O Meu Caminho Brasileira

Autor(a): Rafael AS

Revisão: Rafael-AS


Volume 1

Capítulo 9: Oportunidades

Não havia ninguém no corredor. Será que aquela voz estava errada?

Talvez. Mas, de qualquer forma, tenho que começar a ler os livros que tenho aqui. Não quero perder mais tempo...

Sentei-me na cadeira e comecei a folhear um dos livros, mas um pensamento martelava a minha mente:

Sim. Você está tão centrado no seu sofrimento e angústia que nem pensa como usar melhor o ambiente ao seu redor. Inúmeras oportunidades já passaram por você, Michael, e muitas você ignorou.

A voz afirmou que alguém me esperava, e eu ouvi a batida na porta. Tem que ser alguém. Seria outra oportunidade que deixaria passar? Não vou permitir mais isso.

Corri até a porta e a abri. Não havia ninguém. Mas fechei a porta e corri pelo corredor à procura da pessoa. Se alguém tivesse desistido de falar comigo, para onde teria ido?

Passei em frente ao restaurante e o vi vazio. Ainda estava no horário da aula. Quem que faltaria só para me ver? Não tenho tempo para pensar, apenas corri em frente.

Quando estava no fim do dormitório, vi uma garota descendo as escadas. Ela era pequena, seus cabelos marrons escorriam em ondas até os ombros. Vestia o uniforme padrão, mas um grande chapéu preto e pontudo a destacava de todos os demais. Nunca vi um daquele. Apressei meus passos e cheguei ao seu lado.

— Bom dia — disse-lhe, contendo minha respiração ofegante pela corrida.

Seus olhos castanhos atrás dos óculos de fundo de garrafa me fitaram com surpresa e perplexidade.

— Oh... Oi, Flamel... Bom dia...

Era ela. O espanto em seu rosto dizia tudo. Não pude deixar de dar uma risadinha. Não por causa dela, mas por causa da ironia de como tudo isso aconteceu.

— Você parece bem — disse ela e sorriu.

— Eu acho?...

Seu olhar inspecionava o meu com cuidado. Ela parou em frente à porta dupla do dormitório e me encarou.

— Você está decisivamente melhor.  

“Decisivamente, é?” Achei engraçado o palavreado rebuscado.

— Estou?

— Sim. Sua mana está diferente. Bem diferente. Bem mais...

Mana? Tenho mana? O Flamel, o inútil?...

— Bem mais...?

— ...Intensa. — Ela desviou o olhar.

O que seria uma mana intensa? E o que há com essa reação?

— Aliás... — continuou ela. — Aqui. — A garota estendeu seus braços com um grosso livro. — Você tinha me dito que queria enviar algumas cartas que pudessem ajudar Thomas a aprender magia. Hoje um dos estudantes do primeiro ano devolveu esse livro “Introdução à feitiçaria”, por Omnix Beytran. Dizem ser um livro bem mais completo e didático que os outros, então eu... pensei em adiantar e te entregar ele...

— Isso é sério?! — Meus olhos brilharam com essa notícia.

— Hã? Sim... É. Aqui. — Ela colocou-o nas minhas mãos e o soltou. O peso do livro era enorme e me fez tombar para frente. — Opa, cuidado. — Ela apoiou o cajado contra o meu peito, sustentando meu peso sem nem vacilar. — Flamel, Flamel. Você precisa trabalhar mais seu corpo... Um corpo fraco não aguenta muita mana. Só passar o dia estudando teoria não vai te levar muito longe. Bobo.

Assim que reestabeleci o equilíbrio, ela bateu de leve o cajado na minha testa, o que me assustou.

Ei!

Pfft. — Ela quase riu e se virou para andar pela praça. — Vou voltar à biblioteca. Se precisar de alguma coisa, pode sempre me encontrar lá.

Ela parece uma boa pessoa...

— Claro. Muito obrigado mesmo. Foi um prazer. Vou te encontrar lá... Aithne... — A última palavra veio naturalmente da minha boca.

— Até lá então, Flamel! — despediu-se ela com um sorriso e continuou seu rumo.

Sozinho, comecei a me estranhar. Aithne? De onde tirei esse nome? Mas não pareceu que errei...

Sem entender, voltei ao meu quarto, tranquei a porta e encarei o livro que ela me deu. Meu peito queria resistir ao fato de que precisava de estudar. Era tão mais tranquilo ficar deitado... Era... Era melhor poder culpar o mundo... Mas...

Engoli em seco. Eu preciso mudar. Preciso mudar o modo como vivo. É o meu destino... E ainda tenho muita liberdade nele, então... Comecei a estudar o livro, esperando uma leitura chata e maçante.

No entanto, a qualidade da escrita era impecável: o autor conseguia mixar uma escrita leve com a explicação de termos robustos e técnicos. Não parecia ser feito por um nobre, ou pelo menos os exemplos engraçados não condiziam com a seriedade narcisista da nobreza. A obra nem se compara com aquela pilha chata e esnobe que tentei ler anteriormente.

Em poucos minutos, terminei o primeiro capítulo. Foram trinta páginas em dez minutos? C-como? Eu não leio rápido assim...

Também era capaz de relembrar de todos os conceitos e exemplos dados no capítulo...

Não pude mais me desgrudar do livro. A única exceção que fazia era para me perder na imaginação, contemplando como toda aquela teoria produziria incontáveis combinações mágicas tão diversas. Isso era liberdade. Era poder. Era força. Era vida, mas também morte e destruição.

Aquilo tudo era...

Divino.

E assustador...

Um ser humano deveria deter tanto poder?...

Quanto mais estudava as possibilidades mágicas, mais me questionava: deveria ter medo dos monstros como O Pálido, ou de grandes magos que são capazes de inundar cidades ou criar furacões que tudo destroem? E o pior: os maiores magos do continente se reuniram em um só lugar: A Academia Real de Bauchir, o primeiro projeto interespécie, que tentava reunir humanos, anões e elfos. E...

Essa Academia é a em que estou, com os maiores pesquisadores do mundo.

Não sei por que não vi nenhum elfo até agora, e poucos anões. Mas não muda o fato de ser um projeto que não é financiado por nenhum reino ou império, a não ser pelos grandes sábios desse mundo...

...Que tipo de pessoa deve ser a professora Hayek, para dar aula aqui?...

A cada página lida, mais a força de Cyle parecia minúscula, insignificante perto desse mundo.

Quando terminei de ler o livro, já havia entendido um pouco sobre esses dilemas filosóficos do uso da magia e como funcionam as estruturas básicas da feitiçaria.

A feitiçaria é o uso de magia com fins restritos. Ou melhor: magia, se faz o que quer, mas com baixos resultados e alto custo de mana; com feitiços, é necessária uma runa específica para cada feitiço — embora haja padrões —, mas com altos resultados e baixo custo de mana.

Para se produzir um feitiço, deve-se imaginar a runa perfeitamente e preenchê-la de mana com delicadeza, pois cada padrão da runa necessita de proporções diferentes de mana.

Elementos de terra, por exemplo, são mais estáveis: a ativação da runa se dá preenchendo mana de forma mais uniforme. Já o fogo, por ser explosivo, precisa de criar desordem na própria runa, alimentando partes com quantidade de mana radicalmente diferentes e desiguais. Isso...

Isso era água para a minha alma. Minha mente se sentia maravilhosa ao percorrer todas as possibilidades. Tudo fazia tanto sentido.

Será que consigo usar algum desses feitiços?

Estiquei meu dedo e imaginei uma das runas mais simples: inflamar, a mais simples que achei. Mentalizei cada segmento da runa e aloquei muita mana em uma parte específica para gerar a explosividade. Senti uma dor percorrendo desde o meu umbigo até a ponta do dedo, e então:

Tss.

Partículas amarelas explodiram do meu dedo em uma faísca junto de uma chama pequenina.

Meus olhos brilharam com tudo aquilo.

Sou capaz de usar magia!

Mesmo que apenas uma faísca minúscula...

Peguei o livro e me desafiei a aprender uma magia um pouco mais difícil: disparo elétrico.

Pela próxima hora, fiquei decorando a runa do feitiço e depois treinando a aplicação dela. O problema é que a execução de feitiços de raio é diferente: enquanto o fogo necessita de caos, raio precisava de ter dois polos na runa: um polo com muita mana e outro sem nada.

A descarga elétrica aconteceria quando a mana de um dos polos corresse rapidamente ao outro, como se fosse uma corrente elétrica, cuja eletricidade da maior voltagem corre até a menor voltagem.

...Isso foi insanamente difícil de se reproduzir. A cada vez que falhava, a descarga elétrica era produzida em meu corpo, gerando uma dor intensa no meu dedo e braço até o umbigo. Suor encharcava minhas roupas.

Quando não me restava mais forças, tentei uma última vez, que foi quando um clarão amarelo contaminou meu quarto e senti muita mana sendo puxada de mim. Abri os olhos e vi que havia um círculo preto na minha parede, com cheiro de queimado.

O livro dizia que isso demoraria uma semana para ser feito... E eu...

Eu fiz no primeiro dia?!

Olhei para minhas mãos. Será que isso é talento, ou o corpo de Flamel já havia sido um pouco desenvolvido por ele?

Apertei a mão. Isso é meio assustador... Sinto-me exausto depois de tudo, mas... ainda é bem melhor do que ficar deitado dormindo?...

Dessa vez aproveitei uma oportunidade, certo?

...

Mal saberia que, se observasse minha janela naquele momento, veria, abaixo da luz falha do poste, uma figura de olhos vermelhos que espreitava sorrateiramente, observando meu treino.

Uma pequena risada doentia cortou o silêncio da noite. A luz do poste falhou por um instante e, quando retornou, ela já não estava mais lá.

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