O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 36: Leifr, o Dragão.

Na manhã do dia seguinte, eu já estava de pé. 

— Levante, Cristal. Hoje é um novo dia. — Acordei estranhamente de bom humor e bem calmo.

 Cristal acordou, deu um olhar cansado na minha direção e voltou a abaixar cabeça.

— Venha, Cristal. Pare de ser preguiçosa.

Depois de muito lutar para tirá-la da cama abri a porta e dei de cara com a Alina parada batendo o pé no chão e com o seu lobo do lado.

Irritada, discutiu e tentou brigar comigo, porém acordei de bom humor hoje e nem dei muita bola. Logo ela começou a andar apressada.

— Vamos aonde?

— Tomar café da manhã Sabe o que é isso, baixinho? O desjejum.

— Eu não sou um idiota.

— Não é o que parece.

Essa garota conseguia tirar o bom humor de qualquer um. Era quase insuportável de tão chata, mas pelo menos serviria de guia.

Passamos pelos longos corredores vermelhos e alcançamos o belo salão. Era amplo, decorado com quadros e estátuas, e possuía dúzias e dúzias de mesas.

— É aqui que os mestres menores como nós comemos — disse ela, sentando em uma das mesas. — Os mestres mais experientes, comem em lugares reservados, mas isso é um direito a ser adquirido. Ano que vem, quando eu vencer a competição dos guias, vou poder comer com minha mestra e sairei desse lugar.

— Se você diz — provoquei — quem sou eu para dizer que não.

— Humf! — Ela levantou a mão. Até que aquele barulhinho irritado dela era fofo.

Diferente da mestra dela, apesar das duas serem muito parecidas, ela era bem mais magra. Celine tinha músculos incríveis como belas maçãs, mas Alina era bem magrinha.

Quando terminou de levantar a mão, com os dedos finos erguidos, fez um gesto e uma dúzia de galhos brotaram do chão.

— O que vão querer para o café? — soou uma voz animada e carismática dos galhos.

— Gostaria de pão do reino Arquem, um cacho de uvas do reino Vestia e um chá do Imperio Kyo. Acho que um pouco de queijo e leite também cairia bem; sem preferências.

— E o mestre? — a voz se virou para mim.

Nossa era surpreendente. Por um momento, fiquei paralisado com aquele galho marrom com uma pequena folha verde falando comigo.

— Ignore o caipira. Traga tudo o que pedi para ele também. Não deve saber nem o nome dos alimentos.

— Sim, mestra Alina.

O galho desapareceu no chão outra vez que se regenerou instantaneamente, como se nunca tivesse tido um buraco nele.

Alina realmente não gostava de mim e olha que eu não fiz nada com ela. Eu não conseguia entender as mulheres.

Logo galhos voltaram a brotar do chão com alimentos variados. Cada um cheirando melhor que o outro. Era muito diferente da comida servida pelos goblins da masmorra. 

A diferença entre ter um chefe e ter meia dúzia de criaturinhas cozinhando era realmente gigantesca. Pela primeira vez, senti certo entusiasmo em comer.

Peguei um grande pedaço de pão, coloquei um pouco de queijo e comi.

Nada. 

Não tinha gosto de nada, ou melhor; a comida tinha gosto de vazio. Aquela sede de sangue desapareceu por completo e aparentemente levou também o meu gosto por comida.

Eu comi tudo sem nenhum entusiasmo, como se tivesse comendo algo do dia a dia. Isso pelo menos veio acompanhado de uma bela visão surpresa da Alina.

Diferente de mim, ela parecia estar adorando tudo aquilo. Eu ri e ela notou.

— O que foi? Não gostou da comida agora?

— Já estou acostumado com esse nível de culinária — disse, separando um pão ao meio e jogando na boca. — Não me surpreende.

O rosto dela ficou instantaneamente vermelho e eu sorri satisfeito, piscando para Cristal que logo roubou um pedaço de pão da mesa.

— Droga! Esqueci que estamos atrasados! — Alguns minutos depois de começarmos a comer, Alina de repente gritou.

Ainda comendo, ela me puxou pelo braço e saímos do refeitório. Tive tempo apenas de pegar um pratinho e um copo com chá quente.

— Para onde estamos indo?

— Para a Arena. No segundo dia, temos os combates de demonstração.

Celine havia me informado disso. Como os mestres não tinham acesso direto ao sistema, e a tática de usar um núcleo vazio para se medir o poder das pessoas era considerado um crime hediondo entre a comunidade, havia apenas uma opção para definir a força de um monstro.

Os combates de demonstração. Todos os dados de lutas eram salvos numa biblioteca e eram vendidos por um dos mestres por um preço considerável.

Claramente notei falhas óbvias nesse sistema deles, já que um monstro que viveu mais tempo possuía habilidades mais elevadas e níveis maiores, então isto não poderia medir o potencial real das criaturas.

Atravessamos pelos longos corredores carmesins e chegamos a dita arena. Era como um verdadeiro coliseu gigantesco, com espaço para uma plateia de centenas de milhares de pessoas. 

No centro, em um círculo de terra, havia a arena. Gigantesca de enorme, com terra cobrindo o chão e com várias separações, onde dúzias de combates fantásticos ocorriam.

— Incrível, não é? Venha. Vou te apresentar aos meus amigos.

Corri atrás dela. Esse lado dela era bem mais agradável. Ela parecia mesmo uma colegial energética. Abri um sorriso leve chamando Cristal para ir junto.

Chegamos em outra parte da arquibancada. Havia um grupo com aparências variadas, cerca de quatro pessoas e um deles sentado um pouco mais acima olhando o combate era claramente o líder.

— Alina — chamou uma das garotas do grupo — você está atrasada.

Era uma garota pequena, com um sorriso inocente e um cabelo curto moreno. Suas características mais marcantes eram a guelras no pescoço e o rabo de peixe rosado. Ela usava alguma magia para flutuar no ar.

— Desculpa. Tive um pequeno problema. — Ela apontou para mim e eu acenei com a mão cumprimentando-os.

Logo o grupo me encarou de cima a baixo, analisando-me por inteiro e eu também os observei.

Além da sereia, havia um jovem de cabelo e pele azul. Sua raça era parte das tribos Zuri do sul de Vanglória. Eram hábeis com magia de água, mas não tinham mais nada de muito especial além disso.

Sentado atrás dele, havia um monstro enorme que me olhava como se para um pedaço de carne suculento. A pele marrom, a gigantesca cabeça e os afiados espinhos de rocha nas costas me diziam que era um troll da montanha. 

Por fim, o líder, ah! Aquele realmente era alguém para se dar atenção. 

Asas poderosas de dragão pousavam nas costas uma cor entre o marrom e o amarelo e escamas que cobriam quase todo o corpo. Chifres brotavam do lado da cabeça e eram curtos passando pelas orelhas, da mesma cor das asas.

Inconscientemente lembrei dos meus próprios chifres. Se fossem um pouco maiores de uma cor diferente, eles seriam bem parecidos. Além disso, ele também tinha um rabo. Esse sim era ainda mais parecido com o meu.

Engoli seco. Ele um meio-dragão. Este tipo de monstro era perigoso. Não por todos serem fortes, mas pela variação dessa força. Kobolds poderiam ser considerados meio-dragões, mas qual a espécie desse homem? 

Ele poderia ser um poderoso dragonato, espécie que criava guerreiros do mesmo nível de poder que um monstro heroico, ou poderia ser um simples dragonewt, uma raça até forte, mas com monstros raros na maioria.

Toda essa dúvida durou um mero instante. Eu não pisquei os olhos, eu não senti nenhuma brisa, qualquer sinal de movimento, intenção, aura; nada! Era como se fosse a própria luz. 

Em um milésimo de segundo, o meio-dragão estava sentado a cerca de sete metros de mim, atrás do enorme troll da montanha. No milésimo posterior, ele estava na minha frente a pouco menos de meio metro. 

Eu não senti medo, até porque não havia intenção de matar ou coisa similar. Na verdade, pela primeira vez desde que cheguei aqui, estava calmo. Estranhamente calmo.

Pelo menos 400 pontos em cada estatística.

Era o mínimo de poder que estipulei para que ele se movesse daquela forma sem morrer. O poder de cada estatísticas crescia de forma exponencial, então ele não era só vinte vezes mais forte do que eu; ele era estupidamente mais poderoso. 

Um puro sangue.

Ele não era meio-dragão; muito pelo contrário. Um dragão puro sangue possuía a capacidade de mudar de forma e aquele era um verdadeiro dragão em forma de gente. Conseguia enxergar, como uma sombra atrás dele, a forma gigantesca que deveria ter.

No segundo seguinte em que ele surgiu, eu ergui minha mão.

— Olá, meu nome é Kayn.

Ele abriu um sorriso largo.

— Trouxe uma pessoa interessante, Alina. Gostei de você. Eu me chamo Leifr. — Logo depois de se apresentar, me deu um aperto de mão.

Forte. Extremamente forte.

Depois de soltar minha mão, ele me puxou pelo ombro e apresentou todos. A sereia se chamava Una e ela era de um reino submarino chamado Ópera. Ela não demonstrou nenhuma características notável de primeira vista, além, claro, da impaciência.

O cara de pele azul e túnica era Akai e ele era um desert — também chamado de homem-do-deserto. Eles eram como a tribo Zuri, mas o nome da raça era diferente neste mundo. Aparentemente o cérebro do grupo.

O último era realmente um troll da montanha chamado Rio. Ele agia como o guardião do grupo sempre me observando com cuidado — todo sério.

Leifr então me levou até a arquibancada e a gente se sentou lado a lado. Ainda estava com o copo e a comida, equilibrados numa mão.

— Então você é o novo pupilo da mestra Cecília? — perguntou ele com um grande sorriso. A pressão do corpo dele era realmente assustadora.

— Não sei se posso chamar assim. Sabe, a gente se conheceu ontem.

Ele riu um pouco e deu dois tapinhas no meu ombro.

— Você está muito tenso. Acalme-se um pouco.

— Está certo — Achei que ele estava zuando com a minha cara. Como eu ficaria calmo com um dragão de verdade sentado do meu lado e tocando meu braço com um sorriso no rosto.

— Alina — Leifr chamou por ela — vamos brincar um pouco.

— Pode ir em frente. Eu não me importo.

Entreolhei os dois tentando adivinhar do que sua conversa se tratava. Tinha certeza de que não era algo bom para mim.

— Mestre Kayn, aposte comigo. — Os olhos de lagarto dourados brilharam na minha direção.



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