Reencarnação Através das Eras Brasileira

Volume 1

Capítulo 18: A Era de uma Fracassada, Parte 1

Tremores agitaram o ritmo da competição. O palco principal teve a sua estrutura abalada pelo fenômeno avassalador. Desta vez, os motivos para tal advento não possuíam relação com a empolgação da plateia. Tratava-se de uma intervenção sobrenatural.

Apesar do momento inusitado, o público sabia exatamente a verdade por trás da situação. Sorrisos marcaram rostos por toda a arquibancada, cuja empolgação era somada à vibração do piso de mármore, o qual ressoava como um tambor em uso constante. À primeira vista, o acontecimento poderia ser entendido como um simples desastre natural, no entanto, detalhes evidenciaram uma clara particularidade do contexto vivenciado: apenas o terreno abaixo de Roccan e Proxie sofria com os abalos sísmicos, enquanto o restante da arena permanecia inalterado.

— Você parece estar se divertindo com a sua relíquia, pirralho. O que acha de nos juntarmos a você? — Falco indagou o rapaz loiro.

— Mais relíquias!!!

A empolgação do garoto fez seus olhos brilharem, encantados com a presença de dois dos maiores tesouros da humanidade. O sol e uma montanha compunham a imagem dos artefatos nas mãos do líder Ranque A e seu subordinado, respectivamente. 

Berros fervorosos retomaram a euforia da arquibancada, responsável por prover um momento decisivo para o evento. Luzes verdes alteraram o visual do confronto.

— Impressionante!!! Outra reviravolta inédita! Senhoras e senhores, contemplem a famosa Relíquia do Tremor!!  — exclamou o apresentador.

Dono do item mencionado, Kazo fazia uso massivo de seus poderes, à medida que desestabilizava os oponentes com vibrações ininterruptas. Anteriormente pressionado pelo combate corpo a corpo, o homem com o colar de plumas vermelhas mudou a sua abordagem. A superioridade da maior vogal voltou à tona, quando o esquadrão no topo da classificação passou a assumir uma postura inteiramente ofensiva. Ataques físicos haviam se tornado irrelevantes para aqueles que representavam a elite da resistência. A possibilidade de confiar no potencial das relíquias diferenciava nitidamente os favoritos dos menosprezados.

— Essa luta está fora do seu alcance, Proxie. Um verme que nunca conquistou uma relíquia não deveria nem dar as caras nessa arena — decretou Kazo.

— Seus poderes já foram mais fortes. No passado, eu mal conseguia ficar de pé. A arrogância te amoleceu? 

— Vejo que continua sendo uma garotinha ingênua. O senhor Falco estava certo, você realmente não mudou nada.

— E ainda assim, não é capaz de se livrar de mim? Está em uma má fase? 

— Não há mais motivos para te manter na mira. Essa competição se tornou uma briga entre relíquias.

— O que?

O chão abaixo de Proxie estremecia como o esperado, mas não o suficiente para derrubá-la. Em contrapartida, o equilíbrio de Roccan foi colocado em cheque. Toda a força dos tremores se concentrou sob os pés do rapaz loiro.

Pernas determinadas depositavam o peso em joelhos, cuja resiliência cedia gradativamente ao cansaço. Esforços eram ineficazes perante o desastre sobrenatural. O alvo abalado despencou, rumo à própria derrota. Novamente encurralada, a jovem de Ranque F somente observava a queda do seu companheiro. O caos da situação pedia por outra ação indesejada, movendo os lábios da garota para emitir palavras repletas de insatisfação.

— Moleque, não caia!!!

— C-certo!

Partículas rosas interromperam o desfecho infeliz. Um portal separou o corpo de Roccan do solo, sem permitir o contato com a superfície esverdeada. A travessia pelo caminho sobrenatural permitiu o reposicionamento do rapaz, com outro portal levando-o para uma segunda chance em cima do terreno comprometido. 

— Hehehe, consegui!

— Não me subestime, pirralho — alertou Kazo.

Com o objetivo de minar as opções do garoto, o atacante prolongou a duração dos tremores. Chacoalhado em um ritmo cada vez mais intenso, o piso de mármore sofreu rachaduras que se estenderam por toda a arena. O rapaz loiro não possuía escapatória, no entanto, as ordens que acabara de receber precisavam ser atendidas. Cair não era uma opção válida.

Um ciclo incessante de repetições. Queda após queda, Roccan continuava utilizando seus poderes para se manter de pé. Tropeços e deslizes davam sequência a uma movimentação ágil e improvisada, mas sempre escapando do tombo derradeiro. De um lado para o outro, o garoto atravessava inúmeros portais, os quais lhe tiravam de situações críticas e permitiam manobras ousadas de reposicionamento.

— O que está acontecendo aqui!? Ele já caiu inúmeras vezes, mas suas costas nunca tocam o chão!!! É como um milagre! — exclamou o apresentador do evento.

Faces confusas foram preenchidas pela dúvida. Com dificuldades para acreditar nos próprios olhos, nenhum espectador compreendeu os próprios sentimentos. A plateia não soube como reagir.

— Ele está dançando?

— Essa movimentação… Será algum tipo de ritual?

— Esse cara é problema! Quantos anos será que treinou para ser capaz de realizar essas manobras?

— O garoto deve ter um plano. Ele é uma ameaça para o Ranque A!

Pernas agitadas contrariaram a insatisfação da arquibancada. Roccan direcionou todo o seu ânimo para realizar ações inteiramente improvisadas. Da mesma forma que um show de rua conduz o seu brilhantismo imprevisível, partículas rosas evitaram o desfecho esperado, quando portais não permitiram a queda derradeira.

— Eu não faço ideia do porquê estou fazendo isso, mas está dando certo!

— Apenas não caia, de modo algum! — ordenou Proxie.

— Eu já entendi esse comando, não se preocupe. Posso não conseguir mais ficar de pé, mesmo assim, me manterei longe do chão!

— Toda vez que você vai cair, os portais te trazem de volta. É como um ciclo de repetições sem fim… 

— Incrível, não? Eu devo ser algum tipo de gênio!

— Está errado. Se isso continuar indefinidamente, ele…

A figura do sol destacava um artefato místico. Com uma relíquia anexada em seu cinto de couro, Falco evidenciava o objeto para o público, que gradualmente revivia o seu interesse pelo confronto. Rostos impacientes se entreolharam, ao conferir seus relógios no tardar da última batalha da noite.

Em meio a inquietude da arquibancada, um homem sério sentiu a aproximação de um acontecimento infeliz. Jiro temia pelo destino de Proxie, quando o poder mostrado pelo esquadrão de Ranque A parecia levar a competição de volta a rumos previsíveis.

"Algumas coisas realmente nunca mudam. Então esse canalha continua lutando do jeito vergonhoso. Relíquias de Ação Espontâneas… Eu nunca vou gostar de algo assim".

Ansiosos com o passar de cada segundo, os dedos daqueles na torcida se assemelhavam aos ponteiros de um relógio, enquanto cronometravam o avanço do tempo. As atividades noturnas estavam perto de um fim.

— Já está na hora, certo? Detalhes não deveriam fazer tanta diferença!!

— Ah, vamos! Quantos minutos ainda faltam!?!? 

— Precisa ser exatamente às seis da manhã!? Que tesouro estúpido!

— Eu não aguento mais esperar!! Apenas vençam de uma vez!!

Diante de incontáveis torcedores apaixonados, Falco sorriu para quem lhe assistia, uma vez que a vitória parecia adentrar no alcance de seus poderes. Dentre o fanatismo exacerbado, a racionalidade de um indivíduo prevaleceu, a partir de uma mente que se manteve pensante. Jiro cruzou olhares com o velho conhecido, enquanto seu raciocínio lhe trazia péssimas conclusões.

"A Relíquia do Amanhecer. Parece ainda mais repugnante do que da última vez. Apesar disso, seu modo de usá-la deixa tudo ainda pior, Falco". 

A ignorância de um competidor o manteve alheio a qualquer tipo de pensamento. Roccan continuava utilizando seus portais para se safar dos tremores na arena, em um ciclo de repetições onde o rapaz loiro aparentava ser invencível. Ao observar a inocência de seu companheiro, Proxie percebeu algo crucial. O suor tomou conta do corpo da garota, quando sua visão presenciou novamente o sorriso de dois adversários confiantes. Pernas trêmulas concederam novas brechas para o estremecer do solo, cuja menor força já era o suficiente para colocar o equilíbrio da Escultora em cheque.

Imerso na tensão da plateia, Jiro se questionava, "Também notou a situação, Proxie? O garoto ao seu lado não faz ideia do que está acontecendo. Relíquias de Ação são conhecidas por todo o universo, mas nem todos as compreendem da mesma forma. Assim como uma mesma palavra pode ter significados diferentes em locais distintos, as relíquias não são vistas de uma única maneira."

Gritos rodearam a arena, em uma torcida pela derrota da fracassada. Cercada pelo brilho de luzes esverdeadas, a incerteza atingiu a líder da dupla de Ranque F. O medo de outra falha concedia ao corpo da jovem um peso incomparável. No caos da competição, Proxie alertou o seu companheiro através de berros desesperados. 

— Moleque, não temos como evitar a derrota para sempre! A relíquia na posse de Falco é uma Relíquia Espontânea! Elas não controlam fenômenos como as mais tradicionais! 

— Hein? Do que está falando?

— Os poderes de uma Relíquia Espontânea são ativados por conta própria, uma vez que o fenômeno relacionado a elas ocorre. O amanhecer não é um fenômeno que podemos evitar!

— Não importa o que eles façam, eu não vou cair. Meus truques são incríveis demais para qualquer plano barato. Aproveite a nossa vantagem e pense em algo para derrotá-los!

— Não estamos na vantagem! Você está enganado!

Com sua atenção voltada para as tentativas frustradas da garota, a mente de Jiro se decepcionou com o visível desperdício de tempo. O momento pedia por ações, ao invés de meras explicações.

"Nós classificamos as relíquias do nosso próprio jeito. A resistência não é um mundo cujo um novato consegue compreender tudo da noite para o dia."

Lábios insatisfeitos se opuseram aos ideais de Jiro. Proxie insistiu no falatório, ao fazer de tudo para que Roccan compreendesse o conteúdo transmitido. A situação de emergência necessitava de informações diretas.

— Às seis horas, o amanhecer vai ativar a relíquia de Falco! Quando isso acontecer, nós ficaremos inconscientes!

— Caramba, parece péssimo.

— Não é desse jeito que você deveria reagir!!!

— Você me bombardeou de informações. Eu apenas me concentrei nas palavras chaves.

— E o que você entendeu?

— Que algo vai nos deixar inconscientes.

— Não ignore todo o resto!!

— O que há de errado com as relíquias da resistência? Relíquias deveriam ser simples.

— Tudo o que eu lhe falei é extremamente simples! O seu planeta não classifica as relíquias?

— Não há necessidade, todas seguem a mesma lógica. Nossa civilização preza pelo entendimento dos conceitos básicos.

— Toda a sua civilização é estúpida!

Relógios apontaram para o final de uma espera incessante. O longo combate estava a apenas dez minutos do aguardado amanhecer. Kazo e seu superior gargalharam perante a situação deplorável de seus oponentes. Após horas de combate, parecia que o evento havia se tornado um embate entre celebridades e amadores.

Lágrimas derramadas aparentavam ter sido despejadas em vão. Oportunidades resultaram no que poderia ser categorizado como um completo desperdício, enquanto o metal da prótese rangia em uma sinfonia já conhecida. A agitação de Proxie a conduzia para conclusões redundantes.

— Esses tremores são o complemento perfeito para a estratégia de Falco. Tudo o que eles querem é nos atrasar.

— Relaxa, vamos vencer isso e trazer a sua nave de volta.

— Não é assim tão simples! Você não entende o que está acontecendo!

— Ah, sério? Nesse caso, eu sou mesmo sortudo.

— Sortudo? Você ao menos está me ouvindo!? Não faz ideia do que estamos enfrentando!

— Não preciso me preocupar com isso. Afinal, agora eu conheço você.

— Aonde quer chegar?

— Eu posso te levar adiante. Porém, apenas você sabe como vencer esta luta.

— Está errado… 

— Uma Escultora desde criança. Essa é a sua casa. Um novato não pode roubar isso.

— Você é um péssimo ladrão!

Um passo em falso. Todo o equilíbrio de Proxie foi comprometido, após um breve deslize de sua atenção. Na tentativa imediata de se reerguer, o desespero da jovem a levou para outra movimentação indevida. Todo o peso do corpo em perigo foi depositado sobre o seu único membro de confiança. Uma torção afetou o pé de carne e osso.

Berros fervorosos destacaram o momento decisivo, à medida que se espalharam pela imensidão da arquibancada. A espera não se fazia mais necessária, uma vez que o abalo repentino havia colocado a dupla menosprezada em uma situação crítica. Alvo de inúmeras provocações, a competidora de Ranque F despencou, rumo ao chão da arena. Um grito afobado buscou pelo auxílio do aliado.

— Moleque, não me deixe ca– 

Preocupado com a sua própria vulnerabilidade, Roccan se encontrava incapaz de ajudar, com seus poderes focados na estabilidade pessoal. Os portais, que anteriormente salvaram a garota da queda derradeira, estavam ocupados.

Sorrisos, estampados no rosto de cada espectador, comemoravam a derrota iminente da fracassada. Desacreditada, a mente de Proxie encarava a realidade inescapável. Sua perna biológica não poderia recuperar o equilíbrio perdido.

"A principal força dos tremores está sendo direcionada para o moleque. Se ele me ajudar agora, provavelmente vai cair. A atenção desses canalhas nem está em mim, e mesmo assim eu estraguei tudo. Caso um de nós caia agora, será praticamente impossível para quem continuar na arena vencer sozinho contra dois Escultores de Ranque A."

A tranquilidade se evidenciava no olhar da dupla favorita. Distantes dos tremores, Kazo e Falco assistiam o desespero dos adversários, a partir de uma posição não afetada pelo poder da relíquia. Próximos da vitória, ambos relaxaram, quando um som peculiar inesperadamente atiçou os seus ouvidos.

— Senhor Falco, acredito que não precisaremos esperar o amanhecer. Isso foi mais fácil do que o esperado.

— Seus tremores são bem barulhentos, Kazo. Com tantas rachaduras no solo a arena pode acabar desmoronando.

— Do que está falando? Eu já diminuí a intensidade dos meus poderes. Realmente pensou que eu cometeria um vacilo tão óbvio?

— Então, o que foi esse som?

— Deve ter sido a garota caindo. Meus olhos estão voltados para o garoto. O senhor deveria prestar atenção na nossa outra adversária.

— Não me diga o que fazer! Isso certamente seria perda de tempo! Tudo o que ela tem são algumas ferramentas, das quais ela não tira proveito. É como a personificação do desperdício!

Uma colisão estrondosa. O piso de mármore foi perfurado por um material metálico. Rachando o chão da arena, a prótese da jovem em perigo se fincou no solo rochoso. O corpo desequilibrado depositou por completo o seu peso na perna artificial, de modo a restabelecer a estabilidade perdida. Proxie se manteve na competição, ao evitar a queda derradeira.

Com suas expectativas contrariadas, Falco perdera a paciência. Toda a atenção do homem se voltou para a garota persistente. Há apenas cinco minutos do aguardado amanhecer, a equipe na desvantagem continuava estendendo o confronto ao limite.

— Eu não consigo entendê-la. 

— Talvez seja melhor dessa forma — respondeu a jovem.

— Não é capaz de ir com tudo, porém, também não desiste. Quantas oportunidades como essa você já deixou passar? 

— Eu não quis ganhar essa perna, mas também não quero perder a nave. Parem de me forçar a usar essa coisa!

— O veículo é só outro de seus presentes. Aquele idiota não está esperando recebê-la de volta.

— Está errado! Quando o meu pai for curado, vai precisar daquilo para voltar ao espaço! A nave carrega o sonho dele!

— Isso nunca foi sobre seu pai, pirralha. 

— Essa nave foi a maior conquista dele. Não se atreva a negar esses esforços novamente!

— Quando ele morrer, vai se desfazer dela? Se é apenas questão de tempo, por que não desiste logo? Dessa maneira tudo será como sempre deveria ter sido.

— Hein?

— Você sai da resistência, e todos aqueles que te ajudaram terão a resposta que merecem. A confirmação de erros irreversíveis.

— Isso…

— Uma eterna fracassada ou uma mera desistente. Qual dessas você quer ser, Proxie?

— Quem eu quero ser…?