos frequentes avisos, Amon persistiu, seguiu a rigor cada ordem de Mergraff. Roubou, comprou e tomou à força todos os itens exigidos, também assassinou os alvos certos, atacou os vilarejos indicados e coletou o sangue das vítimas para o ritual.

A cada semana viu seu exército crescer até adquirir o volume atual. Ainda não conseguia acreditar como não fora descoberto. Mergraff de fato sabia o que estava fazendo, aquele lugar perdido na mata de Salem era um buraco negro na rota dos jogadores.

Confiar no espírito do necromante foi a melhor escolha que tomou dentro do jogo. Graças a ela foi compensado com uma classe lendária, o Feiticeiro Profano. E agora restava o sacrifício final, a última parada antes da grande marcha a Salem, a antiga capital do império dos mortos.

Ele estendeu o braço, apontando o indicador para o sudeste, e ordenou:

— Marche, meu exército das trevas!

***

No Refúgio dos Ursos de Ferro, Ragnar era incapaz de tirar os olhos do Bastão das Heras, o presente de Bjorn. E apesar da mediocridade do item, uma frase do mestre continuava ressoando em sua cabeça: “Se você se esforçar bastante, ela evoluirá junto com você.”

— Ainda temos um lugar para visitar, meu caro aprendiz. — Bjorn despertou Ragnar de seus devaneios, e ao obter a atenção do aprendiz, olhou para a arara empoleirada em seus ombros e a despachou com um murmúrio ininteligível.

O pássaro bateu suas majestosas asas e saiu pela mesma janela por onde entrou.

— Nosso destino final é o Platô Cerimonial. — Bjorn se pôs a andar.

Ragnar o seguiu ainda sem tirar os olhos do pedaço de madeira em suas mãos. Durante a travessia, pouco antes de adentrarem na mata, exteriorizou algo que lhe atiçou a curiosidade:

— Aquele pássaro é bem diferente das aves dessa região.

— Muito bem observado. — Bjorn sorriu com as palavras do aprendiz. — A arara dourada é uma espécie rara do sul do continente. Também é o animal símbolo de um círculo druídico daquela região, por lá ela seria equivalente aos nossos ursos de ferro.

— Mas por que ela carregava o cajado? — disse balançando o item em sua mão direita.

— Lembra que há muitos anos, durante a guerra contra o necromante, eu viajei o continente em busca de aliados para a grande batalha?

Ragnar afirmou balançando a cabeça.

— Para cada aliado eu presentei uma das minhas criações, todas grandes obras primas, pois me dediquei de corpo e alma à criação de cada uma delas, e o cajado… este que você tem em mãos… foi minha última criação. O Bastão das Heras era um presente para meu antigo mestre, Oberon, o grande chefe de todos os círculos druídicos da região. Ele tinha um talento para as artes mágicas sem igual, um mestre da metamorfose capaz de se transformar em mil animais diferentes.

Ragnar ouvia cada palavra como toda sua atenção. Bjorn prosseguiu após uma breve pausa:

— Apesar de poderoso, Oberon era desprovido do talento da criação, por isso eu o presentei com minha obra prima, mas como ele faleceu e estou prestes a partir, decidi presenteá-la a você.

— Mas por que ele se chama Bastão das Heras? — Ragnar estava sedento em saber.

— Tenha calma, eu estava chegando lá. Mas se quer tanto saber, as heras são as chefes supremas das dríades. Elas dominam os bosques mágicos mais traiçoeiros e são detentoras de um saber tão puro e poderoso quanto nós, druidas. E foi distorcendo essa sabedoria que elas conseguiram engenhar uma árvore diferente de todas as outras. Uma planta consciente, com vontade própria, e nefasta como suas criadoras. Esse cajado em suas mãos foi criado a partir do galho de uma dessas árvores.

— Deve ter sido muito difícil conseguir essa madeira.

— Você nem imagina.

Bjorn levou a mão ao queixo, os olhos fixos em Ragnar.

— Você ainda está em posse da Perdição das Víboras?

Ragnar respondeu equipando a arma em sua mão direita.

— Ótimo.

— Mas por quê?

— Você saberá, em breve.

Bjorn então parou ao pé do morro onde ficava o Platô Cerimonial.

— Você já deve estar imaginando o que será discutindo no topo dessa elevação.

— Sim — respondeu com uma pontada de tristeza.

Bjorn esboçou um sorriso, dando início a caminhada, Ragnar o acompanhou e a subida foi realizada em silêncio. O céu limpo e arroxeado ficava ainda mais belo conforme subiam graças à paisagem que se desenhava com o ganho de altitude.

Ao atingirem trinta metros de altura, permanecendo acima da copa da maioria das árvores, o mar verde de vegetação se transformou em uma vista de outro mundo.

Bjorn se espreguiçou assim que pisou no cume.

— Ragnar… devo confessar uma coisa, você superou todas as expectativas que eu nutria por ti. Seu ritual, apesar de nem um pouco original, foi uma solução criativa para lidar com a crise que caiu em seu colo. Aquilo foi um ato perspicaz de alguém atento à história desse lugar. E, por mais que o raio que tomou na cabeça tenha lhe machucado, o resultado almejado foi alcançado. As sequelas do meu pecado foram curadas. E graças a você, a paz e o equilíbrio voltaram a reinar em meu querido refúgio. Eu não tenho como agradecê-lo por tudo que fez a meu santuário.

Ragnar sentiu-se lisonjeado, quase envergonhado com tantos elogios.

— Na verdade, há sim uma coisa que posso fazer por você. Agora estais mais forte e sábio, posso lhe ensinar uma técnica aprimorada dos druidas, uma maneira de invocar uma parte da força animal enquanto mantém a forma humana. Mas é uma técnica limita que dura por um curto período de tempo.

— Seria uma honra — disse Ragnar, com polidez.

— Mas para eu ensinar, você precisará se tornar meu único e verdadeiro sucessor, então… você aceita assumir o cargo de protetor deste santuário?

— Com o maior prazer.

Bjorn estendeu a mão, Ragnar estendeu a sua, e firmaram o pacto em um aperto de mãos.

Parabéns! Você é o novo Protetor do Refúgio dos Ursos de Ferro

Ele mal podia acreditar que se tornara um protetor de santuário. Jamais imaginou que iria libertar Bjorn de seus arrependimentos. A euforia que o acometeu o fez querer sair pulando de alegria, e quase o fez, mas chamas esverdeadas e azuladas começaram a envolver o seu corpo.

A euforia se tornou desespero, mas as palavras calmas de Bjorn o apaziguaram:

— Está tudo bem.

Então permitiu que as chamas o envolvessem. E uma mensagem curiosa apareceu:

Você aprendeu uma nova habilidade

Habilidade: Linhagem Animal (Nível: 1)

Enquanto estiver na forma humana você poderá ativar a linhagem de um animal para receber suas forças e fraquezas durante 30 segundos.

Tempo de recarga: 1 minuto.

Linhagem do Urso de Ferro: Aumenta sua força e constituição em 10 pontos, porém, o consumo de mana das suas habilidades aumentará em 20%.

Palmada Atordoante: desfere um golpe com a palma da mão que atordoará o alvo por 3 segundos.

Linhagem da Serpente: indisponível.

Linhagem da Aranha Tecedeira: indisponível.

Isso é… incrível — Ragnar estava embasbacado, pois em tese, uma habilidade flexível como essa daria a ele um arsenal de novas possibilidades.

Entretanto, quanto mais ponderou sobre ela, mas dúvidas vinham à tona.

Na verdade, essa habilidade é uma faca de dois gumes. A linhagem certa na hora certa pode salvar a minha vida e a de meus companheiros, mas se eu escolher a errada, a desvantagem da linhagem pode acabar sendo minha ruína.

Pensou em uma situação específica para embasar sua suposição: uma batalha em que usou a linhagem de urso para eliminar um oponente enquanto seus aliados lutavam contra os demais, entretanto, se os oponentes pressionarem muito, ele poderia ficar sem mana para conjurar um feitiço de cura nos companheiros por causa da desvantagem da forma de urso.

Preciso tomar muito, mas muito cuidado com essa habilidade.

— E lembre-se — Bjorn tirou Ragnar de seus devaneios —, um druida pode não ser tão forte quanto um guerreiro, ou possuir o poder mágico e destruidor de um mago, mas nós somos um reflexo da natureza, podemos nos adaptar a qualquer situação como ninguém jamais ousou imaginar.

— Bjorn… — Ragnar disse um tanto emocionado. — Isso é um adeus?

— Sim…, mas fique tranquilo, você não estará sozinho quando eu partir. Os ursos o respeitam, eles se provarão grandes aliados nas batalhas vindouras. Quanto a Mergraff, você precisará descobrir por si mesmo uma forma de derrotá-lo. Busque ajuda, procure seus semelhantes, pois enfim chegou a hora de me despedir. Ragnar…, foi um prazer tê-lo tornado meu herdeiro. E que bons ventos o guiem em sua jornada.

Uma lufada de ar empurrou suas roupas e cabelo, então seu corpo se fragmentou em milhares de pétalas brancas que foram levadas pelo vento.

Era o fim de uma era.

Ragnar retornou à construção principal arrastando os pés sobre o pavimento de pedra, pensando que jamais ver o bom e velho Bjorn. Sentia-se sozinho, sem um guia para mostrar o caminho a ser trilhado como protetor de santuário.

Foi nesse momento que notou algo piscando em seu campo de visão, uma notificação do sistema.

O Bastão das Heras está pronto para absorver a Perdição das Víboras

— Quê? — disse em voz alta.

Era a primeira vez que via esse tipo de mensagem. Por um instante achou se tratar de uma novidade da atualização mais recente, mas uma rápida procura na página oficial, redes sociais e comunidades do jogo acabaram descartando essa suposta nova funcionalidade.

Absorção de itens, pensou e repensou, analisando ambos os itens logo em seguida. Nenhuma mensagem nova do sistema, nem sequer um tutorial explicando do que se trata.

Equipou as duas armas e as analisou à procura de pistas, tentou tocá-las, pressionou uma na outra, bateu com a lança no bastão, e ao ver tanto esforço resultar em nada, largou-as no chão e sentou-se com as pernas cruzadas.

Sistema desgraçado, o que você quer de mim? Reclamou em pensamento, se largando no gramado.

Absorção iniciada

Levantou-se num pulo, o queixo foi ao chão, os olhos esbugalharam até quase sair do rosto, pois o Bastão das Heras, aquele galho de árvore medíocre, projetou para fora dezenas de galhos verdes e marrons que enveredaram, entrelaçaram e puxaram a Perdição das Víboras para perto.

Minutos depois, era como se o bastão estivesse abraçando a lança à força. Cada vez mais galhos brotavam do tronco da madeira. Ragnar estava de joelhos, observando estupefato àquele processo inédito.

Os pequenos galhos começaram a pulsar, e esse pulso foi ganhando intensidade com o passar do tempo. Ragnar não conseguia entender no que isso resultaria, no começo acreditou que o bastão estava absorvendo a lança para si, mas na verdade, ambas estavam perdendo a forma, virando uma massa disforme, até a ponta da lança fora descaracterizada.

Ragnar se esticou para pegar o objeto, mas uma fumaça foi expelida através de dúzias de furos que surgiram ao longo do cabo. Ele caiu de bunda no chão. Então feixes finos de luz verde brilharam de dentro para fora, seguido por uma onda de calor que fez o druida se afastar mais alguns metros. Luz e fumaça entornaram a arma, ocultando-a do jogador angustiado.

Aos poucos o brilho e a fumaça perderam força. Ragnar pôde enfim pôr os olhos no objeto que resultou da absorção: uma lança semelhante à Perdição das Víboras, tão semelhante que também possuía a cabeça de uma serpente na ponta, de onde a lâmina era projetada através da boca aberta.

Absorção concluída

Terror das Víboras

[Categoria: Lança] [Nível: 21] [Raridade: Lendário]

[Dano Físico: 77] [Dano Mágico: 88]

Efeitos Especiais

Absorção Druídica (Bastão das Heras): esta arma-viva é capaz de absorver as propriedades das outras obras-primas de Bjorn.

Veneno Aprimorado (Perdição das Víboras): os ataques dessa arma envenenam os oponentes atingidos, danificando seus pontos de vida e energia.

Descrição

Produto da junção de duas obras-primas do mestre artesão Bjorn, esta lança mescla a rigidez do Bastão das Heras com a letalidade da Perdição das Víboras.

Encontre as demais obras-primas para continuar evoluindo este artefato.

— Eu sabia! — comemorou Ragnar. — Tudo nesse jogo tem um porquê. Era óbvio que aquele pedaço de pau idiota não era apenas um pedaço de pau, ele era o início de algo muito maior.

Com um olhar ganancioso e um sorriso maligno, analisou as estatísticas da arma. O dano físico aumentou em 9 pontos, enquanto o mágico, apenas 4. Portanto suas estatísticas ainda não se comparavam as de um item lendário tradicional.

Para compensar, a arma deixou de ser um cajado para se tornar uma lança, melhorando seu desempenho em combate por conta da ponta afiada. E para completar, o bastão outrora medíocre, possuía agora uma versão aprimorada do veneno da Perdição das Víboras, que além de causar dano à vida do oponente, também reduziria a energia do infeliz a ser cortado ou perfurado por ela.

Toda essa evolução se resumia a várias pequenas melhorias que, juntas, multiplicaram exponencialmente o valor das duas armas. Ragnar agora tinha em mãos uma versão aprimorada de sua velha Perdição das Víboras, o que era ótimo, pois aprendeu a amar o manuseio das lanças.

Mas algumas coisas martelavam em sua cabeça:

Quantas obras-primas Bjorn havia criado? Onde elas se encontravam? E que efeitos incríveis elas agregariam a sua nova arma lendária? Ragnar deixou essas perguntas de lado, respirou fundo, e decidiu que estava na hora de convidar seus futuros companheiros de guilda para conhecer o santuário.


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