Pôr do Sol Brasileira

Autor(a): Galimeu


Cidade Flutuante – O Orfanato

Capítulo 2: Amanhecer dos Sinos

— Will? O que tá fazendo aqui no jardim? 

Lembrava do encontro repentino quando era uma criança. Lágrimas de Will escorriam pela calçada do orfanato feito uma cachoeira. A criança com cabelos brancos se segurava para não emitir um único som. 

— Um dia. Um dia. Você terá que... ir embora. Você foi o primeiro a chegar.  

Acabarei sozinho.   

Ei, ei! Não fala isso, porque não vou te deixar sozinho fácil, você é mais velho que eu. Por que fica assim? 

Suas ações não eram de um irmão mais novo, se sentou ao lado e segurou o ombro dele com força. Os esforços não melhoraram as lágrimas, o pesar em sua garganta o forçou a continuar: 

— Você não está errado, um dia talvez eu tenha que deixar esse lugar, mas... mas... eu... tentarei ficar com você! E farei o possível para você ficar comigo. 

A mente vacilou, as palavras não saiam. Um medo atingiu seu peito feito pedra. As palavras que temia: sempre e nunca. Sentimento medonho o atingia, uma criança com fobia se certezas. 

No final, se esforçaria para fazer aqui se manter. Era muito melhor. Evitaria parte do pesar quando aquilo falhar miseravelmente. 

 

 

Com o passado marcado na cabeça, abriu o armário que continha o espelho, viu uma foto que estava junto de Maria, Martia e Will. Tinha tanto valor, suas mãos apertaram o objeto. Não queria soltar. Respirou fundo e aproximou a lembrança ao peito. 

— E se eu... não quiser sair daqui?  

Guardou a foto e pegou o uniforme escolar, antes de sair do quarto, virou o rosto com uma atenção de última hora. Pegou sua blusa azul e ficou satisfeito. 

— Mark! Mark! Tá demorando, hein, você tá me deixando mais... 

— Nervoso? — Abriu a porta. 

Os dois sorriram um para o outro e seguiram para o banheiro que era no começo do corredor. Will tremia rapidamente, colocou a roupa de qualquer jeito para terminar antes. 

— E se eu esquecer? Tô muito nervoso... Ai, ai, ai... e agora? — Sacudiu as mãos. 

— Ontem mesmo estudei com você. — Enxaguou a boca. — E acertou quase todas as questões, não tem com o que preocupar. Fica tranquilo. Pelo que lembro, tá favorável. 

Os dois tinham o mesmo uniforme, porém tinham símbolos diferentes. Mark já havia feito a prova e tinha facilidade com a matéria — não dominava, mas era digno de dar o apoio. 

Seu irmão brilhava os olhos, acendeu chamas. Sem explicações, o calor se apagou e seu semblante desmoronou. Novamente, amassou os cabelos com as mãos. 

— Faz assim: você está nervoso por estar com medo de errar, então, invés de pensar nos erros, pense no bolo que você vai ganhar como recompensa. 

— Não vai funcionar!  Se eu esquecer até de colocar o meu nome e... 

O calor da confiança veio outra vez. A pegada no ombro direito o fez arrepiar, era a maneira mais sincera de Mark. 

— Will, nós passamos tanto tempo juntos que já treinamos até o clichêzinho de completar as frases um do outro. Eu estou dizendo que você não deveria se preocupar... Acredita em mim, certo? 

— S-sim! — As luzes refletiram no punho estendido. — Vou ir bem e vou deixá-las felizes!  

Mark sentiu realizado, o seu irmão não estava mais abatido. Ele passou os dedos nos cabelos dele, tentava manter a ordem. 

 

 

O agir desajeitado do órfão, que descia as escadas de dois em dois degraus, mostrava a ideia boba com a mochila nas costas.  

— Bom dia, atrasadinho — disse Martia ao se aproximar, calmamente.   

— Bom dia. Eu terminei de me arrumar primeiro, tá? 

Martia ainda estava no sofá, de folga. Se levantou e foi dar um abraço no garoto. Os dois estavam sorridentes de forma recíproca. 

— Aonde Maria foi?  

— Depois que ela foi te acordar, foi ao mercado comprar o que falta para a cozinha. 

Já era o bastante. Ela mexia em suas roupas e mochila, averiguava cada detalhe. Mark ficou incomodado, ela fazia caras estranhas, até que o encarou de frente. 

— Ah, é mesmo, tá faltando a merendinha. Que milagre não ter esquecido nada. 

A empregada se virou para trás e foi para a cozinha. O órfão suspirou de olhos fechados. Ao abrir, deu uma olhada em volta. 

Tudo era mudo, os passarinhos tinham toda a atenção da sala enorme. A luz do sol começava tocar sua pele, tingia sua blusa e tocava o rosto atento.  

— Enfim, paz. — Se espreguiçou. 

Puxou uma cadeira da sala para perto da janela e se sentou, tentava observar o céu.  

— O dia vai ser lon… 

Um zumbido vinha de longe. O cantar dos passarinhos não estava claro. O jovem coçou o ouvido por reflexo. O ruído aumentou o volume, olhou em volta para procurar a fonte, e apenas sentia calmamente... o cérebro pular para fora. 

A visão se tornava turva. Algo acontecia, o que ele não via? Coçou a cabeça. Abriu os olhos, coçou de novo. Fechou os olhos, queria afundar os dedos na pele. 

Arhg! 

O zumbido o ensurdeceu, sua visão e nada tinham a mesma definição. 

— O-O que. Ah! 

Sem perceber, o impacto do chão frio veio à sua mente. Onde estava o chão? Sentiu um gelo esquisito tocar suas roupas, um vento congelava seu consciente com velocidades incríveis. 

A mente capturou algo, uma luz vinha do centro, uma chama de cor ciano. Ela aumentou de tamanho, Mark estava deitado e foi engolido vivo.  

As mãos foram aos ouvidos e sangue escorreu pelo nariz, agora podia entender o zumbido, eram sinos que criavam a melodia da dor. 

Desespero, a função exponencial do medo, provava os seus sentidos naquele tão curto milissegundo. Montanhas cobertas de neve com ventos fortes que balançavam as capas de um grupo reunido, que estavam no topo de uma delas.  

O jovem estava deitado. A neve cobria seu corpo, deixava imóvel a ponto de estar quase congelado. 

Não conseguia distinguir os rostos, apenas via as costas de quatro pessoas que usavam um manto azul e deixavam características resumidas: mulher alta com cabelo vermelho que atingia o chão; homem de cabelo liso, lilás e longo, que envolvia um cajado comprido que carregava; outro com cabelo curto, verde e espetado, que parecia muito inquieto; e o último completamente escondido pelo manto. 

— Uh! Meu. O quê? Quê? Ah. 

Sinos, escutava muitos sinos. Com uma dor aguda em sua cabeça, sentiu a frieza do imenso precipício ao seu lado.  

A neve o engoliu, trouxe seu subconsciente ao nulo. Os ossos doíam e gritos viraram sussurros. 

A ligeira cadeira era muito quente para isso. Se assustou e caiu da cadeira de novo. Levantou do chão e se apoiou na jane... os passarinhos, estavam todos lá ainda. 

— Mark? — chamava alguém que se aproximava pela escada. 

Tentava retomar a postura com uma cara aterrorizada. Era difícil ver alguém naquele estado.   

Will saiu de seu quarto rapidamente, apressou ainda mais o seu passo para encontrá-lo. As empregadas eram cuidadosas demais para isso acontecer sem um motivo importante.  

— O q-que aconteceu? — perguntou, muito mais nervoso. 

— Eu... eu não sei, só uma dor de cabeça forte... eu acho. 

O peito ia e voltava com ímpeto, o folego não passava pelas narinas de jeito nenhum. 

— Só isso? Mesmo? — Balançou seu irmão. 

— E-estou bem... Vamos terminar de nos ajeitar! Não podemos atrasar hoje.  

A respiração desacelerou, cada centímetro da sala era o mesmo. Deu um passo e se virou à janela. “Espera, o que aconte...” 

— Se tiver algo que acha preocupante, é bom avisar logo. 

Tinha muitas dúvidas, somente entendia que não havia tempo para discutir isso, já que estar nervoso na frente de Will era o pior cenário. Engoliu saliva e coçou o ouvido. Decidiu ignorar. Ignorar. Ignorar.  

Os dois estavam a postos na frente da porta. Assim que a abriram, Martia havia chegado na mesma hora. 

— Não esqueceram de alguma coisa? 

— Martia!   

O jovem de cabelos brancos só falou com Maria naquele dia, havia passado o resto do tempo preocupado com a prova de matemática que, para ele, era o mesmo que o apocalipse. 

A presença dela o fez esquecer por um momento o tormento que Mark sentiu.  

— Que bom que não preciso mais me preocupar... Toma, Will, esses são os lanchinhos que fiz para os dois, tentem fazer durar o dia todo! 

— Valeu, Martia! — respondeu, alegre. 

Ela entregou duas sacolas de papel e soltou um sorriso ao acenar como forma de adeus; as preocupações dos dois foram banidas de suas mentes. 

Mark estava na porta com os braços cruzados, onde recebeu uma das sacolas de seu irmão. Os dois, que estavam no lado de fora do orfanato, andaram pela estrada do jardim em direção ao portão preto, alto e gradeado. 

Quando chegaram à calçada, Will pegou de seu bolso um relógio verde.  

— Já são 6:44.  

O ônibus estava muito próximo de chegar. A rotina de Will dizia que, em dias ensolarados onde o trânsito estava normal, chegaria entre 6:45 e 6:47. 

— Esse seu relógio ainda funciona, né? — perguntou Mark ao olhar para o objeto. 

— Você pergunta isso quase todo dia. Eu zelo com minha vida. — Guardou o relógio, sério. 

Um barulho alto foi emitido do ônibus que acabou de parar na frente do orfanato, esperava os dois entrarem. Se sentaram no último assento, o lugar de costume deles.  

— Mark, olha! — exclamou Will após apontar para rua. 

Viam uma moça que tinha sacolas na mão: Maria. Os dois acenaram, e ela respondeu igual. Havia algo estranho, o jovem de cabelo hipérbole sentiu a espinha gelar, entre uma ligeira piscada, pode ver alguém com um manto logo atrás dela. 

 

“Você”, uma voz rouca ecoou em sua mente como um gutural, mas ele não conseguiu a perceber. 

Mais Tarde, no mesmo dia】 

— Alunos! Quero avisar que não preciso que todos fiquem na aula. Os nomes que eu citar aqui já estão liberados para suas férias, pelo menos, nesta matéria — dizia a professora na sala. 

Mark ignorava a maior parte, estava com a cabeça apoiada em cima da mesa e se concentrava somente no relógio que estava na parede, entediado. 

— Mark... 

Ao escutar a professora dizer o seu nome, ergueu o seu corpo por reflexo e colocou a mochila nas costas, se retirou da sala ainda com a cabeça baixa.  

Seus pensamentos estavam mergulhados em tensão, tentava decifrar o que aconteceu mais cedo, o rosto se contorcia a cada passo sem alcançar uma resposta. Seguiu pelo corredor e passou pelo mural, deu um pulo para trás após virar o rosto, atento; reconheceu a sala que acabou de passar.  

Na mesma hora, se lembrou da prova. Isso despertou sua curiosidade, foi direto olhar pela janela da porta e procurou por ele. Quando o achou, viu que era um dos poucos alunos ainda na sala.  

O notou estar com uma cara seria, seu irmão encarava a folha de papel como se fosse um inimigo mortal. 

— Não nos decepcione — sussurrou, esperançoso.  

Voltou a andar pelo corredor até chegar no pátio da escola, foi até uma das cadeiras próximas a uma árvore. Terminou de relaxar ao se espreguiçar, porém, logo em seguida, viu uma figura estranha andar pelo pátio.  

Um adulto que chamou a sua atenção assustadoramente. Havia algo de estranho, muito estranho.  

Sua espinha arrepiou com o fato tão simples que não podia tentar disfarçar.   

Aquela figura... trouxe algo como uma lembrança horrível.  

— Deve ser o pai de alguém — comentou ao olhá-lo. 

Notou que, essa pessoa, vinha na direção dele. 

Com calafrios, contraiu todo o corpo pelo ato inesperado que, de alguma forma, o alertou como um perigo iminente. Não era o suficiente para tom de ameaça repentino. 

As coisas que sentiu em um dia, como isso acontecia? Como? Seus dentes prensaram com força, sentiu algo familiar daquele sujeito. O medo instaurou no seu coração.  

Atrás daquele homem, estava a silhueta turva. “Eu?” Como uma alma penada, viu apontar para o sujeito estranho que se aproximava. Sua alma fitava sua outra alma. 

O olhar que vinha do sujeito trazia uma energia negativa que nunca sentiu. 

É ELE!”, soou uma voz rouca na sua mente, mas ele não notou. 

 

 

 



Comentários