Volume 1 – Arco 4
Capítulo 36: Vice-Líder.
Ainda que estivessem preparados para o mais absurdo dos infortúnios, não imaginavam que o próprio Quasimir — alguém deformado — pudesse se tornar um adversário.
Abaixaram a guarda. A batalha os engoliu.
O brilho das moedas amontoadas, as joias estilhaçadas e as correntes de ouro pendendo das colunas de pedra criavam um ambiente sufocante, quase alucinatório. O cofre parecia uma miragem de loucura.
Não tiveram tempo para se recompor. O inimigo já estava atacando.
WHOOSH! Moedas voaram, prenunciando um avanço rápido e repentino.
— Não! — rugiu Kenshiro, vendo vislumbres do futuro.
Sebastian fora escolhido.
Seus sentidos aguçados o alertaram do perigo; o ar estava pesado e se movia tão rápido quanto seus olhos podiam acompanhar. Uma lâmina de carne e prata rasgava o vento, aproximando-se do seu peito. Um golpe devastador — empalamento —, capaz de perfurar-lhe o coração. Sua morte definitiva.
Se tivesse sido acertado.
Apesar de ter sentido um impacto no peito, fora apenas o deslocamento do ar.
Num movimento rápido, Kenshiro empurrou Sebastian, jogando-o para o lado. Quasimir passou entre eles, atento à velocidade do espadachim. O vampiro caiu com um baque seco, moedas espalhando-se como cascatas ao seu redor.
A dor da queda era melhor do que a morte.
Seu corpo não estava acostumado a tamanha velocidade. Sentia-se cansado, exaurido. Ao encarar o espadachim, não pôde evitar uma pontada de admiração por ter sua vida salva. No entanto, notou um fio de sangue escorrendo dos lábios dele.
Kenshiro o salvara, mas aquelas manobras lhe custavam vitalidade. Sem Erina para curá-lo, não podia se dar ao luxo de abusar dos próprios limites. Ele sabia disso.
Um arrepio subiu pela espinha de Kenshiro. Pôde ver os olhos de Quasimir fixos nele. Havia encontrado alguém à altura de sua agilidade.
O espadachim não desviou o olhar. Quasimir. O próprio Governador. Uma mera ilusão. Parecia desaparecer entre os reflexos dourados da armadura. Caminhava calmamente pelo cofre, analisando o grupo para sua próxima investida.
Também estava sendo analisado.
Sua postura e trejeitos haviam mudado. Não mancava. Não era mais curvado como antes. A armadura o tornara alguém normal — ampliando seu potencial físico.
De fato, um trabalho digno de um dos descendentes de Arcanus.
Seus subordinados, tensos pelo primeiro ataque do Governador, olhavam para o espadachim.
Kenshiro não era homem de discursos em momentos de conflito. Fixava-se apenas naquele que tinha poder de tirar-lhes a vida.
— Eu sequer pude vê-lo — murmurou Sebastian, tentando se eximir de sua ineficácia. Sentia-se um peso morto.
Kenshiro pareceu ignorá-lo, mas tentava defendê-lo de outra investida, impedindo que Quasimir encontrasse uma nova abertura. Xin parecia segura, como se ainda não tivesse sido notada.
"A maldita proposta me distraiu", condenou-se. "Estamos aqui por minha culpa."
Enquanto caminhava, o Governador pareceu fundir-se ao ambiente dourado. Sua armadura criou uma pequena ilusão. Aproveitou para atacar novamente, mirando o espadachim.
KLANG—BOOOF!
O impacto foi brutal. Moedas voaram, deformaram no ar, parecendo faíscas. Uma estátua de ouro rachou ao fundo, seu som ecoando pelo cofre.
Kenshiro permanecia de pé, as espadas erguidas. Respirava com dificuldade ao se defender de um ataque que quase lhe tirara a vida.
Na outra extremidade do cofre, Quasimir estava preso contra a parede. Fora arremessado com tamanha força que desmaiou com o impacto. Um grande risco marcava sua armadura.
Xin, esperançosa, perguntou se Kenshiro o vencera.
— Eu apenas o arranhei — disse ele, sem desviar o olhar. — A armadura é muito resistente.
Quando despertou, Quasimir soltou-se da parede. Tocou a armadura, sentindo os danos. Sabendo que ficara inconsciente, teve certeza de que não enfrentava alguém comum.
— É mesmo um espadachim perigoso — murmurou para si mesmo. Um lembrete para não se descuidar.
Ainda assim, não sentiu medo. Apenas entendeu que precisava de mais cautela.
Sabendo que o espadachim não abandonaria seus subordinados para matá-lo — não o fizera nem mesmo quando inconsciente —, começou a formular planos e alternativas para derrotá-lo.
— Fiquem atrás de mim — disse Kenshiro, firme como uma rocha. — Vou protegê-los.
Xin conseguia vislumbrar o resultado daquele embate. Não seria outro fardo para seu Vice-Líder carregar. Começou a vasculhar entre as riquezas do cofre em busca de algo útil.
Sebastian tentou erguer-se. Estava pálido. O hematoma em seu peito começava a se regenerar.
— Nem como... escudo... eu sirvo agora — lamentou.
O segundo assalto veio quando o vampiro ainda se levantava. Fora escolhido novamente como alvo.
Kenshiro parou à sua frente, as espadas erguidas em cruz, como uma muralha viva.
CLANG!
Sentiu seus ossos trincarem com o impacto. Sua armadura simplória era inútil. Ainda assim, permaneceu de pé. Não queria demonstrar fraqueza.
Quasimir recuou antes que Kenshiro pudesse contra-atacar. Cuidando de seus subordinados, era difícil concentrar-se exclusivamente no adversário.
Os ataques repetiram-se. Três, quatro, cinco vezes. Cada investida mais violenta que a anterior. A compostura de Kenshiro começava a falhar.
—?!
Os olhos de Xin brilharam ao encontrar o que procurava. Ainda que Altunet fosse rica e suas minas produzissem muitas pedras, diamantes ainda eram raros.
Um deles, grande o suficiente para caber na palma da mão. Ela o prendeu à ponta do chicote. Arriscaria um golpe de milhões.
Quando Quasimir recuou após sua sexta investida...
WHIP—CRACK! O chicote estalou.
O diamante voou, quebrando a barreira do chão.
Quasimir percebeu instantes antes. Tentou desviar.
ZUNK! PLING... PLING... Sangue pingou no chão.
Não fora rápido o suficiente.
O diamante atravessou a poderosa armadura, penetrando em sua carne, desacelerando e batendo na parede do cofre. Tornou-se um diamante de sangue.
Um corte fino abriu-se em sua orelha. Quasimir tocou o ferimento, encarando o próprio sangue.
— GRRAAAAHHHHH!!! — rugiu de dor e vergonha, seu berro ecoando pelas paredes.
Xin tremia, o chicote ainda estendido à frente. Seus olhos brilhavam com uma coragem que nem ela sabia ter.
Kenshiro respirou fundo, o coração martelando no peito. Um lampejo de orgulho.
— Ela o feriu! — exclamou Sebastian, com uma faísca de esperança nos olhos.
Mas Quasimir não recuou. Transformou seu ódio em ação.
Atacou com fúria, sem cerimônia.
Antes ignorada, Xin se tornara seu principal alvo.
Kenshiro tentou aproximar-se dela, mas Quasimir vinha rápido demais. Moveu as espadas, prolongando seus braços, refletindo o ataque.
O impacto o lançou a vários metros de seus aliados. Ainda segurava as lâminas. Seus braços latejavam de dor e esforço. Apoiado nas espadas, tentou se levantar.
"Rápido! Droga... Ele vai atacar de novo..."
Seus pensamentos foram interrompidos ao ver o Governador diante dele. Mãos erguidas como martelos de execução.
E então...
WHIP—CRACK! O chicote estalou mais uma vez.
As mãos dele foram presas pelo chicote.
Xin não fora forte o bastante para impedir o ataque devastador, mas o atrasou o suficiente para Kenshiro rolar para o lado.
Irado pela intromissão, Quasimir a encarou. Um olhar. Um juramento de morte.
Kenshiro aproveitou a distração para golpeá-lo. Estava longe o bastante de seus subordinados. O adversário não escaparia dessa vez.
— HAAAA!
A lâmina cortou na diagonal, rasgando armadura e carne.
Quasimir recuou, sangue espirrando em gotas grossas, tingindo o ouro como rubis partidos.
Kenshiro quis finalizá-lo naquele instante, mas cambaleou ao avançar. Concentrara-se tanto em seus braços que esqueceu das pernas. Estavam exaustas. Falhavam.
Sebastian se ergueu novamente, tremendo.
Xin ajeitou o chicote. As mãos firmes. Pela primeira vez, confiava em sua própria força.
Quasimir ignorou o espadachim. Tinha seus próprios alvos.
E avançou.
Num piscar de olhos, Quasimir estava diante de Xin.
Ela não teve tempo de reagir.
O golpe veio sem pressa. Quasimir queria saborear a vingança.
Kenshiro, num avanço rápido, se jogou entre eles.
Percebendo que não acertaria a mulher que o ferira, desviou o ataque para outro alvo, antes de recuar novamente.
CRACK!
O som seco de osso partindo ecoou. A perna de Kenshiro dobrou de forma grotesca, o osso rasgando a carne. Ele caiu, os dentes cerrados, sufocando o grito.
Xin arregalou os olhos.
Sebastian correu até eles.
— Isso não pode continuar...
Quasimir saboreava a dor do espadachim como um predador.
No chão, Kenshiro ergueu a cabeça. A dor era um oceano, mas seus olhos queimavam.
Sentindo a vitória a seu alcance, Quasimir decidiu brincar. Pegou uma barra de prata — grossa e irregular — e a esmagou entre os dedos, criando fragmentos cortantes.
Atirou-os. Uma chuva de prata.
A armadura de Kenshiro era grossa o bastante para deter a maior parte do ataque; protegeu apenas o rosto. Xin sentiu pequenos cortes na pele — nada grave.
Quanto a Sebastian...
THNK! THNK! THNK!
As lascas perfuraram-lhe a pele, cada área necrosando rapidamente.
Quasimir preparou outro ataque semelhante.
Sabendo que Sebastian não resistiria, Kenshiro instintivamente tentou protegê-lo. Colocou-se à frente, de braços abertos. Soltou as espadas.
Mas a chuva prateada não veio. No lugar dela estava...
WHOOSH!
O Governador.
Pronto para empalar os dois em um único ataque.
SCRRRAK! Carne fora rasgada.
Kenshiro e Sebastian caíram sobre as moedas de ouro. O sangue espirrou violentamente.
Mas seus peitos estavam intactos. Seus corações ainda batiam.
E o sangue...?
Xin os abraçava por cima. Atirara-se sobre eles, desviando-os do ataque de Quasimir. Mas não saiu ilesa. Um buraco horrível se abria em sua panturrilha.
— Droga, Xin! Por que fez isso? — questionou Kenshiro, quase num tom de repreensão.
Os lábios de Xin tremeram. Os olhos se fecharam com força devido à dor.
E então...
— AAAAAHHHHH!!! — Sua voz, pela primeira vez, ecoou.
Xin desmaiou.
Talvez pela dor que sentira, pela sensação de que a morte era inevitável ou pela felicidade de ter salvo seus companheiros; seu voto de servidão enfraqueceu a ponto de sua própria voz escapar — ainda que apenas para um grito de dor.
Sebastian rasgou a própria capa e pressionou o ferimento.
— Não podemos continuar assim... — disse, olhando para o espadachim. Sugeria uma alternativa.
— Não! Posso acabar acertando vocês!
O vampiro também não gostava daquela opção, mas não via outra forma de vencer.
— Você precisa fazer, Kenshiro!
— Não... A Erina não...
— Erina não está aqui! Você é responsável pelas nossas vidas, mas não significa que precisa nos proteger sempre. Aceite sua função... como eu aceitei a minha.
Sebastian entregou as espadas a Kenshiro. Pegou Xin e a levou o mais longe possível do espadachim.
Enquanto isso, Kenshiro recordava-se de uma conversa que tivera com Erina:
"Meu amor... Mate nossos inimigos. Dê a eles a piedade de suas lâminas. Permita que nosso caminho seja livre. E eu prometo protegê-lo de todo o mal que habita nesta terra."
— Minha função... nunca vou deixar de proteger... — murmurou para si mesmo.
Imaginando que o vampiro tentava fugir desesperadamente, Quasimir decidiu encerrar a ameaça. Avançou uma última vez.
Kenshiro resolveu dar toda sua atenção ao Governador. Seus olhares se cruzaram. Quasimir tinha um olhar sádico, sedento pelo sofrimento. Kenshiro estava calmo, sereno. Suas dúvidas desapareceram.
WHOOSH—BOOOM!
Quasimir foi arremessado contra a parede do cofre mais uma vez.
Achando que o espadachim estava enfraquecido, não desmaiou dessa vez. Mas ao ver o enorme ferimento em seu peito — um grande rasgo na armadura —, o medo ofuscou sua dor.
Encarou seu adversário, ainda de pé, ignorando a perna quebrada.
Os olhos do espadachim estavam fechados. O sangue escorria das órbitas e da boca.
As moedas ao redor começaram a flutuar enquanto uma aura dourada tomava conta dele.
Diferente da de Erina — além da cor —, a aura de Kenshiro não era refinada. Era uma energia crua, bruta.
Ainda que imperfeita, era a sua força.
— Vou... eliminar... todos os meus inimigos... — Seu mantra.
Sua aura desapareceu no ar.
THUNK. THUNK. THUNK. Uma a uma, as moedas caíram.
Ao abrir os olhos, estavam limpos. Sua íris brilhava em dourado.
E então...
Todas as moedas levitaram...
SHWOOOOOM-THRAAAASH!
Apenas para serem arremessadas pelos ventos de um terrível furacão.
***
Inúmeros guardas mercenários aguardavam do lado de fora do cofre, exatamente como instruíra o Governador.
Mas os sons que ecoavam lá dentro os perturbavam.
Só quando ouviram os gritos de Quasimir decidiram recuar, largando armas, armaduras e qualquer símbolo do governo de Altunet.
Fugiram.
Porque amavam o ouro.
Mas amavam ainda mais... a própria pele.
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