Volume 1 – Arco 2
Capítulo 11: Um Pouco de Luz
Eliassandra continuou encarando o espelho como se fosse algo maravilhoso e estranho, enquanto Quevel e Ahrija resolveram deixá-la sozinha. O pequeno dracônico ainda espiava sua hóspede, agora acordada:
— O que aqueles olhos significam? — perguntou finalmente ao mestre.
— Se minhas expectativas estiverem corretas, a garota recebeu uma bênção para a magia astral.
— Então agora ela despertou? Como feiticeira?
— Acho que sim.
Ahrija encarou a garotinha ainda perdida em seus pensamentos. Ainda a considerava muito fraca e frágil — mas até ela despertou, e ele ainda não. Já tinha idade para isso, era um fato, mas não gostava de pensar que talvez ela fosse ganhar a afeição de seu mestre.
Era um garoto órfão, como tantos outros por aí, e teve apenas a sorte de ser “adotado” pelo grande mestre de guerra Quevel — um dos alicerces da antiga guerra, agora aposentado e vivendo como médico recluso.
Desviou o olhar quando aqueles olhos — agora bicolores — o encararam de volta. Não queria ser olhado por ela. Ainda estava irritado por ela ter conseguido... e ele, não.
Humanos são frágeis.
Mas por que ela conseguiu e eu não?
Virou de costas assim que Eliassandra se aproximou com um copo de chá. Parecia realmente emburrado — fosse lá pelo que fosse. Para Elia, aquilo simplesmente não fazia sentido:
— E meus pais?
— Vou entrar em contato com eles.
Elia ainda sentia certo medo de Quevel. Como não temer aquele homem que não só a enfrentou, mas a superou e a fez fugir da sua vida passada? E agora ali estava ele, parecendo apenas um pobre médico mágico:
— Eu não sei se estou pronta para voltar.
— Ainda não sei o que aconteceu com você. Consigo ver sua mana fluir agora, e não parece haver mais impurezas no seu corpo, mas…
— Mas?
O médico apontou para o novo olho de Elia.
De fato, nem mesmo ela sabia o que tinha acontecido. Aos poucos, as lembranças com Pollux pareciam cada vez mais nubladas e distantes. Como explicaria aquilo, se agora tudo parecia uma alucinação?
— Parem de pensar nisso. Ela tá viva, não tá?
A simplicidade de Ahrija surpreendeu Elia, mas ela acabou sorrindo. Ele era uma criança, afinal — sempre veria o lado bom e simples da vida. Então por que se estressar com isso agora?
Ela se afastou da dupla e foi até a porta, abrindo-a. Depois de tanto tempo, viu o sol ferir suas retinas. Mas sorriu.
Estava de volta.
Estou viva.
Era só isso que importava.
Ahrija sentiu seu mestre cutucar seu ombro e apontar para a porta — estava incentivando-o a ir brincar com a princesa. Ele não queria.
Mas seu mestre parecia precisar de um momento a sós para organizar os pensamentos. Então Ahrija bufou e foi atrás da garotinha, que estava lá fora. Ao vê-la, hesitou: ela apenas olhava ao redor, encantada.
— Então... o que você pensava quando estava... sabe…
— Quando eu acordei, tudo parecia vívido. Mas agora...
Uma borboleta pousou em seus dedos, e Elia sorriu com aquilo — de forma tão doce, que nem parecia alguém que esteve entre a vida e a morte por tanto tempo. O pequeno dracônico bufou, mas começou a escalar uma árvore próxima:
— Bem, o importante é que você acordou. — disse já empoleirado em um dos galhos.
— É. Ah, me chamo Eliassandra.
— Eu sei.
E então aquele silêncio desconfortável surgiu — ao menos para Eliassandra, que encarava o jovem dragão, que nem parecia prestar atenção.
— Bem…
— Ah, eu sou Ahrija. Prazer, alteza.
— Por favor, não me chame assim — pediu ao garoto.
Ahrija a encarou e sorriu de forma traquina:
— Certo, alteza.
Elia estreitou os olhos para o garoto. Ele era uma criança, mas ainda assim... que criança chata.
Ela acabara de dizer que não queria ser chamada assim, e ele continuava. Era uma criança, tudo bem — mas, céus:
— Vai continuar me chamando assim?
— Claro, alteza.
Ele estava provocando!
Revirou os olhos e sentou no chão, perto da árvore, ainda olhando o local e respirando aquele ar puro. Quevel observava, divertindo-se com a interação entre os dois, e deu uma risada baixa. Voltou aos seus afazeres: precisava escrever uma carta aos pais da menina, avisando que ela havia despertado — e sobre sua nova condição.
Ainda não sabia como ela tinha terminado daquele jeito. E, pelo modo como falava, parecia que ela não se lembrava de quase nada após o despertar. Mas uma coisa era certa: era magia astral.
Mas de que tipo?
Nem mesmo o grande Quevel sabia como proceder.
Outra coisa que chamava sua atenção eram os olhos novos da menina — aquele olhar frio. Um olhar de quem parece já ter vivido muita coisa. Mas como? Ela não deveria ter mais de seis anos. Segundo os pais, sequer fora apresentada ao reino. Devia ter quatro anos.
E mesmo assim...
Voltou a olhar pela janela após terminar a carta. A garotinha ainda estava sentada perto da árvore, mas seu pupilo já estava no chão, falando animadamente sobre dracônicos. Quevel sorriu. Talvez fossem bons amigos.
Mas... o que estava pensando?
Além de ser humana, ela ainda era uma princesa. Talvez nunca mais se vissem quando ela fosse embora. Mesmo que frequentassem a mesma escola, duvidava que ela sequer olhasse para Ahrija. Não queria que o garoto criasse esperanças de ter algo além de uma pequena amizade.
Uma amizade que logo acabaria. Infelizmente, era até triste pensar nisso.
Ficou parado, observando os dois conversarem — na verdade, o monólogo quase infinito de Ahrija para a princesa, que parecia minimamente interessada. Ou fingia muito bem? Difícil saber.
Ahrija parecia muito orgulhoso ao falar de suas origens, e Elia o ouvia o melhor que podia. Afinal, mesmo tendo lutado contra um dracônico e sabendo um pouco do idioma, mal conhecia sobre seu povo. Agora, pelas falas infantis, aprendia um pouco:
— Então os doze clãs se reúnem uma vez por ano ao redor do senhor Rei.
— Todos os dracônicos têm um clã?
— A grande maioria. Fora os que não têm pais... aí somos adotados por alguém e podemos reivindicar um clã quando chegamos à idade.
"Adotados."
Então ele era um órfão, e foi adotado por Quevel? Era estranho ver aquele dragão que quase a matou, agora ali, brincando de casinha com uma criança pouco mais velha que ela:
— Quais são os clãs dracônicos? Aliás, vocês têm rei?
— Temos sim, o rei Dragão. Ele está acima de quase todos nós. Só abaixo do Deus Iranier.
O deus-dragão Iranier. O fundador dos dracônicos. O rei guerreiro dos céus. Conhecia esses títulos, mas nunca acreditou muito neles. Ao menos era divertido aprender:
— Certo. E abaixo do rei?
— Vêm os seis clãs, cada um com um mestre. Depois, os chefes de família. Aí vêm os outros cidadãos, cada um com seu papel. — Ahrija sorria de orelha a orelha. Era impossível não sentir o orgulho dele.
Elia sorriu de canto. Era bom ver alguém com orgulho de suas origens. Só entendera isso ao renascer naquela vida. Agora, podia ter uma origem de fato. Uma da qual se orgulhava.
— Então você sabe quais são os clãs?
Ahrija pensou um pouco, forçando a memória. E foi aí que caiu a ficha para Elia: mesmo sendo mais alto que ela, Ahrija era apenas uma criança, talvez nem tão mais velha assim:
— Ei, quantos anos você tem?
— Ah, eu tenho cinco anos! — respondeu com orgulho, mãos na cintura.
Sim, ela estava certa.
Era uma criança nova. E ela, Elia, tinha em teoria uns quatro anos — talvez perto de completar cinco. Logo teria idade suficiente para sua primeira aparição pública.
Deixou os pensamentos vagarem. Como estaria Daphne? E sua mãe, como teria passado por aqueles meses? E os irmãos mais velhos... será que sabiam que ela ainda vivia?
Tantos pensamentos... nem percebeu que Ahrija ainda falava sobre os dracônicos.
Quando voltou à realidade, ele já parecia no meio da explicação sobre os clãs, e agora ela tinha vergonha de interromper para dizer que não havia prestado atenção. Apenas acenava com a cabeça, fingindo ouvir com interesse.
Tentava pescar uma informação aqui e ali. Ao menos descobriu o nome dos seis clãs — e mais ou menos como funcionava a seleção do novo rei dos dracônicos. Talvez não estivesse tão na cara... mas ele simplesmente não parava de falar.
Não sabia o que fazer, então apenas ficou ali olhando para ele, com um sorriso de lado, esperando a hora que ele pararia de falar.
Mas ele não parava.
Quevel foi quem salvou a pequena princesa, batendo na porta para chamar a atenção dos dois:
— Os dois, almoço. — Chamou entrando de novo na casa.
Ahrija se preparou para correr, mas parou e olhou a garotinha que ainda estava no chão, se levantando devagar e ofereceu a mão:
— Ah, obrigada. — Elia agradeceu com um sorriso respeitoso.
Mas o garotinho bufou e saiu andando meio emburrado, o que Elia claramente não entendeu, mas deu de ombros, seguindo para dentro de casa. O cheiro de comida já fazia o estômago da princesa reclamar de fome, era uma comida mais caseira, menos chique.
Era familiar.
Quevel servia porções generosas em dois pratos para as crianças, Ahrija foi o primeiro a correr para a mesa, se sentando naquelas cadeiras altas, depois Elia que era mais contida:
— Não é a mesma coisa que o castelo, mas espero que goste.
Elia ficou encarando a comida por um tempinho antes de colocar a primeira colherada na boca. Era temperada, era mais pesada do que a comida do castelo, era ótima!
Mesmo adorando a comida de sua casa, aquela foi provavelmente a melhor comida que teve desde que reencarnou!
Começou a comer com gosto, de um jeito que até Quevel se surpreendeu, não pensou que ela teria aquela atitude mais humana, mas sorriu, afinal ela era apenas uma criança de qualquer modo.
Mesmo com aquele olhar frio, distante e mais maduro.
Eliassandra D’Ank ainda era uma criança.
Ahrija pareceu se sentir mais à vontade agora, comendo com ainda mais voracidade, era um costume deles, comia sempre assim. Ficou grato por eles estarem se dando bem:
— Posso comer mais?
— Claro.
Quevel recolheu o prato de Elia para pôr mais, mesmo que ela tenha comido com paixão, ainda estava menos suja de Ahrija, era engraçado de se ver a diferença entre os dois, mas ainda sim, eram crianças afinal.
Enquanto comiam, o médico pensava em qual seria o melhor modo de abordar aquilo, afinal precisaria fazer uma pequena viagem até a vila mais próxima para que sua carta fosse levada ao castelo, iria ficar um tempo fora.
Ahrija já era acostumado a ficar sozinha, mas e a princesa? Será que ela iria conseguir ficar sozinha, e se ele não tomasse conta da outra criança, ele tinha apenas cinco anos!
Não deveria sentir segurança nisso, mas deixar eles ali era menos problemático do que levar aqueles dois consigo na viagem longa que eles claramente não iria conseguir suportar com facilidade.
Eles não precisavam disso.
— Então… Preciso falar com vocês.
Ahrija parou de comer para olhar o mestre, com aqueles olhos bem esverdeados e com expectativa pelo que diria, quase se sentia culpado por aquilo, mas suspirou passando as mãos pelos cabelos do garotinho:
— Precisarei ficar um tempo fora. Preciso entregar uma carta.
— Aquela viagem de dois dias? — Ahrija perguntou animado. — Vamos ficar sozinhos em casa por dois dias! Não é legal?
A animação de Ahrija era meio preocupante, porque estaria assim por ficar sozinho? Tinha quase certeza ele estava aprontando alguma, mas não tinha tempo para pensar nisso, precisava partir o mais rápido possível para entregar aquela carta para os pais da criança real.
Elia não parecia estar prestando atenção, estava mais preocupada em comer seu segundo prato do que aquela conversa entre os dois:
— Conseguem ficar sozinhos por dois dias?
— Sim, eu tomo conta dele. — Elia respondeu.
Seus olhos estavam focados em Ahrija, era uma pequena vingança por conta do “alteza” de antes e agora o garoto dracônico estava encarando Elia com olhos arregalados.
Quevel não conseguiu segurar mais sua risada diante daquela interação, acabou caindo na risada, estava vendo Ahrija crescer, e ver ele tendo uma interação com uma outra criança era fofo.
Nunca pensou que ele, um guerreiro sanguinário, que era temido até mesmo entre os dracônicos, estaria rindo de ver seu pupilo fazendo bico e emburrado para uma outra criança:
— Certo certo, então vou deixar vocês dois sozinhos por dois dias. Tudo bem assim?
— Mas eu vou tomar conta de tudo!
— Claro que vai.
— Vou sim! Eu vou lavar a louça!
E lá se foi o garotinho pegando a louça de Elia e a sua propria para levar para a pia, Elia sorria vitoriosa, conseguiu aquilo.
Foi engraçado.
Quevel não continha mais os sorriso, mas se levantou, precisava se arrumar para sair.
Dois dias.
O que iria acontecer com duas crianças crianças em dois dias? Ahrija já tinha ficado sozinho por mais tempo e não morreu, não seria agora que ele se machucaria, não é?
Ahrija e Elia
Cinco e Quatro anos respectivamente
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