Volume 1 – Arco 4

Capítulo 37: O Último Recurso.

 

Fogo, chuva e cinzas — eram tudo o que restava daquele dia em Altunet.

Dezenas de milhares de pessoas gritavam e corriam para fora das cavernas. Cada uma empunhava tochas, pedras, paus ou pequenas garrafas com líquidos inflamáveis.

Lois libertou uma fúria contida por gerações — tal qual uma avalanche, engoliria e destruiria tudo em seu caminho até não restar nada.

Os guardas mercenários tentaram resistir. Ainda que melhor equipados, eram rapidamente vencidos pelo número avassalador de inimigos. Alguns foram derrubados e pisoteados até a morte.

Idosos e crianças permaneceram nas cavernas, onde ainda era seguro.

Talvez Lois não quisesse que eles presenciassem a degradação do que significa ser humano.

Ou talvez temesse que seguissem pelo mesmo caminho de depravação.

A cavaleira dourada caminhava lentamente em direção ao centro da cidade.

Ela ouvia os gritos e a morte de milhares de inocentes, de ambos os lados. Queria gritar, chorar, correr para encerrar tudo aquilo o mais rápido possível, mas precisava ser um símbolo, um exemplo para o futuro. Ainda que não fosse exatamente o que havia planejado, precisava seguir em frente.

Retornando ao palco onde enfrentara Lucan pela última vez, repetiu seus atos anteriores — apenas mudando suas palavras.

— Lucan! Eu desafio o Governador e sua soberania!

Sem atraso, um raio caiu, trazendo-o ao palco. Desta vez, Lois não foi arremessada.

— “De acordo com a Lei da Natureza”, não é? Pois bem... Como Juiz de Altunet, estou representando Quasimir neste combate — disse Lucan, revelando um sorriso sádico. — Agora, diga-me: quem eu devo matar primeiro?

Lois o encarou sem medo. Para o povo, ela era a heroína.

— Eu chamo meu campeão: Gurok.

Rapidamente, o ânimo da multidão dissipou-se, e a revolta esfriou.

Gurok apareceu ao longe, vindo da grande torre negra. Todos abriam caminho para ele, um costume cravado na memória coletiva: evitar o monstro.

O orc usava uma armadura enferrujada, presa com cordas e cola ao corpo — não protegeria mais do que uma frágil pilha de madeira.

Ha... Ha! HAHAHAHA! — Lucan gargalhava descontroladamente.

Antes, a população teria rido junto com o Juiz. Agora, choravam e lamentavam pelo futuro que os aguardava.

— Você realmente deposita muita fé nesse... troço — zombou Lucan.

Gurok seguiu em frente, ignorando os comentários, cochichos e as opiniões ditas sobre ele.

— Os dois conhecem as regras — disse Lois, abrindo os braços — e as consequências de não cumpri-las.

CLAP! Bateu uma palma.

Lois possuía todas as habilidades de Lucan. Semelhante a ele, partira com o relâmpago que invocara.

Sua partida deixou claro quem seria responsável por defender os revoltosos. Aquilo os abalou.

Lucan encerrou as risadas, tentando levar a disputa a sério.

— Até onde me lembro, você nunca me venceu em uma luta, Gurok.

— Muitas coisas mudaram desde a última vez, meu irmão.

Murmúrios e cochichos se espalharam após a revelação. O Juiz detestava ter sua pureza questionada.

— Não me chame assim! Meu pai o adotou e acolheu, mas não somos irmãos!

— Fomos criados sob o mesmo teto, pelo mesmo pai, e disciplinados pelas mesmas mãos. Sei que isso te desagrada, mas somos irmãos.

Os mais velhos recordaram uma memória antiga: o jovem Lucan passeando pela cidade ao lado de seu pai e, um pouco atrás, uma figura esverdeada.

Era verdade.

— Chega de conversa! Levante os punhos e me enfrente!

Gurok obedeceu, embora relutante. Não queria matar o último laço de família.

KRUNCH!

Mais rápido que um piscar de olhos, Lucan esmagou o joelho de Gurok. Era como pisotear um inseto. Sua frágil armadura se desfez.

AHHHGG! — O grito de Gurok soou aterrorizante. Mal sofrera danos contra Maximus, e Lucan já o havia ferido gravemente.

O orc caiu de joelhos, a dor parecia insuportável.

Lucan o encarava de cima, decepcionado.

— Não acredito que nossa tão aguardada luta vai terminar assim! — Se inclinou para cochichar: — Quer que eu pegue leve com você, “Fera Verde”?

Gurok podia ser rápido para a maioria, mas era lento para Lucan. Viu-o enfiando a mão em sua pequena bolsa.

— O que é isso? Vai tentar jogar areia nos meus olhos?

KRA-BLAM!

Superando as expectativas de Lucan, Gurok foi ainda mais rápido do que ele pôde imaginar — só teve tempo de vestir o elmo antes do impacto.

Um enorme martelo de guerra saiu da bolsa. O golpe subiu em arco, acertando Lucan no queixo e arremessando-o longe.

Lucan ficou completamente imóvel.

BAM! Gurok repousou o martelo ao lado, em uma pose imponente.

Ainda que não fosse o herói que esperavam, ninguém podia negar a imponência daquele martelo. Havia sido cuidadosamente forjado para dar uma aparência graciosa e temível.

Com ele ao lado, Gurok até parecia... digno.

Lucan se moveu novamente, tentando se erguer. Estava atordoado.

"Eu... desmaiei?!"

Tocou o queixo e viu parte do elmo destroçado. Embora tivesse resistido ao impacto, agora estava inútil. Jogou-o fora, irritado.

— Desista, Lucan! — disse Gurok, sua voz imponente. Buscava imitar os trejeitos teatrais do Juiz. — Ainda pode sair com vida. Renuncie seu posto e à serventia ao Governador Quasimir.

Ao se levantar por completo, o Juiz tossiu uma quantidade significativa de sangue. Vulnerável, sua fúria aumentou — não mais do que quando ouviu a sentença final daquele orc maldito.

— Ainda há tempo para se redimir. A linhagem de Arcanus não precisa terminar com você...

Lucan ignorou os ferimentos e encostou o olhar mortal no adversário.

— Essa... foi a última vez que eu peguei leve com você, aberração.

A armadura de Lucan começou a liberar pequenos rios de energia que se soltavam ao redor dele. Desapareceu diante dos olhos de todos.

Gurok sabia que o martelo agora era inútil. Largou-o e procurou algo na bolsa.

Antes que pudesse reagir, levou um soco no rosto. Seu elmo se quebrou tão fácil quanto a proteção da perna comprometida. Seu nariz partiu-se, sangrando e manchando o chão.

Lucan reapareceu diante dele, sorrindo de forma eufórica, ignorando o próprio sangramento nasal.

— Você sabe que velocidade é igual a força, não é? — Socou-o outra vez, acertando o ouvido e deixando-o surdo do lado esquerdo. — Não importa o quão forte você seja, desde que eu seja mais rápido...

Gurok pegou o martelo e tentou um golpe lateral certeiro, mas Lucan desapareceu como uma miragem.

Percebendo a desvantagem, precisava encontrar algo na bolsa para mudar o rumo da luta.

Havia guardado ferramentas demais. Estava difícil achar o que procurava. Os golpes de Lucan tornavam-se cada vez mais rápidos, cada vez mais fortes.

Ignorou a dor. Seus hematomas pioravam, seus ossos quebravam, os músculos se atrofiavam.

Então encontrou.

Retirou da bolsa um modesto escudo — pequeno demais para seu tamanho. Ajustou-o ao peito, encaixando-o como parte da armadura.

Lucan viu aquilo como uma provocação. Nenhum escudo poderia resistir a um golpe dele. Iria destruí-lo e matar Gurok em um único movimento.

DOOOMMNNG! O escudo soou como um sino, atordoando quem estivesse por perto.

O escudo desfez-se em pedaços. Quebrado. Inutilizável. Mas Gurok permaneceu de pé, sem nenhum ferimento novo.

"Onde está o Juiz?", perguntava-se a multidão.

WHOOSH—DOOOM!

Algo colidiu violentamente contra a muralha dourada de Altunet.

A muralha permanecia intacta, sem nenhum arranhão. Apenas uma grande mancha de sangue indicava o impossível: Lucan estava caído, novamente desacordado.

Pela primeira vez, o povo aclamou o orc. Chamaram-no pelo nome. E até de herói.

Os gritos de comemoração e louvor despertaram Lucan. Seus ferimentos estavam muito piores do que imaginava. Sua armadura parecia prestes a se despedaçar a cada movimento. Ao compreender o que o povo comemorava, sentiu vergonha de si mesmo.

Jamais pensou que Gurok fosse capaz de criar artefatos arcanos. Ainda que a bolsa sem fundo já fosse prova disso, o escudo que atacara com tanta força estava encantado com um efeito de rebote; toda a força do golpe retornara para ele.

Ter se ferido com o próprio ataque; isso fazia de Lucan alguém forte ou fraco?

O que mais o irritava era ter ficado para trás. Conseguiu criar apenas um artefato arcano: o anel prateado de Quasimir. Depois de inúmeras tentativas, nunca mais conseguiu replicar ou criar algo novo. Até sua armadura não fora feita pelo próprio.

— Não... Não, não. NÃO!

Era inaceitável perder. Não para ele. Não contra Gurok.

Lucan se posicionou como um corredor: curvou-se à frente, joelhos dobrados, dedos cravados no chão como garras, pés firmes, quadril elevado.

Os raios ao redor de seu corpo cresceram em tamanho e intensidade, queimando o chão onde tocavam.

Ele só via um único objetivo: Gurok.

O orc encarou seu irmão ao longe. Foi surpreendido ao ser erguido por uma força invisível. Ainda no ar, viu a imagem de Lucan sumir e reaparecer à sua frente. Algo parecia errado. Seus movimentos estavam atrasados.

Lucan atingira uma velocidade que nem sua própria imagem acompanhava. Era o ápice de seu poder.

Jogando Gurok ao chão, Lucan montou sobre ele, socando-o enquanto chorava de raiva e frustração.

A cada golpe, a armadura de Gurok se esfarelava. Não havia mais nada para protegê-lo. Sentia seus ossos quebrarem, seu crânio se deformar. Mas não podia desmaiar ou morrer; precisava resistir só mais um pouco.

— Você não é nada para mim! — gritou Lucan. — Nada!

Cruzou os braços acima da cabeça, pronto para o golpe final.

Gurok, olhando ao redor, quis ter certeza de estar no lugar certo. Toda sua armadura quebrada estava ao seu alcance.

Sorriu, aliviado.

— ÚLTIMA INSTÂNCIA!

Ao proferir a sentença, invocou um relâmpago — o maior de todos — que engoliu os dois. Tão forte e brilhante que cegou todos ao redor.

Quando o clarão finalmente se dissipou, não havia dúvidas de quem seria o vencedor.

 

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