O Meu Caminho Brasileira

Autor(a): Rafael AS

Revisão: Rafael-AS


Volume 1

Capítulo 2: Flamel, o inútil

Limpei o suor da testa e finalmente pude descansar meu corpo ofegante, após explorar alguns locais da escola com pressa.

A exploração teve que ser curta por causa da apresentação de hoje, mas... Mesmo assim, foi o suficiente para a minha mente ter dificuldade em processar o que vi.

Tudo era muito diferente, complexo e estranho ao que estava acostumado. Em meio ao pátio com uma grama vivaz, estruturas de pedra — algumas até de mármore — se erguiam em grandes e imponentes proporções, à imagem dos monumentos que somente se veria na Grécia e Roma Antigas.

Infelizmente, só pude ver o lado exterior de tudo, porque havia uma catraca na qual todos os funcionários e alunos colocavam um cartão para passarem por ela. Ver essa cena em todos os locais me deixou com o coração apertado: e se eu precisasse desse cartão para algo no futuro? Não tenho nem ideia de onde se arranja um desses...

Enfim, pelo lado bom, agora tenho uma vaga noção de onde se encontram locais como laboratório de alquimia, salão de treinamento marcial, auditório ao ar-livre e mais algumas instalações.

Certo... Certo...

Então, veio um claro pensamento em minha mente:

A apresentação... E se já tiver perdido seu horário?

Afinal, a garota com quem conversei antes também já estava se dirigindo à apresentação...

Merda.

Minha respiração se tornou mais ofegante, mas sentia como se cada vez menos ar entrasse em meus pulmões. Queria parar e relaxar mais um pouco, mas...

Não podia perder tempo. Senão, não tenho nem ideia de quais consequências ou punições podem me ser dadas, pois não sei nada sobre as regras dessa escola.

Preciso fazer alguma coisa para descobrir onde é a apresentação...

Observei o cenário ao meu redor. Nesse momento, já havia retornado ao pátio principal, perto do dormitório.

Ao redor de mim, alguns estudantes iam e viam com relativa tranquilidade. Tranquilidade demais para quem poderia estar atrasado.

“Certo, não devo ter perdido o horário assim.”

Contudo, não sabia quem seguir. Quem seria da minha sala?

Foi então que meus olhos se conectaram com os de um garoto. Ele tinha uma postura ereta, peito estufado e um cabelo lançado para trás e lambuzado em gel. Seus olhos castanhos se contorceram ao encarar os meus. Eles eram perigos, como se capazes de transformar aquela expressão azeda de sua face em uma ação repugnante e cruel.

...Engoli em seco.

Um segundo após o contato visual, ele ignorou minha existência e continuou caminhando. Ao seu lado esquerdo, estava um rapaz alto e de cabelo loiro. À direita, havia uma garota com cabelos ruivos e sedosos que refletiam o brilho do Sol com elegância. Não conseguia ver a face de nenhum dos dois.

— Ah... — suspirei, ainda tenso pela encarada intensa do rapaz.

Entre todos os alunos desconhecidos que andavam pelos meus arredores, aquele com maiores chances de ser da minha sala era o daquele rapaz, já que mostrava ter uma certa ligação com Flamel — embora bem ácida.

Sem muita escolha, o segui de longe, esperando que caminhasse para o local da apresentação.

Após certo tempo os seguindo, o grupo, até então em silêncio, começou a conversar.

— Parece que os ratos correm às soltas hoje, hein? — O rapaz loiro riu.

— Tão fracos que não têm nem coragem de se aproximarem. — disse o garoto de cabelo lambido com uma voz irritada.

— Quem? — falou a garota ruiva, olhando para trás por um segundo e me encarando.

Nossos olhos se conectaram, e... suas írises violetas brilhavam em tons vivos e encantadores. Ela era bonita... Porém, logo aqueles olhos se arregalaram.

— E-espera... — disse ela com sorriso incrédulo.

— O quê? — irritou-se o rapaz do meio, virando-se para olhar de lance para mim. — É Apenas o inútil. Não tem nada para se observar.

Aquele é o Flamel?! — cochichou a garota, mas ainda consegui ouvi-la.

Por que isso parecia uma surpresa? O que havia de tão diferente?

Além disso, “o inútil”?

Não pude deixar de suspirar. Não há dúvidas de que estou vivendo no corpo de outra pessoa, embora o tom da pele e a altura pareçam bem similares ao meu normal.

Isso só me fazia me sentir ainda mais como se fosse esse rapaz, ficando meio ofendido quando me chamavam de inútil assim.

“Quais relações de amizade e inimizade esse tal de Flamel teria?”

Só espero que...

Olhei para frente, encarando o grupo, mais especificamente o garoto do centro.

...Espero que vá ficar tudo bem.

Logo que percebi, havíamos chegado em uma gloriosa construção de mármore. Alguns estudantes subiam pela grande escada, passando por robustas pilastras antes de seguirem para dentro do local.

Subi a escada e vi os três rapazes entrando por uma catraca, sempre seguindo o processo de colocar um cartão em um orbe de cristal, o qual se iluminava em uma cor verde antes de as barras metálicas, que impediam a passagem, se levantarem, e então se fechavam novamente após alguns instantes.

Quase sorri vendo o quanto isso se assemelhava à tecnologia da minha vida fora desse sonho. Quase. Quando os lábios começaram a subir, logo caíram enquanto sentia o sangue subindo à minha cabeça, tornando-a pesada e desordenada.

“Não vi esse cartão no meu quarto...” Engoli em seco.

O que eu faço agora?

Perdido e confuso, de repente senti um impacto leve em minhas costas. Olhei para o lado, mas o que eu vi apenas me deixou ainda mais confuso...

Era um anão que dava tapinhas em minhas costas?!

Digo, não era um anão, como conhecido na Terra, mas um anão dos mundos de fantasia, com cabelo alaranjado presos em um pequeno rabo-de-cavalo, feições mais grosseiras — apesar de exibir um grande sorriso — e um corpo mais largo. Bem aquele estereótipo de anão ferreiro.

No meio de tantos nobres com cores de cabelo elegantes e penteados refinados, surpreendentemente havia aquele ser na minha frente. Não apenas isso, mas o seu rosto continha um falho projeto de bigode, muito diferente dos rostos aparados e limpos que vi até então.

— Esqueceu o seu cartão de novo, Flamel? — Ele riu alto e deu outro tapa em minhas costas.

Um pouco recuado em decorrência de um bom humor tão exacerbado, respondi:

— Sim... Mas estou com medo de atrasar se voltar para buscar. Será que dá para entrar de outra forma?

Ele riu alto de novo. A cada vez que fazia isso, as pessoas ao redor olhavam para nós e riam da chacota.

Aaaahhhh, não aguento isso! Mas, mesmo que estivesse envergonhado, também achei ele engraçado e diferente. Um lado meu se sentiu mais à vontade com tudo isso. Era alguém mais amigável e descontraído no meio de tanta aparência e educação forçada.

Como que para finalmente acabar com a nossa humilhação pública, ele continuou de forma mais séria.

— Ué, mas você pode só colocar a mão e injetar um pouco de mana pra aquilo te reconhecer, não? — Ele estava sem pistas do porquê de eu estar tão nervoso. No entanto, suas palavras quase me fizeram suar frio.

I-injetar mana?! — Espera, espera, preciso praticar aquela magia que li nos livros, mesmo sem nunca ter treinado?!

— Você tá bem? — O rosto do anão se mostrava ainda mais confuso que o meu.

— Nada... Muito obrigado... — Ri e cocei a cabeça. Também queria muito chamá-lo pelo nome, mas não o conhecia ainda.

Caramba, não sei de nada nesse sonho!

— Que isso! — Ele sorri e dá outro tapa amigável em minhas costas.

Ri de mim mesmo e caminhei até o orbe, seguindo a fila atrás do anão. Na minha vez, enquanto ele seguia adiante, encostei a mão na esfera cristalina. A minha pressão sanguínea estava tão alta que sentia até a mão pulsando. Mas...

É agora ou nunca.

“Agora isso é entre mim e você!” Encarei o orbe com seriedade.

Tentei imaginar mana saindo da minha mão, mas nada aconteceu. Pensa... pensa... como que fariam mesmo?

Quanto mais eu pensava, mais nervoso ficava.

Hm? — Ouvi isso atrás de mim. A pessoa estava incomodada com a minha demora.

Acima do seu umbigo, ouvi minha própria voz em meus pensamentos.

Acima do umbigo? Espera, não é lá que fica os “núcleos de mana” naquelas histórias de fantasia? Então, se eu imaginar a mana saindo de lá...

Foi nisso que senti um formigamento vindo daquela área. É isso!

Intensifiquei a imaginação da mana percorrendo o corpo. Aquela pequena sensação se intensificou e senti como se algo estivesse sendo puxado de mim à força, uma sensação bastante incômoda. Era semelhante a quando se tem o sangue do braço removido com uma seringa.

Quando olhei para o objeto, ele permanecia transparente. Merda.

Esforcei-me ainda mais. A dor aumentou, mas nada mudou.

Ué? — sussurrei, confuso. Quanto mais fazia isso, mais tonto ficava.

— O que você está fazendo?! — A voz nervosa de um rapaz veio de trás de mim. Outras pessoas também perceberam que eu não estava prosseguindo e começaram a exibir olhares de desaprovação.

— E-eu não sei. Não quer passar...

— Você é tão inútil que não pode nem colocar a mana aí?!

Com essas palavras, algumas pessoas que saíam pelo corredor da esquerda se viraram para mim e riram. Isso...

Fiquei vermelho de raiva e de vergonha. Quem é esse rapaz para falar assim comigo?! E será que é algo tão simples assim?...

Antes de poder expressar qualquer insatisfação, as reclamações começaram a aumentar. Cadê aqueles nobres certinhos e educados agora?!

— Estamos atrasados já! Anda logo, seu imun-

— O que está acontecendo aqui? — ressoou uma voz madura e feminina com seriedade.

Olhei para frente e vi uma mulher de cabelos negros e vestimenta formal completamente em tons de preto. Ela ajeitou os óculos e andou até mim frente. Seu dedo tocou na bola de cristal.

— Que estranho. Ela já está repleta de mana sua... — disse ela fitando meus olhos. —Você é o Flamel mesmo, certo?

Mas que pergunta...

Obviamente fiquei nervoso. Afinal, não sou ele. Eu...

Claro que não. Sou um espião infiltrado do reino de Kosra, essas palavras minhas penetraram o meu cérebro. Foi algo tão atípico de mim que apenas fiquei ainda mais confuso.

— Eu... acho? — falei sem pensar muito, apenas não querendo ficar naquele silêncio constrangedor.

Sua face séria se quebrou em um riso. — Você acha? — disse ela com escárnio na voz.

Do meu lado, uma garota que ouviu isso ficou vermelha, a expressão contorcida tentando segurar o riso, mas não foi capaz e se desatou a rir. Vendo isso, todos na fila, que também não esperavam pela minha fala, riram um pouco.

Quanto mais eu ouvia, mais vermelho eu ficava.

— É o Flamel, o inútil! — Ouvi alguém sussurrando em tom de deboche.

— É ele! — continuaram os sussurros.

As pessoas começaram a me chamar assim. Meu peito ardia mais em mais. Infelizmente, não importava o que a minha mente desejasse falar, nada poderia ser dito em meio a tantas pessoas. Todos os rostos pareciam tão distantes, mas juntos e unidos para zombar de mim.  

Apenas me calei e continuei ouvindo as risadinhas, embora minha face mostrasse um semblante triste.

— Chega. Ordem! — disse alto a professora. Todas as risadas e mesmo sorrisos pararam. — Aqui, Flamel, vou deixar você passar. Mas depois procura a central de magia para recadastrar a sua mana, pode ter ocorrido algum erro — terminou ela e passou o cartão dela no orbe, o qual então brilhou em verde e as barras de ferro se abriram.

— M-muito obrigado! — agradeci e andei o mais rápido possível para dentro da instalação, só querendo fugir dali.

Em meio ao labirinto de corredores, corri, ainda com o coração gritando e o suor encharcasse meu rosto ainda avermelhado.

Vergonha e ansiedade ainda queimavam em meu peito, mas...

“Vamos lá, Michael. Você já passou por coisa pior... Isso provavelmente é só um sonho. Sei lá o que a minha mente quer me mostrar com toda essa história, mas só siga o fluxo com força...”

Continuei andando até encontrar um corredor lateral. Passei por ele e cheguei em uma escada feita também de pedra. Subi-a e dei de cara com uma arquibancada de um glorioso estádio que fez meus olhos se arregalarem.

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