Pôr do Sol Brasileira

Autor(a): Galimeu


Cidade Flutuante – O Orfanato

Capítulo 3: Falta de memória

O Indivíduo chegava cada vez mais perto.  

Mark se mantinha imóvel, porém seu olhar ia de ponta a ponta no cenário, todo lugar menos na visão direta em quem fazia gelar a espinha.  

Foi difícil aguentar a tensão, gerou um calafrio ainda maior. Cada passo que notava, a impressão de algo errado martelava todo o seu ser. 

Continuou a tentar ficar calmo ao observar. Piscou, e tudo ao redor parecia ainda claro. Por quê? Porque a silhueta desapareceu, a imagem macabra de ter visto a si mesmo apontar para o desconhecido.  

A tentativa foi jogada fora. O adulto se tornou claro com a distância menor. Cabelo amarelo-claro com uma franja cinza, ótima forma.  

"É só o pai de alguém". Apostou tudo nessa alternativa. O sentimento de alerta o consumia por dentro de forma tão familiar e aterrorizante. Por que um sentimento assim agora? 

O cabelo hipérbole arrepiou, sua mão tremeu e pode sentir uma faca no peito. "Não... Não é... Não é não", soou a voz, novamente, em um grito como resposta. O órfão escutou o grito gutural.  

Com o corpo travado na mesma postura, forçou seu rosto para manter a expressão firme. Suor frio escorreu pela testa e seus dentes quase quebraram. 

— Oi! Tudo bem? As aulas de hoje já acabaram? — perguntou o indivíduo, amigável. 

Ouviu duas perguntas simples que... o fizeram engolir saliva. 

— O-oi, as aulas não acabaram. E-eu fui só liberado mais cedo. — Vacilou, o nariz apontou para o chão para esconder o rosto  

— Ah, entendi!  

O estranho colocou a mão atrás da cabeça e soltou um singelo sorriso. Usava uma camisa estampada com figuras de anime, uma calça comprida e sapatos chiques. Combinações muito contraditórias para alguém que emanava perigo.  

— Posso me sentar junto a você? — perguntou, suave. 

— Pode, sim. 

Ele puxou uma cadeira próxima e se sentou ao lembrar do passado: 

— Sabe, estudei aqui antigamente. Vim ver como as coisas andam por aqui. — Observou ao redor, nostálgico. 

Havia algo de estranho? O outro, que estava em alerta momentos antes, começou a questionar se era apenas equívoco. Passou os dedos pelos cabelos e fechou mais o zíper da blusa.   

"Não... Não". O vento andou pelas orelhas, buscou a origem daquela voz anormal 

— Pelo visto, mudou muita coisa, mas ainda continua agitado perto das férias. — Viu jovens correr pelo pátio, derrubaram quem ousava estar no trajeto. 

   Mais uma vez, sua personalidade se provava o oposto pela qual esperava. Constatou alguém feliz e sorridente, alguém que apenas revivia memórias antigas e compartilhava com humildade. 

— Afinal, qual é o seu nome?  

— Mark. — Levantou a cabeça. 

Hum. — Seu rosto se enrijeceu por um segundo. — Meu nome é Réviz. É bom te conhecer. 

A mão direita se ergueu para perto, num cumprimento. O jovem olhou duas vezes para o movimento, engoliu saliva e abriu a mão com dificuldade.  

Sentiram um aperto incomum. Uma faísca saiu delas, e energia, que se assemelhava a uma descarga, fluiu por um instante. Os olhos travaram, tudo ficou congelado. Por um imenso e pequeno momento, jurou ver o tempo parar. 

Entretanto, no final do pátio, a silhueta branca fitava sua alma. Os olhos de Réviz brilhavam em marrom esverdeado, uma presença que ninguém ousava contestar. 

O mundo em sua volta perdia o foco, só o homem recém conhecido estava visível. Uma enorme escuridão sedenta cobria tudo em sua volta. 

Um tombo na cama, dentes mal escovados, inocente descer de escadas e um pesadelo acordado. Suas memórias eram examinadas, um filme que foi forçado a assistir no meio do vazio. Réviz lia a sua cabeça. 

— É ele, não há dúvidas. Isso com certeza é algo. — As falas ecoavam direto na mente, não moveu um milímetro de sua boca. 

Paralisia do sono. Mark tentou mover todos os membros, nem a gota de suor desafiou em escorrer por sua testa. A escuridão em sua volta o assustava, e o homem em sua frente, no meio do nada, fazia com que o brilho no olhar se tornasse grandes faróis. 

— Pode ver um vislumbre, já basta para convencê-los. — Réviz, que ainda o segurava, começou a se unir à escuridão muito lento. 

O preto se tornava uma massa, o peso da ausência de cores consumiu o corpo do desconhecido. A pele ardia e logo nada mais sentiu, estava a ser engolido vivo. 

No segundo em que a mão do homem se tornou invisível, caiu no chão. Suas pernas não estavam lá. A velocidade da decomposição aumentou. Se arrastou, aflito. 

Ahhh, uh...  

Movimentar os membros e simplesmente pensar pareciam o mesmo, nada mais acontecia, só sua cabeça estava lá. 

Como um balão que estourava por pura força do sopro, gritou de forma brutal, onde fez o vazio responder de forma ainda mais agressiva quando sua voz ecoou pelo nada até, no final, seu corpo se esvaiu. 

— Reação completa. Caso soubesse de algo, teria saído — comentou Réviz, em pé ao lado. 

Observava-o dormir na cadeira com um rosto travado, ajeitou sua camisa e retornou para o lugar que veio. 

— Após vinte e dois anos, te achei — continuou ao voltar-se para trás. 

Sem contestar, foi embora. O deixou ali mesmo para dormir por alguns minutos.  

Rostos confusos vinham na direção do adormecido embaixo da árvore. A atenção foi roubada pela corrida. Um toque gentil alcançou os ombros dele e os balançou com um toque. 

Garotos jogavam bola, pessoas riam e conversavam... Um lugar normal, algo muito oposto ao que aconteceu. O rosto sereno do adormecido foi o suficiente.  

Coçou a cabeça e se espreguiçou, viu seu irmão ao lado e lembrou. 

— Acho que… capotei — Ergueu o corpo. 

— Você acha? — Olhou de cima a baixo. — Tá tudo bem? 

A expressão mudou por inteiro com a aparição repentina. Foi de um sentimento desesperador para um alívio completo, fez com que o mantivesse na realidade. O ombro sentiu o pesar preocupado das mãos de Will.  

— Tá. Tá, sim. — Esfregou os olhos. — Eu só cochilei, precisa se preocupar não! —  Sorriu e sacudiu os braços. 

— Então tá bom... — Will retirou as mãos dos ombros, aliviado. 

— Como foi? 

As lembranças vieram em sequência. Quando soltou a pergunta, percebeu seu cabelo mais desarrumado do que o habitual. 

— Tive muita dificuldade! Oh, provinha complicada... No começo, eu estava mal, e o final parecia o começo! — Jogou a cabeça para os lados com drama. 

— Fico feliz que ainda tem essas piadinhas depois de quase morrer para uma folha de... 

— Eita, vamos esperar o ônibus mais perto do portão, já tá quase na hora.  

O grupo de alunos que conversavam havia sumido. Alcançou um relógio de bolso com aparência antiga, que chamava muita atenção. Existiam desenhos de tribais que tinham um grande contraste verde com o dourado do relógio. 

  

Mark pegou a sua mochila e a colocou-a em suas costas. Os dois caminharam em direção ao portão. 

— Já são 17:18. 

— Relaxa! Olha lá! — exclamou ao apontar para o ônibus estacionado. 

O barulho do ônibus já havia chegado aos seus ouvidos, os alunos necessitados já se preparavam para entrar e voltar para as suas casas outra vez. 

Entraram e sentaram-se no mesmo lugar. Partiram para o orfanato. 

Ao chegarem na esquina, o veículo parou para que os dois saíssem. Estavam mais distantes, precisaram andar um pouco à pé. 

— Eles estão tão animados, não é? — perguntou Will ao olhar para as janelas do orfanato. 

Han? — Franziu o cenho. 

— Olha lá! — Segurou a cabeça de Mark e a apontou na direção dos barulhos. 

Sombras com formas diversas estavam definidas. Eram das crianças do orfanato que corriam e brincavam pela casa. 

— Nirda, solta isso!  

Escutavam a voz de Martia ao se aproximarem do portão. Tentava controlar as crianças pela casa. 

— Vamos entrar, né? — disse Mark após destrancar o portão.  

Os mesmos barulhos cessaram. Apenas a porta com o som, que rangia, instaurou com o absoluto do ambiente. As luzes invadiram o campo de visão dos adolescentes, até se reduzir a uma forma turva de uma… menina com uniforme escolar. 

— Parados!  

Os dois levaram um pequeno susto. O rosto alarmado apareceu devido ao enorme objeto que a menina segurava. Era difícil acreditar nisto. 

— Oh, não!  

Mark levantou as mãos, a encenação forçada era digna do pior dos prêmios. A pequena menina, que tinha um cabelo verde e espetado, deu uma risada maléfica, respondeu com uma atuação quer rivalizava a liberação do melhor prêmio. Tinha posse de uma temível e nada curta espingarda de brinquedo. 

  

Will apenas fez igual, sem criatividade com o comportamento inesperado do seu irmão. 

— Será que você permite que nós passemos?  

— Acho que não! — Colocou a espingarda na direção da cabeça dos dois. 

Carregou a arma, que produzia o mesmo som de antes, e disparou. Por reflexo, fecharam os olhos... nada mais aconteceu. Havia apenas a mensagem: "você passou!" 

Risada genuína percorreu na continuação. Os dois estavam insatisfeitos com a conclusão. 

— Onde conseguiu isso? — Mark examinou a espingarda. 

— Ganhei da escola por ser uma boa aluna!  

"QUÊ?" Não imaginava que poderiam dar uma recompensa tão peculiar. O objeto estalava a cada toque, seu olhar parou logo em cima de uma pequena rachadura no cano. Ela abaixou a arma e deixou eles passarem. 

Os dois garotos prosseguiram para os seus quartos, mas foram interrompidos pelas outras crianças. Abraços de todos os ângulos os prendiam quase numa queda. Após serem recebidos com afeto, continuaram para os respectivos quartos. 

Will apenas se jogou na cama de barriga e entrou em coma. Já o outro, se encarava no espelho com um rosto abatido. O sentimento ruim perseguia pelo dia inteiro. 

— Esquisito...  

Seu reflexo o julgava. Dúvida preenchia o pensar. Colocou as mãos sobre a testa e negou, indeciso. Não era um mal-estar, era uma falta. Apertou os punhos contra o armário, havia algo que o circulava, como a impressão de esquecer algo. 

Se coisas importantes podem mesmo retornar... embora não entendesse o potencial de se tornar algo perigoso. O consciente pensava no que poderia ter causado uma sensação tão inatural, e o subconsciente o esmurrava com suposições absurdas. "Não foi aquele cochilo… não foi o susto de hoje". 

No momento em que se deitou, a resposta o atingiu feito um raio: 

— Foi aquilo... É... aquilo mesmo. — Endureceu os braços. 

O vislumbre de uma realidade falsa, a dor de cabeça sem explicações. "Sinos... e mais sinos", repetiu isso. Deitado com os braços sobre a testa, respirou sem pressa, se levantou e olhou para a janela; o dia já tinha aparecido. Havia dormido ali mesmo. 

 

 



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