Volume 1 – Arco 4
Capítulo 38: Flecha Fantasma.
Gurok não era tolo o bastante para enfrentar Lucan apenas com uma frágil armadura e uma bolsa sem fundo — ainda que a bolsa tivesse levado todas as armas da grande torre, deixando-a praticamente vazia.
O plano era fazer Lucan utilizar seu golpe mais poderoso, um raio tão forte que fosse capaz de engoli-los por completo. Assim haveria energia suficiente para intensificar a pequena pedra e reconstruir toda a armadura, independentemente do estado em que ela ficasse — desde que Gurok estivesse próximo dela.
Lois e Gurok acreditavam que Takashi estaria nas proximidades, longe o bastante para a pedra não sentir energia alguma. No momento apropriado, o elfo dispararia uma flecha com essa pedra.
No entanto, Erina mentiu aos dois sobre a verdadeira localização de Takashi.
Eles estavam na grande torre, tão distantes que não se podia sequer vê-los. Apenas uma grande multidão, fumaça e fogo dominavam o horizonte.
Takashi permanecia paralisado na beirada da torre, olhando o horizonte com um olhar assustado. Sabia que dependia exclusivamente dele para o plano dar certo. Só tinha uma única chance.
— Mal dá para acreditar como foi fácil enganar aqueles pobres coitados — disse Erina, despida de sua armadura, vestindo apenas suas roupas casuais. — Ainda que eu não goste de admitir, Zudao fez bem em usar aquelas raízes... Criou guardas mudos, mas foi o bastante para intimidá-los ao ponto de não perceberem o truque.
Takashi não respondeu. O vento sacudia suas roupas enquanto ele continuava olhando para o nada, o arco preso em sua mão trêmula.
Percebendo como ele estava distante da realidade, Erina se aproximou por um dos lados, invadindo seu campo de visão.
— AH! Erina! — exclamou Takashi, estremecendo. — Não apareça assim de repente!
— Do que está falando? Eu estava te chamando e você nem me ouviu!
— Eh… Me desculpe — balbuciou ele, desviando o olhar.
Logo voltou a encarar o horizonte, como se ali pudesse encontrar a coragem que lhe faltava.
Erina suspirou e mudou de tática.
Sem que Takashi percebesse, retirou as flechas de sua aljava e as lançou no fogo da forja, onde Kaji as engoliu com suas chamas ardentes. O cheiro de madeira queimada se espalhou, invadindo as narinas de Takashi.
— Ei! O que você está fazendo?! — gritou ele, girando o corpo com o rosto transtornado.
— Aliviando seu fardo — retrucou Erina com um meio sorriso. — Ou seria aumentando-o?
Prontamente, Takashi tentou pegar suas flechas, mas Kaji fez questão de queimá-las rapidamente, impedindo-o de tocá-las.
— Você… você destruiu todas! — protestou ele, os olhos marejados. — O que vou fazer sem elas?!
— Takashi — disse Erina, aproximando-se dele com um tom quase maternal —, a única flecha que importa ainda está presa ao seu arco. As demais... eram distrações.
O elfo ofegava, o arco pesado em suas mãos. Então notou que, de fato, a flecha com a pedra ainda estava lá, reluzindo suavemente na penumbra.
— Você pensou mesmo que teria duas oportunidades para acertar um raio? Ou estava pensando em praticar?
— Não, eu só... — Envergonhado com seu próprio engano, Takashi abaixou a cabeça.
Erina riu, mas com uma doçura estranha.
— Não. Você só tem uma chance. E não pode errar. — Estendeu a mão e afagou-lhe os cabelos, como quem acaricia uma criança. — Você está tenso demais. Relaxe. Da maneira como está, erraria até se o alvo estivesse parado bem na sua frente.
Takashi suspirou, forçando um sorriso fraco.
— Você fala como se fosse fácil.
— As histórias antigas falam dos feitos dos Flechas Fantasmas — disse ela, com os olhos semicerrados, como se evocasse lembranças distantes. — Dizem que nenhum deles falhou.
— Mas nenhum deles teve que acertar um raio — rebateu Takashi, trêmulo.
— Isso porque um raio nunca fora um alvo para eles antes.
Ao longe, os rugidos e gritos da multidão anunciavam o início do embate.
Takashi voltou à posição, ajustando o arco. Sua respiração estava descompassada, e o vento, que antes era apenas uma brisa, agora lhe chicoteava o rosto.
— Quando acha que o raio vai cair? — perguntou ele, com a voz embargada.
— Não faço ideia — disse Erina, insensível. — Pode cair a qualquer momento. Você terá que prever. Calcular o tempo que sua flecha leva para atingi-lo. E o ângulo... não se esqueça do ângulo.
O arco de Takashi tremia em suas mãos, e suas pernas pareciam de chumbo. O suor escorria pela testa, turvando sua visão.
Ele baixou o arco, virou-se para Erina, quase suplicante.
— Como... como você consegue estar tão calma? Pessoas estão morrendo! E muitas outras morrerão se eu errar!
Erina, distraída, limpava a sujeira debaixo das unhas. Ao ouvir a pergunta, estremeceu, como se o comentário fosse apenas uma inconveniência.
— Senhor Takashi — interrompeu Kaji, em tom solene —, é claro que Madame Erina se importa. Cada vida é importante para ela. Mas você não entende tudo o que está em jogo.
Takashi ergueu a cabeça, desesperado.
— Não, eu não entendo! Estou aqui, confiando em vocês, no escuro! E se eu errar, vou carregar o peso de todas essas mortes!
Erina riu suavemente, quase como quem consola uma criança.
— Ah, Takashi... Você é tão ingênuo... — Aproximou-se, sua sombra projetando uma lâmina na luz da forja. — Você acha que eu colocaria todo esse peso em você, tão cedo? Não permitirei que ninguém morra se você errar.
— Mas... como...?
— A única coisa em risco é o seu lugar neste grupo. — Ela o fitou nos olhos, tornando-se fria. — Se você errar, estará dispensado. Livre para não nos seguir mais "às cegas".
Takashi sentiu o coração afundar. Embora devesse se sentir aliviado por não ter a cidade inteira dependendo dele, sentiu um peso ainda maior com a possibilidade de ser descartado.
Erina sorriu, um sorriso tão calmo quanto ameaçador. Ali, Takashi percebeu: ainda que ela o desejasse como aliado, não hesitaria em jogá-lo fora se falhasse; se fosse inútil.
Todo o envolvimento do grupo com o “golpe democrático” era apenas para o casal testar as habilidades e lealdade de seus membros.
Aquele era o teste final de Takashi.
O grito da multidão aumentava, e o trovão rugia cada vez mais perto.
Erina se aproximou por trás, suas mãos firmes sobre os ombros dele.
— Feche os olhos — ordenou.
— Mas... como vou acertar algo que não posso ver? — protestou, inseguro.
— Você está viciado na visão, Takashi. Confiou apenas nela. — Aproximou o rosto de sua orelha. — Agora... confie em todos os seus sentidos.
Mesmo tremendo, Takashi obedeceu.
No escuro, sentiu o vento mais intenso, carregando o cheiro acre da fumaça. O calor da forja pulsava em sua pele. O suor escorria pelas têmporas.
A voz de Erina soou como um eco em sua mente:
Agora que seus olhos estão fechados... o que você sente?
“Eu sinto... o vento. Ele está vindo forte. Algo se aproxima.”
Muito bom. E o que mais?
“Minhas mãos... estão suadas, não vou conseguir segurar o arco.”
Então limpe-as!
Takashi esfregou rapidamente as mãos na calça, ignorando a poeira e a fuligem.
“Tem algo... no ar. Cheira a metal.”
É hora, Takashi. Abra os olhos.
Quando abriu os olhos, o mundo desapareceu. Tudo ao redor era branco, sem som, sem vento, sem nada além de si mesmo. Um vazio absoluto. O chão, o céu — tudo era o mesmo branco infinito.
Sentiu medo e tentou dar um passo para trás, mas um peso invisível o impediu de se mover.
Naquele vazio, surgiram Gurok e Lucan, como fantasmas projetados em meio ao nada. Lucan pairava acima, braços erguidos, pronto para desferir seu golpe final. Gurok, abaixo, aguardava seu fim — ou sua salvação.
Takashi sentiu o arco em suas mãos. Pesado, como se carregasse todo o peso de sua história. Ele o ergueu, ajustando a mira. Seu coração batia forte como um tambor. Não havia medo ou insegurança — apenas foco.
Um trovão ecoou acima.
Takashi ergueu os olhos e viu a descarga de energia se formando lentamente no céu. Sabia que precisava esperar o instante em que o raio tocasse os dois.
O tempo parecia se arrastar.
Seu braço ardia. Suas pernas tremiam. Mas ele manteve a flecha esticada, aguardando.
Quando finalmente o raio rasgou o céu e tocou a dupla, iluminando tudo com um brilho roxo, Takashi soltou a flecha.
***
No mundo real.
— Você está viciado na visão, Takashi. Confiou apenas nela. Agora... confie em todos os seus sentidos. Voc...
Erina interrompeu suas instruções ao perceber Takashi agindo por conta própria. Ele limpou as mãos, ergueu o arco e disparou a flecha em um único movimento.
— O que você fez?! — gritou ela, alarmada. Achou que ele havia desperdiçado a chance.
Ela não percebeu os olhos opacos dele, ainda fechados.
— O quê...? — murmurou Takashi, abrindo os olhos. — Não... isso não pode...
No instante seguinte, o céu explodiu com o estrondo de um trovão.
Kaji, atônito, fitou Erina.
— Madame Erina... você realmente... — Ele não terminou a frase, vendo-a erguer o escudo, pronta para agir.
— Tenho que ser rápida... senão... — Parecia querer pegar algo.
Algo que não fosse o escudo?
KRAKA-BOOOOM! O raio desceu como um martelo dos deuses.
Não foi o clarão que fez Takashi ficar atordoado. Mas sim o rastro deixado por sua flecha. Um rastro de aparência etéria que parecia rasgar os céus, como uma estrelha cadente de cor púrpura.
O exato rastro que vira quando ainda era uma criança.
Era uma pena que apenas os próprios Flechas Fantasmas pudessem vê-lo.
"Será que... mais alguém da cidade viu?", pensou Takashi.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios