Volume 1 – Arco 2
Capítulo 19: Amigos!
Ahrija estava se divertindo.
Era a primeira vez que via tantas crianças juntas.
Hibisco, a garota ovelha, Mavis, o garoto passarinho, os gêmeos Sol e Lua, que pareciam ratinhos, e claro, Eliassandra, agora estavam no lago próximo a vila brincando com lama e água, quer dizer, apenas Ahrija e os aures, pois a vossa alteza estava apenas sentada mais afastada, com os pés dentro da água.
“Que garota esquisita.” — Ele pensou olhando para ela. — “Mas é uma esquisita legal.”
Até mesmo ele sabia que sua amiga era estranha, uma garota mais nova que ele que não brincava, não gritava, não fazia nada que outras crianças faziam, mas ainda estava ali, respondendo perguntas quando eram direcionadas à ela, mas se não falassem com ela, ela ficava ali, encarando a água, sem dizer nada:
— Que menina estranha. — Hibisco falou.
— Não chama ela assim! — Ahrija rapidamente repreendeu.
Ele achava sua amiga estranha, mas só ele poderia verbalizar isso.
Mas a garotinha de cabelos brancos sequer olhou em direção ao grupo, Ahrija logo voltou sua atenção ao seu grupo quando seu rosto foi molhado pelo garoto passarinho que ria da situação. Ahrija também riu jogando água nele, molhando suas penas amareladas enquanto ele corria.
Desde que se lembrava vivia com Quevel naquela cabana, às vezes ele viajava por dias mas deixava comida para ele passar esse tempo, desse jeito cresceu com uma independência que outras crianças não tinham, mas também com uma solidão que elas não conheceriam, ao menos esperava que isso não acontecesse.
Mesmo que nunca fosse admitir, amou ter Eliassandra consigo, tinha companhia, mesmo ela sendo esquisitinha, ainda parecia ser uma boa pessoa, mas quem era ele para julgar? Ele não deveria ser a criança mais normal.
Brincava e ria com os novos amigos, jogando água e lama um no outro como crianças, coisa que ele não teve até então.
Parecia que sempre pertenceu àquele local, era carismático, então fazer amigos era natural.
Mas a risada parou quando uma bola de lama atingiu o rosto de Eliassandra, a mesma ficou parada encarando o nada, Ahrija não sabia o que estava acontecendo, apenas… Estava ali.
Aquilo não seria algo que outras crianças saberiam, na verdade nem deveriam saber sobre aquilo.
Os olhos de Elia pareciam assustados, sentia que tinha voltado àquela vida anterior, onde começou tão fraca num mundo de guerra, onde sua vida dependia da sua força, pareceu naquele momento que todos aqueles instintos tinham ressurgido.
As risadas pareciam continuar, afinal era apenas uma brincadeira entre crianças, mas Elia sequer entendia quando pegou uma pedra qualquer, levantando para jogar contra ele. Ahrija foi quem reparou, arregalando os olhos e correndo até a amiga.
Não pensou.
Se jogou na princesa, derrubando ela na água e caindo junto com ela, as crianças continuaram rindo da dupla, achando uma coisa hilária, mas para Ahrija… Foi assustador ver aquele olhar em Elia:
— Ei, você ‘tá bem? — Ahrija questionou ajudando Eliassandra a levantar.
Após longos segundos de silêncio, Elia acenou com a cabeça, mesmo molhada dos pés a cabeça, o cabelo branco agora todo grudado no rosto dela, saiu em silêncio da água, nesse incidente perdeu até as sandálias de dedo que usava antes.
Elia não disse não nada, continuou seguindo de volta para a vila em silêncio absoluto, sob os olhares das outras crianças:
— Que… Garota estranha.
— Já disse pra não falar assim dela. — Ahrija reclamou.
Saiu d’água para seguir sua amiga mais à frente, ela não andava emburrada, apenas estava à frente pois saiu primeiro, não demorou para Ahrija a alcançar:
— Achei que estava se divertindo.
— Você ‘tá encharcada.
— E você também. — Ela lembrou.
De fato, os dois estavam, os cabelos castanhos e ondulados de Ahrija estavam grudados na testa, as roupas nem se falava, era engraçado que ele apontou aquilo.
Ahrija estava curioso pelo que Elia iria fazer naquele momento anterior, mas também tinha medo de saber, mesmo com aqueles olhos frios, foi a primeira vez que viu eles daquele jeito, beirando um medo irracional:
— Ei, Elia, você quer mesmo ir nesse festival amanhã?
— É a primeira vez que você me chama de Elia, o que houve com o “alteza”?
-... Você é um saco…
Ahrija bufou com aquilo, sempre que ela não queria responder uma pergunta tirava alguma brincadeira daquele jeito.
Era irritante.
Mas aos poucos estava aprendendo a se acostumar com aquele lado evitativo, como estava tendo agora.
Parecia distante, alheia as coisas, como se não estivesse mentalmente presente nessa conversa, então Ahrija fez o que sempre fazia nessas ocasiões: Falar.
Falava sobre seus novos amigos, o quanto eles pareciam divertidos e legais, falava tudo que conseguia, como Hibisco tinha a pelagem branca e muito macia, como o Mavis tinha certo receio de voar por ter medo de altura, o que era irônico para um passarinho.
E não parava de falar, sempre que o silêncio da princesa incomodava, a fala do dracônico preenchia o ambiente, deixando as coisas menos pesadas. Elia não reclamava, sequer manifestava alguma opinião fora falas ponderadas aqui e ali, mas nada que acabasse com o assunto.
Ahrija realmente tinha uma presença ensolarada que deixava o ambiente mais animado ao redor dele, e Elia até conseguia sorrir levemente para ele, mesmo que ele falasse muito.
Uma necessidade de falar talvez?
Ele era uma criança afinal, Elia que era esquisita que quase não falava como uma criança, não poderia julgar Ahrija.
Ainda sentia o corpo gelado, agora que aquelas lembranças horríveis passavam e Ahrija acalmava sua mente com aquela matraca que não calava, sentia o vento frio da floresta contra seu corpo pequeno:
— Vou pra casa, pode ficar com seus amigos.
— Eu vou com você. — Ahrija se adiantou com aquele sorriso ensolarado que fazia Elia rir.
Ele estava mesmo tentando ajudar, do jeito dele, nem mesmo ela sabia como ser ajudada, no momento que pegou a pedra era como se tivesse voltado ao campo de treinamento e estava mais uma vez sendo intimidada pelos outros:
— Ei cabeça de vento, você me acha estranha?
— Muito, você é muito estranha princesa. — Ahrija respondeu sorrindo. — Mas você é minha melhor amiga.
Elia deu uma risada, era sua única amiga até a dias atrás, e agora era sua melhor amiga? Que evolução não é mesmo?
— Certo, obrigada cabeçudo.
— Cabeçudo?
Ahrija reclamou antes de ver Elia empurrando a porta, os dois estavam menos molhados pela caminhada, mas os pés estavam imundos!
Quem estava na casa era Salis, sentado em sua cadeira escrevendo algo no seu caderno, ao ver aquela cena deu uma risada divertida vendo o estado dos dois:
— Se divertiram, hein? Vão logo pro banho antes que Quevel reclame.
— Certo. — Elia disse já seguindo para onde tomavam banho.
Ahrija ficou para trás, olhando Sali que não voltou a ler, encarando ele até abrir a boca para falar:
— O senhor acha… Que vamos ficar aqui?
Aquela fala fez o leão arregalar os olhos, e depois sorrir, então Ahrija realmente queria ficar ali. De fato, o garotinho queria, parece que só percebeu agora que sentia falta de ter amigos, afinal nunca teve isso.
Salis chamou Ahrija para perto, para fazer carinho nos cabelos castanhos e ainda molhados dele, sorria grato para o garoto, e de fato estava:
— Talvez, tudo depende de como as coisas vão seguir.
— Espero que sim, gostei daqui.
E então Ahrija saiu correndo para o banheiro junto com Elia, Salis ficou para trás, com aquele sorriso bobo, o garotinho estava mesmo feliz ali, então tudo estava ainda mais certo para Quevel ficar, e talvez… Só talvez terem uma família juntos.
Ahrija correu para o banheiro, encontrando Eliassandra enchendo aquela grande banheira, ela ainda tinha aquele olhar perdido para a água que subia devagar, parou do lado da amiga, olhando a água subindo também, mas logo teve aquela incapacidade de ficar calado:
— No que ‘tá pensando?
— Na minha mãe e nos meus irmãos. — Falou sem desviar o olhar.
— E seu pai e suas outras mães?
— Pensei neles antes.
E então voltou a ficar em silêncio, olhando a água subir, e mais uma vez Ahrija não conseguiu manter o silêncio por muito tempo:
— E agora?
— Em magia.
— Por que?
Elia finalmente desviou o olhar para o amigo, não tinha mais aquele olhar distante, perdido e meio raivoso, não, agora tinha um brilho a mais ali:
— Porque eu não sei se gosto de magia.
Era um questionamento que estava tendo a um tempo, estava mesmo atrás de magia porque gostava ou tinha saudades de ser forte? Mas naquele ritmo nunca teria sua força de volta, seu instinto de sobrevivência a deixou forte, nesse momento não tinha isso.
Então por que ser forte?
Por que buscar tanto poder e conhecimento se não tinha pra que usar?
Mas Ahrija sorriu como se não fosse uma questão, e de fato, para ele não era uma questão:
— Claro que gosta, você é ótima nisso.
Como ela poderia não gostar? Claro que ela gostava, só precisava ser boa, aquilo arrancou um sorriso calmo de Elia, de fato, ele era como um sol iluminando o local, era bom ficar perto dele, afinal, era uma criança divertida.
A água tinha chegado ao limite aceitável para ambos, Ahrija entrou primeiro, fazendo a água subir, depois Elia. Seria um banho tranquilo, com Ahrija falando o tempo todo e Elia apenas acenando com a cabeça.
Ao fim do banho, as roupas já estavam prontas, não era dificil vestir, só o penteado que Elia não tinha capacidade de fazer de novo, nunca aprendeu a pentear o cabelo, nem nessa vida, nem na outra.
Mas Ahrija sorriu para a amiga animado:
— Posso pentear seu cabelo?
Eliassandra encarou o pequeno dracônico desconfiada, mas deu de ombros, se sentou na cadeira, o que poderia dar errado?
Ahrija se apressou para enxugar o cabelo da amiga com a toalha, ela tinha mesmo cabelos dignos de uma princesa, bem cuidados e macios, mesmo naqueles meses todos, não perdeu aquele cuidado. Era incrível.
Pegou um dos pentes que tinham ali para começar a pentear aqueles cabelos brancos, que nem eram tão longos assim, atualmente chegavam até o ombro, em contraste com a pele escura de Elia, Ahrija achou fascinante aquelas cores nela.
Elia não questionava, o cabelo deslizava fácil pelo pente, sem nenhum nó aparente, e mesmo que tivesse, não iria ligar muito, mas não estava tão acostumada a ser bem cuidada, aquela era uma das coisas que estava mais surpresa nesse novo mundo.
Seu olhar estava perdido à frente, encarando as manchas de tempo que enfeitavam a parede, seus olhos pareciam não ter vida alguma, e talvez, lá no fundo não tivesse.
Ahrija estava tão focado em conseguir fazer uma trança no cabelo da amiga que nem notou que ela chorava, apenas quando foi para a frente dela ver o resultado de seu penteado:
— Elia? O que foi? Eu te machuquei? — O garoto segurou o rosto da outra, limpando o rosto sem muito cuidado.
Mas a princesa parecia fora de ar, piscou algumas vezes, voltando a si, olhando Ahrija sem entender o que estava acontecendo quando sentiu o rosto molhado:
— Não eu…
Como iria explicar que aquela dor era de uma vida passada que nem ela entendia? Às vezes se perguntava se tudo aquilo que lembrava era real, se realmente foi àquela pessoa, mas naquele reino parecia que seu impacto não foi tão grande assim, talvez se…
Não!
Se tivesse nascido no seu reino original odiaria ver quem lhe matou andando normalmente por ai, mas sequer viu quem lhe matou!
Aqueles questionamentos confusos faziam o olhar perder o brilho, ficando perdido mais uma vez até ser balançada por Ahrija, quase batendo sua cabeça contra a dele:
— Desculpa desculpa, só ‘tô distraída.
Deu uma risada nervosa, olhando para o amigo que estava realmente preocupado, deu um empurrãozinho para ele se afastar e checar como estava o cabelo, não era um penteado elaborado como os que queriam fazer no palácio, apenas uma trança nas laterais que era presa na parte de trás da cabeça, mas bem hábil para uma criança como Ahrija. Sorriu para ele:
— Eu gostei. — Sorriu para o amigo após se ver no espelho.
Ahrija sorriu aliviado, mesmo que no fundo de sua mente queria entender o que estava acontecendo de fato com sua amiga, ela parecia mais distante, mais afastada do que era.
Será que era ciúmes por estar fazendo novos amigos? Ou talvez fosse apenas saudades de casa? Elia raramente falava sobre sua familia de fato, dizia sentir falta, que seu pai tinha três esposas, mas fora isso…
Deveria ser isso.
Ela só devia estar com saudades da família e não sabia dizer, não sabia esse sentimento, sua família era o mestre Quevel desde que se lembrava, não sabia se tinha mãe, ou se Quevel era mesmo seu pai biológico, mas pouco se importava.
Não tinha nada a questionar nessa vida, gostava de Quevel, agora teria mais alguém para ele que era Salis, estava feliz. Como não poderia ser feliz?
Seguiu sua amiga de volta para a sala, sorrindo um pouco mais contido, mas quase pulava atrás dela, pensar na sua nova vida, mesmo com Eliassandra indo embora, era bom ter um lar com mais pessoas.
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