Volume 1 – Arco 4
Capítulo 39: Paladino.
— ÚLTIMA INSTÂNCIA!
O grito de Lucan cortou o ar como uma lâmina. Seu punho desceu sobre o orc caído com a força de mil trovões. Do céu, um relâmpago colossal despencou, tão brilhante que queimou a retina de todos.
O clarão se espalhou como uma explosão silenciosa, ofuscando cores e formas. Por um instante, o mundo perdeu som, forma, cheiro. Nada além de luz — tão intensa que parecia devorar a realidade.
O barulho não chegou a ser ouvido. Era como se a força do impacto tivesse rasgado até o som. Quando a claridade cedeu, as pessoas abriram os olhos aos poucos, ainda piscando, sentindo a pele arrepiar com a eletricidade residual que pairava no ar.
Onde antes havia apenas o orc, erguia-se agora uma figura platinada, monumental. Um cavaleiro reluzente, com armadura polida como prata viva, refletindo cada chama, cada gota de suor e cada lágrima nos rostos dos presentes.
Era tão impossível quanto divino — uma fusão de lenda e realidade. Os detalhes da armadura pareciam ter sido esculpidos por mãos de fadas: arabescos minuciosos, inscrições antigas gravadas em linhas que contavam histórias esquecidas. As ombreiras lembravam asas de anjo, enquanto o elmo escondia o rosto em mistério.
Lucan, caído a poucos passos dali, despertou com dificuldade. O peito doía a cada respiração. O clarão ainda dançava em sua visão. Quando seus olhos conseguiram focar, o medo o atingiu como uma lâmina gelada.
“Os céus vieram me buscar?”, pensou. Um tremor percorreu sua espinha.
Mas, através das frestas do elmo, ele reconheceu aqueles olhos. Gurok. A raiva ferveu como magma.
— Gurok, seu miserável... Essa armadura não é sua... ELA É DA MINHA FAMÍLIA! MINHA HERANÇA!
Ele tentou erguer-se. As pernas pareciam colunas trincadas, prestes a desabar. Cada músculo gritava em agonia, mas a fúria o sustentava.
A voz de Gurok respondeu, mas não era a voz gutural de sempre. Havia nela um timbre grave e etéreo, como se falasse de algum lugar além da carne. Uma voz de arauto.
— Lucan... — disse Gurok, firme como aço. — Você virou as costas para a família e para os ideais que herdamos. Como filho adotivo de nosso pai, assumi tua herança para cumprir o legado de Arcanus. E, com meus companheiros, completei o que você jamais teve coragem de começar.
O vento carregava o cheiro de ferro queimado e terra molhada. O povo reunido ao redor assistia em silêncio, as feições marcadas por medo e reverência. Cada palavra de Gurok caía como sentença divina.
— Você trilhou o caminho da solidão — prosseguiu ele, o tom carregado de pesar. — Conquistou muito, mas parou quando não pôde criar nada novo. Você refez as obras dos que vieram antes, mas desistiu de crescer.
Lucan estremeceu, sentindo o peso de cada acusação. Ele olhou para as nuvens negras que se formavam, como se buscassem refúgio para seu ódio.
— É verdade — Gurok ergueu ainda mais a voz — que lutei por um povo que me desprezou, que desejou minha morte. Mas foi no meio desse ódio que encontrei companheiros, amigos, irmãos que lutaram comigo. E, com ajuda deles, em um único dia, terminei o projeto de gerações.
Uma pausa dramática se seguiu. O silêncio parecia pesar toneladas. Lucan sentiu o estômago afundar.
— E você, Lucan, está só. Ninguém virá te salvar.
As palavras foram como uma lâmina cravada em seu peito. Ele sabia que eram verdade — cada sílaba.
“Estou só.”
Seu peito ardia, o ódio e a frustração em combustão.
— E-eu... — gaguejou, a saliva amarga na boca. — Eu não preciso ser salvo por ninguém!
CLAP! KRUMM! Lucan bateu uma palma, invocando um raio que o ergueu aos céus.
O clarão, ainda que fraco, atrapalhou a visão dos que estavam próximos.
Quando a luz se dissipou, Lois surgiu como um trovão, descendo dos céus como uma deusa justiceira, com Lucan subjugado sob seus pés.
— O Juiz Lucan fugiu do combate! Gurok é o vencedor!
A multidão explodiu num rugido de celebração, como se a vitória fosse deles. Mas poucos perceberam as palavras de Lucan, sussurradas como veneno.
— Idiotas... O Governador... trará o Império inteiro... Vocês todos... estarão mortos antes de verem o amanhã!
— Pois que venha! — bradou Kenshiro, arremessando o corcunda Quasimir ao chão como um troféu macabro.
Kenshiro apareceu cambaleando, os braços roxos, quebrados como gravetos. Sebastian estava pálido, a pele tão translúcida que até o mais ingênuo perceberia sua natureza vampírica. Xin dormia em seus braços, a perna enfaixada, um suspiro fraco nos lábios. O cheiro de sangue pairava no ar.
Mas nada se comparava ao estado de Quasimir. Sua armadura retorcida cravava-se em sua carne, transformando-o numa aberração viva.
Lucan arregalou os olhos, o terror e o desprezo misturados.
Sem escapatória, cercado por inimigos, ofegou. Cada respiração vinha como uma facada. Um riso rouco escapou de sua garganta. Ele ergueu a mão direita, apontando para Lois.
— Morram comigo, então! — gritou.
Lois ergueu a mão em resposta. Raios e trovões colidiram com fúria. Outro clarão. Lois foi arremessada aos céus, Lucan esmagado contra o chão.
Livre, Lucan ergueu os braços, chamando as nuvens. Faíscas serpentearam de seus dedos, subindo como cobras elétricas em direção ao céu. O cheiro de ozônio encheu o ar. O céu respondeu, escurecendo num trovão colossal.
Então a chuva começou. Pesada. Mas não eram gotas d'água que caíam — eram relâmpagos e raios, sobre toda a cidade.
Lucan sorriu, enlouquecido. Se não pudesse governar Altunet, ninguém governaria.
Kenshiro avançou, cambaleante. Seus braços pendiam inúteis, uma perna estava quebrada, mas a segunda ainda lhe obedecia. Tentou chutar Lucan.
— NÃO ME ATRAPALHE, VERME!
Lucan ergueu a mão, e uma corrente elétrica envolveu Kenshiro. O corpo dele estremeceu, mas não caiu. Kenshiro avançou, rangendo os dentes.
O ex-juiz não conseguia entender como aquilo era possível. O espadachim estava sendo bombardeado por tanta energia elétrica que seu corpo deveria explodir. Foi então que viu que, atrás dele, Lois absorvia parte da energia, protegendo-o da morte certa.
Ao mesmo tempo, Lois criara um escudo de energia sobre a cidade. Não duraria muito tempo sob a intensidade dos ataques de Lucan, mas bastava pegá-lo, interrompê-lo, a tempo.
Lois e Kenshiro avançavam, um passo de cada vez, determinados a encerrar aquele confronto.
Lucan percebeu que não conseguiria vencer a tempo. Então desviou sua atenção para seu verdadeiro adversário.
— GUROK! — berrou.
O chão estremeceu sob seus pés enquanto corria.
Mais rápido que nunca, Lucan avançou em disparada. Kenshiro e Lois tentaram detê-lo, mas não podiam igualar sua velocidade.
Lucan ergueu o punho, reunindo toda a energia, toda a raiva, toda a humilhação que sentira. Se não pudesse ter a armadura, a destruiria.
BAM! O impacto ecoou seco.
Nada.
A armadura estava intacta. Seu punho e braço, destruídos.
A raiva de Lucan evaporou. Um suspiro escapou de seus lábios, quase sereno.
— É mesmo... a obra-prima da nossa família... — murmurou.
Gurok ergueu o elmo, revelando o rosto. Ainda era o mesmo orc, apesar da trasnformação da armadura.
— Adeus, irmão.
Lucan tombou para trás. Viu uma lágrima escorrer no rosto do orc. “No fim, consegui feri-lo”, pensou, satisfeito.
Lucan morreu antes mesmo de tocar o chão.
Sua armadura havia se rachado no início do combate, impedindo-a de protegê-lo de tamanha energia durante a luta. Seu sistema nervoso foi o primeiro a colapsar — sequer sentira dor ou a urgência de seus ferimentos. Estava condenado no momento em que jogara seu elmo fora.
Em seus últimos segundos, flashes de uma vida cheia de dor lhe atravessaram a mente. A infância com Gurok e o pai — treinamento, disciplina, silêncio. O dia em que o pai morreu. A decisão de buscar vingança. A primeira morte, um mineiro qualquer, que não preencheu o vazio. O ódio que se tornou vício.
Ele não se arrependeu. Morreu fiel ao que acreditava.
Quando seu corpo tocou o chão, a armadura despedaçou como vidro.
O silêncio caiu como uma mortalha.
E então — um grito. Não de dor, mas de alívio.
Um rugido uníssono ecoou.
Gerações de sofrimento e opressão chegavam ao fim.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios