O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 51: O Fim

Era uma situação complicada.

A luta se desenrolava entre os dois dentro da arena. Aquele combate era de baixo nível. Uma luta entre dois insetos. No entanto havia atraído a atenção de figuras de poder incomensurável.

Em cantos diferentes da arquibancada, os mais fortes assistiam àquele combate.

Leifr sentava-se próximo da arena. Sua mente ainda vagava sem interesse até o ponto que Kayn puxou as poções de cura do seu bolso. De repente, ele se viu no dia anterior.

Lembrava-se do homem sentado no trono. Ele parecia não ter nem uma única fraqueza. Era absoluto, intocável. Seus sentimentos não transpareciam e seus olhos emanavam apenas um puro desgosto por tudo. Parecia que nada no reino dos céus ou da terra poderiam lhe afetar até que o jovem dragão verdadeiro o escutou fazer dez lances específicos.

Comprou dez pequenos frascos que possuíam um líquido cor de sangue. A única capacidade dos objetos era curar feridas rasas, porém aquilo entrou na visão do monstro primordial.

Alguma coisa o havia afetado.

Mesmo que a chance fosse baixa, como Leifr poderia abandoná-la? O desejo de vingança e morte dentro do seu corpo suplicava por sangue.

De Leifr foi tirado o seu sangue. Eles foram vendidos como objetos pelo bel prazer daquela criatura.

Tornaram-se escravos que passariam pelo inimaginável.

Porém, agora, havia uma chance. Aquela era a chave que Leifr queria para achar uma fraqueza. Mesmo mínima, ele aproveitaria.

— Una e Rio — chamou os dois que discutiam freneticamente. Falavam de coisas sobre o Kayn ter escondido algo deles. Leifr não se importava. — Digam-me exatamente tudo o que aconteceu naquele leilão. Como Kayn agiu, o que ele vendeu e o que ele comprou.

Sua chance era essa.

Além de Leifr, muitos outros se encontravam na arena. 

Azaias, Wilbur, Cecília, Baal, Azazel e o monstro primordial, Amadeus

❂❂❂

O meu corpo foi simplesmente arremessado para cima, subindo vários metros e descendo em alta velocidade. Minha mente vagava pelo consciente e inconsciente. Meu espirito estava em pedaços.

Despenquei dos céus como um anjo caído e afundei no chão de terra da arena como um pedaço de bosta. Meus ossos estalavam a cada tentativa de movimento. 

Eu mal conseguia pensar. 

Virei minha cabeça para o lado, tentando ver o Pesadelo que se aproximava lentamente de mim com seu largo e horripilante sorriso no rosto.

A Força Monstruosa acabou se desativando sozinha depois do primeiro ataque. A velocidade daquele ser era imperceptível aos meus olhos. Simplesmente assombroso. 

Porém eu não temia. O sentimento no meu peito me proibia. A fúria implacável e terrível apenas crescia desenfreada.

Fechei os olhos e os reabri devagar. O Pesadelo apareceu na minha visão, empurrando seu corpo contra o meu no chão e sorrindo ferozmente. Pisquei de novo e Gregórios também se aproximou.

— Inseto infeliz — começou ele —, diga-me como arranjou as poções. Se me disser, talvez a sua morte não seja tão horrível.

— Eu... — Usei toda a força que havia dentro dos meus pulmões. — Q-quero que... você se foda...

Vi sua expressão pesar e ser consumida pelo ódio.

— Pesadelo — disse ele —, quebre cada osso do corpo dele até que ele fale!

Terminado a sua ordem, a mão gélida e enegrecida agarrou meu corpo. Como um boneco, ele começou a estalar parte por parte e pedaço por pedaço. Quebrando os ossos e ferindo a carne.

Meus olhos reviraram e minha mente escapou da consciência.

Neste novo ambiente entre o físico e o mental, o tempo havia parado. Reconheci o que era aquilo e também a pessoa que vivia neste plano

— Cara, você está acabado, hein, Kayn — disse o meu outro eu. — Se tivesse me escutado antes, nada disso teria acontecido. Avisei para ir embora, avisei para abandonar seus amigos, avisei que fracassaria e o resultado... Você é o resultado.

— Você está certo. — Eu não tinha resposta.

— Sim. Eu sempre estive certo. Você que nunca viu isso. Eu não consigo entender o que mudou em você tão rápido. Lembro que éramos impiedosos, brutais, racionais e agora você se move pelos sentimentos. Primeiro foi aquela arrogância e sede de sangue, depois até que foi algo bom; calmaria, mas você logo a abandonou pela fúria vermelha ardente.

— Pois é. Eu também não sei o que aconteceu comigo. Acho que a realidade é muito diferente do jogo. Quando eu estava em Vanglória, todos os meus servos eram apenas dados dentro de uma máquina, mas, neste mundo, eram pessoas; seres vivos de verdade. Eu fraquejei. Andei desenfreado. Fui de um canto para outro sem objetivo. E cheguei até aqui de novo.

Encarei o meu próprio rosto.

— A sua sorte, Kayn, é que eu estou aqui e ele também.

— Ele? — perguntei, mas meio que já sabia a resposta. — Ele quem?

— A sede de sangue, a arrogância, a calmaria e a fúria... 

Acima da mão do meu outro eu, estava uma chama que queimava como as cores do arco-íris. Movia-se incontrolável como a essência da própria vida. Não era uma consciência ou outro pedaço meu, mas sim um poder único que se fortalecia toda vez que meu coração batia.

— O que é isso? 

— Eu o chamo de Gênesis, o poder da origem.

— Gênesis...? 

— Sim. O poder da soma de todas as partes do seu ser. Não sei quais são suas capacidades reais, e muito menos sei o que isso pode acarretar, mas nós não temos escolha nesse momento, Kayn. E, além do mais, por que temeríamos? Somos aventureiros, não? — Ele riu. — Desta vez, seja consumido pela fúria e se torne...

❂❂❂

Minha consciência retornou do quarto branco. A Mente Serena se calou e o meu coração bateu. O Pesadelo sentava em cima de mim, quebrando dedo por dedo, porém eu não mais sentia dor. Quando meu polegar foi invertido de lado, meu coração bateu mais uma vez.

Uma aura obscura e avermelhado surgiu das minhas costas, enquanto minha camisa de rasgava lentamente. Leifr deu um passo atrás quando notou. A plateia se calou.

O dourado de um dos meus olhos desapareceu, substituído por um vermelho intenso e os dois começaram a nadar em uma esclera de escuridão.

Meus chifres que ficavam no canto da cabeça cresceram a olho nú, até apontarem para frente como os de um touro. Meus cabelos cresceram até a altura da cintura.

O Pesadelo deu um salto para trás, observando o que acontecia, enquanto seu sorriso desaparecia pouco a pouco, mas suas garras ainda apontavam para mim.

Não é o bastante.

Precisava de mais. Precisava ser mais intenso. Eu precisava ser consumido pela fúria. E eu a abracei por completo...

Meu corpo começou a ser reconstruído, enquanto meus dedos voltavam ao lugar. A aura me colocou de pé e das minhas costas brotaram o gigantesco par de asas demoníacas.

Elas que sempre foram um enfeite apenas agora batiam sem parar. Eu comecei a flutuar poucos pés do chão.

— O que é... você? — perguntou Gregórios.

Olhei meu punho que era revestido de um exoesqueleto negro.

Desta vez, seja consumido pela fúria e se torne...

— Um demônio!

❂❂❂

[Habilidade Gênesis] Ativada

Linhagem Desbloqueada

Demônio

Todas as estatísticas cresceram 5 pontos permanentemente

[Habilidade: Manipulação de Sangue] Adquirida

[Habilidade: Velocidade Monstruosa] Adquirida

[Habilidade: Magia Demoníaca] Adquirida

[Habilidade: Voo] Adquirida

[Habilidade: Velocidade Monstruosa] Ativada

Estatísticas de Velocidade Triplicará pelo período de 3 minutos

[Habilidade: Força Monstruosa] Ativada

Estatísticas de Força Triplicará pelo período de 6 minutos

❂❂❂

[Informações]

Nome: Kayn 

Raça: Demônio Superior | Nível 9

Raridade: Épico | Grau: 2

Classe: Mestre da Masmorra | Emblema: Vampiro | Demoníaco | Gênesis

[Estatísticas]

Força: 96 | Velocidade: 96 | Vigor: 32

Destreza: 32| Inteligência: 41 | Mana: 65

Meus olhos passaram rapidamente pelo ambiente e por toda a arena. Focaram-se por um momento no Pesadelo e depois fluíram na direção do elfo. Flutuei baixo por não estar habituado a voar e meus pés tocaram o chão.

Gregórios tinha uma expressão de terror, como se estivesse vendo a própria morte. Se algo do tipo estivesse ocorrendo comigo, eu também ficaria surpreso. No entanto, neste momento, pensava apenas numa coisa.

Matar aquele elfo nojento, abrir suas entranhas e enforca-lo com as próprias tripas na frente de todos.

— Pesadelo! — Ele saiu do transe e ordenou: — Mate-o!

O demônio negro, porém, não respondeu. Ficou parado como uma estátua. Ambos éramos demônios da mesma classe social. E demônios seguiam uma ordem natural rígida. Apesar dele ser ainda mais forte que eu, ainda tínhamos a mesma raridade. Ele não levantaria um dedo contra mim.

Escutei as batidas do meu coração acelerando, quando foquei no rosto do elfo. Uma fúria ardente e incontrolável que nem a Mente Serena poderia controlar.

— Quais as suas últimas palavras, verme orelhudo? — Minha voz soou como a de um demônio.

— Espere...! Isso não pode estar acontecendo. E...Eu sou o Elfo Superior! Eu deveria ser o governante de todos os elfos. V... você não pode...

Eu estava cansado demais para ouvir sua ladainha.  

Peguei a minha lança do chão. A Voz do Vento estava nas últimas. Prestes a quebrar. 

Invoquei a aura obscura do meu corpo e juntei ao poder da lança. 

— Morte da Ventania! — vociferei o nome da nova habilidade que misturava o poder do vento com a aura demoníaca. Balancei a Voz do Vento furiosamente contra o pescoço do adversário, quebrando-a no meio no processo, mas já não importava mais.

O poder rasgou o ar na direção do infeliz elfo chorão.

Um cajado de madeira se interpôs ao meu ataque e o poder do vento se espalhou, mostrando a aparência de um ancião com uma longa barba branca e orelhas longas.

Mordi os dentes e rosnei, assustando o idoso. Meu rosto escureceu-se e vi Gregórios chorando sentado numa poça do seu próprio mijo fedido. Meus olhos então viajaram para o novo inimigo.

O reconheci como o elfo ancião do primeiro dia de leilão. Apesar da aparência, sabia que era muito mais poderoso do que eu. Atacá-lo despretensiosamente poderia terminar com minha curta existência.

— Você atrapalhou nosso duelo, mestre antigo.

O ancião respirou fundo. Seus olhos cansados viajavam entre mim e Gregórios no chão. Soltando o ar, ele mordeu seus lábios e eu presenciei algo que nunca achei que veria na vida.

O homem largou seu cetro, deixando-o cair no chão com um barulho suave. Ele lentamente colocou sua mão na perna, abaixando-se devagar até ambos os joelhos estarem no chão e, como se aquela fosse a tarefa mais difícil da sua vida, pôs sua testa contra o chão e implorou:

— Por favor, perdoe este meu discípulo idiota. A culpa é minha como mestre por não tê-lo educado bem. Se for tirar a vida de alguém, que seja a minha. 

Eu poderia ser uma pessoa ruim. Gostava de fazer os outros pagarem. Tinha um complexo de superioridade fudido, mas aquilo me causava náuseas. Ver o homem, um elfo ainda por cima, rebaixar-se nesse nível por um merda como Gregórios. Eu sentia vontade de vomitar.

— Se é assim, que seja. — Primeiro eu tiraria a vida do ancião e, com ele morto, eu mataria o elfo. 

— Já estou cansado dessa brincadeira! — De repente, uma voz soou da arquibancada.

Meu corpo pesou literalmente, afundando meus pés no chão e fiquei imóvel. 

Escutei um estrondo quando ele pulou no meio da arena, o Grande Príncipe do Inferno. Baal estreitou seus olhos em mim, aproximando-se sem dar atenção para o pupilo e seu mestre.

— Sumam daqui vocês dois. — Ele acenou para que o ancião e Gregórios partissem. O elfo mais velho agarrou seu pupilo e o levou embora. — E você, o que merda é você?!

O ser me encarava inquieto. Nesta situação, nem a Mente Serena dizia algo. Uma das criaturas mais poderosas do mundo estava me suprimindo.

Porém, isto durou pouco. Um momento depois, outro ser se colocou entre mim e Baal. 

— A existência dessa criatura é um ultraje. Durante o combate, eu pude sentir o poder sagrado vazar do seu corpo. Eliminamos está ameaça de imediato. — Era o gigantesco Azazel.

— Assim que eu descobrir o que ele é, terei a maior felicidade em acabar com a vida dele, mas não agora. Saia da minha frente, pombo.

  — Desculpe-me, mas não posso. 

Se continuasse naquele ritmo, os dois entrariam em combate e eu morreria no meio do tiroteio. Estava começando a ficar desesperado e a transformação do meu corpo desaparecia junto de toda a minha força.

Pouco depois, outros começaram a aparecer na arena. Cecília, Azarias, Wilbur, Leifr e muitos outros que discutiam o meu destino. 

Cecília e Azarias defendiam minha liberdade, o que me aliviou muito. Azazel desejava minha morte e Baal queria me torturar para ter respostas sobre o que eu era. Outros também se juntaram a discussão e eu estava no meio — completamente indefeso.

Droga! Droga! Droga!

Eu era fraco demais para fazer qualquer coisa. Para mover um dedo. Tudo o que eu menos queria era ficar a mercê dos caprichos dos soberanos e agora estava justamente nessa situação. Minha vida estava na mão de outros.

Uma sombra cobriu minha visão. Conseguia escutar a discussão ao fundo parar por completo e todos os olhares se virarem na minha direção, porém não para mim. Levantando minha cabeça, enxerguei os olhos de sangue.

Amadeus estava parado me olhando.

E, atrás de mim, senti a morte. 

A pressão que encobria meu corpo desapareceu e eu pude mover minha cabeça.

Parado, tremendo incessantemente, estava o gigantesco esqueleto. Era ele que me encobria com sua sombra. Seus olhos vazios e escuros encarando minha alma. O louco Rei Lich.

Meu coração bateu forte. Por um instante, tive um momento de clareza. A Mente Serena me abandonou. Escutei ao fundo Cecília tentar me defender e impedir o que estava por vir. Porém eu não dei atenção.

Meus olhos se moveram para a arquibancada. Rio estava boquiaberto. Una segurava firmemente Natália que tentava vir me proteger e Alina segurava aquilo que eu buscava.

Cristal rasgava a pele de Alina numa tentativa desesperada de vir me salvar. Nossos olhos se encontraram enquanto ela parava lentamente e me olhava. Uma lágrima escorria por um dos seus olhos e por um dos meus também. 

Ergui meu braço na sua direção e tentava soltar a última das palavras...

— Cristal, desculpe-me... 

O Louco Rei Lich ergueu seu dedo contra o meu corpo e eu fui consumido pelas trevas negras...

Outra vez, eu morri.

 



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