Possessão Brasileira

Autor(a): Matheus P. Duarte


Volume 1

Capítulo 27: Dúvidas

Yuudachi se revirava no sofá, roçando uma perna na outra e apertando os olhos, quando um barulho alto a fez dar um salto.

Virando a cabeça de um lado para outro, ela procurou a origem do som, aguçando também os ouvidos, sem sucesso, até que mais uma batida veio.

Da sala, caminhou para o corredor, então encontrou Mutsuki descendo as escadas de pijama.

— Ouviu também?

— Sim, do meu quarto parecia que vinha dos fundos.

Ambas, continuaram para a porta de trás da casa, com a primeira vestindo um olhar sério e a segunda apertando o peito com a mão, mais encolhida.

Ela estava aberta, mas preferiram expiar antes de sair.

Matheus vinha da garagem cambaleando, apalpando a cabeça manchada de sangue, sendo ajudado por Asashio.

— O que aconteceu! — gritou Yuudachi antes de sair correndo.

Mutsuki, por outro lado, perdeu o equilíbrio e se encostou a parede, mais uma vez com o olhar distante.

Calme garota, não sou eu… — falou ao relento — Obrigada… Só me confundi um pouquinho.

— Entrem e me tragam a maleta de primeiros socorros! — gritou sua mentora.

— //— // —

Enquanto uma puxava a cadeira e a outro vinha com o kit do andar de cima, Matheus se soltou dos braços de Asashio e firmou a nuca no encosto. Quase no mesmo instante, ela já estava passando algodão nos machucados.

— Desculpa, estraguei tudo.

— Não, no fim das contas agiu bem.

— Ah, gente. Dá pra explicar o que aconteceu? — perguntou a mais jovem.

— Satsuki fugiu…

Mutsuki abriu os olhos e cobriu a boca.

— Foi ela quem fez isso com você?!

As mãos pararam de limpar suas feridas, apertando os dedos.

— Foi… Foi sim — confirmou segurando a mão tensa contra sua bochecha.

— Precisamos correr antes que…

Não houve interrupção, mas foi incapaz de terminar a frase, preferindo virar o rosto e se encolher.

Alguns passos doloridos vieram da escadaria, seguidos do som de algo sendo arrastado contra a parede. Kasumi apareceu logo em seguida apoiando o corpo na entrada da cozinha.

— Querida, não pode ser esforçar.

Asashio falou enquanto corria para segurá-la.

— Vocês lembram de quanto encontramos ela, certo…?

Matheus a encarou com um olhar austero, como se medisse cuidadosamente o peso de suas palavras.

— Lembro muito bem, e por isso vou pedir apoio.

Ele levantou fazendo algum esforço para segurar a dor.

— Pode me ajudar com uma coisa, Chikuma?

Ela assentiu com a cabeça após um breve momento de dúvida.

Quando estavam prestes a se cruzarem, sua mão alcançou o ombro de Kasumi.

— Descanse bem — falou apertando um pouco mais forte — Prometo que quando acordar tudo estará resolvido.

Assim, ambos subiram para o segundo andar, mais especificamente o quarto de Matheus, com o mesmo trancando a porta e indo diretamente ao baú onde guardava as armas.

Enquanto revirava os itens, Mutsuki olhava de um lado a outro, inquieta.

Retirando sua gandola, trocou o coldre com seu revólver por outro com uma pistola M973, testando suas funcionalidades e a municiando.

Seu reflexo podia ser levemente visto sobre o acabamento de um azul tão escuro que parecia preto, com o brasão do exército brasileiro entalhado na lateral do ferrolho.

Ele virou para o semblante ainda inquieto dela e perguntou.

— Posso ter uma conversa de soldado pra soldado?

— Por… Por…

As palavras dela foram cortadas junto de alguns resquícios de consciência.

Por que quer falar comigo?

— Ela pode nos ouvir?

— Não sei ao certo. As vezes é como se visse as coisas através de um sonho, mas agora é como se fosse lucido. Quem diria que alguém amargurado como eu viria parar na cabeça de uma garotinha.

— Justamente o tipo de pessoa que preciso.

Ele alcançou o coldre com o revólver.

— Kasumi está ferida, Yuudachi já surtou uma vez, e… Foi Asashio quem fez isso comigo.

Não — balançou a cabeça — Quer jogar a responsabilidade pra cima de nós?

— Em quem mais posso confiar? Escute, quando montaram este esquadrão, o fizeram para ser um teste. Nosso luta é nas sombras, com inimigos implacáveis e recursos, apesar de fartos, não ilimitados, principalmente os humanos. Elas poderiam acrescentar uma quantidade significativa de poder a nossa organização, mas logo de cara ficou evidente sua instabilidade.

Antes de continuar, deixou a arma sobre a penteadeira ao lado.

— As ordens que recebi foram de mantê-las sob constante vigilância e, se necessário, fazer o que precisasse ser feito pra garantir que não iriam ferir mais ninguém. Falhei uma vez e caso a organização descubra, é provável que vão desmantelar a equipe.

Mutsuki o ficou encarando por alguns instantes.

O que será delas depois disso?

— Com sorte, vão passar o resto da vida na cadeia…

Por alguns instantes se encararam em silêncio, até Matheus colocar de volta a gandola e ir em direção a saída.

— Não preciso de uma resposta, só posso esperar que tomarão a decisão certa, seja qual for.

A porta foi fechada, deixando a jovem largada a própria sorte.

Ele caminhou pelo corredor mal iluminado escutando algumas palavras vindas de suas companheiras no quarto de Mutsuki.

— Está doendo muito Kasumi?

— Um pouco, só que isso é o menor de nossos problemas.

— Será que a Satsuki vai ficar bem?

Por entre um pedaço da porta aberta, o que viu foi Yuudachi sendo abraçada como uma criança por Asashio com todo o afeto do mundo.

Vestindo uma expressão melancólica, seus passos o levaram lentamente pelas escadas e até os fundos.

Na garagem, partiu imediatamente para retirar pano que cobria a moto, então subiu sobre o banco do carona e em uma das vigas logo acima, retirou uma bolsa, discretamente da mesma cor da madeira.

Em seu interior, havia um fuzil PARAFAL com alguns carregadores.

— Quem diria que todos nós iriamos nos reunir de novo desse jeito.

Ele guardou a bolsa no banco e ligou para alguém, que atendeu falando em português

Opa, mano — Bocejou — Já faz tempo, tá precisando de alguma coisa?

— É Guilherme, estou…

— // — // —

— Elas agora são minha família. Fizeram mais por mim que meus pais.

Mutsuki estava em frente ao espelho com os cabelos cobrindo seu rosto, murmurando para si.

— Jamais seria capaz de apontar uma arma pra elas, mesmo sabendo o que podem fazer. No fundo sei que são boas pessoas.

Não se considere fraca por isso, garota. São coisas como está que carecem no mundo hoje em dia, mais do que nunca é cada um por si e amigos como estes valem mais do que qualquer fortuna. Não se esqueça deles quando estive no fundo do poço e muito menos quando for você do lado de fora. É a sua hora de retribuir o favor, Mutsuki, nem que seja pra salvá-las delas mesmas.

De repente, batidas foram dadas na porta atrás dela. Voltando a si, assustada, pegou o coldre e o jogou para debaixo da cama, antes de se apressar para abrir a porta de forma desajeitada, só o suficiente para ver quem era.

— Asashio.

— O Matheus está com você?

O som de um motor veio coincidentemente a responder sua pergunta.

Adentrando o quarto, ela foi de encontro a janela, só para vê-lo correr pelo pátio em direção a saída e, sem perder tempo, correu de volta para o andar de baixo.

Yuudachi, que caminhava mais atrás com Kasumi, teve de se desviar para abrir caminho, com a segunda a encarando desconfiadamente.

— Vai lá, a Mutsuki me ajuda a chegar no quarto.

A pequena fez o que lhe foi pedido e partiu atrás de sua companheira.

Quando voltaram a segurá-la, a mesma aproveitou o rosto próximo para lhe sussurrar algo no ouvido.

— Preciso falar com você.

Ela assentiu e voltou para o quarto, trancando a porta logo que largou Kasumi sentada sobre a cama, que mantinha o braço junto ao abdômen.

— Notou algo de diferente na Asashio?

— Não, por quê?

— A mão direita dela está queimada, quando perguntei ela mudou de assunto, mas o que mais me incomoda foi o olhar de agora pouco, igual ao de quando a conheci…

— // — // —

Três dias depois que fugi, ela e o Matheus me encontraram em uma estação de trem, esperando pra ir a outra cidade onde tinha alguns contatos.

Quando entrei no banheiro, a vi na pia fazendo de conta que lavava as mãos. Foi só o tempo deu abrir uma das cabines para me prensar contra a parede.

Por sorte, tinha bastante experiência com esse tipo de situação, coloquei o pé contra a parede e usei o impulse pra atirá-la contra o espelho, quebrando-o em pedaços, o que deu tempo pra sacar meu canivete.

Ela fez o mesmo com uma faca grande de estilo militar e foi quando vi seus olhos focados em mim, cheios de indiferença. Não teria porque ter feito isso, já tinha me envolvido em brigas inúmeras vezes, mas eles me fizeram lembrar daquele homem…

O susto me fez sentir um calafrio por minha espinha, que se transformou em raiva, com a mesma intensidade das emoções e das lembranças que traziam.

Meus ataques foram desengonçados, não conseguia raciocinar direito e, quando me dei conta, minha consciência estava ficando cada vez mais pesada.

Não demorou nada até se aproveitar das minhas brechas e me derrubar.

Enquanto tentava fazê-la sair de cima de mim, percebi que a força que usava estava ficando mais intensa, mas, por algum motivo, menos agressiva, colocando as algemas em mim quase sem que percebesse.

Ela me virou e ficou em sobre meu estômago, onde não podia alcançá-la.

Já havia estado naquele tipo de posição completamente impotente. Não podia ter outra resposta se não o desespero, mas quando olhei para seu rosto, não havia nem sombra do que havia visto; Ela estava serena.

Contrariando a visão que tinha, ouvi sua mão se arrastar com algo arranhando o chão, então a vi segurando um caco de vidro pontiagudo, erguendo-o como se fosse me atacar, porém, na verdade, o alvo era sua própria mão.

Tive que fechar os olhos quando o sangue correu pelo meu rosto. Foi quando o Matheus entrou, visivelmente receoso, com a mão no coldre.

— Você está bem?

— Vou ficar… — respondeu apertando a mão com força.

Sua postura relaxou um pouco, dai caminhou lentamente para meu lado.

— O que acha?

— Desajeitada, mas definitivamente tem algo de especial.

Ele se agachou para ficar mais perto de meu rosto.

— Senhorita Kasumi Suzuya, deve saber porquê estamos aqui.

Fiquei quieta esperando aquele joguinho terminar.

— Os homens que matou trabalhavam para nós. Não eram pessoas santas de forma alguma, mas também não mereciam serem mortos daquele jeito. Em outro momento, teríamos te matado sem demora, porém, descobrimos algumas coisas interessantes…

Do bolso retirou uma foto daquele mesmo homem de anos atrás.

Cerrei os dentes, minha respiração começou a ficar ofegante, aos poucos sentindo meu estômago contrair.

— Surpresa? A muitos anos era um de nossos alvos, conhecido por participar de crimes de guerra terríveis e tráfico humano. Curiosamente morreu queimado depois de adotar uma garotinha, a qual acreditava-se ter morrido junto dele.

Senti a mão da mulher sobre mim gentilmente apertar meu ombro, e quando virei, havia uma gentileza completamente incompatível com ela até poucos minutos.

— Talvez esteja interessada em saber que não era o único, na verdade era um peão dentro de uma cadeia de comando mais intrincada. A ordem de matar seus pais partiu de cima, e você era a recompensa por isso…

Então, ele tirou uma foto do bolso, do mesmo homem que mostrou a todas nós.

— Tenho uma proposta que acho que vai gostar…

— // — // —

— Como fiquei responsável pelo trabalho de campo, passei pouco tempo com eles, apensar de saber que estava sendo vigiada, mas vez ou outra pude ver Asashio com resquícios daquele olhar, apesar de toda gentileza conosco. Hoje ele estava quase idêntico ao daquele dia. Não sei pelo que passou, porém, tendo em vista o passado de cada uma de nós, com certeza é alguma coisa que mantém guardada, e meu medo é vir a tona.

Mutsuki aproximou a cabeça da porta, um pouco distante das palavras de Kasumi.

Elas estão voltando.

Poucos segundos depois de falar, o som de passos na escadaria se tornou mais alto. Logo em seguida Asashio entrou abrindo a porta com certa força.

— Ele foi sozinho e levou as chaves do outro carro — levou a mão a cabeça e suspirou — O que vamos fazer agora?

Todas escolheram desviar o olhar e baixar a cabeça. Inesperadamente, sua reação a isso foi bater o pulso na parede logo ao lado de onde vinha sua outra colega, que saltou para trás.

Percebendo o que tinha feito, tratou de tentar se recompor.

— Desculpem, meninas. É um daqueles dias, sabem?

Sem demora, deu de costas e saiu de lá.

Yuudachi ficou observando a silhueta dela desaparecer pelo corredor, quando agarram seu ombro.

— Deixa que vou atrás dela. Fica aqui com a Kasumi.

Ao ouvir estas palavras, chegou a abrir a boca, mas parou no meio do caminho, observando a expressão incomum no rosto de sua amiga.

O olhar estava atento, um pouco severo, e a boca mal demonstrava expressão. Mesmo o tom da fala havia mudado para um pouco mais alto, ainda sim calmo.

Antes de ir, Mutsuki voltou para pegar um casaco que estava cadeira em frente a penteadeira, o qual simulou deixá-lo cair ao lado da cama. De lá, puxou o revolver do coldre e o enrolou para disfarçá-lo antes de levantar.

Prestes a deixar o quarto, a mais jovem olhou para a enferma, como se pedisse por respostas, recebendo um aceno negativo com a cabeça, ao som do bater da porta.

Mutsuki caminhou desacelerando o passo até chegar a beira da escada, quando olhou para sua mão, que tremia consideravelmente.

Calma, garota, estou aqui, aliás, preciso tanto de você quanto você precisa de mim.

Lentamente apertou o peito, aos poucos ficando mais relaxada, dai retomou os passos pelos degraus até a cozinha, onde estava quem procurava, bebendo água de costas para ela.

— Asashio…

— Querida… — respondeu ao se virar de forma um tanto dolorosa.

— O que aconteceu com sua mão?

— Nada, só me machuquei.

— O Matheus já me contou tudo…

Ela ficou atônita, mesmo parando de respirar por um instante.

— Eu… Eu…

Foram as palavras que tentou murmurar, porém foi incapaz de completá-las, cobrindo a boca e desviando o rosto com um quê de vergonha.

— Kasumi e Yuudachi contaram pra mim porque vieram parar aqui, pelo que passaram, as coisas que fizeram… Tudo que pude fazer foi escutar, não fazia ideia do que dizer ou como reagir direito, mas, sentia que se pudesse dar um mínimo de conforto a elas, então já valeria a pena.

A garota caminhou a seu encontro, suficiente para tocar-lhe onde estava ferida.

— Agora é a sua vez, Asashio…

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