O Mestre da Masmorra Brasileira

Autor(a): Eduardo Goétia


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 61: Treinamento

Neste momento, estávamos nós três caminhando pela Floresta Morta no andar 357. Alguns dias se passaram desde o nosso eventual acordo de fuga.

Alonso decidiu testar minha força ainda naquele dia, portanto tive uma revanche contra Alice. Assim que o combate começou, ativei minhas duas habilidades de aprimoramento físico: Força Monstruosa e Velocidade Monstruosa.

O combate durou cerca de 1 minuto. Depois de três golpes, eu havia perdido completamente. Isto alegrou a vampira tremendamente.

— Você não pode depender exclusivamente dessas duas habilidades. Neste ponto, elas são extremamente fortes, deixando seu corpo duas ou três vezes mais poderoso, mas conforme suas estatísticas crescerem, o efeito diminuirá. Quando passar pelo primeiro despertar, saberá do que estou dizendo — explicou Alonso, estendendo a mão para me ajudar a levantar.

Dei um tapa na mão dele e me levantei sozinho. Ele não pareceu se importar com a minha pirraça infantil. Também percebi que estava agindo errado, porém estava muito irritado para me importar.

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[Informações]

Nome: Kayn

Raça: Nephelim Superior | Nível 11

Raridade: Único | Grau: 2

Classe: Mestre da Masmorra | Emblema: Vampiro | Demoníaco | Gênesis

[Estatísticas]

Força: 36| Velocidade: 36 | Vigor: 36

Destreza: 36| Inteligência: 36 | Mana: 74

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— Eu sei o que é um despertar. Não precisa me informar.

Realmente sabia o que era. Quando todas as minhas estatísticas físicas chegassem aos 100 pontos, meu corpo passaria por uma ascensão de certa forma.

Por exemplo minha pele seria tão resistente quanto metal, portanto armas comuns não conseguiriam mais cortá-la com facilidade.

Meu metabolismo ficaria melhor. Venenos fracos não mais me afetariam, assim como poções de cura fracas não poderiam mais me curar tão bem quanto antes.

Eu basicamente deixaria de ser um ser vivo normal e me tornaria algo superior de certa forma, entretanto havia o lado ruim. Armas e armaduras comuns não mais me seriam úteis, porque meu corpo era simplesmente muito superior aos benefícios que elas poderiam ceder.

 Isto também afetaria habilidades de aprimoramento, como a Força e a Velocidade Monstruosa. Elas deixariam de aumentar meu físico em porcentagens absurdos e cairiam bastante.

Mas não era de todo o mal. Com 100 pontos de estatísticas, eu seria capaz de fazer muito mais do que era capaz usando essas duas habilidades ao mesmo tempo.

Claramente, eles continuaram me treinando e eu fui descobrindo que a diferença nas nossas forças era ainda maior do que eu pensava.

Alice era ótima em combate, principalmente quando o assunto era trabalho de perna. As garras afiadas serviam mais como distração, ou um objeto de combate secundário, pois em lutas corpo a corpo, sua especialidade eram os chutes rápidos e potentes. Entretanto seu verdadeiro ponto alto era a magia.

Ela era aparentemente uma maga extremamente poderosa.

— Alice, use um feitiço de fogo — pediu Alonso.

Contemplei o processo. A vampira ficou de pé na frente de uma árvore e levantou uma das mãos, cantando algum tipo de magia em voz baixa.

Como um redemoinho, vi uma grande chama amarela se formar na palma da mão dela, enquanto girava e se comprimia até assumir uma cor vermelha. O calor daquela magia era tanta que chegava a queimar minha pele, mesmo distante.

— Explosão de Chamas Vermelhas! — exclamou ela, lançando o ataque contra uma árvore.

A chama voou ainda mais rápido que as Flechas de Sombras usadas por Gregórios e se aproximou cada vez mais do tronco de madeira. Antes mesmo de acertar, vi parte do tronco carbonizar instantaneamente.

Assim que a magia chocou-se contra a árvore, uma massa de chamas vermelhas explodiu, queimando a árvore e o chão ao redor por inteiro por alguns segundos até desaparecer. Senti o ar quente contra o meu rosto e poderia jurar que até fiquei mais bronzeado.

Quando o fogo desapareceu, o chão tornou-se cinzas e a árvore havia desaparecido completamente. Alonso me disse para me aproximar.

Chegando perto, toquei o chão, sentindo-o ainda quente. Uma magia dessas poderia até mesmo matar instantemente alguém que já havia passado pelo despertar.

Olhei com outros olhos para Alice. Ela me encarou com um sorriso arrogante.

— Kayn, você usou essa habilidade para obter informações da Alice. Já vi habilidades parecidas que replicam os Núcleos Vazios, porém apenas mestre de masmorra podem usá-las. Você é um mestre? — questionou Alonso.

Seria perigoso para mim admitir aquilo, porém ele não pareceu ter intenções ruins. Além do mais, eu tinha conhecimentos anormais, então não faria mal admitir.

— Eu sou sim um mestre.

— Hm. Que interessante — comentou ele. — Por que o Lich te trouxe até aqui? É estranho ele trazer um outro mestre para a própria masmorra.

— Eu também adoraria saber. Mas por que me perguntou da habilidade? Não acredito que tenha sido apenas por isso.

— Astuto como um gambá, não é? — brincou ele. — Você deve ser capaz de ver sua própria força e a nossa com essa habilidade. Poderia me dizer exatamente nossa diferença?

Eu ri.

— Não sei dizer. Na verdade, não consigo.

Era a pura verdade. Eu já tinha tentado ver as estatísticas do Alonso, mas a ambição dele era muito maior que a minha, portanto eu não enxergava nada. O nível da minha habilidade também era baixo demais.

Alonso pareceu aceitar isso. Alice por outro lado zombou da minha fraqueza. Apesar de ser bonita, ela conseguia ser extremamente irritante.

— Quais são seus pontos fortes, Kayn? Na verdade. Tenho certa dúvida sobre qual a sua raça. Você tem presas de vampiro, uma pele estranha, chifres de demônio, orelhas de elfo, uma cauda em formato de lança, e há dois glifos de asas nas suas costas

Uma peça se encaixou na minha mente quando ele disse glifo. Eu não conseguia enxergar minhas costas, portanto também não conseguia ver minhas asas. Então elas aparentemente viravam tatuagens quando eu não as usava.

Pensei por uns segundos se contava para ele ou não a minha raça.

— Se você não quiser contar, então irei ignorar o assunto. Queria saber para poder direcionar você da melhor forma possível, mas devo conseguir me virar.

— Não. Eu posso contar sim. — Decidi fazer um voto de confiança e contar o que eu era para a primeira pessoa desse mundo. — Eu sou um Nephelim Primordial.

— Um Nephelim? Primordial? — Alonso respondeu confuso. — Nephelins já são extremamente raros, mas nunca vi um que fosse Primordial. Criaturas que tem Primordial no seu nome são as primeiras de sua espécie, mas Nephelins são variações de outras raças. Como isso é possível?

Percebi que minha dor de cabeça aumentaria.

— Eu também não sei, mas é o fato. Eu sou um Nephelim Primordial. Meu corpo carrega características e poderes de diversas espécies. Eu tenho asas de anjo e demônio — disse e liberei minhas asas que de repente apareceram nas minhas costas.

— Impressionante. — Os olhos sob a armadura brilharam na cor vermelha — Isto quer dizer que você tem um talento imprescindível. Deve ser capaz de usar qualquer tipo de arma e lutar das mais variadas formas. Existe alguma arma que você prefira usar?

— Uma arma que eu prefira usar? — Não tive que pensar muito. — Eu gosto de lanças.

— Ótimo. Eu sou melhor com o uso de espadas, mas tenho bastante conhecimento sobre o uso de lanças. Eu irei ensiná-lo a lutar com uma lança, e Alice o ensinará magia. Assim que estivermos prontos, iniciaremos o plano.

Eu fiz uma expressão de desgosto ao ouvir que Alice iria me ensinar magia.

— Tem certeza de que ela irá concordar em me ensinar magia?

— Não se preocupe com ela. Eu darei um jeito.

— Ah. Então tudo bem.

Começamos com o treinamento. Antes de qualquer coisa, precisava de uma arma para poder treinar. Alonso me trouxe alguns bastões de madeira e eu escolhi o que melhor encaixava nas minhas mãos.

Usei o tecido das minhas roupas velhas para prender firmemente o item Dente do Tubarão-Polvo na ponta do objeto, criando uma lança improvisada.

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Você criou uma arma Comum!

[Habilidade: Manufatura] adquirida

Qual o nome da arma?

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— Dente de Tubarão — nomeei sem pensar muito sobre.

Com o dente de tubarão, Alonso me pediu para fazer alguns ataques contra o ar. Realizei-os rapidamente e ele logo me interrompeu.

— Você é péssimo. Há tantos buracos na sua postura e tantas falhas na sua técnica que pareço estar vendo um goblin balançar um graveto.

Estreitei meus olhos pelo crítico comentário.

— E como devo melhorar?

— Preste atenção aos seus pés. Todo o combate marcial envolve domínio dos pés. Um forte senso de gravidade e a posição ideal do seu corpo no solo. Seus pés devem se mover mais rápido que suas mãos. Se for atacar, precisa antes de realizar o ataque, preparar sua postura para fazê-lo com a maior força e agilidade possível, do contrário ele será muito mais inefetivo do que deveria. Primeiro consertaremos a sua postura.

Achava que tudo aquilo era uma ladainha sem fim, porém o Cavaleiro sem Cabeça me provou o contrário. Ele pediu para que eu o atacasse, então o fiz.

Poucos segundos depois, tropecei nas minhas próprias pernas e estava no chão. Apenas com o trabalho de pés dele, conseguiu me colocar numa posição inferior, fazendo-me ficar pressionado ao ponto de despencar sozinho. Ele nem havia me tocado.

Passei a prestar atenção na forma com que o corpo dele se movia. Seus passos eram firmes e coordenados, como se ele dançasse durante o combate. Ele era grande e pesado, porém parecia tão leve quanto uma pluma.

Quando ele estocava três vezes, seus pés se moviam três vezes, arremessando seu corpo para frente em uma velocidade que quase o fazia invisível aos olhos.

Cavaleiros sem Cabeça eram monstros poderosos, mas eles não eram conhecidos por terem técnicas marciais tão avançadas. Quanto mais eu conhecia o Alonso, menos sabia sobre seu eu verdadeiro.

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[Habilidade: Maestria com Lança] subiu de nível

[Habilidade: Maestria com Lança] subiu de nível

[Habilidade: Maestria com Lança] subiu de...

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 Em um único dia de treinamento, minha habilidade de Maestria com Lança subiu três níveis. Eu não senti melhora no meu domínio com a arma, mas meus ataques eram mais rápidos, tinha mais força e eram mais imprevisíveis. Conseguia atacar de posições que não conseguia antes e ainda manter-me de pé.

Tudo graças aos poucos conhecimentos que o Cavaleiro sem Cabeça me cedeu.

Quando o dia terminou — ou o que eu imaginava como dia, porque de dentro da masmorra era impossível ter certeza — sentei na grama ao lado dele, enquanto víamos o rio fluir.

— Você é um ótimo, professor — tentei iniciar uma conversa.

— Não tenho méritos. Eu acho que ainda não percebeu... — comentou o Cavaleiro sem Cabeça, deixando-me confuso.

— O que eu não percebi?

— O seu talento... ele é incrível. Você demorou um único dia para conseguir usar o trabalho de pés que guerreiros levam meses para dominar.

Queria ficar feliz com o comentário dele, porém sua voz ao dizer aquilo parecia mais temerosa do que orgulhosa.

— E há algum problema? Não deveria ser algo bom?

— E é algo ótimo. Você é talentosoo. Talentoso demais. Você sabe como os Nephelins são tratados, Kayn? — Havia certa melancolia na voz dele.

— Sim, eu sei. Antes de vir parar aqui, um demônio descobriu que meu corpo possuía poder sagrado e demoníaco. E ele me atacou sem pensar duas vezes.

— É surpreendente que ainda esteja vivo. O demônio não deveria ser muito poderoso então — comentou, mal sabia ele que o demônio que me atacou era o Príncipe do Inferno.

Apesar de serem extremamente poderosos, nephelins sofriam represálias difíceis.

 Anjos os tratavam com zero tolerância. Era simplesmente uma tática de extermínio desigual.

Demônios faziam de uma forma diferente. Eles escravizam os nephelins, treinando-os para serem basicamente máquinas de matar enlouquecidas. Bucha de canhão em batalhas que eles não pediram para estar.

Eu realmente não sabia qual das duas era um destino pior.

— Mas não precisa se importar tanto com isso, Kayn — aconselhou Alonso, dando um tapinha no meu ombro. — Na verdade, há poucas coisas com que realmente deveria se importar. Eu mesmo só me importo com uma única coisa!

Fixei meus olhos em Alonso. A armadura negra não deveria ser capaz de transmitir emoções e o seu tom de voz era impassível, contudo havia sim um peso formidável por trás das suas palavras. Minha mente viajou em possibilidades enquanto tentava desvendar sobre o que ele falava, até que escutei alguns passos se aproximarem por trás.

Os passos vieram de Alice, que parou há poucos metros de nós dois. Um dos seus pés batia contra o chão impacientemente, enquanto seus olhos rubis encaravam a nós dois. Sua expressão claramente aborrecida.

Alonso levantou e chegou perto dela devagar, falando baixinho no seu ouvido palavras que nem eu conseguia entender. Ele então seguiu caminho até a cabana, soprando por entre o metal da armadura um assobio alegre e deixando nós dois a sós.

— Irá ficar o dia inteiro sentado neste chão, ou fará o favor de levantar para irmos aprender magia?

Sorri com o canto da boca, levantando do chão.

— Quero aprender magia.

Havia compreendido naquele momento com o quem — ou melhor — com quem o Cavaleiro sem Cabeça realmente se importava.



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