Volume 1
Capítulo 20: A Era de uma Fracassada, Parte 3
O silêncio dominou os arredores. Joelhos no chão marcaram a queda do sujeito inconsciente, em um desfecho inusitado para o primeiro perdedor da disputa. Falco despencou no meio da arena, incapaz de mover um músculo sequer.
— I-Impossível!!! Eu mal consigo acreditar nos meus olhos! Falco é o primeiro eliminado do confronto!!! — anunciou o apresentador do evento.
Boquiabertos, espectadores por toda a arquibancada não souberam como reagir, na ausência de palavras para transmitir a surpresa sentida. Sorrisos confiantes desapareceram num instante, enquanto piscadelas sucessivas tentavam confirmar se a cena observada era verdadeiramente real.
Com o portador da Relíquia do Amanhecer inconsciente, a contagem das horas deixou de ser uma preocupação para a dupla de ranque mais baixo, que poderia contar com o tempo ilimitado para derrotar seu último oponente restante.
— Minha nossa... Olha só o que você arrumou, senhor Falco. Agora esses dois pirralhos estão por minha conta.
Uma voz firme evidenciou a tranquilidade descomunal do único remanescente da equipe favorita. Kazo estalou o próprio pescoço, em um gesto isento de receios. Frente a frente com ambos os adversários, ele retomou a concentração no confronto, quando a relíquia em suas mãos voltou a brilhar intensamente.
De pé, Proxie decretou a vitória sobre o rival de longa data, cujo corpo foi carregado para fora do palco pelos braços do apresentador. Apenas três participantes preenchiam uma arena repleta de rachaduras, prestes a sediar os minutos finais do grandioso espetáculo. Derivada do triunfo recente, a risada maléfica da garota ecoou nos arredores.
— Muahaha! Vai pro inferno, Falco!!!
— Ele subestimou a sua idiotice — comentou o homem seguro.
— Também quer que eu te dê uma surra? Sem problemas, vou te derrubar em um chute e pegar a minha nave de volta!
— Sua voz é bem cansativa de se ouvir. Por que não passa o resto da disputa calada?
Tremores abalaram a estrutura do piso de mármore, à medida que retomaram o controle do combate inacabado. Com exceção do terreno ao redor do Escultor de ranque A, o local do embate foi tomado por deformações irreversíveis, na quebra da estrutura sólida.
Fissuras extensas cortaram o chão em divisões estreitas, conforme limitavam o espaço para pés desequilibrados. As vibrações do material rochoso reverberaram pelo campo de batalha, desviando o rumo da luta de forma inesperada, assim como um tambor que, de repente, impõe seu próprio ritmo.
Semelhante a alguém que se isola em uma ilha, Roccan foi cercado por rupturas profundas, forçado a se manter firme na pequena plataforma que havia restado sob seus sapatos. A surpresa colocou o alvo em um momento crítico, tomado pela indignação da vulnerabilidade sofrida. Lábios se entreabriram em um bico descontente, preparado para protestar.
— Trapaceiro! Está deformando a arena!
— Ele não está fazendo nada fora das regras, moleque. Pare de ser estúpido e use logo seus poderes! — respondeu a companheira frustrada.
— Traidora! Está se aliando ao tapeceiro!
— Apenas faça o que eu estou dizendo, idiota! Você não deveria seguir as minhas ordens?
— Tsc. Maldita promessa.
— Pelo menos você é leal.
Partículas rosas guiaram o rapaz até uma zona isenta de danos, movido pela travessia entre seus portais místicos. No novo espaço ocupado, a figura aliviada pôs ambas as mãos nos bolsos, na ausência de mais problemas para atormentá-lo.
— Hehehe. Isso foi molezinha.
— Não baixe a guarda, moleque! Não percebeu que ele controla a arena toda!?
— Então ele ainda tinha uma carta na manga.
— Ele fez isso durante a disputa inteira!
A área abaixo de Roccan, outrora livre de destruições, foi repentinamente demolida pelo estremecimento devastador. O desabamento da superfície atingiu o jovem despreparado, que mal teve tempo para reutilizar os poderes locomotivos.
Gritos fervorosos ditaram a alegria do público entusiasmado, em uma reunião de ânimos que ocasionou no brilho radiante de luzes verdes. Na concordância com as regras dos Jogos da Folia, a empolgação concedeu o passe livre para quedas decisivas.
— Ops. Isso é ruim.
— Como você pôde cair em algo tão ridículo!?!? — questionou a garota enfurecida.
— Acha que eu consegui prestar atenção no que ele faz? Eu estava preocupado em não cair!
— Sem desculpas! Idiota! Desatento!
O tombo definitivo. Em contato direto com o palco de mármore, a face do rapaz loiro encontrou o chão de frente. Lábios desatentos se prensaram contra a estrutura sólida, na concretização do temido resultado.
Urros acalorados representaram a comemoração energética da torcida, motivada pela eliminação rápida de outro competidor. A derrota de Roccan deixou a ação igualada, depois de transformar a rixa entre equipes em um duelo de apenas dois remanescentes. Desclassificado, o rapaz amargou a tragédia não calculada, confuso com a quebra de suas expectativas otimistas.
— Droga, ele é bem mais forte do que eu pensei.
— Não foi esse o problema. Você é apenas burro!!!
Gargalhadas acompanharam a saída do perdedor, o qual se levantou e caminhou para fora do local do torneio, cercado por vaias de toda a arquibancada. Os espectadores retomaram o espírito fanático, fruto da reviravolta a favor do esquadrão venerado.
— Pffft! Hahahahaha! Que patético!!!
— Ele deveria ter lambido o chão! Combina bem com as atitudes de um verme!
— Você já venceu isso, Kazo! Só falta derrubar essa fracassada!
— Ela está apenas esperando para ser humilhada. O que acha de pisar na cara dela? Parece um ótimo final para o nosso entretenimento!
Na arena, os dois últimos participantes testemunharam o início do clímax inevitável. Proxie e Kazo trocaram olhares determinados, com a tensão dos arredores refletida em uma breve pausa na ação, antes da etapa final da longa luta. O suor denunciava o cansaço de ambos os combatentes, expostos ao limite de suas capacidades físicas e emocionais.
A honra do homem renomado estava em jogo, ameaçada pelo possível triunfo da desafiante de classificação inferior, cujo objetivo de cunho pessoal também a impedia de perder sem resistir até o limite. A glória de um significaria a ruína do outro, em um confronto de dois extremos.
O apresentador retomou as rédeas do evento, ao fazer uso de toda atenção recebida para promover o melhor do entretenimento. Palavras carregadas de afobação orquestraram o show da última disputa do dia, prontas para servir como catalisador do desfecho eletrizante.
— Um contra um!!! Com o garoto eliminado, estamos diante de um momento crítico! O próximo a cair determinará a vitória do time adversário! Quem permanecerá de pé!?
Tremores voltaram a castigar o chão de mármore, originando novas fissuras que fragmentaram o terreno em numerosas áreas de risco. O material rochoso se despedaçou, como um agravante da limitação cada vez maior da zona estável. Com o equilíbrio dificultado pela prótese metálica, a garota sem relíquias tentava resistir ao poder avassalador do artefato místico, segurado pelas mãos sádicas de seu oponente. Na vontade insaciável de colocar a competidora enfraquecida em cheque, o homem provocou a vítima solitária, levada à exaustão de todos os músculos tensionados.
— Está difícil para se manter de pé, fracassada?
— Nem um pouco, feioso! Seus poderes estão fazendo cócegas nos meus pés!
— Não precisa se fazer de durona.
— Acha que estou mentindo? Esses terremotos não são nada além de uma bela massagem! Vai precisar de muito mais para me derrubar!
— Pode apenas desistir e tentar outra vez, como você sempre fez. Quem sabe não consegue outro acordo tão generoso quanto o nosso?
— Isso provavelmente é algo que o meu pai também diria.
— Aquele velho não era grande coisa na hora de agir, mas costumava ser bom com as palavras.
— Nesse caso, ambos estariam errados.
— Huh?
— Como Escultores que subiram pelos ranques da resistência, vocês dois já estiveram no lado vencedor algumas vezes.
— Algo tão óbvio não necessita de comentários.
A vogal de maior renome contrastava com o desprezo trazido pela consoante mais detestada. Gritos animados celebravam a vantagem de Kazo, somados a intensidade de vaias intimidadoras contra a jovem insistente. Luzes esverdeadas concederam o passe livre para novas eliminações, contestadas pela resiliência da figura em apuros.
— Por isso, nós jamais seremos iguais — afirmou Proxie.
— Certamente. Aonde quer chegar?
— Como alguém que sempre presenciou derrotas, eu tenho uma certeza incompreensível para você: pelo primeiro momento na minha vida, desta vez eu não posso perder!!!
A perna mecânica se fincou no piso estremecido. Da mesma forma que uma raiz conecta uma árvore ao solo, a jovem perfurou a superfície para manter seu membro inferior firmemente preso. Vibrações incessantes almejaram derrubá-la com uma potência ainda maior do fenômeno destrutivo, sacudindo os arredores como um rugido furioso do subsolo. A força do abalo sísmico tornava impossível para qualquer humano de carne e osso se manter de pé, mas a base metálica resistia, afundando gradualmente na estrutura rachada.
O impacto do duelo reverberou pelo ambiente, na propagação de detritos que preenchiam os ares em um espetáculo de partículas errantes, enquanto a poeira intervia como um obstáculo na compreensão dos detalhes presenciados. Apesar do caos que prejudicava a visibilidade do confronto, olhos atentos se fixaram no inimigo de maior ranque, prontos para enxergar a situação de uma nova perspectiva.
— Achou mesmo que iria garantir a vitória apenas se livrando do moleque? Ele foi a minha ajuda mais recente.
— Aceite o seu destino, fracassada!
— Antes de ele estender a mão para mim, outras pessoas já haviam feito o mesmo.
— Somente idiotas confiaram em você! Eles se arrependerão amargamente desse fato!
— Alguns desses presentes passaram anos ao meu lado. Isso me faz entender perfeitamente os limites destas coisas.
— Que seja! Eu vou te derrubar de uma vez por todas!
Como se expulsassem a garota do chão, a pressão do solo se voltou para a camada mais externa da superfície, através de impulsos constantes que visavam desenterrar a perna fincada. O novo direcionamento dos tremores lançou inúmeros destroços pelos ares, quando a prótese metálica enfim se desprendeu do ponto de ancoragem.
— Você se tornou mesmo um molenga, Kazo. É tão dependente assim desses poderes?
— Acelere as coisas e caia logo, escória.
— Se concentrar tanta força para me tirar do chão, eu vou acabar indo mais alto do que você imagina. Quer mesmo comprar essa briga?
— Quanto maior a altitude de uma despreparada, maior o tombo.
— Manda ver!
Semelhante a um gêiser que expele águas comprimidas, o corpo de Proxie foi impulsionado pelos ares, a partir da vibração arrebatadora. Pés suspensos se viram separados do chão por uma distância que ultrapassou a marca de trinta metros de altura, em uma posição que tornava a Escultora do pior ranque visível para todos na base da resistência.
Nas proximidades do teto da caverna, a jovem recorreu novamente ao planador em suas costas, com as asas do dispositivo abertas e prontas para rasgar os céus. Sobre incontáveis cabeças que nunca a tinham visto no topo, a figura em queda pairou lentamente, direcionada rumo ao oponente de maior categoria.
Sentado, entre a torcida fervorosa na arquibancada do estádio, Jiro observava o instante catártico da competição. Aquela que ele havia conhecido quando criança se encontrava no ápice de sua jornada, planando em cima do Escultor renomado.
“Mesmo que necessitem da combinação das mais específicas condições, há cenários onde apenas fracassados conseguem enxergar a vitória,” pensou o homem experiente.
Tremores devastaram o restante da superfície abaixo da garota, com a finalidade de limitar as possibilidades da aterrissagem inevitável. Rupturas comprometeram a integridade do grande palco, de modo que o único terreno viável para pouso se concentrou nos arredores de Kazo.
“O seu adversário nunca esteve nos níveis mais baixos, Proxie. Seus olhos podem ver oportunidades que ele jamais precisou enxergar,” continuou o espectador.
Enquanto percorria os ares com a tecnologia em suas costas, a jovem se recordou de situações vivenciadas no passado. Memórias de sua última luta a lembraram dos esforços exercidos contra Tyler, durante a adversidade trazida pelo furacão da relíquia outrora enfrentada. Lembranças de data ainda maior evocaram sentimentos antigos, frutos da infância desafiadora da garota, na época em que seu corpo ainda tentava se adaptar à perda da perna biológica. Contextos diversos haviam marcado a vida infortunada com tragédias a serem superadas.
“Dificuldades para andar? Problemas para se aproximar? Você certamente já experienciou essas coisas antes,” concluiu Jiro.
Sobre a cabeça de Kazo, as asas do planador se fecharam para garantir uma queda direta. Proxie despencou rumo ao oponente restante. Com a perna mecânica esticada para um acerto definitivo, ela preparou um chute, enquanto caía com todo o peso na direção do inimigo.
O homem alvejado olhou para cima, segundos antes da jovem ameaçá-lo com o contato iminente. Embora a movimentação ofensiva apresentasse nítido perigo, nada parecia abalar a segurança daquele que jamais tinha conhecido o gosto da derrota. Sua voz grossa acentuou a convicção nas afirmações prestes a serem ditas.
— Sem os portais do pirralho, você nunca vai me acertar. Basta um desvio e seu ataque falhará.
— É mesmo? Então acho melhor se esquivar bem. Tomara que seja mais habilidoso do que o último idiota que eu chutei!
Gritos entusiasmados confiaram nos reflexos do competidor favorito, uma vez que a vogal no traje personalizado fez a torcida acreditar cegamente na vitória do mais forte. Acompanhando a empolgação alheia, luzes verdes acenderam os ânimos da disputa, na criação de um cenário onde o próximo deslize significaria o fim do torneio.
Em uma reação invejável, Kazo desviou do golpe de Proxie. Sem a possibilidade de se reposicionar, a jovem foi ao chão, quando a colisão com a superfície resultou em um impacto estrondoso. Fragmentos rochosos se espalharam pelo ar, no ambiente onde a poeira dificultava a compreensão da conclusão inusitada. Ninguém sabia ao certo o desfecho do ocorrido.
— Esse resultado era inevitável, escória.
— É realmente uma pena. Vai demorar mais um pouco para eu amassar esse seu rosto patético!
Contrariando as expectativas de todos que acompanhavam o duelo, a poeira se dissipou após alguns segundos, à medida que permitiam a visualização das duas figuras remanescentes, ambas ainda de pé. A perna metálica se fincou no piso de mármore, como uma âncora que mantinha o equilíbrio da garota. Frente a frente, os dois combatentes se entreolharam de uma distância propensa para ataques corpo a corpo.
— Impossível… Por que você apenas não cai logo, pirralha!?
— Com as nossas posições estando tão próximas, você não pode usar a sua relíquia.
A ausência de tremores garantiu um confronto livre de poderes sobrenaturais. O final do evento seria decidido somente entre os esforços de corpos exaustos. Gotas de suor deslizaram sobre a pele do Escultor de Ranque A, no instante em que calafrios o fizeram sentir o temor da situação atípica.
— Toda essa estupidez estava nos seus planos?
— Eu percebi algo mais cedo…
— É um blefe! Uma fracassada jamais encontraria uma forma de me derrotar!
— Você nunca passou por esse tipo de situação, não é? Eu nunca tive uma dessas coisas! Foi assim que eu sempre lutei!
— Que idiotice! Com ou sem relíquias, você jamais vai me alcan—
Uma cabeçada interrompeu a fala afobada. Após o contato avassalador com a testa de sua oponente, Kazo despencou sobre o palco iluminado. O brilho verde das lâmpadas na arena evidenciou a queda derradeira. De cabeça erguida, Proxie encarou o sujeito inconsciente, com uma visão que se impunha de cima para baixo.
— Ele… Ele caiu! A garota venceu o último embate da noite!!! — declarou o apresentador do grande evento.
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