O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 50: Pesadelo

Quando eu era moleque, antes de me tornar a imagem que a Mente Serena refletia, tinha o costume de brincar em um parque próximo de casa. Diferente das outras crianças, eu me sentava em um banco próximo de um formigueiro e ficava olhando a vida delas passar. 

Às vezes, trazia de casa um pouco de açúcar e alimentava elas. Também criava barreiras para evitar que elas fossem atacadas por outros formigueiros. Criava caminhos pelos quais elas poderiam se mover mais facilmente. Quando uma delas me mordia, eu a punia isoladamente e deixava seu corpo para que as outras levassem e pudessem se aprimorar. 

Certo dia, um garoto um pouco mais velho me viu brincando. Ele se aproximou, tentou me provocar, jogou pequenas pedras em mim, mas eu estava absorto demais para me importar. Tudo o que eu via era meu pequeno reino. E ele notou isso.

Lembro-me de vê-lo chutar o formigueiro com seu sapato vermelho. Lembro dele rir e debochar, chamando-me de esquisitão. Lembro-me de saltar em cima dele e só parar de bater quando o sangue começou a escorrer do seu nariz.

Semanas depois, eu estava de novo agachado ou sentado, não me lembro tão bem, vendo a vida das formigas passar. Conseguia escutar vozes sussurrando e apontando para mim. Criança problema, diziam. Garoto maluco, falavam. Eu não me importava. Estava absorto na minha tarefa.

Aquele era o meu pequeno reino... e não deixaria ninguém ameaçá-lo.

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Sem mais o que dizer, brandi mais firme a voz do vento. A madeira da lança estalou e eu sentia o poder dos ventos ressoar como vibrações na palma da minha mão.

Gregórios tomou distância assim que o combate deu início. Desta vez, ele utilizava equipamentos defensivos melhores, além de ter comprado uma espécie de varinha mágica. Era um pequeno objeto de madeira e metal, marcado com runas e tinha na ponta uma também pequena joia vermelha.

O elfo estava bem mais sério. Começou logo a fazer seus encantamentos, acionando possíveis defesas ou armadilhas. Eu não queria admitir, mas ele era o mais rápido mago que eu já vi mesmo em Vanglória. A velocidade com que fazia seus feitiços era surreal.

Com uma única mão, estiquei a lança até o chão, tocando na terra fresca e então passei a caminhar na direção oposta, marcando o chão profundamente. Era possível escutar o barulho dos grãos de terra sendo separados.

— Ei, Gregórios — chamei ele que logo parou seus encantamentos para me observar. — Quando eu vencer isso aqui, que tal vender seu corpo no leilão? Acho que pagariam muito bem pelo corpo de um “elfo superior”.

Minha provocação pareceu ter efeito, porque ele cancelou o feitiço que estava fazendo e mordeu os dentes.

Acelerei meu caminhar em círculos para uma corrida lenta. Ele logo voltou para seu encantamento, mas eu não deixaria ser assim tão fácil. 

Estava sutilmente me aproximando, tornando o círculo menor. Quando cheguei perto o bastante para o alcance da habilidade da voz do vento, lancei:

— Suspiro da Ventania! — A lâmina de vento voou, cortando a distância num segundo.

Ele não parecia preocupado com o ataque, porém aquele não era meu verdadeiro golpe. Assim que a habilidade saiu, eu corri num semicírculo para também atacar. Queria usar ela como distração.

Cobri a distância entre nós com a lança rente ao corpo  e estoquei contra as costas do elfo, porém ele nem mesmo piscou. 

— Barreira de Sombras! — Bateu com uma mão no chão no exato momento em que eu e o Suspiro da Ventania estávamos para acertá-lo.

Uma esfera negra piscou como energia ao redor dele, chocando-se contra meus dois ataques e defendendo-os.

 Eu não senti como se tivesse acertado algo, mas sim como se minha força tivesse sido completamente retirada e anulada.

Dei dois passos atrás, tomando distância. Eu estava absolutamente certo em fazer isto.

— Reflexão— exclamou ele.

A esfera negra piscou outra vez, liberando um impacto de puro poder. Um Ataque em área de todas as direções, que afundou a terra um palmo na minha frente. Parecia ser uma versão mais fraca daquela proteção que ele usou anteriormente. Porém, desta vez, o contra-ataque demorava mais para sair e o poder era diluído por ser em área.

Apesar da surpresa, voltei a brandir a voz do vento contra ele.

— Flecha de Sombras! — disparou o ataque contra mim.

Tive que desviar com um salto da flecha negra e ele aproveitou para tomar distância.

Sem perder, encurtei nossa distância de novo. Coloquei a lança de lado e girei com força contra o seu pescoço. No entanto ele abaixou-se a tempo e eu cortei apenas alguns fios do seu cabelo dourado.

Rapidamente consertei minha postura. Estava pronto para atacá-lo de novo, porém senti algo errado. Olhando para baixo, vi um gigantesco punho brotar do piche negro no chão e arremessar meu corpo para trás.

Dor percorreu minha mandíbula e senti gosto de sangue na boca. Tive que cuspir um dia meus dentes no chão.  Limpei meu rosto com a não e vi o que havia me acertado.

O corpo da criatura zumbificada saiu rapidamente da mancha de escuridão. Era o gorila zumbi que logo mostrou os dentes afiados e bufou na minha direção.

Ele bateu com os punhos contra o peito, soando como impactos de um tambor. O fedor do seu corpo apodrecido e decomposto vazou pela arena, assaltando os arredores.

Aparentemente ele já havia preparado aquela armadilha. Ele invocou automaticamente após desviar o gorila zumbi.

— Quer vingança pela última vez? — Ele provavelmente não entendeu minha provocação.

Da última vez que foi invocado, acabou sendo usando como um escudo vivo. Como ele morreu instantemente, nem tive tempo de ver suas capacidades. Quando fixou o olhar em mim, pareceu lembrar de quem eu era. Seu rosto estava vermelho de ódio.

Mais uma vez, ele bateu com os poderosos punhos contra o peito e eu tomei distância. Vi ele correr, jogando todo o corpo contra mim. Suas mãos pareciam toras de madeira.

— Olhos da Ambição — cantei o nome da habilidade.

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[Habilidade Olhos da Ambição] Ativada

A Ambição do Usuário é muito maior que a do alvo.

É possível ver suas informações sem limitações

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[Informações]

Nome: Sem Nome

Raça: Grande Gorila Zumbi  | Nível 20/20

Raridade: Incomum | Grau: 2

Emblema: Bestial | Morto-Vivo

[Estatísticas]

Força 41/45 Velocidade 25/30| Vigor 40/40

Destreza: 30/35 | Inteligência 7/20 | Mana 10/40

[Habilidades]

[Ativas]

Ataque Aprimorado | Mordida Aprimorada| Força Superior

[Passiva]

Força Aprimorada | Resistência a Impacto

[Especial]

 Nenhuma

Altos...

As estatísticas dele eram razoáveis, porém nada que eu não pudesse lidar. Eu já o havia matado uma vez. Poderia matá-lo de novo.

Eu não tive nem tempo de planejar muito. Flechas negras voaram na minha direção e também os incessantes ataques do gigantesco gorila.

Tomei distância enquanto brandia minha lança, desviando os punhos gigantescos e tomando cuidado para não ser morto por uma flecha perdida. 

Gregórios não perdeu tempo também. Colocou a mão no chão e começou a invocar seus cães zumbis. Eles rosnaram e também partiram para o ataque. 

Lidar com vários deles seria complicado. Gregórios atirava flechas, o gorila resistia como um blindado do exército na minha frente e os cães, apesar de fracos, atacavam sorrateiramente nas minhas aberturas.

Quando me abaixei para desviar dos punhos, o latido de um dos cães soou e eu me virei, cortando-o ao meio, mas logo fui recebido pelo gigantesco punho, acertando-me diretamente na cabeça.

Meu corpo voou como um bola chutada para trás, girando e batendo contra o chão.

A dor passou pelos meus nervos e subiu para a cabeça. Era alucinante. Meu nariz sangrava muito e eu havia perdido mais alguns dentes no trajeto de voo.

Droga...

Sem opções, tive que recorrer àquilo...

Coloquei a mão na pequena bolsa que carregava na cintura e puxei um pequeno frasco vermelho. Eu não tinha tempo para ver a reação de ninguém na plateia. Depois eu pensava numa desculpa para dar ao Troll e a Sereia. 

Bebi uma, duas, três... Apesar de não me curar completamente, estava pronto para mais uma surra.

Contudo, tomando a visão do meu adversário outra vez, ele estava paralisado. Nem os cães e nem o gorila se moviam. Gregórios estava estático como uma estátua, boquiaberto.

— Você... Como conseguiu essas poções? 

Olhei os seus olhos e o frasco vazio na minha mão.

O que havia de tão especial nisso? 

— Não interessa para você — respondi friamente, tomando a lança na mão outra vez. — Já passou da hora de terminar com isso.

Assim que respondi, senti uma mudança na aura de Gregórios. Ele abandonou todos os outros feitiços que preparava e começou a invocar alguma coisa diferente. A magia transportava tanto que era possível enxergar a aura negra a olho nu.

— Eu não vou permitir! Força Monstruosa! — ativei a habilidade outra vez. 

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[Habilidade: Força Monstruosa] Ativada

Estatísticas de Força Duplicará pelo período de 15  minutos

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Quando minhas estatísticas dobraram, arremessei meu corpo para frente, fechando a distância num segundo. 

— Se da última vez, você morreu por um Suspiro da Ventania há mais de dez metros de distância, o que vai acontecer a queima-roupa?! Suspiro da Ventania! 

Eu estava tão próximo dele que poderia sentir o podrido cheiro do seu corpo e seu punho estava tão perto do meu rosto que eu poderia contar os pilos da sua mão, porém era tarde demais para ele.

A ponta da lança brilhou com a luz esverdeada e o poder dos ventos se concentrou, assoprando meus cabelos para trás. 

Senti certa eufória com aquela sensação de brutalidade.

Um vácuo ressoou, enquanto minha lança era desferida para cima junto do ataque mágico cortante. Um instante depois, a parte de baixo do gorila despencou no chão, enquanto o seu tronco voava aos céus.

Aquela brutalidade. Aquele sentimento... A calmaria que eu sentia desapareceu por completo e foi substituída...

Eu sentia fúria!

Tomei de novo outro sopro de ar e corri freneticamente na direção de Gregórios. Os cães eram apenas insetos aos meus olhos. Todos que pulavam era retalhados pelos meus ataques. 

Seus corpos picotados em pedaços.

— Ímpeto Veloz! Grito da Brisa! — acionei ambas as habilidades no meu impulso destrutivo. 

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[Habilidade Ímpeto Veloz] Ativada

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Meu corpo tornou-se um feixe enquanto eu acelerava sem parar, quebrando todos os limites que um dia antes criei. A totalidade da minha força repousava naquele ataque e ele finalmente chegou...

Um sorriso estampava meu rosto. Minha mente era uma mistura de desejo de matar e fúria corrupta. O tempo desacelerou por um momento. 

O elfo estava abaixado, ambas as mãos tocavam o chão e o meu ataque estava próximo o bastante para os ventos cortarem seu rosto apenas pelo resquício de poder. 

Eu queria matá-lo. Eu queria muito e muito e não sabia o porquê, mas não importava. Eu era uma força do caos incontrolável e nada...

Nada poderia...

O tempo passou.

Meus músculos estalaram e gritaram de dor. Meus ossos provavelmente racharam. O poder ricocheteou e eu cuspi uma poça quente de líquido carmesim.

Olhando para frente, vi uma mão negra aberta. A ponta da lança paralisada havia feito apenas um corte raso na pele cor de noite.

O ser que surgiu era magro, desnutrido. Tinha braços longos, sem olhos, sem nariz, sem orelhas. Tinha apenas um largo sorriso de dentes brancos e dois braços enormes que tinham quase o comprimento do seu corpo. Ele flutuava no ar, pois não tinha pernas. Era como um fantasma obscurecido.

Meus olhos brilharam e inconscientemente acionei minha habilidade enquanto cuspia o líquido vermelho com gosto de ferro.

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[Habilidade Olhos da Ambição] Ativada

A Ambição do Usuário é um pouco menor que a do alvo

É possível ver suas informações, porém com muitas limitações

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[Informações]

Nome: Sem Nome

Raça: Pesadelo | Nível ???/50

Raridade: Épico | Grau: 5

Emblema: Demônio | Sombras | Morto-Vivo

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Senti em seguida a vertigem que ocorria quando tentava ver as estatísticas de alguém com ambição muito alta. Como consequência eu fechei meus olhos por um segundo e, quando os reabri, eu vi Gregórios e aquele ser...

Porém eu os via de cima. O meu corpo havia sido arremessado para o céu como um boneco de pano.

 

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