Volume 2
Capítulo 5: As Duas Lições
A brisa noturna entrava pela saída da carroça deixando uma sensação de despedida no ar. Segundo o que havia escutado mais cedo, pela manhã, já estaríamos chegado ao meu destino: Ur — A Cidade de Pedra. Não havíamos conversado muito desde então. Eles pareciam estar ocupados em relação ao trajeto e a algumas adversidades que poderíamos enfrentar no caminho.
Sentado, descansava a minha cabeça na parede da carroça enquanto ela se mantinha em seu próprio ritmo. Tudo havia se passado tão rápido que é como se nunca houvesse acontecido. Afinal, por mais que fosse um deles por aquele curto momento, amanhã já não os veria mais. Estranho, eu diria.
Shannah, de repente, se pôs em minha frente. Ela estava com as mãos para atrás como se estivesse escondendo algo de mim. Como quando sua mãe ou alguém especial esconde um presente para que seja uma surpresa para você.
— Ei, Iori.
— Sim, Shannah? O que foi?
— Amanhã ocê já não estará mais conosco... então, eu quiria dar um presente procê antes de nos despedir. — Explicou, Shannah.
— Presente?
Trazendo suas mãos para frente, Shannah com um grande sorriso em sua face revelou o seu tão — precioso presente — que estava escondendo.
— TCHARAM! — Nas suas pequenas mãos estavam a capa de Erich. Que bem, agora era minha. — Ela ainda está desgastada, mas pelo menos, eu conseguir costurar as partes arranhadas procê, Iori. Como agora ocê estará viajando sozinho, eu queria fazer isso para ajudar.
— [...]
Na época, não me resguardava de ter arranhado a minha capa. Mas, isso possivelmente se devia ao fato de que não assimilava a luta contra a aranha e a disputa contra Erich. Como tudo havia acontecido de vez, acho que ainda não tinha processado tudo aquilo.
Ainda sim, fiquei feliz pelo favor que Shannah havia feito para mim. Isso seria de grande ajuda, visto que eu não tenho outra capa. Por sua vez, devido a demora em responder ao entusiasmo da garotinha, talvez eu tenha dado a ideia errada.
— Ocê num gostou, Iori? — Shannah perguntou com uma voz e com os olhos de cachorrinho abandonado. Aquilo realmente me fez tremer um pouco já que cachorrinhos tristes são meu ponto fraco.
— N-não é isso! Eu realmente gostei! Gostei muito!
— Sério?! Ufa, que bom! Eu ainda não costuro tão bem, mas eu fiz o melhor que pude.
— Shannah...
Mesmo conhecendo aquelas pessoas a tão pouco tempo, eu ainda me impressionava com a forma que eles me tratavam. Sendo bem sincero, era bem parecido com a situação envolvendo Erich. Erich mesmo eu sendo um total desconhecido, cuidou de mim e me tratou até o fim como seu filho. Já eles... eu os conheci á três dias atrás. E mesmo assim, eles me tratavam tão bem...
O que mais me deixava frustrado, é que eu não conseguia me vendo fazendo a mesma coisa que eles. Se estivesse na mesma situação. Se tanto eles, quanto Erich apenas tivessem me ignorado ou fizessem pouco de mim, ninguém poderia apontar dedo para eles. Afinal, pode ser perigoso deitar sobre o mesmo teto que um total desconhecido. Entretanto, não foi isso que eles fizeram. Por quê?
Ainda não tinha a resposta, então, apenas senti que deveria ser grato por isso.
— Obrigado, Shannah. Isso vai me ajudar muito.
— Hihi... de nada! — Exclamou, Shannah.
— Hum, fico feliz em ver que vocês ficaram tão próximos. — De repente, uma voz conhecida se intrometeu em nossa conversa. Era o tio de Shannah, Gerald. Ele normalmente ficava na frente junto ao carroceiro, mas por alguma razão, ele estava conosco naquele dia. Ele parecia genuinamente contente.
— É verdade... é uma pena que não deu tempo de ir em uma caçada junto de vocês.
— Bem, não é como se fosse tarde para lhe ensinar alguma coisa. — Gerald pareceu ajustar suas costas e estralar seu pescoço antes de voltar sua atenção para mim. — Mesmo que não seja na prática, provavelmente será útil em algum momento.
Aquelas palavras me intrigaram. O que ele poderia me ensinar que poderia ser tão importante para mim? Estava realmente indeciso entre levar suas palavras á sério ou apenas levar como um papo qualquer. De qualquer forma, como forma de mostrar gratidão a tudo que eles fizeram por mim, achei que seria justo escutar o que ele tinha a me dizer.
— Sou todo ouvidos.
— Certo, isso é ótimo. — Esfregando sua mão direita contra o pescoço, Gerald então pareceu suspirar fundo antes de começar a falar. Talvez, se preparando para começar uma longa conversa. — Vamos imaginar uma coisa...
— Imaginar? — Perguntei, confuso. A conversa estava indo para um lado totalmente estranho. Realmente, comecei a acreditar que aquilo possivelmente seria apenas uma conversa fiada.
— Isso mesmo. Olhe bem: você agora está no meio de uma floresta, tentando sair de dentro dela. E — entre a vegetação e as árvores — você nota um pequeno veado silvestre. Você está morrendo de fome, visto que não come há dias; e não encontra frutas ou cogumelos para se alimentar. Aquele animal está desatento ruminando e parece que sua perna está visivelmente machucada... é a sua única opção de sobrevivencia. É matar, ou morrer... O que você faz?
— Bem... — Aquela pergunta era muito especifíca e se tratava de uma situação totalmente insana. Entretanto, não era preciso ser um gênio para entender aonde Gerald queria chegar com aquilo tudo. Não que fosse realmente necessário que eu respondesse corretamente, mas eu sempre odiei perder. Por isso, eu pensei em uma opção que poderia me dar a recompensa daquela caçada. —... acho que eu atacaria com tudo que eu tenho. Se eu fosse covarde, provavelmente eu perderia aquela chance e morreria de fome. Assim, eu atacaria sem pensar duas e vezes com certeza dominaria o animal, visto que sua perna está ferida e ele não conseguiria escapar.
— [...]
Enxerguei aquilo como a resposta perfeita. Parecia que até mesmo deixei Gerald sem palavras. Ele parecia surpreso com minha capacidade em sair daquela situação. Não querendo me gabar, mas já havia passado por situações perigosas e com um pouco de criatividade, não é tão difícil pensar em uma chance de vencer. Mais uma vez, foi tudo perfeito!
— Parabéns... você está morto!
—...O quê? A-acho que eu não escutei direito.
— PLFTTT! — Gerald fez um barulho com a língua enquanto passou a mão pelo seu pescoço. — M-O-R-T-O! Entendeu agora?
— M-mas como- quer dizer... como isso é possível? Eu morri de fome?! — Indaguei, curioso.
— Boa observação, mas não. Não é isso.
— Então...
— Você foi morto por um leão. — Respondeu, Gerald. Ele parecia estranhamente feliz pela minha derrota.
— L-leão?!! Mas que diabos?! Isso não vale, você nunca disse que havia algum leão nessa história!
— Como não? É claro que eu disse.
— Quando?! Eu não me lembro de nada disso.
De repente, uma voz fantasmagórica entrou em cena.
— Veado... perna ferida... — Murmurou, Frangell.
Quando ele disse essas palavras foi como se um interruptor ligasse em minha cabeça. TLACK! Um som oníssono se movendo por todos os cantos dentro do meu crânio.
— Não fique triste, Iori. — Disse, Shannah. Sua voz meiga e gentil parecia ter o intuito de me consolar pela minha derrota. — Ocê foi bem. Titio já fez essa pergunta pra outras pessoas e, mesmo assim, ocê que deu a melhor resposta.
— Isso é verdade. — Disse, Gerald. — Mas, ainda não passe a mão na cabeça dele querida, ele tem que escutar isso agora...
— [...]
Shannah pareceu atender o pedido de seu tio. E Gerald pareceu entender que seria necessário mudar o tom daquela conversa.
— Iori, a sua ideia não estava tão errada. Você fez uma análise justa com o que tinha e fez a melhor estratégia possível. No entanto, essa analogia que eu fiz lhe ensina duas lições importantes que eu quero que você leve para sua vida inteira.
— Duas... lições?
— Sim. Acredite, eu não quero te dar uma dura ou coisa do tipo, afinal quem sou eu para fazer isso. Já tenho dores de cabeça o suficiente tendo que cuidar dessas pessoas ao meu lado e de minha sobrinha que está em minha tutela. Inclusive, a provavél futura prosperidade de meu vilarejo está em minhas mãos. — Explicou, Gerald. Sua voz era metódica, mas não severa. Era dura... mas, não dolorosa. — Então, se você vai escutar ou não, depende unicamente de você mesmo. Se quiser apenas ignorar tudo o que eu tenho para falar daqui para frente... fique a vontade! Porém, se acredita que essa velha raposa aqui pode lhe acrescentar algum valor ou juízo em sua vida, então, apenas me escute com atenção.
— [...]
Realmente como Gerald disse, eu não tinha qualquer obrigação de levar aquelas palavras á sério. Entretanto, eu havia perdido mais cedo. Entendi que o escutá-lo era a minha punição pela minha derrota. Tão cego, entendia sua repreensão daquela maneira. Nem tinha a ideia, de quão aquelas palavras iriam se tornar tão importantes para mim. E quantas vezes, aqueles conselhos salvariam a minha pele.
— Iori, a primeira lição é... seja cauteloso. Paciência é fundamental, mesmo em situações desesperadas. Na analogia, ocê escolheu agir de maneira apressada, levando em conta a oportunidade de ouro que estava em sua frente. No entanto, ocê ficou tão obcecado nisso que acabou perdendo de vista uma informação importante. Em qualquer situação, seja qual seja a sua profissão, ser cauteloso é essencial. Lembrando que você agiu de maneira tão desesperada e nem foi uma situação real. Você ficou tão focado em caçar a sua presa, que nem percebeu que você mesmo é que estava sendo caçado. Lembrar de manter a calma, mesmo em situações adversar, vai salvar a sua vida. Essa é a primeira lição, trate de lembrar disso.
— Certo!
— Muito bem... agora, a segunda e última lição. Seja observador. A pessoa que observa e pensa: uma, duas... três vezes antes de agir, com certeza alcançará quaisquer objetivos. Ocê deixou passar o detalhe mais importante na analogia. Detalhe esse que acabou custando a sua vida. Lembrar de manter a atenção nos pequenos detalhes, mesmo que pequenos como o menor grão de areia... vai salvar a sua vida. Lembre-se disso.
Eram conselhos que eu esperava de uma pessoa mais velha. Pareciam até bem comuns para mim, no entanto, um pequeno — detalhe — chamou a minha atenção.
— Você repetiu a moral, duas vezes.
— Como assim?
— Nas duas lições, você disse: isso vai salvar a sua vida. A mesma coisa... há alguma razão para isso? — Indaguei, curioso.
— [...]
— Haha.. estou feliz, Iori. Ocê já está colocando o meu conselho em prática, héin?
— [...]
— Você está certo, Iori. Realmente, ocê é um garoto diferente. Já contei essa história muitas vezes para outras pessoas, mas apenas ocê viu atrás dela.
— Então, quer dizer...
— Sim... essa não é apenas uma analogia, Iori. Isso realmente já aconteceu.
Aquelas palavras deixaram o clima ainda mais pesado do que já estava. Foi como se, de repente, o ar se tornasse rarefeito. Era difícil de respirar e de manter a concentração. Todos os outros caçadores estavam sérios e pareciam até mesmo deprimidos com a forma como a conversa se desenrolou. Como se aquilo fosse um tabu para eles.
— Você realmente quer me contar isso? — Perguntei, seriamente. — Lembre-se de que nem estarei aqui mais amanhã. Não se sinta obrigado, se não quiser. — Disse, sendo franco e honesto. Não queria lembrar de nossa despedida de maneira triste, por isso, achei que foi o melhor a se fazer.
— [...]
— Não... aprecio sua honestidade, mas, você agiu sabiamente... logo merece saber disso. Além de que, mesmo que seja apenas por essa noite...
—...Você ainda é um de nós, Iori. Não é justo que só ocê não saiba.
— Gerald...
Dizer que não escutaria depois daquelas palavras seria injusto com todos ali. Gerald, Kichi, Frangell, Shannah... todos pareciam olharem com aprovação para mim. Como se me reconhecessem como um deles. Depois de tudo aquilo, seria impossível para mim, deixar de escutar as palavras de Gerald.
— Bem, se vocês querem tanto... eu acho que posso escutá-lo...
— Haha... bem, então parece que está decidido. Iori, essa não é minha história. Também não é a história de como surgiu esse grupo...
—...Essa é a história de Ruipert. O meu irmão e pai de Shannah.
Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários
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