Volume 1 – Arco 4
Capítulo 33: Conspirações
Quando todos se acalmaram, puderam finalmente conversar e se apresentar de forma adequada.
Gurok e Lois passaram, enfim, a compreender quem eram aqueles viajantes incomuns — e quais funções cada um exercia naquele grupo singular.
Erina, a cavaleira, Capitã, líder do grupo e responsável pelos hematomas do orc. Sempre colocava os outros acima de si mesma, e jamais aceitava ser servida. Possuía um senso de justiça inflexível.
Kenshiro, o espadachim, Vice-Líder, marido de Erina. Mantinha uma postura fria e impenetrável aos olhos dos desconhecidos, mas diantes de seus companheiros, em momentos apropriados, demonstrava um comportamento quase infantil.
Sebastian, o vampiro, Confidente, o mais recente e mais confiável aliado do casal. Tinha trejeitos enigmáticos, mas já havia sido decifrado por Kenshiro e agora agia como sua sombra. Era também um poço profundo de conhecimento.
Takashi, o arqueiro, o mais inseguro. Suas dúvidas — sobre si mesmo, o grupo e o mundo — faziam-no hesitar. Erina e Kenshiro queriam vê-lo se liberar todo seu potência. Corria sérios riscos de ser dispensado.
Xin e Zudao, associados. Não eram membros oficiais. Rumavam a outra Cidade-Livre, Shenxi, da qual Zudao era o Governador. Erina, porém, demonstrava interesse em recrutar Xin.
E por fim, Kaji, autoproclamado Intendente, o servo elemental da família Torison. Visto como mascote ou mordomo, o pequeno ser flamejante nutria imensa afeição pelo casal e aliados. Apesar da aparência lúdica, sua força não podia ser subestimada.
— Agora que nos apresentamos... — disse Erina — não acham justo fazerem o mesmo?
Sem escapatória, e desejando manter o respeito, Gurok foi o primeiro a falar:
— Irei do começo...
— Versão resumida — cortou Kenshiro. — Ninguém aqui contou sua história completa. Você não terá esse privilégio.
Gurok pigarreou, resignado: — Essa torre pertenceu a um grande ferreiro chamado Arcanus, criador das primeiras armas Arcanas. Seus descendentes acabaram se afastando do propósito original... e ela acabou se tornando minha.
— E o que você fez com ela? — perguntou Erina.
— Dediquei minha vida a aprimorar minhas habilidades na forja... e a criar as armas para nossa luta.
— Que luta? — insistiu.
Lois respondeu, firme, embora com um tom amargo: — Altunet nunca se preocupou com o povo. Mas piorou muito depois que Lucan se tornou Juiz. Sua beleza, sua voz, seu carisma... ele hipnotizou a cidade inteira. E, sob esse encantamento, o Governador nos tirou tudo.
— E vocês tentaram resistir? — questionou Zudao, interessado.
— Tentamos, sim — respondeu ela, baixando o olhar. — Chegamos a ser quase duzentos. Lutamos juntos... até restarmos apenas nós dois.
Erina sentiu o peso daquelas palavras.
— Qual era o plano de vocês? — perguntou Kenshiro. — Atacar o governo, com ou sem a Votare?
— Claro que não! — retrucou Lois, ofendida. — O plano era usar o Votare para assumir o comando sem sangue. Bastava pagar a taxa absurda e obter a indicação de um nobre. Mas agora vejo que foi tudo uma armadilha. Eles nos deram esperança apenas para nos expor e enfraquecer.
— E agora, perdemos tudo — murmurou Gurok.
— Não podem tentar de novo? — perguntou Takashi. — Juntar mais gente, mais armas, mais dinheiro?
Lois balançou a cabeça, amarga: — Não. O Governador já está negociando com o Império. Qualquer tentativa de mudança após isso será tratada como rebelião. E o Império não perdoa esse tipo de coisa.
O silêncio caiu. O único som era o crepitar das chamas na forja — livres, dançantes, como o povo daquela cidade deveria ser.
Erina se levantou. Caminhou até a porta da torre e olhou a cidade do alto.
Então disse, como quem desperta de um pesadelo: — Então faremos esta noite.
— O quê?! — perguntaram vários ao mesmo tempo.
— Lois — ela se virou —, você acredita que venceria a Votare?
— Acredito, sim, mas... não entendo aonde...
— Então é isso. Se todos nos movermos agora, a maioria da população se juntar a você... o Império não poderá intervir. Será um movimento democrático.
— Um golpe de estado democrático?! — Zudao arregalou os olhos. — Você está maluca!
— Sebastian, estou errada?
— Tecnicamente... não — disse o vampiro, cauteloso.
— O Império valoriza ordem acima de tudo — explicou Kenshiro, dando apoio à sua esposa. — Se for uma transição popular, com a maioria ao nosso lado, eles não poderão alegar desordem sem parecer hipócritas. Seria como rasgar seus próprios princípios e manchar sua imagem entre os aliados.
Um a um, os membros do grupo começaram a entender. Até mesmo Zudao reconheceu a lógica, mesmo que contrariado.
Faltavam apenas Lois e Gurok.
— Não... não! — exclamou Lois. — Por que estão fazendo isso? Vocês não nos devem nada!
Erina colocou a mão no ombro dela.
— Talvez não sejam meu povo... mas se posso impedir esse sofrimento, então é meu dever tentar.
Lois se calou. Seus olhos marejaram. Jamais esperara receber ajuda.
— Além disso — disse Kaji —, esse conflito parecia inevitável desde que entramos nessa cidade. Melhor terminar logo.
Lois olhou para Gurok, esperando sua resposta.
— Não pode estar falando sério...
— Por que não? — respondeu, cansada. — Seguimos as regras deles o tempo todo. Tentamos pelos meios convencionais, e fomos humilhados e traídos. Você não está cansado?
— É claro que estou, mas... — ele apontou para o pé machucado — não estou em condições de vestir a armadura, muito menos de lutar.
Antes que terminasse, uma aura esverdeada envolveu sua perna. A dor sumiu. O inchaço desapareceu. O roxo, os cortes... até o dente perdido voltou ao lugar.
Gurok fitou Erina, incrédulo. Seu cabelo estava flutando e se tornado loiro nas pontas. A mesma aura verde rodeava seu corpo.
— Eu não sou apenas uma cavaleira — Abriu os olhos, brilhavam intensamente.
Quando a demonstração das habilidades curativas de Erina encerraram, Kenshiro manteve-se focado em um detalhe que fora dito.
— Podemos ver essa armadura?
(...)
Gurok e Lois conduziram o grupo até o armazém da torre. Era ali onde deveriam estar armazenadas as armaduras, ferramentas e suprimentos para a forja. Mas, para espanto de todos, o lugar estava quase vazio.
— Vejo que preferiu deixar o melhor nos seus aposentos — comentou Kenshiro, sarcástico.
— Não tive escolha — respondeu Gurok, amargo. — Depois do ataque de Lucan, perdemos quase tudo...
Xin, ainda tentando entender, perguntou se ele havia mesmo conjurado um raio contra a torre.
— Sim — confirmou Lois. — Lucan sabia que a única coisa capaz de vencê-lo era essa armadura. Ela é um projeto de Arcanus... incompleto, mas cheio de potencial. E ironicamente, foi esse ataque que nos revelou como finalizá-la.
Arcanus sonhava em criar uma armadura capaz de anular qualquer tipo de magia. Era visionário e obcecado, mas sua época não lhe dera as ferramentas necessárias realizá-la. Por isso, confiou a tarefa aos seus descendentes. Ninguém conseguiu completá-la.
A armadura estava coberta por uma lona no fundo do armazém. Ninguém ousava tocá-la, por respeito ao legado de Arcanus — exceto Gurok e Lois.
Com cuidado, Gurok retirou uma pequena bolsa escondida entre os tijolos da torre. De dentro, tirou uma pedra platinada, opaca e densa.
— Esse é o material que falta.
— Só isso? — Zudao arqueou a sobrancelha.
— Eu sei que não parece grande coisa, mas essa pedra tem propriedades únicas... é moldável sob ferramentas, mas ao ser aquecida, se solidifica tanto que nenhum martelo a afeta. E mais: quando em contato com eletricidade, ela reage, se transforma, e se funde com o que estiver ao redor.
— Por isso Arcanus construiu a torre aqui — concluiu Sebastian. — Esperava que esse material surgisse com a mineração das ricas cavernas das montanhas.
— Exato — assentiu Gurok. — Mas para que ela se una à armadura, será preciso mais do que um raio comum...
— Espere — interrompeu Erina. — Você está sugerindo... usar um dos ataques de Lucan?
— Não, é pior. Quero que ele lance seu ataque mais poderoso contra mim. A armadura estará incompleta, mas... pode ser nossa única chance de finalizá-la.
Erina, Xin e Takashi empalideceram.
Xin comentou achar que o único resultado seria a morte do orc.
— Isso não é coragem, é suicídio — completou Takashi.
— Esse nem é o problema principal — disse Erina. — Você não pode estar com essa pedra perto dele. A simples proximidade fará com que ela reaja antes da hora. Perderia o controle sobre a transmutação.
— Eu sei. Por isso... — Gurok olhou para Takashi — preciso que seu arqueiro a leve.
— Eu?
— Mas antes de confiar a você algo tão precioso, preciso ver quem é de verdade.
Takashi olhou para Erina e Kenshiro, em busca de aprovação. Eles assentiram, deixando a escolha em suas mãos.
Retirou o capuz.
— Um elfo — resmungou Gurok, com desprezo. — O destino tem um senso de humor torto...
— O que quer dizer com isso?
— Nada não, orelhudo...
O plano estava se formando. O Juiz era o alvo final. Mas antes, era preciso lidar com o Governador — e com o povo.
— O Governador não é alguém que se pode subestimar — alertou Lois. — É deformado, repulsivo... mas um gênio da manipulação. Chegou ao poder ainda adolescente. Vai tentar de tudo: prometer, comprar, mentir. E mesmo quando diz a verdade, o faz com segundas intenções.
A tarefa de capturá-lo exigiria discrição total. Apenas os mais furtivos participariam. Invadir a prefeitura não era o problema; era andar por ela sem serem notados. Um guarda fora do lugar, uma janela aberta, e ele fugiria para um esconderijo seguro.
— Ele é peça-chave para o golpe. Podemos vencer Lucan... mas se o Governador escapar, tudo terá sido em vão.
E quanto ao povo.
— São de mente fraca, fáceis de manipular — disse Lois, com tristeza. — Do contrário, não estariam nessa situação. Coragem e sacrifício... são demais para eles. Preferem não se arriscar ao bem de suas futuras gerações. São tão egoístas quanto os nobres. Gerações de submissão os transformaram em algo pior que escravos. Pediriam correntes, se fossem oferecidas com conforto.
— Como algo assim aconteceu? — perguntou Erina, espantada.
— Isso não foi do dia para a noite — respondeu Sebastian. — Quer aumentar o preço de algo sem que reclamem? Suba uma moeda por semana. Parece pouco, mas em anos, estará cobrando uma fortuna, e ninguém lembrará do preço original.
— Desde que ninguém questione — completou Kenshiro. — Se aceito o chicote sem reagir, aceito minha condição de escravo.
— Não fale do meu povo como se os conhecesse! — protestou Lois.
— Então desminta o que eu disse.
Lois rangeu os dentes, mas ficou em silêncio. Não havia o que responder.
Os planos para o Governador e para a população ocorreriam ao mesmo tempo. E depois... viria Lucan. Qualquer erro, em qualquer parte, selaria o destino tanto de Gurok e Lois quanto do grupo de Erina e Kenshiro.
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